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da Administração Portugueza, porque é com esta que tenho a fazer, e não com a Franceza ou Ingleza, com que, para isto, não quero nada: os seus meios, habitos, e indole são muito differentes dos nossos; e porque é para Portugal que esta Lei foi proposta.
Sr. Presidente, nomes existem em Portugal, cousas muito poucas. Portugal tem Juntas de Provincia, compostas de homens que nem tem os meios de concorrer aos logares onde se devem reunir Municipalidades compostas de homens pobres, e que, pela maior parte, servem contra vontade porque vergam com o peso daquelles encargos, e apenas podem fazer face aos minuciosos deveres do municipio. E de que serviria habilitar estes homens? De nada certamente; dava-se-lhe uma authorisação com que se não conseguiria cousa alguma. — Disse-se mais, que se o Governo fosse quem unicamente se encarregasse deste objecto, teria só em vista Lisboa, e Porto. Eu não sei a quem o Digno Par se refere, pelo menos, que da Administração actual se possa dizer aquillo. Se o Digno Par se quizesse dar ao trabalho de vêr o que se tem feito pela Repartição a meu cargo, acharia o contrario; por uma Proposição de Lei que acabo de apresentar na Camara dos Srs. Deputados se conhece, que me não importa só Lisboa, e Porto; mas igualmente com as Provincias; e que tive em vista esses mesmos Campos cujos productos pódem vir ás Capitaes do Reino, e que são necessarios para os conservarem. O Governo precisa hoje desta authorisação, tempo virá em que as Municipalidades, e os differentes ramos da Administração muito possam concorrer para taes emprezas, hoje não; e appello para a experiencia.
Direi mais, Senhor Presidente; quando se diz nesta Lei que foi proposta á Camara, que o Governo fica authorisado, tolheu os meios de consultar as Authoridades locaes? Não são estas tambem Governo? Sem duvida, porque nesta palavra se inclue tudo aquillo que tende a fazer marchar o Poder Executivo, desde o seu Chefe até á ultima Authoridade; e quando se diz Governo, não se diz o Ministerio, pois para isso temos a propria palavra.
Eis-aqui o que julguei que devia dizer conscienciosamente em resposta ao que foi produzido, a fim de mostrar aos Dignos Pares a necessidade deste Projecto, aliàs simples; digo simples pela sua natureza, mas de transcendencia para cortar estas primeiras difficuldades.
Pequenas obras em Portugal são de grande monta pela falta de meios, o que não acontece em Inglaterra, ou França; alli tudo é grande, ou pequeno na proporção dos meios; uma ponte em Sacavem ou no Douro, seria cousa indifferente em Inglaterra, mas de grande monta para Portugal, n'uma palavra obras que em qualquer paiz adiantado seriam olhadas com indifferença, são, para assim dizer, o nosso Colosso de Rhodes.
O Sr. Visconde do Banho: — Sr. Presidente, levanto-me, para uma explicação. Do que eu disse se vê, que não quero pôr obstaculos ao Governo, para que faça boas estradas, e pontes; porque o desejo que as haja chega a qualquer criança de pouca idade, e até ao instincto animal, porque nenhum delles, tendo bom caminho, prefere o máo; em consequencia não são precisos grandes argumentos para isto. Nem eu teria a faculdade de defender um paradoxo; ainda mesmo que tivesse talentos, os empregaria em questões proprias de grandes genios, que de proposito negam verdades conhecidas, e procuram defender a these contraria a fim de ostentarem até aonde podem ir, como quando se defendeu os males, que a civilisação trouxera ao genero humano. Estas cousas são proprias para as Academias.
