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CAMARA DOS DIGNOS PARES.
Sessão de 9 de Fevereiro de 1836.
O Sr. Vice-Presidente occupou a Cadeira, e disse que estava aberta a Sessão, sendo tres quartos depois do meio dia.
Feita a chamada pelo Sr. Secretario Machado, declarou estarem presentes 32 Dignos Pares, faltando 17, e destes, 4 com causa motivada.
O Sr. Secretario Conde de Lumiares participou á Camara que o Digno Par Luiz de Vasconcellos não podia assistir á Sessão de hoje. — A Camara ficou inteirada.
O mesmo Sr. Secretario leu a Acta da Sessão de hontem, que foi approvada sem reclamação.
O Sr. Secretario Machado deu conta de dous Officios do Ministerio da Guerra: 1.º remettendo os esclarecimentos que pela Camara se haviam pedido, sobre Caudelarias; e o 2.º remettendo igualmente os esclarecimentos que se exigiram sobre objectos de Veterinaria. — Estes foram remettidos á Commissão de Administração Interna; e aquelles ficaram na Secretaria para serem remettidos á Commissão Especial, que para este fim se ha de crear.
O Sr. Conde de Lumiares: — Por parte da Commissão encarregada de apresentar á Camara um Projecto de Regimento externo, tenho a fazer um requerimento: ella tem quasi os seus trabalhos promptos, falta-lhe porém aquella parte que diz respeito aos casos em que a Camara dos Pares se ha de formar em Tribunal de Justiça; e para a auxiliar desejava que se lhe reunissem os dous Dignos Pares Visconde do Banho, e Barão do Sobral: por tanto peço a V. Ex.ª proponha á Camara se convém nisto.
O Sr. Vice-Presidente assim o fez; e a Camara resolveu affirmativamente.
ORDEM DO DIA.
Foi segunda vez lida a Proposição do Sr. Visconde do Banho, a fim de se mandarem Commissarios Regios ás Possessões Ultramarinas, para informarem do estado dellas; dirigindo a Camara, para este effeito, uma respeitosa Mensagem a Sua Magestade a Rainha. (V. Diario N.º 36, pag. 182.)
Na conformidade do Regimento, teve a palavra para a sustentar, e disse o seu auctor
O Sr. Visconde do Banho: — Eu aproveito a discussão tão ampla, que houve na passada Sessão, para com ella apoiar a minha indicação de hoje, sem desmaiar depois da derrota de hontem. É fóra de duvida, que ainda que se possam dar providencias em favor das nossas Possessões Ultramarinas, isto se não póde fazer sem termos informações exactas de quaes sejam as suas necessidades, o que senão é possivel saber, sem adoptar o meio que proponho, que só por elle poderemos ter conhecimento do estado em que se acham as nossas Possessões. É mesmo muito difficultoso saber hoje qual é a Legislação antiga, que alli havia. Por exemplo, em Macáo a Junta de Justiça era organisada de um modo, segundo convinha, em attenção ás nossas relações com a China, de tal fórma, que se póde dizer, que a Soberania Portugueza em Macáo se não exercia da mesma fórma, que nas outras Possessões. Moçambique tambem tinha regulamentos particulares; Angola outros, etc. Em Gôa o systema era differente, assim como a consideração dos nossos Monarcas por aquelle Estado, porque sempre o espirito Portuguez de alguns descendentes das primeiras familias de Portugal, alli residiu, e posto que o abatimento da antiga opulencia tinha diminuido sua consideração, ha individuos, que se prezaram sempre descender do sangue Portuguez o mais illustre. Gôa é um pequeno resto de um grande Imperio tão glorioso para Portugal. De todas estas differenças se segue, que não é possivel que cá da Europa se saiba o estado daquelle Paiz; isto é, na parte practica; porque se consultarmos a theoria na parte Legislativa, acharemos que entre nós tem havido um espirito sempre extraordinario, de cercear Legislação na sua execução; isto acontecia em Portugal, á vista dos Legisladores (fallo do tempo antigo), e o que seria no Ultramar, aonde a Lei era muitas vezes a vontade do Governador, levando os mesmos Governadores muitas vezes instrucções secretas. Neste estado o que se precisa saber é o que lá se faz, e se fazia; para isto são necessarios, conhecimentos de facto, os quaes não podemos ter sem informações particulares e dadas por individuos encarregados de o fazerem debaixo de responsabilidade. Esta lembrança, não é minha particular, é lembrança que tirei do que ha tempos tem practicado a Casa dos Communs em Inglaterra, que pediu a S. M. Britanica mandasse Commissarios Regios saber do estado das suas Possessões. Eu tenho em meu poder alguns Relatorios de Mrs. Bigge, e Colebroke. Tenho igualmente outros Relatorios, e os quesitos propostos pelo Governo Britanico, tudo digno da nossa imitação. Póde haver sobre isto uma unica objecção, que vem a ser, a despeza a que direi; se estamos com taes duvidas todos os dias, é melhor então abandonarmos