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que ainda que as suas disposições apresentavam muita clareza; não dispensavam o Governo de fazer os necessarios regulamentos para serem levados a effeito. A emenda, que apresenta o Digno Par, de certo modo está, e amplamente deve ser providenciada pelo regimento dos Governadores Civis, e dos Administradores de Concelho, os quaes são obrigados, a visitar todos os estabelecimentos de caridade ou beneficencia, o que hoje cumpre mais immediatamente ás Juntas de Freguezia: entretanto como nesta Lei vão muitas disposições, que eu já designei como regulamentares, não vejo inconveniente em que vá mais esta, e a Commissão adoptará a emenda ao artigo que lhe parecer mais conveniente. Não ha duvida que, mesmo pelo que se determina no artigo 8.º, sendo abolido o logar de Mordomo dos expostos; tendo acabado os antigos Provedores, e não se achando aliás bem montada a este respeito, a maquina Administrativa, não ha duvida que devem adoptar-se quaesquer cautellas sobre objecto de tanta transcendencia: por isso não me opponho a que a emenda vá á Commissão, que tractará de a inserir onde mais proprio pareça.
Julgada a materia sufficientemente discutida, foi o artigo 7.ª posto á votação e approvado; resolvendo a Camara, quanto ao additamento do Sr. Conde de Lumiares, que passasse á Commissão, a fim de o collocar, onde mais conveniente lhe pareça; manifestando convir na doutrina do referido additamento.
Passou-se a discutir o seguinte
Art. 8.º Fica extincto o logar de Mordomo dos Expostos creado pelo Álvara de 18 de Outubro de 1806. Cessará a competencia que em algumas terras do Reino estava incumbida ás Santas Casas de Misericordias a respeito de Expostos, tornando-se a sua administração uniforme em toda a parte pelo modo prescripto na presente Lei, cumprindo-se fielmente as disposições do citado Alvará, que por esta não ficam derogadas.
Disse
O Sr. Freire: — Esta disposição, como eu já disse, tem em vista o fazer com que seja regular a Administração; e por conseguinte como é para uniformidade convém que seja posta aqui.
O Sr. Vice-Presidente, poz á votação este artigo, e foi approvado; assim como tambem os seguintes sem discussão.
Art. 9.º A designação das quotas dos Concelhos para sustentação dos Expostos, fará um dos objectos expressos da deliberação das Juntas Geraes de Districto nas suas Sessões annuaes. O Governador Civil lhes apresentará miudas contas da administração de cada uma das Rodas, e as Juntas darão as providencias, que considerarem convenientes, na conformidade das Leis e Decretos regulamentares, que o Governo promulgar, decidindo tudo o que pertencer ao melhoramento desta administração.
Art. 10.º Ficam revogadas quaesquer disposições em contrario.
O Sr. Vice-Presidente: — A Commissão de Administração que fez este Projecto, poderá ámanhã apresentar a nova redacção delle, tendo em consideração a emenda ou addicionamento que fez o Sr. Conde de Lumiares. — Além disto se fará leitura dos Pareceres que as Commissões tiverem promptos: e já previno a Camara; de que no Sabbado a ordem de dia, será a discussão do Parecer que se mandou imprimir, sobre o modo de supprir as vagaturas dos Membros do Supremo Tribunal de Justiça.
O Sr. Visconde do Banho: — Permitta-me V. Ex.ª que eu faça uma pergunta ao Sr. Ministro dos Negocios do Reino. Eu formava tenção de fazer uma Proposição, para se enviar uma Mensagem ao Throno, pedindo a conservação de todos os Monumentos historicos, e dos edificios que estão abandonados, que pela sua architectura e recordações historicas seria dó serem vendidos, para d'elles se aproveitar a pedra. Eu pergunto a S. Ex.ª se me poderá dar algumas informações, a respeito das vistas em que está o Governo de Sua Magestade.
