O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 248

248

CAMARA DOS DIGNOS PARES.

Sessão de 18 de Fevereiro de 1836.

Sr. Vice-Presidente tomou a Cadeira, e abriu a Sessão sendo meia hora depois do meio dia; e feita a chamada, declarou o Sr. Secretario Machado que estavam presentes 27 Dignos Pares, faltando 23, e destes, 5 com causa motivada.

O Sr. Secretario Conde de Lumiares leu a Acta da Sessão antecedente, que foi approvada sem reclamação.

O Sr. Secretario Machado mencionou o seguinte expediente: — 1.º um officio do Ministro da Guerra, remettendo um Plano sobre Caudelarias, offerecido no anno de 1802 por D. Luiz de Sousa; e uma informação sobre o mesmo objecto dada em 1801 pelo Corregedor d'Evora, Joaquim José de Carvalho. — Estes papeis passaram á Commissão Especial de Caudelarias: — 2.º outro officio do mesmo Ministro remettendo um Discurso do Medico Gregorio José de Seixas, sobre Veterinaria. — Passou á Commissão de Administração.

Leu tambem o Sr. Secretario mencionado as Petições (apresentadas na Sessão de hontem pelos Dignos Pares Conde de Villa Real, e Visconde de Porto Covo), a primeira da Mesa e Junta Geral da Veneravel Ordem Terceira do Carmo da Heroica Cidade do Porto; e segunda, da Camara Municipal da Villa de Azeitão. — Aquella passou á Commissão de Administração; e esta á de Legislação.

O Sr. Barão de Renduffe, Relator da Commissão de Legislação, leu o novo Parecer da mesma ácerca da Proposta da Camara Electiva, sobre o modo de supprir a falta de Membros do Supremo Tribunal de Justiça. — Mandou-se imprimir para entrar opportunamente em discussão.

ORDEM DO DIA.

Entrou em discussão por artigos o Projecto de Lei sobre expostos, já approvado em geral na Sessão de hontem.

O Sr. Secretario Machado leu o seguinte

Art. 1.º A despeza das Rodas, e creação dos Expostos, será feita por Districtos Administrativos á custa de todas as Municipalidades de que cada um delles se compõe.

Obteve a palavra, e disse

O Sr. Freire: — Este artigo comprehende a doutrina geral do Projecto, pois que todos os outros são o desenvolvimento delle, e pouco terei a accressentar, além do que se disse hontem na discussão do Projecto em geral, e só direi, que é preciso fixar bem a idéa da palavra rodas. — A Commissão não quiz sómente, que se entendesse por essa palavra o Estabelecimento, no qual se recebem os expostos dos Concelhos, tal qual elle se acha, em consequencia longe está de querer obrigar o Governo, a que assim os conserve, até mesmo, porque não ha Lei alguma porque fossem constituidas as rodas, e em consequencia da qual ellas fossem formadas como estão; tem sido feitas por differentes ordens geraes, e nada ha, que obrigue o Governo, a que conserve taes Estabelecimentos no pé, em que se acham, antes pelo contrario eu espero que em consequencia desta Lei, o Governo dará muitas providencias, para os melhorar. Não se deu a esta Lei um desenvolvimento pratico, por se julgar desnecessario, e eu mesmo convenho, que muitas cousas, que aqui se apresentam, não necessitavam de medida legislativa; por tanto a questão simples, e unica, e que eu muito me lisonjeio de ver, que já obteve a Sancção da Camara, é provêr ás necessidades daquelles Estabelecimentos; fazer com que as despezas, que até agora se faziam por Concelhos, se façam hoje por Districtos, concorrendo para ellas todos os Concelhos, ainda mesmo aquelles, que não tenham rodas, para que estas despezas recaiam sobre todos, e não sobre mui poucas Cidades, e Villas como até agora, e ao mesmo tempo, que a sua Administração seja em tudo uniforme, e regular, combinando algumas medidas provisorias com o modo de occorrer a este serviço para o futuro, quando se reunirem as Juntas de Districto, a quem já muito incumbe, o providenciar sobre muitos destes objectos.

Não se fazendo outra observação, foi o artigo 1.º posto á votação, e approvado.

Passou a discutir-se o seguinte

Art. 2.º Logo que os Governadores Civís tiverem obtido orçamentos, e informações exactas da receita, e despeza das Rodas dos Expostos do seu Districto, o Governo fará reunir extraordinariamente na respectiva Capital cada uma das Juntas Geraes de Districto para os seguintes fins; a saber: 1.º Determinar o numero, e local das Rodas, que devem existir no Districto, supprimindo, creando ou transferindo estes Estabelecimentos como lhe parecer conveniente: 2.º Designar á vista dos orçamentos, a quantia com que cada um dos Concelhos de Districto, deve concorrer para a manutenção dos Expostos.

Sobre o qual pediu a palavra, e disse

O Sr. Visconde do Banho: — Eu não me levanto, para impugnar o Artigo, é sómente para pedir ao Digno Par, Relator da Commissão, que me esclareça sobre uma duvida, que tenho sobre o que aqui se diz = á vista dos Orçamentos. = Eu desejaria saber, senão seria conveniente declarar-se que aquella derrama parcial década um dos Concelhos, devia fundar-se, ou na população, ou na riqueza do Districto, e não deixar isto ao arbitrio da Junta do lançamento. Parece-me que me tenho explicado: torno a repetir que não impugno o Artigo, porém parece-me que devia fazer-se alguma declaração, para que esta derrama não ficasse inteiramente ao arbitrio da Junta. Com a resposta do Digno Par Relator tomarei a resolução, a que ella me conduzir.

O Sr. Visconde de Villarinho de S. Romão: — Alguns dos meus Collegas Membros da Commissão, darão melhores informações do que eu; mas sempre direi alguma cousa: este Artigo tem referencia ao Art. 9, que diz assim (leu.) De maneira que esta Lei tem ainda dependencia do Regulamento que houver de fazer-se; aqui não se dá mais que as bazes, o Governo hade fazer os Regulamentos, e as Juntas hão de governar-se por elles.

