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CAMARA DOS DIGNOS PARES.
Sessão de 29 de Fevereiro de 1836.
Occupou a Cadeira o Sr. Vice-Presidente sendo uma hora; e feita a chamada, declarou o Sr. Secretario Conde de Lumiares, que estavam presentes 38 Dignos Pares, faltando 12, e destes, 4 com causa motivada.
O Sr. Secretario Machado leu a Acta da antecedente Sessão, que foi approvada sem reclamação.
O Sr. Secretario Conde de Lumiares, deu conta do seguinte expediente: — 1.º As Representações das Camaras de Lamego, e de Mezão Frio; e outra dos Lentes da Universidade de Coimbra; a primeira foi remettida á Commissão de Fazenda; a segunda á de Administração; e a terceira á Commissão de Instrucção Publica. — 2.º Um Officio do Ministro dos Negocios do Reino, participando que Sua Magestade receberia ámanhã no Paço das Necessidades, a Deputação desta Camara, pela uma hora e um quarto.
O Sr. Vice-Presidente: — Lembro aos Dignos Pares que formam a Deputação, que se achem no Paço á hora indicada, e então a Camara não poderá reunir-se antes da uma hora e tres quartos.
O Sr. Secretario Conde de Lumiares, continuou mencionando o seguinte: — 3.º Outro Officio do Ministerio do Reino, enviando para conhecimento da Camara, um exemplar do Programma para o Ceremonial das funcções da Côrte que hão de ter logar, por occasião da faustissima chegada de Sua Alteza Real o Serenissimo Principe D. Fernando Augusto, Esposo de Sua Magestade. — Ficou a Camara inteirada.
Pediu a palavra e disse
O Sr. Visconde de Fonte Arcada: — Sr. Presidente, eu tenho visto os Periodicos que trazem as Sessões das Camaras dos Pares, quando se tracta dos que aqui faltam com causa, ou sem ella, não declaram os nomes de uns, nem de outros; — eu tenho faltado a esta Camara com causa, e não tenho deixado de fazer as devidas participações a V. Ex.ª — Desejava pois que daqui em diante se lançassem na Acta os nomes dos que faltam com causa, e sem ella.
O Sr. Vice-Presidente: — Será tomado em consideração o que propõe o Digno Par.
ORDEM DO DIA.
Entrou em discussão por Artigos, o Projecto de Lei sobre Fóros, já approvado na sua generalidade, com as novas alterações ao mesmo, propostas pela Commissão de Legislação, começando-se pelo seguinte Artigo 1.º, e §. unico conjunctamente.
Artigo 1.º Fica subsistindo a abolição dos Foraes dados pelos Reis, ou por individuos, e corporações, em quanto estabelecem tributos aos Povos, concedem honras, e privilegios aos Cidadãos, impõem penas aos delictos, e declaram a ordem do Juizo; e do mesmo modo a dos Direitos Banaes, a saber: 1.º os serviços pessoaes feitos pelas proprios pessoas, ou com animaes: 2.º a obrigação de ir moer os Cereaes, e fazer o vinho, e o azeite, a certos moinhos, e lagares: 3.º a obrigação de ir cozer o pão a certos fornos: 4.º os relegos do vinho: 5.º a obrigação imposta aos habitantes d'algumas terras só pelo simples facto de morarem nellas, ou terem ahi casa, e accenderem fogo.
§. unico. São exceptuados da disposição deste Artigo aquelles Foraes, e Regimentos porque se governam as Alfandegas, e outras, Repartições da Fazenda; e bem assim as Cartas de Fôro, que tambem em direito, e vulgarmente se chamam Foraes.
Terminada a leitura, disse
O Sr. Visconde do Banho: — Eu estou persuadido de que a Camara não quer senão a verdade, e a justiça: é sabido que V. Ex.ª tem muitos estudos sobre esta materia; e por isso me parecia que V. Ex.ª faria um serviço muito grande á Patria, não tomando hoje a Cadeira, porque julgo muito util ouvir quem ha muitos annos tem feito indagações sobre este objecto: isto é dito com a lingoagem da franqueza, e da razão, e com a verdade a que não sei faltar; nem V. Ex.ª carece dos meus incensos.
O Sr. Bispo Conde: — Parece-me que não é necessario que V. Ex.ª deixe a Cadeira da Presidencia, mas que hoje poderá ter logar o que já se tem observado em outras occasiões, e por isso julgo que dahi mesmo poderá V. Ex.ª dizer o que se lhe offerecer. (Apoiado.)
O Sr. Vice-Presidente: — Eu disse na Commissão tudo quanto poderia dizer; sobre esta materia, e agora nada mais tenho a accrescentar.
O Sr. Visconde de Fonte Arcada: — Eu desejava que V. Ex.ª tivesse a bondade de mandar ler outra vez os artigos que classificam o que são Direitos Banaes.
O Sr. Vice-Presidente: — São os mesmos que diz o Projecto do Sr. Barradas; porque ha muitas cousas que se chamam Direitos Banaes, e que realmente o não são; assim mesmo acontece a respeito dos Foraes, e por isso se fez aqui esta distincção para se conhecer o que é uma e outra cousa.
O Sr. Visconde de Fonte Arcada: — Na Alfandega ha uma balança privilegiada na qual todos os negociantes são obrigados a pesar os volumes que tem certo peso: a mim parece-me que esta balança está na mesma razão que os fornos ou lagares privilegiados; privilegios estes que foram abolidos pela extincção dos Direitos Banaes, e por isso julgo que deve ser classificada como tal. Eu confesso que não vinha preparado para entrar na discussão, dos artigos que apresenta a Commissão, porque não estando impressos não tinha conhecimento delles, e por isso, direi que não tomei a palavra para
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entrar nella; mas sómente para fazer esta lembrança que peço á Commissão tome em consideração.