Creio que o Sr. Ministro não virá preparado para isto, mas como sei, e conheço bem a sua literatura, e amor da patria, supponho que sobre este objecto elle ha de ter a mesma opinião. O meu desejo é que se ponham debaixo de protecção aquelles edificios que eram de Communidades supprimidas, ou mesmo de Irmandades que os tenham desamparado, e que são de natureza admiravel, para que se conservem, ainda mesmo que existam por acabar. Bem perto de Lisboa havia um edificio aonde jazem os restos mortaes de dous grandes homens que teve Portugal, D. João de Castro, e João das Regras. Deve-se ao zelo de um Digno Par, que se acha aqui, o ter concorrido para que se não demolisse aquelle edificio. Que vergonha não seria para a geração presente qualquer prova do pouco respeito que se teria aos restos de homens, cuja memoria deve ser venerada em quanto existir o nome Portuguez que elles tanto illustraram. Eu sei perfeitamente qual a situação critica em que se acha o Thesouro; porém julgo que não estamos ainda em circumstancias de tanta miseria, que seja necessario vender as campas: que cobrem as sepulturas do grande Condestavel, de D. João de Castro, e de homens desta classe, para poder subsistir a causa publica. Seria uma desgraça depois da Carta, e mesmo ainda que a não tivessemos, o declarar que nós principiavamos os estudos das Artes, deitando abaixo as producções das mesmas Artes; isto lembraria o cair para levantar, titulo de um Drama Hespanhol. Senhores, nunca deveremos dar logar a dizer-se que a Nação Portugueza não é civilisada. Aquella nação que despreza as Artes, nem se póde chamar livre, nem o poderá ser. Devemos mostrar á Europa que nós merecemos a Carta, que nos foi outhorgada. As Artes são irmãs da liberdade, e esta é filha primogenita da justiça: ninguem poderá pretender demonstrar o contrario disto, e só os estúpidos terão taes pretenções. Estou persuadido que não será preciso para este fim fazer uma Mensagem ao Throno; porque é muito provavel, e estou seguro que o Sr. Ministro dos Negocios do Reino não se poupará de empregar todos os meios possiveis para salvar da barbaridade aquelles edificios, que não attestam a nossa gloria, mas até servem como de monumentos historicos, e cuja existencia muitas vezes é preciso fazer referencia em certos pontos da Historia Portugueza. Espero pois que esta minha lembrança achará em S. Ex.ª acolhimento; e que o seu enthusiasmo pela patria junto ao seu muito saber, e imaginação lhe indicarão os meios adequados, para se conseguir este objecto. Aproveitarei esta occasião para observar, que já o anno passado eu requeria a esta Camara lembrasse ao Governo para pôr em pratica nas Leis o formulario, que a Carta manda; accrescentarei que nas duas publicações das Leis desta presente Sessão, esqueceu inteiramente o formulario da Carta. Eu não me queixo dos Senhores Ministros, mas peço que elles inspecionem bem esta parte dos trabalhos das Secretarias, porque além da belleza de se executar a Carta, não ha difficuldade, que justifique a falta de execução neste objecto.
O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — O que acaba de dizer o Digno Par o Sr. Visconde do Banho, é uma cousa tão clara, que o Governo não póde deixar de confessar perante a Camara, que fará todo o possivel para o satisfazer. Eu já tenho expedido ordens pelo meu Ministerio para este fim, mas desgraçamente uma grande parte dos edificios tinham sido estragados ou no todo, ou em parte, o que faz com que não seja possivel continuar-se a garantir o seu bom estado, e que elles soffram ainda por algum tempo. — Em quanto porém ao objecto moveis, deram-se as possiveis providencias, e tem-se recolhido, e arranjado em depositos estabelecidos para a sua reunião. O passo preliminar está dado; porém necessariamente se hão de perder alguns, e estragarão muitos, porque bastantes dos que tem sido recolhidos tem já não pequeno estrago; por quanto, isto foi executado por pessoas nada cuidadosas, que os estragaram por tal forma, que lhe fez perder o merecimento que tinham, e que aliàs não perderião se continuassem a estar no seu logar; como acconteceu, por exemplo, no Convento de Christo em Thomar. — Porém está-se tractando da sua reparação tanto quanto é possivel: — por esta occasião se tem descoberto uma grande parte destes objectos, que estavam ignorados, e se suppunham perdidos; porque quando os Francezes entraram em Thomar, os Padres para que lhe não estragassem as pinturas, tomaram o expediente de as tapar com taboas, que pintaram depois por cima; e apesar de que com isto lhe resultou estrago, com tudo tem-se trabalhado em aproveitar estas mesmas taboas, nas quaes se acham algumas pinturas, como uma perna ao pé de uma cabeça etc. O Governo pois continuará a fazer as possiveis diligencias para este fim, pelo menos da minha parte eu hei de fazer por salvar o que fôr digno disso.