D S. Visconde do Banho: — Parece-me que estamos ainda fóra da questão; essa authoridade é que eu não concedo ao Governo, porque é privativa das Côrtes; mas como esta Lei tem uma falta, que não póde deixar de ter, porque quando se tractar de tributos ha de ser necessaria á authoridade da outra Camara; sem todavia esta Camara lançar tributos, póde inculcar algum meio delles serem bem lançados. Não torno a repetir o que já disse, porque me parece, que tendo apresentado uma idéa simples, a tornaria confusa com mais explicações.

O Sr. Freire: — Eu entendo perfeitamente a idéa do Digno Par, e acho-a de muita utilidade; mas no Artigo não se tracta de fazer a derrama nos Concelhos numericamente só porque são Concelhos; esta é a baze, mas para fazer a derrama é que se juntam as Juntas de Districtos, e então cada um ha de pugnar pelos seus Concelhos, e pelos seus interesses: es-

Página 249

249

tas Juntas são formadas não só para este fim, mas para regularem todas as despezas do Districto, e todas ellas hão de tractar deste objecto com interesse; eu entendo que é justissima a idéa do Digno Par, e approvo-a, mas entendo tambem que neste logar não precisa ir mais esta declaração; e ainda por outro motivo como já hontem observei: este Artigo é provisorio para o anno presente, e é muito facil por uma regra de Companhia, sabendo as possibilidades de cada um dos Concelhos fazer proporcionalmente a derrama sem haver desigualdade; além disso a Commissão teve a delicadeza de não querer tocar em artigo de tributos, porque não são da sua competencia; e já está o Artigo 9.º, que servirá de norma para o futuro; mas agora como esta disposição, é provisoria, era necessario indicar o que convém fazer desde já, e é provavel que na reunião successiva das Juntas se reclame qualquer desigualdade, que possa aparecer nos primeiros ensaios.

Julgou-se a materia sufficientemente discutida; e foi o Art. 2.º posto á votação e approvado; assim como o seguinte sem discussão.

Art. 3.º O Governador Civil remetterá logo ás Camaras Municipaes, cópia da Acta da referida Sessão da Junta, para que immediatamente preencham a quantia que fôr arbitrada a cada Concelho.

Leu-se o seguinte:

Art. 4.º Os Administradores dos Concelhos debaixo das Direcções da Camara, enviarão por semestres a referida quantia, ao Cofre do Districto, ou áquelle que lhe fôr indicado pelo Governador Civil.

A respeito do qual disse

O Sr. Freire: — Ainda que a cousa é clara com tudo como ha de acontecer que se hão de formar novos estabelecimentos, ou Rodas filiaes, e que esses hão de receber dinheiro para o seu costeamento, pareceu que em logar dos Concelhos visinhos o mandarem para o cofre do Districto, o entregassem por simples Ordens no Concelho em que estiver a Roda, sem que a contabilidade deixe de ser uma, e unica; para que não aconteça o mesmo que acontecia antigamente que vinha o dinheiro de Tras-os-Montes, e tornava para lá, ou para uma Provincia contigua, só para dar commissões a quem fazia a remessa; hoje a administração deve fazer-se com papeis por meio de uma escripturação central, os fundos empregam-se aonde existem, e são necessarios ou passam por transacções d'um para outro local sem para lá conduzir o metal, a não ser no caso unico de não poder alli realizar-se.

O Sr. Visconde do Banho: — É nesta parte do Projecto que eu tambem desejava fazer uma observação, e é que será necessario estabelecer por Lei, o logar aonde se devem fazer os pagamentos ás amas. Faço esta observação, porque sentem querido tirar partido desses miseraveis pagamentos, porque tem muitas vezes acontecido, que as pessoas encarregadas de fazer estes pagamentos tem querido negociar com esta pobre gente; e muitas vezes hindo as amas buscar os seus pagamentos, tem alguns dos que são encarregados de pagar, tractado de lhe fazer receber linho, e os generos que tem nos seus armazens, ou lojas. É forçoso evitar tudo aquillo, que póde concorrer, para que estes pagamentos se façam com pouca exactidão; parecia-me que se declarasse igualmente na Lei, aonde se deviam fazer estes pagamentos, e que o local fosse, aonde menos incommodo causasse ás amas. Posso até informar que houve algumas occasiões de haver rebates sobre taes pagamentos. — Parece-me que taes idéas devem merecer a consideração da Camara, porque é facil por termo a tão grandes abusos.

O Sr. Barão de Renduffe: — O Digno Par Relator da Commissão já tinha dito antes de se approvar o artigo 3.º que este era regulamentar, mas que era necessario que apparecessem Leis para mais clareza; e agora o artigo 4.º diz (leu). E eu proporia a supressão das palavras = debaixo das Direcções da Camara = porque as Camaras não tem neste negocio mais que a distribuição dos tributos, e para evitar conflictos, que já bastantes tem havido entre as Authoridades Civís, e as Camaras, parecia-me conveniente a eliminação que proponho porque a não supressão tambem não conduz á melhor clareza do artigo; desta fórma ficando salvo o principio regulamentar que a Commissão entender dever expressar, não resta a ambiguidade que poderia entender-se de uma ingerencia, que esta Lei não dá as Camaras Municipaes sobre o destino do dinheiro; parece-me pois que a Commissão não terá difficuldade em convir nisto.