O Sr. Barão de Renduffe: — Sr. Presidente muitos dos Dignos Pares quando se tractou da discussão geral deste Projecto, apresentaram todas as razões filhas da sua sabedoria para elucidar a Camara sobre este objecto: — agora porem vamos entrar na discussão especial e por isso me parece que devemos só tractar de esclarecer a materia quanto baste, para a votação podêr ter logar com todo o conhecimento de causa.
Neste primeiro Artigo declaram-se abolidos os Foraes: — esta Lei ratifica, e declara o Decreto de 13 de Agosto. A Commissão só tractou de seguir passo a passo as disposições principaes daquelle Decreto, para as declarar, ou modificar tanto quanto convier, e para que de futuro senão cáhia nos mesmos absurdos que se seguiram á publicação daquelle Decreto. A Commissão exemplificativamente declarou o que são Foraes, ella entende serem os seguintes (leu): — tambem entende que os Regimentos e Ordenações que dizem respeito á Administração de Fazenda, a que alludio um Digno Par, que estas Ordenações particulares, ou Regimentos são tambem reputados Foraes; porém o nosso primeiro objecto é tractar dos Foraes como Carta de povoação, ou Codigo local, e para ficarem desde já beneficiados os habitantes das terras, e a agricultura em geral: — a Commissão sem desconhecer que nas Repartições Fiscaes á onus que difficultam o melhor andamento do Commercio, não se fez cargo de tractar deste negocio; porque a todo o tempo se poderá tractar delle se não ficarem abrangidos nestas disposições geraes; conseguintemente limitemo-nos só aos Foraes, e só aos Direitos Banaes, que é o objecto deste Artigo 1.º Todos sabem que os Foraes importavam primeiro que tudo Legislação, e em segundo logar tributos. Depois da Carta Constitucional, e mesmo antes, não havia senão imposições geraes para todo o Reino; mas tambem é verdade que havia muito grande desigualdade. A Carta de Lei de 7 de Março de 1810, já dizia que os Foraes eram muito pesados para a Agricultura, bem como os quartos etc., e já tinha em vista extinguir os foraes. Era mister tractar a par dos Foraes, dos Direitos Banaes, porque estes eram parte das disposições que determinava a Carta foral, ou de outras que pelo abuso das Authoridades, e donatarios ou por quaesquer outras causas, os povos eram obrigados a pagar: então era de justiça que consignasse-mos uma declaração explicita a respeito dos Direitos Banaes: é verdade que em 1824 tornaram a ser suspensos, mas nem por isso houve uma Legislação que os acabasse por uma vez, para ser alliviada a Agricultura deste onus, que tanto pesa sobre ella; e sobre differentes familias. A Commissão abolindo os Direitos Banaes, julgou que convinha declarar o que se devia entender por Direitos Banaes; porque teve presente differentes observações particulares feitas por Juris-consultos mui abalisados, por Magistrados respeitabillissimos, e Advogados muito conspicuos que facilitaram á Commissão esclarecimentos; e tambem teve attenção ao pouco que se tem dito a este respeito pela Imprensa periodica. A Commissão vendo que o Digno Par o Sr. Barradas tinha emittido no seu Projecto uma definição que contentava os diversos Juris-consultos, a adoptou, e com muito mais prazer, porque este trabalho do nosso Digno Collega tinha merecido nesta parte, os elogios de muita gente entendida.
Mas lembrando-se a Commissão que o Decreto de 13 de Agosto de 1832 tinha sido mal interpretado, e que em grande parte do Reino ainda eram conhecidas como Foral as Escripturas de Afloramento, Cartas de sempre, e fateosim perpetuo, porque até as mesmas Leis do Reino confundem Foro com Foral; a Commissão entendeu que devia pôr um Artigo especial para excluirmos Foraes, que sendo assim chamados, o não eram com tudo no rigor da palavra, apesar da pobreza e confusão de lingoagem, e de correrem debaixo do nome de Foral; assim como entendeu que não devia por esta medida comprehender os Foraes das Alfandegas, porque poderia haver algum embaraço, visto que nós estamos no tempo delles se inventarem, se não se fizesse uma especial menção de que os Foraes das Alfandegas ficavam subsistindo. Já se vê que as emendas que se leram, não são mais do que uma explicação ao Artigo e então creio que ficam dissolvidas todas as duvidas, e conseguintemente que devem ser adoptadas por esta Camara do mesmo modo, que a doutrina já impressa no Projecto que se discute.
O Sr. Vice-Presidente: — O que disse o Digno Par o Sr. Visconde de Fonte Arcada só póde ter logar quando se tractar das Alfandegas, aonde propriamente pertence. (Apoiado.)
O Sr. Freire: — É uma maxima geral que em Legislação se deve sempre adoptar, a de preferir a clareza á elegancia, e se isto é em geral, tem muita especialidade, se deve fazer para este caso: e então eu quererei que se adoptem sempre neste caso todas quantas idéas apparecerem, uma vez que sejam para melhor clareza, porque tudo é conveniente em materia tão delicada. Acho absolutamente necessaria a primeira emenda, para se ficar entendendo que esta Lei não faz mais nada do que confirmar a abolição dos Foraes, que já foi feita pelo Decreto de 13 de Agosto de 1832. A definição de Direitos Reaes é igualmente necessaria, não só para pôr termo ás questões que se tem suscitado a este respeito, mas tambem pelos que pertencem a terceiros, por estarem de posse delles, e que estavam sujeitos a varias regras, segundo os contractos particulares que se fizeram, ou doações: — fica portanto assim mais claro. A mesma razão subsiste a respeito dos direitos banaes; e por isso me parece tambem muito conveniente que assim se declare. A duvida do Digno Par o Sr. Visconde de Fonte Arcada nada vem para o caso, e está salva segundo a redacção do Artigo; mas só quando se tractar do foral da Alfandega é que tem logar o exame disso, apesar de que a respeito dos direitos de Balança, Afferidores, e outros, creio eu já estão todos extinctos, ao menos por alguns Ministerios; quando eu estive na Repartição do Reino, fiz extinguir dous ou tres. Concluo pois repetindo, que acho muitissimo necessario que se approve este Artigo tal qual está em a nova redacção.
