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No entretanto condescendendo com a persuasão em que está o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, approvo este Projecto, na esperança de que na presente Sessão se tomará uma medida mais geral, mais efficaz, e mais propria, para de uma vez sahirmos do estado de inercia em que temos estado a respeito de um objecto, cuja importancia é da maior transcendencia para a felicidade, prosperidade, e riqueza da Nação.
Sr. Presidente: ainda que a providencia em questão seja por sua natureza, particular e restricta, refere-se a uma das mais importantes medidas que havemos de tractar, e por isso não julgo inteiramente fóra da ordem algumas observações geraes que tenho a accrescentar, em resposta, ou em apoio de algumas opiniões manifestadas por alguns dos Dignos Pares, que faltaram sobre esta materia, e por S. Ex.ª o Ministro dos Negocios do Reino; declarando desde já, que, no que vou dizer, não levo a intenção de fazer a censura de Administração alguma das passadas, nem da presente, e sómente a de chamar a attenção da Camara, sobre um objecto o mais importante para o nosso Paiz, não só na minha opinião, e na opinião desta Camara; mas, posso afirma-lo sem receio de enganar-me, na opinião geral de todos os Portuguezes, e de todos os Estrangeiros que conhecem Portugal. (Apoiado.)
Ha muitos annos, e em diversos Ministerios, que entre nós se tem escripto, e se tem dado providencias, para se recomendar, e dar principio á abertura das Estradas geraes, á construcção de Pontes, e á abertura de Portos e Canaes, e todas estas obras foram, nos termos mais pomposos, recomendadas nas duas Sessões precedentes, como meios indispensaveis para o desenvolvimento da nossa agricultura, da nossa industria, e do nosso commercio interno e externo. Porém qual tem sido o resultado de tantas promessas, e de tantas convicções? Nenhum, Sr. Presidente, absolutamente nenhum. Podemos dizer, ácerca desta materia, o que o Juvenal dizia, ácerca da virtude entre os Romanos do seu tempo — laudatur et aget. — Louva-se; leva-se ás nuvens a utilidade que tirana o Paiz de todas estas obras; porem quanto á execução, os braços estão entorpecidos; estão gelados. Assim acontece, que Portugal é o unico Paiz da Europa, em que são desconhecidas as diligencias, e as carruagens de posta; e aonde os carros de transporte se reduzem aos mais toscos e ordinarios que se empregam na lavoura. Acontece que Portugal tem ficado estacionario nesta parte da civilisação e da industria, quando em todas as Nações da Europa tem havido a este respeito mais ou menos rapidos progressos; e taes em algumas partes, que parece ha ver-se tocado a raia da intelligencia, e da industria humana. -Digo nesta parte da civilisação da industria; porque um Paiz sem boas estradas, e sem communicações faceis, commodas e rapidas, é impossivel chegar ao gráo de civilisação e riqueza de que é susceptivel, por melhor que seja a sua administração, e apesar de todas as vantagens do seu sólo, e do seu clima. É facto constante e sabido, que nas cidades populosas ha uma abundancia de capitaes, e um desenvolvimento de industria que não tem comparação alguma com os capitaes, e com a industria de uma população igual em numero, mas aparcellada, pouco communicavel, e espalhada sobre uma grande extensão de territorio. E porque? É porque, nas grandes povoações todos os capitaes acham emprego; é porque os productores estão em contacto com os consumidores, e reciprocamente; é porque a concorrencia dos industriaes de toda a especie, pela abundancia e promptidão do consumo facilita a divisão do trabalho, e concorre para a perfeição e desenvolvimento da industria; e finalmente porque a abundancia dos consumidores de cada genero entretém um grande numero de braços e de forças intellectuaes, que de outra sorte não achariam emprego. É tambem facto constante que nas cidades populosas, a intelligencia humana tem mais facil e maior desenvolvimento: os estabelecimentos de instrucção publica, são mais extensos, mais numerosos, ao alcance de um maior numero, escreve-se mais, imprime-se e lê-se muito mais; e por conseguinte, no estado de civilisação moderna, as grandes povoações são uma das melhores garantias da Liberdade civil. Porém não é possivel que a população de um estado esteja concentrada em duas ou mais cidades populosas; antes, pelo contrario, convém que esteja, em devida proporção, espalhada pelos campos, parte empregada na cultura, e parte nos ramos de industria accommodados ás localidades. Como se concluirá pois a necessidade de uma população dividida, com a vantagem de uma população compacta. Por meio das boas estradas, e de faceis e promptas communicações, porque este é o unico meio de pôr em contacto uma grande população, e de fazer desapparecer todos os inconvenientes das distancias.