O Sr. Freire: — Respondendo á primeira reflexão do Sr. Visconde do Banho, digo que a approvo porque a intenção da Commissão não era outra senão que as amas fossem pagas nos Estabelecimentos em que servem; porém como isto é regulamentar não sei se será muito minucioso declarar-se na Lei; entretanto não tenho duvida em o propôr na Commissão, para que se introduza esta idéa de alguma maneira. — Em quanto a segunda observação do Sr. Renduffe, não me parece que aquellas palavras se possam eliminar, pois que estes dinheiros não dinheiros publicos são puramente municipaes, e como as Camaras são a ultima escala das Juntas de Districto, por isso pareceu que a ellas pertencia vigiar se aquelle dinheiro se applicava ou não como devia, e creio que não ha nada de máo, em que as Camaras tenham esta ingerencia de fiscalisar o que é puramente do municipio.

O Sr. Barão de Renduffe: — Eu não insistirei muito na minha Proposta; posto que tambem não esteja convencido do contrario: parece-me que o Digno Par disse que este dinheiro resultante da quota que fosse lançada, era dinheiro municipal; e eu digo que é dinheiro provincial que entra nos Cofres do Districto: por tanto a Camara Municipal não tem mais que a obrigação de fazer lançar a quota parte, que a Junta Geral de Districto impoz a cada Concelho, e nisto acaba toda a sua ingerencia financeira neste negocio; em consequencia ainda me parecia que ficando salvo o principio regulamentar, como effectivamente tambem eu o deixei, se podiam eliminar aquellas palavras; porque o officio da Camara limita-se só a mandar fazer o lançamento do imposto, e o officio do Administrador, limita-se nesta parte em fazer as remessas dos dinheiros, não tendo que obedecer em nada disto á Camara, e só ao Governador Civil.

O Sr. Visconde do Banho: — Eu agradeço muito ao Digno Par, Relator da Commissão, o ter concordado na minha lembrança; mas agora o que eu pediria era, que não ficasse para o Regulamento, mas que fosse na Lei, porque outras cousas se tem aqui posto no corpo da Legislação, que pareciam regulamentares. Quanto ao que acaba de dizer o Digno Par que me precedeu, eu sigo a opinião do Sr. Freire; e depois da Lei, que já passou na outra Camara, e nesta, a qual considerou isto como encargos das Municipalidades, não póde deixar de ir nesta Lei o mesmo principio, a fim de haver harmonia na Legislação. Quanto mais, que segundo as Leis vigentes, está encarregada ás Camaras a administração dos expostos; e sobre este objecto quantas mais pessoas se empregarem, tanto melhor, porque muitas cousas uteis podem lembrar ás Camaras; por consequencia não acho que se deva alterar o artigo, antes deve passar como está. Eu tenho muita satisfação de vêr que neste Projecto de Lei se dá muita attenção á authoridade das Camaras; eu quando o apoio não é para que ellas tomem attribuições que lhes não pertencem, mas tambem não é justo que o Governo se metta em administrações mui subalternas, e é uma das cousas que observou Montesquieu ser prova de transtorno publico, quando o Governo se mette nas cousas mais pequenas; similhantes ingerencias sómente podem apparecer muito no principio da organisação de uma nascente Monarchia; mas para nós não tem logar, porque a Monarchia Portugueza já está formada, e é antiga. Por tanto, acho muito digna de louvor a Commissão, por ter deixado ás Camaras Municipaes a authoridade que lhes compete.

O Sr. Miranda: — Apesar de estar doente e não poder cançar-me, com tudo sempre direi alguma cousa. Em uma redacção não é possivel attender-se a tudo. Eu sou de opinião que se supprimam estas palavras, porque realmente está em contradicção.

As contribuições dos Concelhos ficam fazendo parte do Cofre geral do Districto, e não é só delles. — Quem manda arrecar este dinheiro? É o Governador Civil, e a Junta de Provincia. E quem é que vigia sobre o bom tractamento dos expostos? São as Camaras. O contrario é meterem-se as Authoridades nas attribuições que lhe não pertencem; de que resulta a consulta dos Poderes, se o Juiz quizer ser Administrador e o Administrador quizer ser Juiz.

Aqui tracta-se simplesmente de dinheiro, e dinheiro do Cofre do Districto. Quando é preciso dinheiro para os Concelhos quem dá ordem para isto? É o Governador Civil; logo parece-me que não póde aqui intervir a Camara, nem é possivel; em consequencia parece-me que se devem supprimir aquellas palavras; porque ficando ellas resulta um conflicto que eu já receio. Seja qual fôr a opinião que se siga não póde deixar de admittir-se isto; os que quizerem a Authoridade do Governo, lá tem o Governador Civil, e os que quizerem Authoridade Electiva lá tem as Juntas; em consequencia qualquer que seja a opinião não póde deixar de excluir as Camaras. — Parece-me que tenho provado a conveniencia de supprimir estas palavras; porque a não ser assim necessariamente ha de haver conflicto de Authoridade, que eu desde já receio.

O Sr. Visconde de Villarinho de S. Romão: — Não posso deixar de dizer duas palavras ácerca do artigo em discussão. — A primeira vez que o li pareceu-me que estas palavras = debaixo da direcção das Camaras, = (sobre que se tem questionado) eram apenas uma frase regulamentar; mas confesso que as razões que a respeito dellas ouvi produzir a um dos meus Collegas, me fizeram muito pezo, e como eu estou assignado no Projecto, devo declarará Camara que, não obstante isso, concordo em votar pela eliminação daquellas palavras, por me parecer que será ellas fica o artigo muito melhor.