Julgada a materia sufficientemente discutida, foi o Artigo 1.º posto á votação, e approvado; e igualmente o foi o §. unico delle.
Entrou em discussão o seguinte
Art. 2.º Os direitos, privilegios, tributos, e outros direitos chamados Reaes, abolidos pelo Artigo 1.º, não admittem compensação.
Obtendo a palavra, disse
O Sr. Barão de Renduffe: — Este paragrafo parece-me não ser necessario sustenta-lo; porque sendo conhecida a impossibilidade de imposições que não sejam as geraes, é escusado dizer nada mais a seu respeito: — todavia o Digno Par o Sr. Bispo Conde mandou-me uma pequena nota que diz (leu): quer dizer, accrescentar-lhe adiante, = e outros Direitos chamados Reaes = accrescentamento que eu declaro não ter duvida nenhuma em adoptar, e que o proponho á consideração da Camara como parte do mesmo artigo.
O Sr. Bispo Conde: — Eu propunha, para maior clareza, que o additamento que acaba de lêr o Sr. Barão de Renduffe fosse collocado no art. 1.º, depois da palavra = tributo, = e outro qualquer direito = isto para evitar dúvidas.
O Sr. Barão de Renduffe: — Eu estou por isso mesmo, e convenho em que seja posto no art. 1.º; isto é simples materia de redacção que não altera a votação.
O Sr. Bispo Conde: = O motivo da minha emenda, é porque ha algumas imposições para pessoas determinadas, e que não são direitos reaes; agora me lembra um exemplo, e é que na Villa de Ponte de Lima cada Tabellião que havia pagava um tostão, creio eu que para o Sr. Marquez de Ponte de Lima. Aqui está a razão porque eu desejava que se pozessem estas palavras.
O Sr. Vice-Presidente: — Então talvez seja melhor ficar o artigo tal como está, e o 1.º redigido pela seguinte forma (leu.) (Apoiado.)
Não se fazendo mais reflexão foi posto á votação o Art. 2.º, e approvado tal qual, passando para o Art. 1.º, a emenda proposta pelo Sr. Bispo Conde.
Passou logo a discutir-se o seguinte
Art. 3.º Ficam extinctos, em beneficio dos Povos todas as pensões, quotas, rações certas, e incertas, jugadas, quartos, e oitavos, e mais prestações de qualquer denominação, que se pagavam em virtude de Foraes, ou de Doações de bens chamados da Corôa, ou Patrimoniaes, e Reguengueiros; ficando nesta parte em pleno vigor ás disposições do Decreto de 13 de Agosto de 1832.
Sobre este Artigo disse
O Sr. Barão de Renduffe: — Não ha Legislação nova a este respeito, e só a do Decreto de 13 de Agosto, a qual foi abraçada pelos povos com muita ancia, naturalmente pelo proveito que delle lhe resultas; mas isto já lhe estava concedido, como disse e nos agora não fazemos nada mais do que consolidar a Legislação existente, e assim parece-me que a Camara se apressará em adoptar o Artigo em discussão.
O Sr. Freire: — Este Artigo é uma das partes principaes do Decreto de 13 de Agosto, que não póde deixar de estar em vigor; mas para aqui ha a mesma observação que se fez relativamente ao Artigo 1.º, e por isso assento que para se remover toda a duvida, se deve dizer que continúa a extincção.
O Sr. Bispo Conde: — Parece-me que seria melhor dizer = que se pagavam em virtude dos Foraes. =
O Sr. Vice-Presidente: — Talvez que, se se transpozesse para a primeira parte do Artigo a segunda parte delle, ficasse tudo remediado, e ficaria redigido da maneira seguinte:
Art. 3.º Ficam em pleno vigor as disposições do Decreto de 13 de Agosto de 1832, em quanto extinguem em beneficio dos Povos todas as quotas rações certas, e incertas, juradas, quartos, e oitavos, e mais prestações de qualquer denominação, que se pagavam em virtude dos Foraes, ou da Doações de Bens, chamados da Corôa, ou Patrimoniaes, ou Reguengueiros. (Apoiado.)
Não se fazendo observação alguma sobre esta nova redacção, foi assim o Artigo posto á votação, e approvado.
Logo se passou á discussão do seguinte:
Art. 4.º Fica igualmente subsistindo, em beneficio dos Emphyteutas, e Censuarios, a extincção do dominio directo, com todos os seus effeitos, que a Corôa tinha, e que se achava descripto nos Livros dos Proprios; ou nella verbal, e expressamente encorporados ao tempo da publicação do Decreto de 13 de Agosto de 1832.
O Sr. Barão de Renduffe: — Sr. Presidente, a Commissão como eu já disse, recolheu todos os argumentos produzidos no differentes papeis que lhe foram remettidos; bem como das luzes de differentes pessoas, quantas idéas podiam contribuir para melhor clareza da Lei, e é por isso que ella entendeu que era necessario fazer alguma explicação á materia do Artigo 4.º, e julgou que por esta emenda ella ficava mais clara, e por isso assim o redigiu.
O Sr. Conde da Taipa: — O principio pelo qual eu apoio esta Lei é porque existe de facto um ataque á propriedade do paiz, como ha poucos exemplos na historia. O Decreto que aboliu os fóros é uma iniquidade e uma injustiça, que as Côrtes mesmo não podiam fazer porque as Côrtes não podem Legislar, como querem, mas sim conforme á Justiça, e muito menos o podia fazer o Ministerio, que passou esse Decreto. Se no caso particular ha uma injustiça digo, nos casos em que se disse ao Foreiro, que não pagasse ao Senhor Directo, tambem ha uma injustiça em se perdoar aos que pagavam fóros ao Estado: porque estando o Estado endividado e havendo mister tirar a fazenda dos particulares na fórma de tributos para satisfazer os seus encargos, é mui injusto que dê de presente aquillo que possue, e que depois vá tirar a quem lhe não deve nada. Que se faça uma distincção entre os Foreiros, que estão inscriptos no Livro dos Proprios da Corôa, e os outros que não estão inscriptos nesse Livro; mas que a Corôa igualmente recebia é uma grande injustiça relativa, porque elles todos eram recebidos pelo Estado, e nenhum tem mais direito do que o outro. O meu voto por tanto é, que não se faça similhante distincção; que a Nação deve, e deve pagar, e que por consequencia deve exigir tambem as divida de quem lhe deve; e um foro não é outra cousa mais do que uma divida contraída voluntariamente pelo Foreiro: voto por tanto contra o Artigo.
