488
para ellas terem effeito, compre empregar mettidas vigorosas, e extraordinarias, como requerem as extraordinarias circumstancias em se acham aquelles Estados. — É necessario mandar para alli um Governador prudente, experimentado, que saiba combinar o valor com entendimento, homem imparcial, justo, e conhecedor do coração humano, e que se saiba desenredar do labyrintho, das intrigas em que os povos do Oriente involveu os Europeos; homem emfim, que ouvindo tudo, e todos, não dê ouvidos a ninguem, e que dirigido pelos seus proprios recursos, saiba o que deve praticar, já punindo, já perdoando, tendo em mira as consequencias de medidas acceleradas, e não empregando as vias de rigor no que poder alcançar pelos meios da brandura, convicção, e docilidade: em uma palavra, sendo justo, que é o modo de fazer entrar aquelles povos nos seus deveres, de lhes dar a verdadeira idéa do que em lingoagem do tempo se chama liberalismo: e d'est'arte acabarão todos os males, e infortunios que está soffrendo aquella Provincia, os quaes não nos devem assustar, porque todos se pódem remediar, como se appliquem os competentes remedios. — Tanto maior deve ser a prudencia do Governador, que a meu vêr deve ir authorisado não só para occorrer aos males presentes, mas a quaesquer outros que possam sobrevir; conferindo-lhe o Governo aquella authoridade que julgar necessaria para elle se desenvolver em paiz tão remoto, sem meios, nem tempo para requerer providencias que lhe vão do Reino.
O Sr. Conde da Taipa: — Eu estou tanto mais convencido desta necessidade, que os Dignos Pares hão de estar lembrados, que o anno passado eu profetizei o que havia de acontecer; e assim foi: — as minhas profecias foram infelizmente realisadas; é uma verdade que se acha escripta nos Diarios, e os Dignos Pares alli o podem ler. Toda a gente sabe que as pessoas que se mandaram para o Ultramar foram da peior gente que é possivel escolher-se, e até para alli foi governar um homem da mesma terra o que foi erro crasso, do que devia necessariamente resultar uma revolução, e esta realisou-se! O que eu queria agora era que se tractasse de remediar isto pelo melhor modo possivel, foi por esta razão que fiz aquella Proposta.
O Sr. Conde de Linhares: — Sr. Presidente, esta deve ser uma verdadeira questão de principios, é indispensavel tractar-se de estabelecer qual seja o regimen conveniente a seguir nas nossas Possessões ultramarinas para as governar, e as conservar. Poderão ellas mesmo ser regidas por uma administração uniforme e geral, quando tantas circumstancias diversas concorrem para o contrario, poderão ellas mesmo obter as mesmas prerogativas de liberdade que a Metropole? Se tal systema se adoptar, então de certo creio que bem depressa as perderemos todas. Este systema nem é calculado para o seu estado de civilisação, nem tão pouco para as conservar em um estado de dependencia. Necessario é pois fixar-se nesta materia, e affrontar a questão sem receio, e sem a evitar, como muitas vezes se costuma. — Ninguem negará a Inglaterra o ser o paiz classico da Liberdade, nem tão pouco aos Inglezes de serem menos ciosos desta Liberdade. Todavia ninguem em Inglaterra pensou de a estender indefinidamente, e mesmo largamente ás Colonias aonde de certo, nem em cada uma existe o mesmo regimen, nem tão pouco nada que se assimilhe á Liberdade Ingleza. Ora, porque não seguirá o Governo Portuguez uma marcha analoga, como o dicta a prudencia e o interesse da Metropole? Decida-se pois esta questão importante, encare-se a nossa posição real com toda a energia, e appliquem-se-lhe todos os meios razoaveis de que podemos dispôr; então adquirirá o Governo aquella força moral de acção que agora lhe falta. — Em tanto que taes medidas se não adoptam que poderão lá fazer individuos particulares, revestidos ou não do nome de Commissarios, se os meios de acção de que se acham munidos são insufficientes.