O Sr. Freire: — Como se tracta de elucidar esta idéa, deve levar-se ao ultimo ponto de clareza, para se decidir com perfeito conhecimento de causa. — Principiarei repetindo que não tenho duvida nenhuma em que se omittam essas palavras, as quaes foram aqui postas para conservar uma certa analogia entre as attribuições das Juntas de Districto, o das Camaras: entretanto, intendo que nas razões produzidas para a sua eliminação tem havido algumas equivocações. A Junta geral de Districto ha de dar ordem para que exija o dinheiro das Municipalidades com que ellas devem concorrer para os impostos: assim se disso, mas peço perdão para responder que isto não é exacto. As Juntas de Districto reunem-se agora para este fim, e em todos os annos para a totalidade dos objectos que a Lei lhes incumbe, fazem a sua derrama, cada Concelho sabe-o pelas copias das actas da mesma Junta, e aqui acaba a acção destas, pelo simples motivo de que já não existem reunidas: — quem ha de mandar as ordens necessarias ás Municipalidades sobre o dinheiro para taes despezas, são os Governadores Civís, porque taes dinheiros estão nos cofres das Camaras, e não nos publicos, assim como todos aquelles que pertencerem ás despezas municipaes, ou de Districto. Mesmo nos paizes onde certos fundos do Estado são applicados para despezas municipaes, como acontece em França, entram nos cofres municipaes, d'arrondissement, ou departamentaes; mas uma vez entrados já se reputam municipaes; dá-se conta sim da receita e despeza desses fundos, e até fica á Authoridade respectiva o direito de glosar aquelles que não tiveram applicação conforme a Lei, mas não já considerados como administração propriamente do Estado, mas sim do municipio, ou Districto a que foram concedidos.

Ora, como actualmente entre nós não poda sahir dinheiro algum das Camaras, sem uma authorisação assignada pelos seus Presidentes e Fiscaes, (como ainda ha pouco o sanccionou esta Camara discutindo uma Proposição da Electiva) segue-se que não podendo os Thesoureiros ou Recebedores entregar quantia alguma sem tal authorisação, é evidente que os Governadores Civís não podem deixar de dirigir-se ás Municipalidades, para estas satisfazerem a derrama que lhes foi imposta na occasião em que esteve reunida a Junta de Districto, a qual a este tempo se acha já separada.

— O Governador Civil é 1/17 da Administração geral, relativamente ao todo della, porção esta de territorio que é tambem administrada no que toca a suas attribuições pela Junta de Districto; mas como esta não existe congregada senão alguns dias do anno, por isso se escreveu no artigo que sobre este objecto os Administradores do Concelho obrariam = debaixo da direcção das Camaras = para cada um cumprir o que respectivamente lhe pertence. – Torno pois a dizer que não acho maior inconveniente em que taes palavras se supprimam, principalmente se se julgar que ellas complicam a administração; mas se as Camaras em vez de fazerem o que devem, fizerem só o que quizerem, para isso é que eu não vejo remedio algum, ou se conserve, ou se tire a clausula.

O Sr. Barão de Renduffe: — Depois da ex-

Página 250

250

plicação dada pela Digno Par, insisto mais pela suppressão das palavras, objecto da questão. — Disse o Digno Par, que um dos motivos porque as palavras = debaixo das direcções da Camara = deviam permanecer no artigo, consistia em que estando estes dinheiros debaixo dos cofres das Municipalidades, era mister uma ordem do Presidente e Fiscal, para elles serem levados ao seu destino. — Permitta-me o Digno Par de lhe observar, que se isto assim é, não está determinado na Lei: e se a Lei prescreve, que a despeza dos expostos seja feita por Districtos Administrativos, parece-me que as Camaras, tem a respeito das imposições a isso destinadas, a mesma gerencia, que tem para as imposições geraes; e se o dinheiro para os expostos se deve reputar municipal, tambem o das decimas, será da mesma natureza; porque as Camaras fazem o lançamento dos Concelhos, e ninguem dirá que esse dinheiro seja municipal. Ora, aquellas quantias destinadas por esta Lei, á manutenção dos expostos, pertencem á caixa geral do Districto. Mas onde entra este dinheiro? No cofre designado, pelo Governador Civil, e á sua ordem; e esteja onde estiver, ha de cumprir-se esta ordem, porque aquella authoridade é o executor da Lei, e cumpre (digamo-lo assim) com a decisão da Junta de Districto. Consequentemente se as Camaras nada tem com estes dinheiros ou se a respeito delles tem tanta gerencia, como na administração das quantias que lhes cabem no lançamento das decimas; e se por outra parte ás Municipalidades só incumbe a este respeito, fazer a derrama do imposto nos Concelhos, e fiscalisar a roda dos expostos, se por acaso algum se conservar em seu respectivo Concelho, parece-me que ha bastante razão para propôr a eliminação das palavras, como pedi: — mas perguntaria eu: nos Concelhos em que não houver rodas, (como acontecerá a muitos) qual é a gerencia das Camaras sobre este objecto? Creio que nenhuma, porque, não tem motivo para exercer as funcções filantropicas que lhes incumbe, e porque nada tem que fiscalisar. Hão de por ventura duvidar remetter as competentes quotas ao Governado Civil? Hão de pôr um véto para que o Administrador do Concelho não cumpra essas ordens? Não entendo.

Insisto por tanto na suppressão que propuz, porque, ainda o digo este dinheiro não é municipal: e quando pretendi esta suppressão, tambem foi com o fim de que taes palavras, não occasionassem algum conflicto entre as Camaras, e as Authoridades Administrativas, cousa que se não deve perder de vista. — Não quero, nem nunca quererei, tirar ás Municipalidades, aquellas attribuições que por Lei lhes competem, assim como tambem, que nem ellas, nem as Authoridades Administrativas, as exerçam maiores do que lhes toca. Referindo-me novamente aos possiveis conflictos que pretendo evitar, insisto nesta idéa, porque as Leis feitas até agora, não tem trazido o cunho da clareza, qualidade tão necessaria para que cada um as comprehenda, e saiba qual é o circulo de suas attribuições; e para que isto não venha a acontecer, é que o artigo, tal qual se acha, não póde passar sem graves inconvenientes: e como não estamos nesse caso, creio haver só vantagem e nenhum inconveniente na proposta suppressão, que muito concorrerá para a claresa da Lei, marcando tambem o equilibrio das attribuições dos diversos empregados publicos, e, das Camaras, sem que o exercicio delles possa vir a ser perturbado por culpa nossa: permitta-me o Digno Par observar finalmente, que depois das Leis novissimas, eu não conheço cofres, que não sejam os geraes, e que nestes só interferem as Camaras, quando dispõem das sommas que estão destinadas ao desempenho das suas funcções; e que as funcções immediatas sobre expostos, pertencem pela Lei que se discute, aos agentes da Administração, e assim, é pelo menos inutil, a frase = debaixo das direcções da Camara.