O Sr. Barão de Renduffe. — Parece-me que o Digno Par que acabou de fallar não entendeu bem a leitura do Artigo em discussão. O Decreto refere-se aos Fóros, que se achavam inscriptos no Livro dos Foraes, e áquelles que não o estavam; mas que não deixavam por isso de lhe pertencer; isto é aquelles Fóros, que na
linguagem de Direito se dizem verbalmente encorporados, por que esta é a frase competente, quer dizer, o que consta dos Tombos das Provedorias, ou dos Livros de Registos, e de Sentenças etc. Estes Fóros pois foram abolidos pelo Decreto de 13 d'Agosto de 1832, e a Com-
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missão entendeu, que não podia alterar cousa alguma nesta parte a similhante respeito. Parece-me que assim tenho satisfeito ao Digno Par, mostrando o que se entende por uns, e outros, e que o Artigo extinguiu ambos, e que por tanto não existe a desigualdade que suppôz, se é só desta a que alludiu.
O Sr. Vice-Presidente: — Esta materia merece de necessidade uma séria attenção da parte da Camara. A minha opinião sempre foi na Commissão, a do Digno Par o Sr. Conde da Taipa, por que sempre tive isto como uma grande injustiça, com tudo a Commissão deu razões muito boas, não para me convencer: mas para me vencer, e uma d'ellas foi que isto era melindroso nas circumstancias actuaes: no entretanto o que ella apresentou não se conforma com as regras da justiça.
O Sr. Barão de Renduffe: — A Commissão não foi sem magoa que se separou da opinião que V. Ex.ª acaba de declarar, e mesmo agradece muito as expressões cortezes que V. Ex.ª se serviu fazer á Commissão quando agora declarou á Camara os seus principios; mas é necessario com tudo que a Commissão explique mais claramente a doutrina em discussão. Diz o Artigo (leu). Sem nos remontar-mos nem ao principio de Conquista, nem á divisão territorial, todos nós sabemos que depois disto as terras foram dadas com condições, e estas são um verdadeiro onus que se continuou tendo cessado muitas das obrigações que os pretextaram. Um Digno Par ainda continuou em alguma confusão a respeito de Fóros que a Fazenda tinha, e dos que não tinha; mas se observar o disjunctivo = ou = vê-se que são uns, ou outros, isto é, aquelles que estão inscriptos no Livros dos Fóros, e os que tambem foram Doados pelos Reis, ou que por qualquer outra fórma estavam verbalmente incorporados. Ora, a Commissão não é quem apresenta á Camara esta prodigalidade; isto já é disposição do Decreto de 13 de Agosto, mas que era preciso confirmar convenientemente; confirmar sem com tudo a deixar em toda a latitude; e por isso a Commissão julgou que o arbitrio proposto é razoavel. Se nós porém pugnar-mos pelos principios de economia a respeito da disposição d'este Artigo 4.º, então não sei eu entender como se poderá combinar isto com as doações já feitas, as quaes importam uma Lei para os suburbios de Lisboa, e para o Reino do Algarve: porém eu entendo que pela fórma que a Commissão propõe, a Lei aproveita a todas as Provincias do Reino, por que em todas ellas havia mais, ou menos fóros desta natureza, e parece-me que todas as terras tem direito a um favor similhante, em quanto só parte das duas Provincias aproveitariam com a extincção de jugadas etc., que hoje não são um onus muito differente do foro. — Pergunta-se, será principio de justiça que uns povos tenham este beneficio, e sejam alliviados d'estes onus, e outros fiquem carregados com elles? Eu pela minha parte, não sei que isto seja principio de justiça. Parece-me por consequencia, que sem defender muito a justiça de uma tal concessão, já feita pelo Decreto de 13 d'Agosto, julgo com tudo que não ha inconveniente na adopção desta medida proposta, e só um desfalque para a Fazenda pública, que a Commissão não póde remediar sem attentar contra graves considerações.
O Sr. Freire: — Eu tambem entendo que em theoria, a doutrina apresentada pelo Sr. Conde da Taipa, não tem resposta alguma, porque é verdadeira: eu já disse, quando teve logar a discussão geral deste Projecto, que deviam ser extinctos todos os tributos, que fossem provenientes de Foraes, ou tendo origem em quotas certas, ou incertas, ou resultado de emprasamentos, ou de quaesquer contractos, uma vez que tivessem origem primitiva dos foraes; porque eu estava persuadido que eram injustos, e não correspondiam aos fins para que foram instituidos; e por isso que, ou fossem elles dados pela Corôa, ou por Donatarios, deviam ser extinctos, porque todos elles tinham sido impostos por effeito de guerra, ou de conquista, e para despezas, que são hoje pagas por outros tributos: — mas pelo que pertence aos bens da Corôa, que os Reis guardaram para si, e que hoje estão na Corôa, ou foram doados a particulares, acho que este direito é mais forte, embora provenha tambem em parte de conquista, é um direito que constitue uma propriedade particular, similhante á de outros.
Eu entendo que os Reis, a Corôa, o Estado, ou hoje a Nação, tem um tão grande direito a esses bens, como tem qualquer particular, se foi legal a acquisição, e que foram tambem legaes os contractos feitos pelos Donatarios, porque nestes houve liberdade, embora se diga, que se os povos, não queriam acceitar os Foraes, se podiam retirar; mas, direi eu, que haviam elles de fazer na triste posição em que estavam, se não submetter-se, e acceitar?