Se o Governo tivesse apresentado uma Proposição, dizendo, o que agora nos diz o Sr. Ministro, que nos informa estava tractando com Contractadores sobre estas emprezas; mas não é isto, sobre que versa a Proposição eu olhei-a de outra fórma; a duvida que eu propuz a este Projecto não era para o embaraçar, era para o fazer mais effectivo. Eu não faço ao nosso Paiz aquelle elogio extraordinario de civilisação que muitos lhe fazem; nem tambem ólho para elle com as côres lugubres como o Sr. Ministro. (Apoiado.) (Apoiado.) E então suppondo-o em tal estado, seria melhor, vendo a noite das cousas, abandonar todas as esperanças, e irmos para a cama dormir, sem nos importar de melhoramentos, ou ir cavar os campos, e deixarmo-nos de tudo, Portugal nem está no atrazo, que se lhe attribue, nem está no adiantamento em que estão alguns outros Povos. Porém o que o tem posto neste estado é a divisão dos partidos, nós estamos muito divididos, e mais do que se imagina. Ha muita gente, que nos diz bons dias com boa cara, e no coração tem outra cousa. Nós estamos recebendo o vento pela prôa, e estamos como os navios, quando tem a panno atravessado. Emquanto durarem similhantes divisões, é impossivel adiantar muito. Esta é a verdadeira causa de muitos dos nossos embaraços. Parece-me que é este um dos casos em que se cahe na Fallacia, ou sofisma = non causa pro causa. = Eu estou longe de explicar os nossos males pela ignorancia. Não era pelo lado da ignorancia, e sim pelo muito egoismo, e muito amor proprio; mal entendida emulação, e inveja, que se póde em grande parte attribuir algumas causas das nossas discordias civis; porque em fim, desde o tempo do Conde de Castello Melhor, elle fez a mais ingenua confissão ao Ministro Inglez daquella época, Sir Robert Southwell, de quanto é poderosa a emulação entre os Portuguezes, e o incremento que ella toma: este mal é mui velho, e é isto que tem feito com que todas as Administrações se achem embaraçadas, mas é preciso que ellas procurem a cura desta mal: — é a divisão de partidos, e a opposição de uns aos outros, a verdadeira causa dos nossos embaraços. Nas classes mais instruidas, ha pessoas em Portugal de muitos conhecimentos. A falta delles aonde é mui visivel é nas classes mais inferiores; ahi póde-se dizer que falta tudo, e por isso eu já aqui pedi, quando o Sr. Ministro não estava presente a um seu Collega, que lhe lembrasse a necessidade de usar da sua influencia na outra Camara, a fim de se discutir o Projecto sobre instrucção primaria. — A Universidade de Coimbra tem produzido individuos muito notaveis, tanto pelos seus conhecimentos scientificos, como instrucção litteraria. Eu vi, e fui testimunha de que alli se tocaram pontos, que ainda hoje se estão discutindo em outros paizes. Já sobre a abolição da pena de morte, as doutrinas da Universidade tinham influido no mesmo Governo, para em 1802 mandar applicar sómente aos crimes atrocissimos aquella pena. Tenho procurado mostrar a razão das observações, que fui obrigado a fazer; torno, para a materia em questão. Eu não me oppuz á Proposição: o fim que eu tinha era, que se não desse esta authoridade só ao Governo; e apezar da explicação do Sr. Ministro, não é isso o que está no Projecto, porque, segundo o Projecto, o que se entende pelo Governo é o Poder Executivo. Eu convenho com o Sr. Ministro nos fins, mas não nos meios; isto pelo que toca á primeira parte da explicação.
Fallei na Inglaterra preferindo o seu systema, talvez isto me accarrete a ser tido por Anglomano: deve-se perdoar-me, porque foi alli, onde aprendi os primeiros rudimentos; porém voltando á Inglaterra depois, achei que o resultado do seu systema administrativo confirmava a minha predilecção. Parece-me este systema melhor, que o de centralisar na Capital toda a dependencia da Administração. Mas sem tractarmos da Inglaterra, a Hespanha em Estradas está muito adiantada, ouço que França nesta parte não está melhor. Em Hespanha já se occupam de estradas transversaes. A rapidez com que as Diligencias viajam em Hespanha quasi que imitam as de Inglaterra. Não viajei em Italia, e por isso não posso dizer com exactidão o progresso que alli se tem feito nos melhoramentos das Estradas, porém as informações, que tenho tido são de que ellas alli são bem construidas, e conservadas. Quando eu fiz a observação relativamente á preferencia do systema de Inglaterra, não pretendi que sómente alli se podesse fazer Estradas, e obras publicas; acho o systema alli seguido, que influe em que o amor da patria se adquire mais facilmente, tendo a nação parte na sua propria administração. Eu não ignoro que em França, no meio da guerra com um exercito contrario na sua frente, e rodeado de assumptos de negociações com a Russia, e de grandes planos de guerra, e de diplomacia; o Imperador Napoleão examinava em Tilsit, como se havia de edificar a Igreja da Magdalena em París: ora isto é que me parece não poderá ter logar em Portugal; nem o nossas systema administrativo se póde organisar, á vista dos nossos principios politicos, entregando tudo ao cuidado do Governo.