Conheço muito bem que não é possivel fazer-se em um anno, nem dous tudo quanto ha para fazer entre nós; mas em fim é necessario vencermos esta resistencia da inercia que até agora nos tem entorpecido; é necessario fazer alguma cousa; em uma palavra, é necessario principiar. E senão queremos, ou não podemos fazer nada, então deixemo-nos de tudo, e vamo-nos deitar. O meu Collega e amigo o Sr. Freire, em o anno passado, principiou a dar algum impulso a esta empreza; de ordem de Sua Magestade nomeou uma Commissão, para a qual tive a honra de ser nomeado, e foi encarregada a Commissão de propôr as instrucções e meios necessarios para levar a effeito a abertura das estradas e communicações geraes do Reino. Ao mesmo tempo negociou alguns fundos, e mandou logo depositar no Cofre das Obras Publicas, a somma de quarenta coutos. A Commissão foi de opinião constante, alli está o meu Collega e amigo o Sr. Braamcamp, Presidente da Commissão, que o póde attestar, fui, digo, de opinião constante, que as obras deviam principiar pela abertura das estradas geraes desta Capital para o Porto, e para a Cidade de Elvas, dando-se logo principio á primeira. Para este effeito se procedeu a varias diligencias e trabalhos, que a final ficaram sem effeito; porque em ultimo resultado, o que se fez foi um pequeno conceito na estrada de Cintra, aonde contra o Parecer da Commissão, se despendeu tempo e dinheiro.
Digo que é necessario dar principio a estas obras; porque até ao presente não tem apparecido Capitalista algum que tenha querido entrar seriamente nesta empreza; e estou persuadido que será mui difficil que appareça, em quanto não tiverem dados praticos seguros, porque possam regular os lucros do capital que é necessario despender. Porém ou appareçam, ou não appareçam empresarios, o Governo deve ser habilitado para dar principio a estas obras; não só pela sua importancia; mas tambem porque o Governo póde nellas empregar uma grande parte dos Operarios que tem a seu cargo, e sem emprego, em varias Repartições, como nas Obras Publicas, e outras.
Concordo com o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, em que a Nação não tem os meios nem as capacidades praticas da Inglaterra, e da França; porém não posso concordar com S. Ex.ª, em quanto á conclusão de que não temos os recursos necessarios para a abertura das estradas, nem pessoas com a intelligencia indispensavel para a direcção das obras.
Meios temos nós, não digo para se fizerem nem simultaneamente, nem em pouco tempo; mas para dar-lhe principio; porque da visivel utilidade destas Obras sairá, sem dúvida alguma, o credito necessario para as acabar e levar ao complemento que reclamam as necessidades do paiz. Tambem temos Engenheiros com os conhecimentos indispensaveis para o traçado e direcção das obras, e alguns dos mais distinctos poderia apontar, que o Sr. Ministro bem conhece. Sei muito bem que estas Obras, fallo das Estradas, não são tão faceis nem tão simpleces, como vulgarmente se pensa; e não podemos ter vergonha em confessa-lo, quando Mac-Adam escrevia isto mesmo em Inglaterra, no entretanto temos entre nós Engenheiros muito habeis, que o Governo póde encarregar deste serviço. Tambem não podem servir de embaraço as difficuldades do terreno; porque em materia de Estradas hoje em dia, não ha impossiveis, quero dizer não ha obstaculos que, com mais ou menos custo não possam illudir-se, ou vencer-se.
