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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

Sessão de 15 de Março de 1836.

O Sr. Presidente occupou a Cadeira sendo uma hora e meia; e feita a chamada pelo Sr. Secretario Machado, se verificou estarem presentes 41 Dignos Pares, faltando 11, e destes, 6 com causa motivada.

O Sr. Presidente disse que estava aberta a Sessão; e lendo o Sr. Secretario Conde de Lumiares a Acta da Sessão antecedente, ficou approvada sem reclamação.

O Sr. Secretario Machado leu: 1.º um Officio do Ministro dos Negocios do Reino, accusando a recepção de outro desta Camara, exigindo alguns esclarecimentos requeridos pelo Sr. Freire, a respeito dos quaes participa que, achando-se alguns documentas daquelles na Camara dos Srs. Deputados, passára a pedi-los para satisfazer esta requisição. — A Camara ficou inteirada. — 2.º Um Officio do Ministro da Justiça, acompanhando os documentos que lhe haviam sido pedidos por esta Camara, em consequencia do Requerimento das Dignidades e Conegos da Sé Primacial de Braga. — Passou á Commissão de Petições, que os havia requerido em Sessão de 27 de Fevereiro passado.

Leu tambem a ultima redacção da Proposição sobre Cartas de Naturalisação; foi approvada, e remettida á Camara Electiva, por conter emendas.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada: — Mando para a Mesa uma Representação da Camara de S. João da Foz do Douro, e peço a V. Ex.ª a faça ler, segundo o estilo.

Lida pelo Sr. Secretario Machado, disse

O Sr. Presidente: — Parece que não ha logar a deliberação, porque versa sobre materia já resolvida; entretanto, se parecer á Camara, poderá remetter-se á Commissão de Administração,

O Sr. Visconde de Fonte Arcada: — Parece-me que nada se perde em ir á Commissão; ainda que não sei o que poderá fazer sobre esse objecto, por isso que já aqui foi decidido; entretanto, como essa Camara é muito digna de attenção, poderia a sua Representação ficar reservada, para della se tomar conhecimento no caso de que ainda cá voltasse a Lei a que se refere: mas agora nada se póde fazer.

O Sr. Presidente: — Nesse caso irá para o Archivo.

O Sr. Barão de Renduffe: — Não há inconveniente em ir á Commissão, mas o mais regular seria talvez guardar-se no Archivo, a fim de ser presente á Camara, quando a Lei de que falla aqui volte com emendas, ou mesmo para quando se tractar da divisão do territorio.

O Sr. Miranda: — A Representação póde sem inconveniente ir á Commissão, ou guardar-se no Archivo; mas eu prefiriria o primeiro arbitrio, até porque o armario da Commissão não é outra cousa, por assim dizer, senão uma secção do Archivo geral da Camara; e não é tão facil alli perder-se de vista.

A Representação passou á Commissão de Administração.

O Sr. Miranda: — Acabo de receber neste momento uma Representação da Associação Mercantil da Villa da Figueira, pedindo que opportunamente se tenham em vista os inconvenientes que resultariam de se abolirem os Juizos especiaes de Commercio.

Foi remettida á Mesa, e lida pelo Sr. Secretario Machado; passou á Commissão de Legislação;

ORDEM DO DIA.

Teve a palavra o Sr. Visconde de Villarinho, e como Relator da Commissão de Administração, leu o Parecer della sobre a Proposição da Camara Electiva, a respeita da divisão Administrativa e Fiscal do Archipelago dos Açores. — Ficou sobre a Mesa para entrar em discussão.

O Sr. Visconde de Laborim, por parte da Commissão de Petições, apresentou o seguinte

Relatorio.

N º 1.º — Sendo pedidos ao Governo os esclarecimentos necessarios sobre o Requerimento, que a esta Camara dirigiram os dous Conegos da Guarda, João Pinto de Mendonça Arraes, e Joaquim Pinto de Mendonça Arraes, no qual se queixavam de que o Provisor do respectivo Bispado, lançára illegal, e arbitrariamente decimas aos Beneficios da Cathedral, requisitando barbaras execuções contra os requerentes; e sendo enviados á Mesa, e depois á Commissão, consta por elles, que a decima de que se tracta, versando sobre dizimos tão sómente, pertencentes ao anno de 1833 até ao S. João de 1834, e então é que estes acabaram, e não antes naquella Provincia; que ella tinha sido lançada, não por authoridade particular, e sim pela da Lei que existia, de pagarem os beneficios decima ecclesiastica, diversa da secular, cobrada, e recolhida pela authoridade competente, e em cofre separado.

Parece á Commissão que em vista dos esclarecimentos, os quaes constam da resposta do Provisor do Bispado da Guarda, fundada na providente resolução da Consulta de 27 de Novembro de 1834, cessando os motivos da queixa, deve ser indeferido o requerimento por não ter logar o pedido.