Estas idéas foram apresentadas por mim mesmo na Commissão, e esta não póde deixar de convir nestes principios de verdade, e que por consequencia, se deviam neste caso seguir os principios d'equidade. — Eu confesso a V. Ex.ª que não tenho uma balança que me guie, para eu poder emittir a minha opinião, a não ser esta que agora aqui se apresenta, alliviando os povos quanto é possivel, sem prejuizo de terceiros; e é á sabedoria da Camara, que toca ver como isto se ha de fazer melhor. Eu convenho perfeitamente, com o que acaba de dizer o Digno Par, o Sr. Barão de Renduffe, isto é, que não se deve attender aos principios de mingoa para o Thesouro, porque nos Foraes tambem elle perde consideravelmente, e então teremos necessariamente a precisão de alliviando de uma parte, o ir impôr nas outras; porque o Estado precisa pagar, e para o poder fazer de que carece? De receber: mas neste caso, deve prevalecer a justiça, contra qualquer interesse. Resumindo portanto a minha opinião, direi, que a doutrina dos Foraes, não é tão liquida como parece á primeira vista: a Commissão trabalhou para vencer todas as difficuldade que se apresentaram; mas ella não se ufana de que sejam todas superadas, porque esta materia não é tão simples como parece: conseguio com tudo comprehender as opiniões que se lhe apresentaram, fazendo as alterações indispensaveis, sem mudança de doutrina essencial; por isso approvo o Parecer.
O Sr. Visconde de Villarinho de S. Romão: — Seria mui justo tudo isso que acabou de dizer o Digno Par, se não tivesse precedido o Decreto de 13 de Agosto de 1832. Na verdade, uma Nação que foi tanto tempo opprimida pela guerra civil, que tem alcances mui grandes em suas rendas, e que necessariamente se ha de ver obrigada a impôr alguns tributos, desperdiçar assim os recursos que tinha, da-los prodigamente sem saber a quem, e mesmo sem fazer distincção entre o emphyteuta, e sub-emphyteuta, parece merecedora da mais amarga censura. — Mas, advirta-se que não foi a Commissão quem tem a culpa, recáhia ella toda inteira, sobre o temerario redactor do Decreto de 13 de Agosto já referido. A Commissão reconheceu unicamente, que essa massa enorme de bens, e de riquezas, estavam dadas, ou desperdiçadas legalmente, na parte que respeita aos emphyteutas; repare-se bem, — aos emphyteutas, e não aos subemphyteutas; por quanto a Lei Mental, segundo se vê nas Ordenações do Reino, Livro 2.º, Titulo 55, § 7.º, já tinha disposto, que os bens da Corôa depois de emprasados, tomavam a natureza de bens particulares, e por conseguinte, podia o Legislador doar, ou ceder dos foros, e censos, que a mesma Corôa recebia; mas não lhe era licito alterar os contractos particulares, que se tinham celebrado entre o emphyteuta, e os seus subemphyteutas; porque em taes contractos, vai de mistura com o capital dos bens de Corôa, outro capital dispendido em beneficia-los, edificar-lhe predios, etc.
Ora, na parte em que o Auctor do calamitoso Decreto de 13 de Agosto de 1832, legislou sem ultrapassar a raia de seu poder, é preciso não tocar agora, tanto em respeito aos immutaveis principios de justiça, como por attenção á politica; pois que já se crearam muitos interesses novos, uma boa parte desses bens foreiros está já retalhada, vendida, e tem passado a terceiros possuidores; agora não é possivel alterar isto sem causar grandes abalos, e por isso se a Camara pensar bem nisto, necessariamente se ha de vêr obrigada a approvar o artigo em discussão.
O Sr. Barão de Renduffe: — Depois do que acaba de dizer o Digno Par, nada me resta, salvo se algum dos Dignos Pares ainda fallar sobre o artigo.
Não se fazendo mais observação alguma, julgou-se a materia discutida, e foi o artigo approvado tal como se achava.
Passou-se a discutir o seguinte
Art. 5.º Ficam porém subsistindo os contractos emphyteuticos de bens particulares, ainda que mencionados nos Foraes, e os mais contractos emphyteuticos, ou subemphyteuticos, legitimamente celebrados pelos respectivos Donatarios, ou Administradores dos Bens denominados da Corôa, e Ordens, por serem tambem contractos particulares, nos termos das Ordenações do L.º 2.º, Tit. 35, § 7.º, e L.º 4.º, Tit. 36, § 5.º, alterada a disposição do artigo 9.º do Decreto de 13 d'Agosto de 1832, por atacar evidentemente a propriedade particular, e os direitos adquiridos na fórma das Leis.
Sobre elle disse
O Sr. Barão de Renduffe: — Aqui além das emendas indicadas pela Commissão, deverá haver mais uma outra, que o Digno Par o Sr. Freire teve a bondade de me communicar, e que me apresso em adoptar, porque ella mais tende para a clareza da Lei: — a emenda, ou antes additamento, consiste em ajuntar a palavra bens depois de contractos emphyteuticos: assim mais resalvada ficará, e mais incontroversa a propriedade particular, a qual é o principal objecto que se pertende respeitar no Projecto de Lei em discussão. — Parece-me pois que arredondando-se a frase da maneira seguinte: = contractos emphyteuticos de bens particulares, ainda que mencionados nos Foraes = poderá o todo do artigo (leu) ser approvado, se a Camara assim o julgar conveniente.
O Sr. Vice-Presidente — Cá está, e não póde haver dúvida.
O Sr. Barão de Renduffe: — O resto deste artigo, importa a Legislação do Reino, e que a Camara seguramente não desconhece: em consequencia entendo, que nada me cumpre elucidar a similhante respeito. A Commissão reconheceu, como já em outra occasião tive a honra de expressar, que a Legislação emphyteutica necessita de ser harmonisada, e melhorada; mas a Commissão entendeu, que este não era o logar, e que o objecto reclama uma Lei especial, que primeiro deve ser precedida da que houver de regular pezos e medidas: assim nesta parte do artigo nada mais se diz se não, que a Legislação anterior ao Decreto de 13 de Agosto continua a subsistir, porque nem aquelle Decreto, nem nenhuma Lei póde dispôr de propriedade particular, se não nos termos de necessidade, e utilidade pública, legalmente verificada, como a Carta prescreve, e precedendo sempre a indemnisação competente, e nada disto se resalvava nas disposições, que por este artigo se modifica.