A respeito das Barreiras, eu fallei neste tributo, porque vi que seria util informar a Camara da facilidade com que a elle se evade todo o mundo. O maior numero dos passageiros são os que viajam a cavallo, ou os almocreves, que fazem as conducções. Seges, e carros de bagagem são raros ou nenhuns. Postas as Barreiras, os passageiros menos abastados, e destes é o maior numero, procuram atalhos, só, para não pagarem dez réis; e o imposto vem a final a reduzir-se a mui pouca cousa. Ha além desta consideração, a facilidade com que bulham os guardas com os passageiros, como a esperiencia mostrou na Barreira estabelecida na Ponte de Alvações do Corgo, aonde houve mortes, ferimentos, e não foi possivel conseguir por meio de similhante imposto, que se pagasse aquella obra publica: as Barreiras alli produziram sangue em abundancia, porém mui pouco dinheiro. É tambem nestes pontos, que se ha mister dar attenção, para o estado dos costumes dos povos.
Quando propuz o considerar-se este objecto, nem levemente me persuadia que iria pôr obstaculos no caminho do Governo. Julguei do meu dever dar aquella informação, que me subministrou a pratica, que tive da má administração antiga, sem pretenções de estar illustrado com as boas theorias actuaes; agradeço á Camara a bondade com que deu attenção ao meu enfadonho discurso.
O Sr. Miranda: — Quando a Commissão de Administração Publica, discutiu este Projecto na presença de S. Ex.ª o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, aonde elle deu todas as informações de que a Commissão carecia, manifestei a minha opinião ácerca delle. Declarei então, como agora declaro: que este Projecto não dá ao Poder Executivo poder algum mais do que aquelle que tem, dentro da esfera das suas attribuições; e que approvando-se, não ficava o Governo com mais amplos poderes do que tem; assim como rejeitando-se, não ficava com poderes mais restrictos. Por outros termos: que o Governo Executivo ficava precisamente, nem mais, nem menos, com os poderes que pela Carta lhe competem, dentro da esfera das suas attribuições; quer este Projecto fosse approvado, quer fosse rejeitado; e daqui conclui que esta medida era desnecessaria, e como tal inutil e ociosa. Por esta razão, no estado de indifferentismo do meu voto, estaria inclinado a rejeita-la; senão attendesse á persuasão em que estava, como parece estar ainda, o Sr. Ministro, de que esta medida lhe dava uma certa authoridade, ou antes um certo poder moral de que elle crê ficar investido para provação e sancção desta Lei, e por este motivo, e não por outro, approvei, e nesta conformidade, assignei o Parecer da Commissão. Eis aqui o meu voto; e para justifica-lo basta, um simples e resumido exame do contexto do Projecto.
No 1.º artigo declara-se que — fica authorisado o Governo para contractar com quaesquer individuos, ou Companhias, a abertura de Estradas, a construcção de Pontes, e o estabelecimento de Diligencias. — Declarou-se no 2.º artigo que — o Governo fica igualmente authorisado para estipular direitos de Barreira, e outros impostos, privilegios e isenções que forem indispensaveis para levar a effeito estas emprezas — E no 3.º artigo — que o Governo apresentará ás Côrtes, para obter a sua approvação, todos os contractos em que houver estipulações dependentes de medidas legislativas. — Este é o proprio texto do Projecto: e agora fica evidente que os Emprezarios, quaesquer que sejam, que se apresentem ao Governo, ou para adiantar-lhe capitaes, ou para fazerem, por sua conta, as Obras da abertura das Estradas, e construcção de Pontes, hão de exigir, ou seja como prestamitas, ou como Emprezarios, uma annuidade hypothecaria, ou o direito de cobrar certos impostos, ou isenção de outros, ou outros quaesquer privilegios. Sem estes impostos e privilegios não póde haver Emprezarios, e ninguem póde duvidar que estes impostos, ou privilegios são estipulações dependentes da approvação das Côrtes. Por consequencia a faculdade que o Sr. Ministro pede, para contractar, ou estipular, nos termos do, artigos 1.º e 2.º, reduzida a seus proprios e verdadeiros termos, vem a ser a faculdade de admittir as propostas dos Emprezarios e Companhias que se offerecerem, e de fazer ajustes condicionaes e dependentes da approvação das Côrtes, ás quaes serão apresentados antes de serem levados a effeito. Mas esta faculdade está nas attribuições do Poder Executivo, e não carece para este effeito de Lei especial, como é a presente; e por esta razão, como já disse, e torno a repetir, o Governo fica com os mesmos poderes, seja approvado, quer seja rejeitado.