N.º 2.º — Os Membros que hão de compôr a maior parte da Junta actual do Districto Administrativo da Cidade de Viseu, usando do direito que lhes concede o §. 28 do Artigo 145 da Carta Constitucional da Monarchia Portugueza, representam a esta Camara que, ordenando o Decreto de 15 de Dezembro ultimo a transferencia da Séde do Districto para aquella Cidade, esta medida, pelas razões que expendem, não é vantajosa aos Povos, e ao serviço Nacional, devendo ser emendada, fazendo-se a mudança para a Cidade de Lamego, donde resultarão para aquelles, e para estes consideraveis vantagens.

Parece á Commissão, que attendendo ao estado do negocio em geral deve esta Representação ser enviada ao Governo, para a tomar em consideração, se assim o julgar justo.

N.º 3.º — Os homens da Companhia dos trabalhos de dentro da Alfandega Grande desta Cidade, requerem que existindo no cofre respectivo uma quantidade de dinheiro, proveniente das doze partes, que o Decreto de 13 de Janeiro de 1834, Cap. 6.º Artigos 131, 132, 133, e 134, manda que sejam por ellas pagos os reformados, que se inhabilitarem no serviço, e que no fim do anno fique o remanescente á dis-

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posição, e arbitrio do Administrador; pedem a esta Camara, que visto ser aquella somma producto dos seus trabalhos, os quaes de dia a dia tem crescido avultadamente; ordene que, o que restar daquellas doze citadas partes, seja repartido pelos Supplicantes, segundo suas antiguidades, praticando-se esta mesma operação de seis em seis mezes.

Parece á Commissão, que, determinando o citado Decreto de 13 de Janeiro de 1834, a fórma, e maneira, porque o Administrador da Alfandega, de que se tracta, se deve dirigir, nada se deve alterar a este respeito, e que o Requerimento deve ser indeferido. Palacio das Côrtes 15 de Março de 1836. = Marquez de Valença, Presidente. = Conde de Sampayo. = Visconde de Laborim. = Conde de Paraty. = Visconde de Villarinho de S. Romão. = Marquez de Fronteira.

Sobre o Parecer N.º 1.º, pediu a palavra e disse

O Sr. Visconde do Banho: — Parece-me que seria mais regular enviar esse Requerimento ao Governo, visto que se tracta de execução d Lei; além de que póde haver alguma questão entre os Conegos, e o Procurador da Fazenda; e então em casos litigiosos, menos poderá haver intervenção desta Camara. Peço aos Dignos Pares, Membros da Commissão de Petições, me queiram dar algum esclarecimento, no caso de não adoptarem a minha emenda ao seu parecer.

O Sr. Visconde de Laborim: — Pela minha parte não me opponho ao que acaba de dizer o Digno Par. A Commissão viu que se tractava de arrecadação de dizimos, e que a Lei que os aboliu determinou que começaria a ter execução nas Provincias, depois de libertadas do jugo do usurpador; e então devendo ter o effeito, para o caso de que se tracta, passado o anno de 1834, achou que não havia nada a deferir a este Requerimento: entre tanto se a Camara parecer que é caminho mais seguro remetter-se ao Governo torno a dizer, que me não opponho, assim como creio se não opporá tambem nenhum dos Membros da Commissão.

Não se fazendo outra observação resolveu a Camara que o Requerimento alludido fosse remettido ao Governo.

Os Pareceres 1.º, 2.º, e 3.º foram approvados sem discussão.

O Sr. Ministro da Marinha: — Como Membro desta Camara, peço licença para apresentar um Projecto de Lei sobre a organisação do Systema Judicial nas Possessões Portuguezas da Asia, e Africa Oriental. Esta proposta é resultado do trabalho de alguns dos nossos mais distinctos Jurisconsultos, que por muitos annos permaneceram, tanto na Asia, como na Africa Portugueza: pediria á Camara fosse remettida á Commissão competente, e que esta, com a possivel brevidade apresentasse o seu parecer, a fim de que os Juizes que se houverem de nomear, possam ir na proxima monção.

Por esta occasião, peço tambem á Camara fique recommendado a Commissão do Ultramar a ultimação dos trabalhos feitos sobre a organisação das Provincias Ultramarinas, a fim de serem apresentados no espaço de tempo mais curto possivel. Estas medidas, assim como outras que o Governo tem em vista, parecem-me proprias para obstar ás desordens que alli tam havido nestes ultimos tempos, e que tem sido causa de se não obedecer ás ordens do Governo, e ás disposições da Carta; mas espera-se que, por meios de conciliação, logo que estas providencias cheguem áquelles territorios, serão restabelecidas a ordem, e a tranquillidade. Peço licença á Camara para mandar á Mesa o Projecto de que fallei.

Assim o fez o Digno Par; e sendo lido pelo Sr. Secretario Machado, disse

O Sr. Presidente: — Este Projecto de Lei, apresentado pelo Sr. Visconde de Sá da Bandeira na sua qualidade de Par, e não na de Ministro da Corôa, a primeira cousa que a respeito delle pergunto é, se se admitte?

A Camara resolveu affirmativamente, pelo que ficou para segunda leitura.