O Sr. Barão do Sobral: — Não me opponho á doutrina do artigo, mas parece-me que está concebido de maneira, que póde produzir alguns inconvenientes: diz-se nos artigos antecedentes (leu). Esta doutrina não está no Decreto de 13 de Agosto, e parece-me que com esta disposição, fica elle reputado nullo. Entendo que esta disposição vai ter um effeito retroactivo, uma vez que já ha direitos adquiridos pelo referido Decreto; e então achava eu, que se devia admittir aqui, como additamento, parte do Projecto originario do Sr. Barradas, o qual foi resultado do seu muito saber, e madura reflexão, e que diz assim: (leu) Neste sentido tenho a honra de offerecer uma emenda, que mando para a Mesa. (Assim o fez o Digno Par.)
O Sr. Barão de Renduffe: — Sinto muito não poder concordar com a opinião do Digno Par, expressada na emenda que mandou para a Mesa; mas affigura-se-me que o tranquillisarei um pouco quando, como Relator da Commissão, declaro que parte da doutrina que o Digno Par apresenta na sua emenda se acha consignada em um artigo, que a Commissão julgou dever addicionar, e que entrará no Projecto debaixo do n.º 11 nesse artigo, que como disse, se não encontra ainda no Projecto impresso: a Commissão propõe o novo beneficio de se cobrar só a metade dos foros vencidos que pertencem hoje á Fazenda Publica, porque destes só é que póde a Lei dispôr, e nunca dos que constituem a Propriedade particular; e bem assim se convencerá mais o Digno Par de que o objecto da sua emenda, importa assumpto a que a Commissão prestou mui séria attenção, se anticipadamente declaro, que quando tractar-mos do artigo 16 já se achará elle accrescentado da maneira seguinte = a presente Lei em nada altera a authoridade das Sentenças que passará em julgado = ora como os direitos, a que alludo a emenda do Digno Par, só pódem legitimamente adquirir-se por Sentenças passadas em julgado, e não pela intelligencia favoravel que qualquer interessado podia dar ao Decreto de 13 de Agosto; e como as doações que elle poderia inculcar nunca podiam estender-se além
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do que era do Estado, porque o Decreto não podia dar esta minha sobre-casaca, perdoe-se a comparação, segue-se que só ficarão doados os fóros que eram da Corôa, pois os que não o eram, não os podia ella doar, porque não eram bens que estivessem debaixo da acção, ou do poder do Restaurador da Monarchia — mas Commissão teve em vista obviar. prodigalidades, e não mesquinhar razoaveis favores, e por isso sendo conduzida pela força das cousas, a conservar intactas as disposições do Decreto de 13 d'Agosto pelo que respeita a quotas, quartos oitavos, jugadas etc. entendo que os Foreiros dos Conventos extinctos, e mais Corporações abolidas, e que por isso o são agora da Fazenda Publica, não deveriam ser constrangidos álem do que se prescreve no artigo que apontei, e neste artigo dominaram mais as idéas de favor do que principios de justiça rigorosa.
Finalmente, os direitos a que alludio o Digno Par, só podiam adquirir-se por Sentença que tivesse transitado em julgado, e tudo quanto, esteja áquem desta raia, achasse providenciado, e deve ser decidido pela Legislação do Reino, e assim nem neste artigo, nem em nenhum outro, cabe a doutrina da emenda, porque ella encontra todo o espirito do Projecto; sem mesmo me firmar no argumento, que poderia sustentar, que a questão já está prejudicada por tudo o que se tem vencido nesta discussão especial.
O Sr. Vice-Presidente: — Como ha um artigo addicional a este respeito, em outro logar, parece-me que para então deveria-mos deixara emendado Sr. Barão do Sobral. (Apoiado! Apoiado!)
Não se fazendo mais reflexão sobre o artigo 5.º foi julgada a materia sufficientemente discutida, foi o artigo posto á votação e approvado, tal como estava.
Passando logo a discutir-se o seguinte
Artigo 6.º Do mesmo modo fica subsistindo o dominio directo, com todos os seus effeitos, que tem as Igrejas, Cathedraes, Collegiadas, Ou Parochias, de receberem foros, e censos, que não estejam comprehendidos na disposição do artigo 4.º, assim como conservam os bens livres, ou onurados, que ellas possuem, por serem propriedades das mesmas Igrejas; e attender-se-ha ao seu valôr, ou rendimento, quando se lhes houver de arbitrar congruas fixas, e permanentes.
§ Unico. A disposição deste artigo é extensiva, salva a restricção do artigo 4.º, ás Misericordias, Hospitaes, e mais Estabelecimentos pios litterarios, e municipaes.
Pedindo, e obtendo a palavra, disse
O Sr. Barão de Renduffe: — A Commissão nos seus derradeiros trabalhos entendeu que devia fazer alguma declaração a este artigo, e esta é a mesma que já a Camara approvou no artigo 4.º, pois que poderia mover-se questão se a conservação do fôro era a unica medida, em que se modificava o Decreto de 13 de Agosto, quando a intenção e a justiça reclamam que bem se especifique que é conservado o dominio directo em todos os seus effeitos; a Commissão entendeu, que a segunda parte do artigo deveria ser objecto de um § unico, no que se não faz a menor alteração de doutrina, e bem pelos contrario se dá melhor redacção, e mais clareza á materia, assegurando assim a taes corporações e interessados um direito que alguem quererá disputar-lhe, mas que a Lei lhes não tirou, e que a economia do Estado, e mil outras razões de conveniencia e de justiça condusiram a que se consignasse nesta Lei similhante declaração, no que não ha doação alguma, e só ratificação de posse e de propriedade. — Parece-me pois que a Camara approvará a materia, e a redacção, principalmente quando se recordar que desta fórma nós vamos coadjuvar as Igrejas, e assegurar-lhes alguns meios para a sustentação do Culto externo da nossa Santa Religião, a que o dever, a consciencia, e a politica, (apoiado) e tudo o mais que é desnecessario apontar, nos obriga. (Apoiado.)