O Sr. Freire: — Sinto ter de fallar terceira vez, mas é indispensavel, porque não tive a fortuna de ser entendido pelo Digno Par. — Ainda digo, que o cofre dos Districtos, ou dos Concelhos, não tem nada com a despeza geral do paiz: trouxe para exemplo, o que acontecia em França; e é uma verdade, que mesmo no caso em que dinheiros do Estado, vem a entrar nos cofres departamentaes de arrondissements, ou Communes, (o que para o caso é questão de nome) ficam logo com a natureza da dinheiros municipaes, e não estão já sujeitos ás mesmas regras, que os das despezas geraes do paiz. — Disse o Digno Par, que o cofre onde entram as quotas, com que devem concorrer os diversos Concelhos, não é o cofre das Camaras; mas não póde deixar de o ser, até porque esses dinheiros não entrarão provavelmente juntos: o Administrador do Districto será obrigado a sacar sobre tal, ou tal Municipalidade; mas ella póde responder, que ainda não pôde cobrar quantia que chegue a essa quota, então o Administrador saca sobre outro Concelho, ou tracta de obter a quantia por meio de emprestimo, etc. Ora tudo isto poderá acontecer, porque estes dinheiros entram parcialmente nos cofres das Camaras, e sahem da mesma maneira: é como um credito que tem os Administradores marcado pelas Juntas de Districto sobre as Municipalidades da mesma fórma que o Governo, pelas sommas que as Cortes poem á sua disposição. — Realmente é demasiado melindre, querer a suppressão destas palavras, que fazem dúvida ao Digno Par, só para evitar conflictos neste caso, quando aliás ha occasiões immensas de poder, com muito mais probabilidade, have-los entre as Authoridades electivas e as administrativas; para a maior parte das cousas, em que as Juntas de Districto tem de entender, hão de haver ordens, que o Governador Civil tem de dirigir ás Camaras; e então, tornarei a repetir, que se não ha uma força que obrigue cada authoridade ou funccionario publico, a entrar em seus deveres, é inutil esta Lei que estamos discutindo, ou de qualquer maneira que fique será a mesma cousa.

Julgando-se a materia sufficientemente discutida, foi o artigo 4.º entregue á votação, e approvado como está no Projecto.

Leu-se o seguinte

Art. 5.º As Casas de Misericordia remetterão tambem ao dito cofre, os rendimentos por ellas cobrados, que tiverem especial applicação para beneficio dós expostos.

Sobre cuja materia disse

O Sr. Bispo Conde: — Já hontem fiz algumas reflexões sobre a materia deste Artigo, e agora direi ainda que me parece não terem as Misericordias rendimentos seus proprios, que pertençam a expostos: os que tem destinados para elles, são-lhes confiados por outras pessoas; sendo assim as Misericordias meros cobradores desses dinheiros, que devem agora ser levados aos cofres das Municipalidades ou dos Districtos. — Não sei se explico bem o meu pensamento; mas o que eu quero dizer é que as Misericordias não tem rendimentos destinados exclusivamente aos expostos, mas recebem os que para isso foram legados por quaesquer pessoas ou corporações, supprindo com os seus sómente o que falta para a manutenção dos expostos de que estão encarregadas. Como agora esta administração passa a outras mãos, vem as Misericordias a ficar meramente cobradoras dos taes rendimentos, isto mesmo é o que me parece quer dizer o Artigo (leu): deve pois entender-se, não os rendimentos que fazem parte dos bens das Misericordias, mas os que ellas cobrarem. Não me parece pois conveniente este Artigo, e menos, ainda a materia do 6.º: conseguintemente tomo a liberdade de offerecer á consideração da Camara, em logar dos dois Artigos 5.º e 6.º do Projecto, um só Artigo que me parece, mais geral, e me persuado satisfaz a tudo; porque as Misericordias dirão que não servem para cobradores; esta especie de inconveniente cessa uma vez que a doutrina dos Artigos seja exarada na sua generalidade. — Não insistirei na minha substituição, e só desejo que a Camara a tome em consideração. — (O Digno Par leu e remetteu, para a Mesa a seguinte)

Substituição aos Artigos 5.º e 6.º

No mesmo cofre entrarão quaesquer rendimentos que ao presente são, ou para o futuro forem applicados a beneficio dos expostos. = Bispo Conde.

Lida novamente, pediu a palavra, e disse

O Sr. Freire: — A mim parece-me muito bem a emenda. A opinião da Commissão sobre este objecto, comprehende-se nos Artigos 5.º e 6.º, e reduz-se a que entrem no cofre geral das despezas dos expostos quaesquer rendimentos, que em beneficio delles se cobravam até agora; porque não quiz, nem podia querer, obrigar as Misericordias a entrar com mais do que os legados que nellas havia para este fim: atém de que já existe uma disposição pela qual os Governadores Civís podem fazer mudança dos rendimentos pios, até de seus para outros Concelhos, quando assim se torne necessario. A Commissão citando o Decreto de 21 de Maio de 1834, (e até o numero da Chronica em que se acha, o que foi apenas uma nota, que não deve hir na Lei) teve em vista que talvez não tenham entrado nos cofres todas as taxas das dispensas matrimoniaes, principalmente de pessoas abastadas; mas não ha necessidade nenhuma de tal preceito, porque essas taxas entram na regra geral dos rendimentos, e estão incluidas na emenda do Sr. Bispo Conde; e ainda que seja difficil formar logo idéa clara de uma emenda por sua simples leitura, pelo que ouvi creio que está boa, e que não pode haver duvida em adoptar-se.