Pelo que pertence ao outro ponto, isto é, do formulario das Leis, tenho a dizer que eu tambem reparei nisso; porque não é aquelle o que a Carta estabelece; mas isto ha de ser reparado, e dar-se-hão as providencias para que se não torne a repetir.
O Sr. Visconde do Banho: — O Sr. Ministro esqueceu-se do ponto em que eu toquei, isto é, dos edificios. Eu lembraria o methodo usado no tempo do Marquez de Pombal: quando se supprimiu a Ordem dos Jesuitas deram-se as Igrejas a Corporações e Confrarias. Este systema, sendo adoptado concorrerá, para se poderem conservar os edificios de estimação. Nós temos em Lisboa entre outros dous edificios incompletos, que creio será uma pena deitarem-se abaixo: um delles foi começado a edificar-se ha já muitos annos que é o de Santa Engracia, e o outro de construcção moderna, que é o de S. Francisco, os quaes me parece devem ser conservados, e outros mais. Temos edificios de tal sumptuosidade em Portugal, que as Artes perderiam muito em elles se deitarem abaixo.
Pela pintura que fez a este respeito o Sr. Ministro se vê qual é o resultado de uma guerra civil, e o pouco apreço, e nenhum respeito, que tem ás Artes os individuos para quem ellas são indifferentes, e que as não estimam,
O modo porque se fez a remessa de alguns objectos de estimação segundo a exposição, que acaba de fazer o Sr. Ministro dos Negocios do Reino traz á minha lembrança o que a historia Romana refere de Mummio, que contractando com alguns mestres de embarcações para transportarem para a Italia as pinturas, e estatuas, producção dos melhores artistas da Grecia, e que faziam parte dos despojos da conquista feita pelos Romanos; reparai, disse o chefe Romano, que se perderdes alguma destas estatuas, ou pinturas, tereis de por outra em logar della: eis o juizo a que estão sujeitas as producções das artes, quando dellas decide quem, nem tem gosto por ellas, e é encarregado de similhante incumbencia.
O Sr. Freire: — Como se fallou em imperfeição de Legislação, lembra-me dizer ao Sr. Ministro dos Negocios do Reino, que será necessario fazer-se quanto antes, uma Collecção das Leis novissimas com milhor regularidade e exactidão do que o está uma que appareceu, a qual é imperfeitissima; por quanto na reunião que se fez á novissima, da publicada na Terceira; e na transmissão que se fez da velha para a nova Collecção, houve imperfeições. Quando eu estive na Secretaria do Reino tinha dado algumas providencias a este respeito; consta-me que depois da minha saída, fôra encarregado isto a uma pessoa muito habil; mas soube depois que elle se tinha dado por doente, e que não continuou neste trabalho; porém seria muito util que elle desse os trabalhos que já tinha, se alguns houvesse já feito: — S. Ex.ª saberá milhor d'isto do que eu; porém desejava que se encarregasse isto a alguem; porque é de muita necessidade o recolher á Legislação novissima, tudo o que houver da Legislação da Terceira, organisando uma Collecção completa até hoje — o que muito convém para não estar sempre a folhear as Chronicas, quando se precisa procurar qualquer Lei d'aquelle tempo, como a mim me tem acontecido. Como isto é uma falta, e muito grande, pediria eu ao Sr. Ministro do Reino providenciasse a este respeito, e mesmo que não poupasse as precisas despezas para isto se conseguir.
O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — O que acaba de dizer o Digno Par, é exactissimo; porque com effeito a publicação da Legislação novissima está no peior estado que é possivel. Não se seguio a ordem das materias porque estas estão misturadas; nem a ordem das datas, porque ellas se acham invertidas e interpolladas: realmente nesta publicação não ha ordem alguma, nem de materias, nem de datas. Quando eu tomei conta da pasta do Reino, achei que o Official encarregado deste trabalho tinha parado com elle; porque havia dado parte de doente; e por isso não poude continuar nelle.
Acontece porém que é tão grande a confusão, e a falta que ha das Leis impressas, que obriga, quando se determina uma cousa a qualquer authoridade, e para que ella possa fazer o serviço exactamente, a mandar-lhe tambem uma copia de Lei que diz respeito áquelle objecto; porque ha muitas dellas que mesmo na imprensa Regia não existem. Quando eu fui