Julgada a materia sufficientemente discutida, foi o artigo approvado pela Camara tal como estava.
Entrou em discussão o seguinte
§ Unico. A disposição deste artigo é extensiva, salva a restricção do artigo 4.º, ás Misericordias, Hospitaes, e mais Estabelecimentos Pios, Litterarios, e Municipaes.
Sobre o qual, disse
O Sr. Barão de Renduffe: — Para maior claresa e interesse das importantes Corporações e Estabelecimentos de que tracta este § unico, foi que a Commissão julgou dever consignar em separado a sua doutrina. — A Commissão lembrando-se que os bens das Misericordias tinham pelo Decrete de 1800 sido declarados bens da Corôa, e reconhecendo, como a Camara por certo reconhece; que a mente do Legislador foi conferir estão a estes importantissimos Estabelecimentos os privilegios da Fazenda Real, e por consequencia um beneficio muito singular, e que nunca teve em vista confiscar-lhes a propriedade particular proveniente de Legados etc., e observando que na pratica assim foi considerado o Decreto de 13 de Agosto, porque o Thesouro Publico não mandou tomar conta dos Bens das Misericordias, e que os transtornos em que estas se acham provém da graciosa intelligencia que se tem dado ás disposições daquelle Decreto, e por ultimo entendendo que o fim a que tendia a providencia de 1800 era, em presença das Leis então vigentes, dar protecção a Estabelecimentos de tão reconhecida utilidade, protecção que o Corpo Legislativo por certo lhes quer continuar (apoiado), mas só dentro das regras geraes de Direito. A Commissão entendeu que convinha declarar-se especialmente na presente Proposição de Lei esta doutrina, e mencionar igualmente os outros Estabelecimentos que se referem, e para os quaes ainda mais claro era e é o seu Direito (apoiado). Por ultimo a Commissão entende que devendo assegurar-se a todos elles a sua propriedade particular, ás Camaras toca occorrer com medidas legislativas, e tomadas com sabedoria e prudencia, á reforma de que muito carecem esses estabelecimentos, e ao Poder Executivo essencialmente toca o provêr sobre os melhoramentos e fiscalisação que muito cabem nas suas attribuições. (Apoiado, apoiado.)
Não havendo mais quem pedisse a palavra, foi o §. posto á votação e approvado.
Entrou em discussão o seguinte
Art. 7.º Os Foros e Censos, que percebiam as extinctas Casas das Rainhas, e do Infantado, Communidades Religiosas, hoje extinctas, os das Ordens Militares, e de Malta, e quaesquer outros Foros, e Censos, que estão, ou possam estar na Administração da Fazenda Pública, por todos os modos porque ella póde adquirir, e que se não acham comprehendidos na disposição do artigo 4.º, ficam conservados, e poderão ser remidos pelos Emphyteutas.
Sobre este artigo disse tambem
O Sr. Barão de Renduffe: — Este artigo 7.º é uma consequencia do artigo 5.º, e é a excepção do artigo 4.º, porque as Casas da Rainha, Infantado etc., assim como os antigos Proprietarios de bens da Corôa que tinham o direito de emprasar, achão-se agora, pela extincção de taes Casas e Corporações, reunidos os bens, e os seus Direitos Dominicaes e Censuarios na massa da Fazenda Publica, e em consequencia esses fóros que não estão comprehendidos no artigo 4.º importam hoje uma Propriedade particular, e da mesma natureza que as outras terras allodiaes que se acham na Fazenda Publica. Por tanto este artigo tende não só a garantir á Fazenda Publica uma massa de riqueza que deve ser de grande monta, mas ao mesmo tempo tende a proporcionar á agricultura meios de melhoramento, dando aos emphyteutas a facilidade de poder reunir os seus fóros; beneficio este será consignado no artigo 9.º, e no qual se conciliam os interesses dos gravados, com os da Fazenda Publica. (Apoiado.)
E não se fazendo mais observações sobre o Artigo 7.º, foi julgada a sua materia sufficientemente discutida, posto á votação, e approvado.
Passou a discutir-se o seguinte
Art. 8.º O Governo fará os precisos regulamentos, para que os Fóros, e Censos comprehendidos no Art. 7.º, e que se pagavam em generos, sejam reduzidos a valor em réis, designando ao mesmo tempo o praso, e a maneira, porque as remissões podem ser feitas, e as Authoridades perante quem os interessados devam requerer. Sobre elle disse
O Sr. Barão de Renduffe: — Neste artigo comprehende-se muita cousa regulamentar, que a Commissão entendeu não ser objecto da Lei, porque ás Camaras toca fazer Leis, e ao Poder Executivo o expedir Decretos, e Regulamentos para a boa execução d'ellas.
O Sr. Visconde de Fonte Arcada: — Eu parece-me que o praso em que os fóros devem ser vendidos se não deve deixar ao Governo; mas que deve ser marcado na Lei, e não deixarmos isto ao Governo, porque me parece medida Legislativa, e não Regulamentar; approvando o artigo na sua generalidade não o posso approvar nesta parte; reconheço a difficuldade que ha em marcar as raias do que é puramente Legislativo, ou Regulamentar: mas esta difficuldade deve vencer-se, e não deixar debaixo do nome de Regulamentar que o Governo Legisle effectivamente, practica esta muito abusiva, e que até agora se tem seguido sob; e alguns objectos: parece-me pois que o artigo deve voltar á Commissão para que ella marque um praso que lhe pareça razoavel, em que estas remissões se de vem fazer.