Outra vantagem que se seguiria de o Governo dar principio a estas Obras, seria o estimulo, que o seu exemplo daria a todas as Administrações locaes, para a execução de emprezas particulares proporcionadas aos seus recursos, como muito bem observou o Sr. Visconde do Banho, dando-se-lhes para esse effeito as faculdades necessarias. Não ha muito, ha quatro mezes, que na Cidade de Friburgo se fez uma Ponte collossal, suspensa em quatro calabres de fio de ferro, ou de arame ordinario, de mil e duzentos fios cada um. Esta Ponte tem cento e vinte braças portuguezas de comprimento, entre os pontos de suspensão, e depois de concluida foi por primeiro ensaio experimentada, fazendo correr por cima della quatorze peças de artilharia, puxadas por quarenta cavallos, e seguidas por trezentos homens, sem que nella se notasse o mais pequeno desarranjo. Eis aqui uma Ponte muito mais comprida que a largura do Douro em frente da Cidade do Porto; e que sem difficuldade poderia executar-se pela Camara Municipal, quando o Governo não quizesse encarregar-se da sua execução. Eis aqui uma obra atrevida e gigantesca; no entretanto é possivel, e para executa-la, o rendimento da ponte actual de barcos é mais que sufficiente. A Ponte Friburgo custou seiscentos mil francos, isto é noventa e seis contos, moeda portugueza. A Ponte do Porto, em tempos regulares, rende mais de dez contos por anno; eis aqui pois uma annuidade mais do que sufficiente para os juros, e amortisação do capital necessario para construir uma Ponte Suspensa sobre o Douro, Obra que seria um dos melhores monumentos daquella Cidade Heroina. Outras Obras Públicas poderia eu designar, cuja execução seria tão facil, quanto util; porém não é agora a occasião propria de faze-lo. Por a ora limito-me a mostrar a necessidade de se tomarem medidas mais promptas e efficazes, do que a do Projecto que se acha em discussão, e que, eu approvo pelas razões que já apontei, e por isso não repito.
O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Um dos Dignos Pares que fallaram sobre a materia, disse que o Governo não podia ter em vista com esta Lei, fazer face á necessidade que ha de estradas em Portugal, renovando algumas e emprehendendo outras por sua propria conta. — Acho que isto é uma cousa alheia do Projecto que se discute, nem agora entro na questão se isso é possivel ou impossivel ao Governo; ainda que concordo em geral na idéa da necessidade de abrir communicações, sempre uteis, como disse no meu Relatorio, ao um paiz de pouco transito. Mas por conhecer a difficuldade de effectuar algum melhoramento a tal respeito, seguir-se-ha que se deva deixar tal objecto abandonado? Ninguem o dirá.
Fez-se recahir sobre este Projecto o ridiculo, (cousa terrivel quando bem imaginada) dizendo um Digno Par, que o Governo por elle não pedia senão aquillo que já tinha, pois era inutil tal Projecto de Lei para o Governo poder contractar, quando tinha de trazer esses contractos posteriormente á approvação das Côrtes. — Deixemos agora a questão se a palavra = contractar = é propria, ou se poderia ter sido mais convenientemente substituida; isto são cousas meramente de redacção... Mas, quem véda ao Governo, tomar a iniciativa sobre as materias de que tracta o Projecto? A Carta, e nada menos: diz ella que os objectos que tractam de impactos devem ter a sua iniciativa na Camara dos Deputados; logo o Governo não podia apresentar uma Proposta em que elles fossem envolvidos; nem quiz apresentar outra para se lhe conceder um voto de confiança para este fim. (Apoiado.)
O Governo deseja que alguma cousa se estabeleça a tal respeito, a fim de que os contractos relativos a estas emprezas, possam dispertar a sua utilidade; a qual unicamente póde vencer essa força de inercia, (de que fallou um Digno Par); e eu accrescentarei a de desconfiança, resultado da nossa situação politica. — Em quanto o capitalista não encontrar permanencia, não arriscará seus fundos em obras que possam melhorar o paiz: logo deve fazer-se com que os contractos para quaesquer emprezas, sejam havidos como Leis; e foi para tomar a iniciativa sobre aquellas que involvessem impostos, que o Governo acceitou esta authorisação: digo acceitou, porque a não pediu, mas foi apresentada por uma Commissão; e o Governo lhe deu o seu assentimento.
Ouvi a um Digno Par dizer que os impostos que se acham no Projecto lhe pareciam inuteis, e então interpretando a Carta com uma certa latitude (e talvez bem, não o nego) concluiu que bem pouco daqui resultaria: mas eu que gosto pouco de distincções metaphysicas, por que podem conduzir a opiniões diversas, costumo ver as cousas com mais simplicidade, e por isso não digo que é inutil tudo aquillo que tende a prescrever regras fixas, e pelas quaes um qualquer objecto deva ser preenchido; e em fim tudo o que tende a remover arbitrios, é sempre conveniente. Eis aqui a razão porque o Projecto não é tão inutil, como se tem querido inculcar.
Direi agora alguma cousa, em relação a uma