O Sr. Vice-Presidente: — Como a Camara parece inclinada a adoptar a emenda do Sr. Bispo Conde, vai ler-se: e é o seguinte

Art. 6.º No mesmo cofre entrará igualmente o producto das taxas, e multas, impostas pelas dispensas matrimoniaes dos contrahentes abastados, o qual tem este pio destino segundo o Decreto de 21 de Maio de 183 í, publicado na Chronica n.º 133, e bem assim de quaesquer outros rendimentos que tenham esta especial applicação.

Não havendo outra, observação, foi a substituição do Sr. Bispo Conde, entregue á votação, e approvada para substituir os Artigos 5.º e 6.º

Lido este

Art. 7.º A administração particular de cada um dos Estabelecimentos de expostos fica incumbida ao Administrador do Concelho aonde estiver a roda; e será fiscalisada, pela Camara, e pelos Corpos, e Authoridades Superiores Administrativas do Districto.

Obteve a palavra sobre elle, e disse

O Sr. Conde de Lumiares: — Eu approvo este Artigo tal qual se acha redigido; porém parece-me que ainda não é bastante amplo para se obter o que a Commissão teve em vista. Determina elle quem ha de administrar; e fiscalisar as casas dos expostos, e até aqui muito bem; mas falta uma parte essencial, que vem a ser, quem deve vigiar as amas. Na casa dos expostos de Lisboa, era o costume haver um irmão da Misericordia, que fazia as funcções de visitador em cada Freguezia da Cidade; advertindo que a roda de Lisboa não o é sómente da Capital, mas quasi de toda a Provincia da Estremadura, pois a ella vem crianças dos Coutos de Alcobaça, de Santarem, de Setubal etc., apesar das rodas particulares que tem estes locaes. — Digo pois, que me parece conveniente fazer um additamento a este Artigo, em combinação com as idéas da Commissão, as quaes acho justas, mas difficientes, porque não ha uma providencia, em consequencia da qual se deva examinar se os expostos são bem tractados pelas amas, cousa indispensavel, porque eu via tudo por mim mesmo, até onde chegavam as minhas forças, quando servi de Mordomo desta Repartição, e assim mesmo não podia evitar muitas cousas, muitos abusos, e muitas fraudes. — Hontem tive occasião de dizer á Camara, que na roda de Lisboa apenas morriam, nos cinco annos de 1821 a 1826, a terça parte das crianças entradas nesses annos; mas hoje devo declarar que neste numero entra uma grande parte pelo descuido, ou mau tractamento das amas. — Por tanto offereço este additamento, salva melhor redacção, o qual poderá, ou ser accrescentado ao Artigo 7.º, ou formar um novo, conforme a Commissão entender, (O Digno Par leu então o seguinte)

Additamento.

Os Commissarios de Parochia ficam encarregados de vigiar a maneira porque são tractados os expostos, quer de leite, quer de secco, existentes nas respectivas Parochias; para cujo fim os visitarão amiudadas vezes, e serão obrigado a dar uma conta semanal aos administradores dos respectivos Concelhos. = Conde de Lumiares.

(O Orador concluiu:)

Estas visitas, que julgo indispensaveis, já estavam determinadas pelo Alvará de 18 de Outubro de 1806, e para esse fim creou um Mordomo em cada roda de expostos: mas como este cargo se supprime, e se projecta que todas as cousas que dizem respeito aos expostos, devem ser uniformemente feitas, parece-me que o Commissario da Parochia será proprio para isto, porque tendo uma authoridade mais direta do Governo, pode até proceder contra, as amas que tractarem mal as crianças, e evitar com isto muitos inconvenientes.

O Sr. Freire: — Quando principiou a discussão deste Projecto, disse eu logo que a maior parte dos seus artigos eram regulamentares; e

Página 251

251

que ainda que as suas disposições apresentavam muita clareza; não dispensavam o Governo de fazer os necessarios regulamentos para serem levados a effeito. A emenda, que apresenta o Digno Par, de certo modo está, e amplamente deve ser providenciada pelo regimento dos Governadores Civis, e dos Administradores de Concelho, os quaes são obrigados, a visitar todos os estabelecimentos de caridade ou beneficencia, o que hoje cumpre mais immediatamente ás Juntas de Freguezia: entretanto como nesta Lei vão muitas disposições, que eu já designei como regulamentares, não vejo inconveniente em que vá mais esta, e a Commissão adoptará a emenda ao artigo que lhe parecer mais conveniente. Não ha duvida que, mesmo pelo que se determina no artigo 8.º, sendo abolido o logar de Mordomo dos expostos; tendo acabado os antigos Provedores, e não se achando aliás bem montada a este respeito, a maquina Administrativa, não ha duvida que devem adoptar-se quaesquer cautellas sobre objecto de tanta transcendencia: por isso não me opponho a que a emenda vá á Commissão, que tractará de a inserir onde mais proprio pareça.

Julgada a materia sufficientemente discutida, foi o artigo 7.ª posto á votação e approvado; resolvendo a Camara, quanto ao additamento do Sr. Conde de Lumiares, que passasse á Commissão, a fim de o collocar, onde mais conveniente lhe pareça; manifestando convir na doutrina do referido additamento.

Passou-se a discutir o seguinte

Art. 8.º Fica extincto o logar de Mordomo dos Expostos creado pelo Álvara de 18 de Outubro de 1806. Cessará a competencia que em algumas terras do Reino estava incumbida ás Santas Casas de Misericordias a respeito de Expostos, tornando-se a sua administração uniforme em toda a parte pelo modo prescripto na presente Lei, cumprindo-se fielmente as disposições do citado Alvará, que por esta não ficam derogadas.