O Sr. Barão de Renduffe: — Sr. Presidente, quando eu pela primeira vez fallei, de certo não disse cousa alguma que induzisse a acreditar-se que eu não daria o meu assentimento ás medidas que apresentou o Digno Par o Sr. Visconde de Sá da Bandeira; nem era possivel que recuzasse a generalidade dellas: o que eu disse foi unicamente relativo a uma idéa emittida pelo Digno Par o Sr. Conde da Taipa, e é a idéa de se nomear uma Commissão para apresentar á Camara um Projecto tendente a pacificar as Provincias Ultramarinas; a respeito do que disse eu, que essa Commissão além de incompetente, não tinha especial informação para o desenvolvimento de tal tarefa; e então perguntarei, para que existe o Governo, se este nem sabe desempenhar a sua missão, e nem quer tomar a seu cargo a Administração Publica em geral! Os nossos Estados na India estão em desordem e anarchia, e é preciso dar providencias para os socegar: muito bem; e que tem feito o Governo até hoje? não o sei; mas sei que nós já temos feito muito com esta discussão, porque temos dado a conhecer a este nosso Ministerio qual é o desejo desta Camara, se mesmo lhe não temos lembrados os meios que elle deve adoptar. Eu disse que a Proposta do Digno Par para a formação de uma Commissão me parecia irregular, não por que qualquer dos Membros desta Camara não possa fazer as indicações que julgar convenientes, nem porque não tenhamos aqui, sobre negocios de similhante natureza, a mesma iniciativa que tem a Camara dos Srs. Deputados; mas porque em verdade é muito estranho, e até se me affigura incrivel, e singular, que um Membro desta Casa e que pertence ao Governo, e mais ainda que é o responsavel pela Repartição do Ultramar, não apresentasse aqui alguma coíbas que conviesse para remediar os males de que se tem tractado, nem mesmo dissesse cousa alguma que promovesse o louvavel zelo do Digno Par, e que por ultimo propozesse unicamente uma Lei Judiciaria para as Colonias. Votarei por tanto por medidas extraordinarias, quando o Governo tomar a sua iniciativa; porque eu entendo que sobre isto só elle com mais razão a pode ter, e não uma Commissão da Camara; porque a esta faltam os muitos meios que tem o Governo; e se só este é que os tem, porque motivo não usa delles como lhe cumpre? porque não nomeia uma Commissão de individuos, que tenham conhecimento das localidades, etc. Sr. Presidente, tenho dito mais do que cumpria para esclarecer a sabedoria da Camara, sobre a incongruencia da indicação que tenho combatido.
O Sr. Conde da Taipa: — Quando eu fiz esta Proposição bem reparei que o Governo a poderia ter feito; mas eu que quero ajudar este Governo lembrei a medida, e de modo que ella possa ser adoptada por esta Camara. Já mostrei que não se oppunha a que fosse proposta por um dos Membros desta Camara, e convidando-se o Ministro para vir assistir á sua discussão na Commissão, ella ficava no mesmo estado em que ficaria se fosse discutida em uma das Secretarias do Governo. Tambem disse que a razão disto era, porque eu entendia que as Camara dos Srs. Deputados não se lhe podia dar tão prompto andamento, como por esta fórma, mas tem-se confundido muito as cousas. — Eu propuz que a Commissão por mim lembrada, fosse encarregada de propôr o modo de remediar as desordens da India; porém as do Digno Par o Sr. Visconde do Banho o anno passado, nada mais foi do que uma Proposta para nomeação de uma Commissão de Estadistica, a outra é a Proposição feita hoje na Camara pelo Sr. Visconde de Sá da Bandeira. Esta ultima é de muita necessidade, mas para que tenha execução é necessario que lá haja uma Authoridade que ponha essas Leis em execução, isto é o que não ha, e que é necessario que haja. Ninguem duvida que convém muito mandar ao mesmo tempo a administração das justiças, mas tudo isto depende do principio, e o principio é socegar a terra, e para se tomarem medidas a esse respeito é que fiz a minha Proposição; peço aos Dignos Pares que a não confundam com a do Sr. Visconde do Banho, nem com a do Sr. Visconde de Sá da Bandeira. — Pelo que respeita á increpação que se fez ao Governo por se não lembrar disto, digo que não é digno de reparo; porque nas circumstancias em que nos achamos, aquelle a quem lembrasse tudo, podia considerasse com força mais que humana: nem se deve ninguem admirar de que eu, que sou ministerial, e que não tenho vergonha de o dizer queira propôr medidas para ajudar o Governo.