tudo, e offerecermos á Europa um espectaculo de inacção, e de timidez, faltando a deveres tão rigorosos, como o de attender ao estado do Paiz. Eu sou franco; esta palavra economia tem sido um alpendre, aonde se tem recolhido muita gente emula dos empregos, que outros por maior fortuna occuparam; e donde fallam os especuladores politicos, que soffreram aquillo, que os Inglezes chamava disappointment. Apezar da mudança de differentes Administrações, existe a mesma timidez, como que ellas tenham estado em uma inteira desconfiança. Se as Camaras não tiverem força, então deixemo-nos de ir para diante, ficarão muitas cousas por fazer, por as Côrtes não se resolverem. Mas não penso assim e estou certo que a authoridade publica ha de ter força, tanto as Camaras, como a authoridade Executiva. No Conselho de Estado ha pessoas, como antigamente se dizia = elosas de serviço de Deos, e da Rainha, e o Governo dentro dos attributos do seu poder póde consultar, e ser auxiliado, para provêr a muita cousa. O Senhor D. João V tirou muito partido, e ouviu muito os homens de Estado do seu reinado: não tendo propensões militares, estabeleceu escólas militares, para obviar á ociosidade da gente de guerra, e deu muitas providencias uteis, e que honram o seu reinado. Nós hoje estamos constituidos diversamente, e não são feitas as Leis pela só vontade do Rei, são feitas pela Junta Nacional, que são as Côrtes; porém muitas cousas ha, que o Governo tem authoridade para fazer, assim como carece de preparar medidas, que exijam a interposição da authoridade legislativa.
Estas são as razões em que fundo esta petição, que faço á Camara: ella talvez não esteja exposta devidamente, porém como ha de ir a uma Commissão, esta com o seu saber a proporá de uma melhor forma. Entretanto o que me parece é, que o meu pedido não é extravagante; está fundado nos usos, e Costumes da primeira Nação do Mundo, e que tem dado exemplos para todos imitarem; está fundado na boa razão, porque ha cousas que se não podem fazer, sem conhecimento de causa; e por que depois da deliberação desta Camara, ha de Sua Magestade ainda dicidir. — Eu acho que é uma atrocidade vêr as nossas Colonias estarem-se dilacerando, sem lhes acudir; e que conceito se ha de formar da Metropole, quando ella vê a sangue frio desgraças continuadas? Eu fundo tambem a minha opinião, no estado em que o Sr. Ministro da Marinha no-las pintou no seu Relatorio. É preciso por tanto pôr um termo a estes males, e seus conhecimentos exactos não podemos fazer cousa alguma. Não é possivel confiar sómente nos artigos que se acham em publicações, a maior parte dos quaes se imprimem, para o commercio de livros. As ultimas informações, que tenho de Timor, e Solôr datam do anno de 1798, em noticias particulares. Não se póde pois saber o verdadeiro estado das nossas Possessões Ultramarinas senão mandando Commissarios Regios; é verdade como já disse que isto fará despezas porém se para tudo havemos de ouvir esta resposta, então torno a dizer abandonemos aquellas cousas, para que é preciso dinheiro, porque é demasiadamente verdadeiro o dicto Francez = point d'argent, point de Suisse.
O Sr. Visconde de Fonte Arcada: — Eu levanto-me para apoiar o Digno Par; verdade é que depois do muito que elle disse sobre, a materia, com a sua costumada eloquencia, desnecessario seria dizer mais nada; porém como eu já aqui apresentei nesta Camara um Projecto que tende a que tenhamos todos os esclarecimentos precisos, julgo que devo apoiar a Proposta do Digno Par. — Realmente o desleixo em que se acham as nossas Possessões requer, que as Côrtes tomem uma medida para que quanto antes se remedêe similhante desleixo, por que realmente nos envergonha; e temos assentado que não devemos tractar se não de Portugal, e ainda mesmo muita parte de Portugal está em abandono. Quanto á economia, eu sou um partidista della, mas a minha economia não é para evitar despezas uteis; porém sim para que economisando no superfluo, possa haver dinheiro para o necessario; nada mais direi; e concluo apoiando a proposta dos Digno Par.
O Sr. Conde de Lumiares: — Este objecto parece-me dos mais importantes que tem apparecido na Camara; porém qualquer resolução que possa haver, sobre elle é prematura; em quanto aqui não vierem os Ministros da Corôa, para nos darem todos os esclarecimentos que poderem, sobre o estado actual das nossas Possessões Ultramarinas: este é o meu voto.
O Sr. Barão de Renduffe: — Sr. Presidente: eu peço a V. Ex.ª que faça cumprir o Regimento; a Proposta não está em discussão, e tem-se fallado sobre ella.
O Sr. Visconde de Fonte Arcada: — Parece-me que assim como um Digno Par póde sustentar a sua Proposta, tambem eu tenho o di-