Disse

O Sr. Freire: — Esta disposição, como eu já disse, tem em vista o fazer com que seja regular a Administração; e por conseguinte como é para uniformidade convém que seja posta aqui.

O Sr. Vice-Presidente, poz á votação este artigo, e foi approvado; assim como tambem os seguintes sem discussão.

Art. 9.º A designação das quotas dos Concelhos para sustentação dos Expostos, fará um dos objectos expressos da deliberação das Juntas Geraes de Districto nas suas Sessões annuaes. O Governador Civil lhes apresentará miudas contas da administração de cada uma das Rodas, e as Juntas darão as providencias, que considerarem convenientes, na conformidade das Leis e Decretos regulamentares, que o Governo promulgar, decidindo tudo o que pertencer ao melhoramento desta administração.

Art. 10.º Ficam revogadas quaesquer disposições em contrario.

O Sr. Vice-Presidente: — A Commissão de Administração que fez este Projecto, poderá ámanhã apresentar a nova redacção delle, tendo em consideração a emenda ou addicionamento que fez o Sr. Conde de Lumiares. — Além disto se fará leitura dos Pareceres que as Commissões tiverem promptos: e já previno a Camara; de que no Sabbado a ordem de dia, será a discussão do Parecer que se mandou imprimir, sobre o modo de supprir as vagaturas dos Membros do Supremo Tribunal de Justiça.

O Sr. Visconde do Banho: — Permitta-me V. Ex.ª que eu faça uma pergunta ao Sr. Ministro dos Negocios do Reino. Eu formava tenção de fazer uma Proposição, para se enviar uma Mensagem ao Throno, pedindo a conservação de todos os Monumentos historicos, e dos edificios que estão abandonados, que pela sua architectura e recordações historicas seria dó serem vendidos, para d'elles se aproveitar a pedra. Eu pergunto a S. Ex.ª se me poderá dar algumas informações, a respeito das vistas em que está o Governo de Sua Magestade.

Creio que o Sr. Ministro não virá preparado para isto, mas como sei, e conheço bem a sua literatura, e amor da patria, supponho que sobre este objecto elle ha de ter a mesma opinião. O meu desejo é que se ponham debaixo de protecção aquelles edificios que eram de Communidades supprimidas, ou mesmo de Irmandades que os tenham desamparado, e que são de natureza admiravel, para que se conservem, ainda mesmo que existam por acabar. Bem perto de Lisboa havia um edificio aonde jazem os restos mortaes de dous grandes homens que teve Portugal, D. João de Castro, e João das Regras. Deve-se ao zelo de um Digno Par, que se acha aqui, o ter concorrido para que se não demolisse aquelle edificio. Que vergonha não seria para a geração presente qualquer prova do pouco respeito que se teria aos restos de homens, cuja memoria deve ser venerada em quanto existir o nome Portuguez que elles tanto illustraram. Eu sei perfeitamente qual a situação critica em que se acha o Thesouro; porém julgo que não estamos ainda em circumstancias de tanta miseria, que seja necessario vender as campas: que cobrem as sepulturas do grande Condestavel, de D. João de Castro, e de homens desta classe, para poder subsistir a causa publica. Seria uma desgraça depois da Carta, e mesmo ainda que a não tivessemos, o declarar que nós principiavamos os estudos das Artes, deitando abaixo as producções das mesmas Artes; isto lembraria o cair para levantar, titulo de um Drama Hespanhol. Senhores, nunca deveremos dar logar a dizer-se que a Nação Portugueza não é civilisada. Aquella nação que despreza as Artes, nem se póde chamar livre, nem o poderá ser. Devemos mostrar á Europa que nós merecemos a Carta, que nos foi outhorgada. As Artes são irmãs da liberdade, e esta é filha primogenita da justiça: ninguem poderá pretender demonstrar o contrario disto, e só os estúpidos terão taes pretenções. Estou persuadido que não será preciso para este fim fazer uma Mensagem ao Throno; porque é muito provavel, e estou seguro que o Sr. Ministro dos Negocios do Reino não se poupará de empregar todos os meios possiveis para salvar da barbaridade aquelles edificios, que não attestam a nossa gloria, mas até servem como de monumentos historicos, e cuja existencia muitas vezes é preciso fazer referencia em certos pontos da Historia Portugueza. Espero pois que esta minha lembrança achará em S. Ex.ª acolhimento; e que o seu enthusiasmo pela patria junto ao seu muito saber, e imaginação lhe indicarão os meios adequados, para se conseguir este objecto. Aproveitarei esta occasião para observar, que já o anno passado eu requeria a esta Camara lembrasse ao Governo para pôr em pratica nas Leis o formulario, que a Carta manda; accrescentarei que nas duas publicações das Leis desta presente Sessão, esqueceu inteiramente o formulario da Carta. Eu não me queixo dos Senhores Ministros, mas peço que elles inspecionem bem esta parte dos trabalhos das Secretarias, porque além da belleza de se executar a Carta, não ha difficuldade, que justifique a falta de execução neste objecto.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — O que acaba de dizer o Digno Par o Sr. Visconde do Banho, é uma cousa tão clara, que o Governo não póde deixar de confessar perante a Camara, que fará todo o possivel para o satisfazer. Eu já tenho expedido ordens pelo meu Ministerio para este fim, mas desgraçamente uma grande parte dos edificios tinham sido estragados ou no todo, ou em parte, o que faz com que não seja possivel continuar-se a garantir o seu bom estado, e que elles soffram ainda por algum tempo. — Em quanto porém ao objecto moveis, deram-se as possiveis providencias, e tem-se recolhido, e arranjado em depositos estabelecidos para a sua reunião. O passo preliminar está dado; porém necessariamente se hão de perder alguns, e estragarão muitos, porque bastantes dos que tem sido recolhidos tem já não pequeno estrago; por quanto, isto foi executado por pessoas nada cuidadosas, que os estragaram por tal forma, que lhe fez perder o merecimento que tinham, e que aliàs não perderião se continuassem a estar no seu logar; como acconteceu, por exemplo, no Convento de Christo em Thomar. — Porém está-se tractando da sua reparação tanto quanto é possivel: — por esta occasião se tem descoberto uma grande parte destes objectos, que estavam ignorados, e se suppunham perdidos; porque quando os Francezes entraram em Thomar, os Padres para que lhe não estragassem as pinturas, tomaram o expediente de as tapar com taboas, que pintaram depois por cima; e apesar de que com isto lhe resultou estrago, com tudo tem-se trabalhado em aproveitar estas mesmas taboas, nas quaes se acham algumas pinturas, como uma perna ao pé de uma cabeça etc. O Governo pois continuará a fazer as possiveis diligencias para este fim, pelo menos da minha parte eu hei de fazer por salvar o que fôr digno disso.