O Sr. Botelho: — Eu levanto-me sómente para apoiar a doutrina do Digno Par o Sr. Conde de Linhares, na parte em que disse que é necessario haver em cada um dos Dominios Ultramarinos uma Administração particular a exemplo do que praticaram os Inglezes nas suas Colonias; mas fundada em bases communs, tanto no que respeita á parte Judicial como á Administrativa, assim como digo, que para um destes dominios é necessario maior força do que para outros, segundo o local, a indole dos povos, e a qualidade dos visinhos que os cercam; porém a respeito de Gôa no estado em que actualmente se acha, sem duvida que é necessario empregar uma força que os faça sujeitar, e respeitar, ao mesmo tempo o nome Portuguez, o qual n aquella Região ainda se conserva unido á idéa de valor, de gloria, e de triumpho; mas convém mudar de tactica ajustando a prudencia com a valentia, para que a paz se restabeleça, e não se exaltem os espiritos nem se atêe o incendio por novos elementos de discordia, e novas provocações. Disse o Digno Par o Sr. Conde da Taipa, que as Propostas que se acabam de fazer são mui distinctas umas das outras, e assim é, porque a Proposta do Digno Par o Sr. Visconde de Sá da Bandeira, referiu-se a providencias ordinarias mas urgentes, pois em todo o cazo é necessario organisar alli o systema Judicial e Administrativo, que deve ter logar ao mesmo passo que as cousas se pacificarem, e para esse effeito deve ír preparado de ante mão. Todas as vezes que tem havido alterações politicas na Metropole desde 1820, retiram-se as Colonias, mas com aparatos de Rebellião, debaixo do nome e apparencias Constitucionaes, e os Portuguezes Europeos mais influentes, e intendidos tiveram de ceder ao partido mais forte, por que tendo amor da Patria, e da Liberdade, careciam de um systema conveniente e proprio d'aquellas Provincias de que podessem lançar mão; por isso convém que desde já se façam, esta Lei Judicial, e outra Administrativa. Em quanto porém á Proposta do Sr. Visconde do Banho, parece-me ser uma medida puramente statistica, e mui conveniente; na certeza porém que a este respeito mui pouco á que fazer em Gôa, que nós devemos conservar por honra e gloria do nome Portuguez, sendo todavia que a sua statistica está á mão de qualquer homem, e com pouco trabalho; por que é tão pequeno terreno que abrange só oito legoas. Quando se abrir a discussão a este respeito, direi mais algumas cousas neste assumpto.
O Sr. Freire: — Eu estou tão longe de querer confundir as questões, que tratei desde o principio de fazer a distinção entre medidas ordinarias, e medidas extraordinarias; referi as medidas ordinarias propostas no Projecto do Sr. Ministro; referi as medidas extraordinarias propostas para a Commissão, pedida pelo Sr. Visconde do Banho. — Agora para que me levantei foi para dizer que esta Commissão não deve ser tão restricta como diz o Digno Par o Sr. Botelho, esta Commissão deve ser mixta; = de Engenheiros, Filosofos, Legistas, Litteratos etc. — estes objectos não devem esperar de maneira nenhuma pela occasião de se mandarem as medidas ordinarias; estas são aquellas de que o Governo se deve encarregar de tomar em occazião opportuna: eu não me opponho a que nós tambem nos occupemos, das providencias extraordinarias, mas creio que o Governo tem toda a authoridade de o fazer, o que são medidas para athalhar uma Rebellião, senão mandar força, e aquella que for possivel, e dar outras providencias da mesma especie, nisto é que eu insisto, e que o Governo pode fazer; não me opponho á proposta do Sr. Conde da Taipa; mas desde já digo que o Governo é que conhece aquillo que lhe falta, e aquillo que tem; eu entendo que elle não precisa senão dinheiro, e embarcar alguma Tropa de Confiança, e tractar de estabelecer alli a sua authoridade; para isto entendo eu que não precisa meios desta Camara, nem mesmo de fazer proposta alguma na dos Srs. Deputados.
O Sr. Conde da Taipa: — Eu quero combater a ideia do Sr. Freire; quero dizer, que o Governo não tem aquelle Poder Magestatico; que reside na Rainha unicamente, e que é preciso que este Poder se delegue em um Governador temporariamente; esta delegação não a póde fazer o Governo, e só sim as Côrtes; e então o homem a quem se delegar hade ser responsavel; por que quando a Rainha exerce o seu Poder Magestatico, os responsaveis são os seus Ministros; mas no caso presente o responsavel hade ser propriamente o Delegado; esse é que hade responder pelos abusos que cometter, por que não póde haver inviolabilidade senão a da Rainha; por consequencia acho que este Poder não se delega constitucionalmente senão pela authorisação das Côrtes. Em Inglaterra nomêa-se um Vice Rei para a Irlanda,