O Sr. Barão de Renduffe: — Eu não approvo absolutamente a idéa do Digno Par, confessando todavia, que nos primeiros trabalhos, foi questão marcar-se algum praso na presente Lei; porém a Commissão depois entendeu que seria prejudicial o fixar até que tempo as remissões deveriam fazer-se; e permitta-me o Digno Por que eu lhe observe, que o Governo não vem a legislar; nós é que legislamos mandando ao Governo que elle faça, o que poderia, ou não poderia fazer se nós lhe não dissessemos, vós Governo deveis fazer tal cousa: por tanto póde o Digno Par estar tranquillisado, que isto que se dá ao Governo não é voto de confiança, ou delegação, é mais claramente neste artigo lembrar-se ao Governo, que elle faça o que lhe cumpre fazer, porque tudo isto está no circulo das suas attribuições.
O Sr. Visconde do Fonte Arcada: — A difficuldade que eu achei não era em marcar-se o praso para a remissão; achei difficuldade em marcar-se as raias entre o que é Legislativo, e Regulamentar. É muito facil que esta Lei vá completa determinando-se o tempo em que estas remissões se devem fazer.
O Sr. Barão de Renduffe: — Permitta-me o Digno Par ainda uma observação: o negocio não é tão corrente como se lhe affigura. É verdade que não ha nada mais facil do que dizer — em um anno — mas por ventura tem o Digno Par a certeza que em um anno o Governo poderá ter promptificado o Cadastro de todos os fóros que estão, ou devem estar na Administração da Fazenda? Talvez se gaste um anno nesta liquidação descripta; talvez nem em dois annos se possa concluir este miudo, e difficil trabalho, mórmente depois das confusões e mudanças de Cartorios, estravios de documentos, de titulos etc.; mas como este objecto é regulamentar, tudo isto se ha de fazer debaixo da responsabilidade do Ministerio, entendeu a Commissão que era melhor tomar por base a generalidade em que se acha concebido o artigo, do que entrar em detalhes regulamentares, que só servem para embaraçar a execução das Leis; e assim a artigo em discussão está concebido na letra do §. 12, do artigo 75 da Carta Constitucional, e então parece que a Commissão, não sendo menos escrupulosa do que o Digno Par, o foi essencialmente neste artigo, em quanto respeitou as attribuições do Poder Executivo. Peço pois a V. Ex.ª a conveniente votação.
O Sr. Freire: — Tambem me parece que não é necessaria a declaração depois das razões apresentadas pelo Governo: e como elle é o primeiro interessado neste negocio, não ha receio nenhum que elle deixe da o fazer quanto antes: e até não seria conveniente marcar um unico praso para todas as Provincias do Reino, pois que seria curto para umas, e muito extenso para outras; e por isso entendo que deve ficar ao Governo este arbitrio; e tudo o mais vem consignado nos dous artigos que se seguem.
Julgada a materia sufficientemente discutida, foi posto o artigo á votação e approvado.
Passou a discutir-se o seguinte Art. 9.º
Art. 9.º As remissões de que tracta o artigo antecedente, se farão pagando o Foreiro o valor de vinte pensões unicamente, limitadas assim as disposições do Decreto de 20 de Março de 1769, e 15 de Junho de 1802.
Sobre elle disse
O Sr. Barão de Renduffe: — Este artigo comprehende mais uma disposição benefica em favor da agricultura; e a Commissão entendeu que se por um lado tinha de alguma maneira restringido algumas disposições do Decreto de 13 de Agosto, devia por outro lado procurar conciliar beneficios com esta não inculcada miseria publica, (e que a meu ver mais se manifesta no facto do que na origem, e estado das cousas,) e assim assentou a Commissão, que devia propôr á Camara, por assim dizer, o perdão dos Laudemios, e mais onus que as Leis prescrevem para as remissões, a fim de por este modo as facilitar mais, e augmentar o nume-
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ro das propriedades allodiaes — espero que a Camara de boamente se prestará a adopção deste artigo.
Não se fazendo outra observação sobre o artigo 9.º, e julgada a sua materia sufficientemente discutida, foi posto á votação, e approvado.
Passou a discutir-se o seguinte
Art. 10.º Os Fóros, e Censos, que não forem mencionados no Art. 7.º, na conformidade da presente Lei, serão vendidos nas Cidades de Lisboa, e Porto, nos termos da Lei, que então regular a venda dos Bens Nacionaes.
Disse
O Sr. Barão de Renduffe: — Este artigo é uma consequencia necessaria do outro, em que se proporcionou aos Foreiros um meio suave para poderem remir os fóros que pagam, quando porém se não queiram aproveitar do beneficio, e por certo muitos não quererão aproveitar-se para conservarem em seus bens a natureza emphyteutica, e por isso a faculdade de poderem dispôr d'elles em favrr de qualquer pessoa, ou filho; então a Nação vende os fóros, porque não quer nem deve ser proprietaria; e isto mesmo é uma consequencia da Lei de 15 de Abril, ou o complemento della.
Não se fazendo mais observação alguma, foi o artigo 10 º posto á votação, e approvado.
O Sr. Vice-Presidente: — Parece-me que deviamos parar aqui a discussão de hoje, e continuaremos ámanhã porque o artigo 11.º contém materia inteiramente nova, porque foi todo alterado na Commissão; ha álem disto a emenda do Sr. Barão do Sobral, que entra neste mesmo artigo, e achava eu mais proprio, para que a discussão fosse com mais conhecimento, de causa, tivesse logar amanhã, se a Camara conviesse nisto.
O Sr. Barão de Renduffe: — Pedia a V. Ex.ª que se servisse propôr á Camara se a emenda do Digno Par o Sr. Barão do Sobral vai á Commissão.
O Sr. Freire: — Eu, Sr. Presidente, convenho perfeitamente com a proposta de V. Ex.ª, porque realmente a materia do artigo que se segue é inteiramente nova.
A Camara conveiu em que a discussão ficasse reservada para o dia seguinte, assim como em que a emenda do Sr. Barão de Sobral fosse á Commissão de Legislação.
O Sr. Vice-Presidente: — A Ordem do dia para amanhã é a continuação da discussão deste Projecto. Está levantada a Sessão. — Eram tres hora e meia.