Pelo que pertence ao outro ponto, isto é, do formulario das Leis, tenho a dizer que eu tambem reparei nisso; porque não é aquelle o que a Carta estabelece; mas isto ha de ser reparado, e dar-se-hão as providencias para que se não torne a repetir.

O Sr. Visconde do Banho: — O Sr. Ministro esqueceu-se do ponto em que eu toquei, isto é, dos edificios. Eu lembraria o methodo usado no tempo do Marquez de Pombal: quando se supprimiu a Ordem dos Jesuitas deram-se as Igrejas a Corporações e Confrarias. Este systema, sendo adoptado concorrerá, para se poderem conservar os edificios de estimação. Nós temos em Lisboa entre outros dous edificios incompletos, que creio será uma pena deitarem-se abaixo: um delles foi começado a edificar-se ha já muitos annos que é o de Santa Engracia, e o outro de construcção moderna, que é o de S. Francisco, os quaes me parece devem ser conservados, e outros mais. Temos edificios de tal sumptuosidade em Portugal, que as Artes perderiam muito em elles se deitarem abaixo.

Pela pintura que fez a este respeito o Sr. Ministro se vê qual é o resultado de uma guerra civil, e o pouco apreço, e nenhum respeito, que tem ás Artes os individuos para quem ellas são indifferentes, e que as não estimam,

O modo porque se fez a remessa de alguns objectos de estimação segundo a exposição, que acaba de fazer o Sr. Ministro dos Negocios do Reino traz á minha lembrança o que a historia Romana refere de Mummio, que contractando com alguns mestres de embarcações para transportarem para a Italia as pinturas, e estatuas, producção dos melhores artistas da Grecia, e que faziam parte dos despojos da conquista feita pelos Romanos; reparai, disse o chefe Romano, que se perderdes alguma destas estatuas, ou pinturas, tereis de por outra em logar della: eis o juizo a que estão sujeitas as producções das artes, quando dellas decide quem, nem tem gosto por ellas, e é encarregado de similhante incumbencia.

O Sr. Freire: — Como se fallou em imperfeição de Legislação, lembra-me dizer ao Sr. Ministro dos Negocios do Reino, que será necessario fazer-se quanto antes, uma Collecção das Leis novissimas com milhor regularidade e exactidão do que o está uma que appareceu, a qual é imperfeitissima; por quanto na reunião que se fez á novissima, da publicada na Terceira; e na transmissão que se fez da velha para a nova Collecção, houve imperfeições. Quando eu estive na Secretaria do Reino tinha dado algumas providencias a este respeito; consta-me que depois da minha saída, fôra encarregado isto a uma pessoa muito habil; mas soube depois que elle se tinha dado por doente, e que não continuou neste trabalho; porém seria muito util que elle desse os trabalhos que já tinha, se alguns houvesse já feito: — S. Ex.ª saberá milhor d'isto do que eu; porém desejava que se encarregasse isto a alguem; porque é de muita necessidade o recolher á Legislação novissima, tudo o que houver da Legislação da Terceira, organisando uma Collecção completa até hoje — o que muito convém para não estar sempre a folhear as Chronicas, quando se precisa procurar qualquer Lei d'aquelle tempo, como a mim me tem acontecido. Como isto é uma falta, e muito grande, pediria eu ao Sr. Ministro do Reino providenciasse a este respeito, e mesmo que não poupasse as precisas despezas para isto se conseguir.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — O que acaba de dizer o Digno Par, é exactissimo; porque com effeito a publicação da Legislação novissima está no peior estado que é possivel. Não se seguio a ordem das materias porque estas estão misturadas; nem a ordem das datas, porque ellas se acham invertidas e interpolladas: realmente nesta publicação não ha ordem alguma, nem de materias, nem de datas. Quando eu tomei conta da pasta do Reino, achei que o Official encarregado deste trabalho tinha parado com elle; porque havia dado parte de doente; e por isso não poude continuar nelle.

Acontece porém que é tão grande a confusão, e a falta que ha das Leis impressas, que obriga, quando se determina uma cousa a qualquer authoridade, e para que ella possa fazer o serviço exactamente, a mandar-lhe tambem uma copia de Lei que diz respeito áquelle objecto; porque ha muitas dellas que mesmo na imprensa Regia não existem. Quando eu fui

Página 252

252

para a Ilha da Madeira, pedi uma Collecção de Leis, a qual me deram e nella faltavão duas; e quaes? succede que essas duas eram as mais essenciaes, as mais importantes; e se eu alli as não achasse, ver-me-hia muito embaraçado, e não poderia reger-me bem na minha administração. Isto assim não póde continuar, e para o evitar de futuro determinei eu á Imprensa Regia, que se fizesse periodica, e semanalmente uma relação de todos Os objectos regulamentares, que vindo para a Secretaria se vão assim distribuindo, até que depois, e com mais vagar se vá organisando a Collecção em grande, e com exactidão.

O Sr. Vice-Presidente: — Está levantada a Sessão. — Eram tres horas menos um quarto.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×