O Sr. Visconde do Banho: — Eu fiz ha tempo uma indicação, a fim de se pedir ao Governo de Sua Magestade, mandasse Visitadores aos nossos Dominios, para termos informações exactas do estado das diversas Provincias Ultramarinas. Este Projecto, que o Digno Par Ministro da Marinha, acaba de apresentar, tem por fundamento algumas informações; mas muitas dellas são relativamente ao estado ordinario do paiz, e não ao estado em que elle se acha depois dos ultimos acontecimentos que alli tiveram logar. Como estão presentes alguns Membros do Ministerio, parece-me que poderiam dar alguma resposta a este respeito; isto é, dizerem, se os Governo está disposto a mandar esses Visitadores pelo modo mais economico, mas de maneira, que delles nos possam vir exactas informações, sobre as necessidades, em que se acham aquelles Dominios; porque sem essas informações não é possivel fazer cousa alguma com esperança de bom exito. O Sr. Ministro da Marinha poderá dizer, se o Governo está habilitado com os meios competentes para isso; o que eu acredito, porque ouvi hoje lêr, que tinha havido uma denuncia de certo cofre, que tem dinheiro. (Cousa rara!) Como a falta de meios teria a maior difficuldade que o Governo tinha a allegar, ella está agora superada. Conseguintemente peço á Camara, queira pedir ao Sr. Ministro diga quaes são as idéas do Governo sobre este objecto; porque trabalhar em medidas, para aquellas Possessões, sem ter os necessarios esclarecimentos, é o mesmo que escrever romances em vez de planos de Legislação.

O Sr. Ministro da Marinha: — As ultimas informações que o Governo tem da Asia, datam de Novembro ultimo, a ellas me refiro no Relatorio: o Governo não tem difficuldade nenhuma em mandar aqui todas as correspondencias que tem chegado das differentes Authoridades, tanto de Gôa, como de Damão; por ellas poderá á Camara fazer um juizo do estado das cousas naquellas partes: entretanto parecia-me que no meu Relatorio tinha dito sufficiente sobre este objecto.

O Sr. Visconde do Banho: — Parece-me indispensavel mandar visitar aquelles Estados por authoridades responsaveis; porque póde acontecer que as informações de que falla o Digno Par, sejam dadas por pessoas a quem convenha pintar os factos de certa maneira: mas em fim tudo depende dos meios, que o Governo tenha presentemente, ainda que eu creio nenhum deve poupar para obter tão importantes fins.

O Sr. Ministro da Marinha: — As participações que existem no Ministerio, são de todas as authoridades, que se tem achado em rivalidade umas com outras; por consequencia parece-me que de todos os seus relatorios se póde tirar a verdade do que se fez, e do que se está fazendo. É isto mesmo que eu terei a honra de enviar á Camara, se ella o desejar, e no mais curto espaço de tempo.

O Sr. Conde da Taipa: — Segundo me disse o Sr. Ministro da Marinha, o Projecto que elle apresentou á Camara, é feito por pessoas que serviram nos logares na Asia e Africa; creio que foram ouvidos, o Digno Par o Sr. Botelho, o Conselheiro Leitão que foi Presidente da Relação de Gôa, e o Sr. Loureiro: todas estas pessoas serviram em differentes logares das Possessões. Portanto, creio que melhores informações do que elles, ninguem as poderá dar, nem me parece que possam vir melhores, ainda que lá se mande alguem de proposito para isso.

O Sr. Ministro da Marinha: — Parece-me evidente a necessidade de tractar quanto antes o Projecto que tive a honra de apresentar. Ha um Decreto da Dictadura que dissolveu a Relação de Gôa; mas em consequencia de uma revolução que alli houve, entraram os Juizes della novamente para os seus logares; de maneira que a mesma Relação tornou a existir de facto, posto que não de direito. Nestas circumstancias parece-me indispensavel tomar providencias, quanto á parte judicial. Eu não entendo de Jurisprudencia, mas o Projecto é o resultado das informações de pessoas mui entendidas, e por isso me parece que deve merecer a attenção da Camara.

O Sr. Freire. — Eu entendo que a respeito do Ultramar, é necessario dar providencias Ordinarias, e extraordinarias: pelo que toca ás primeiras, creio que o Projecto apresentado pelo Digno Par Ministro da Marinha, (quanto eu posso entrar na materia) satisfaz ao seu fim; e pediria a V. Ex.ª que independentemente de segunda leitura, passasse já á Commissão do Ultramar. (Apoiado.) Agora pelo que pertence ás providencias extraordinarias; não é possivel que a falta de dinheiro seja o unico motivo que obste a toma-las; pelo contrario devemos fazer todos os sacrificios para não perdermos tudo de uma vez. É impossivel que o Governo se esqueça de mandar a Náo da India, outras Embarcações de Guerra, e o mais que parecer conveniente, porque eu não tractarei agora de dizer quaes sejam essas providencias extraordinarias. Sem dúvida que é indispensavel organisar, tanto a parte Administrativa como a Judicial, mas esta principalmente, não existe Tribunal algum Judicial em Gôa, e Possessões da Asia, já pela falta do pessoal, já pela anarchia em que se tem estado. Por tanto, logo que o Governo possa, não deve demorar-se em mandar alguns individuos, que é a primeira cousa que para alli ha a fazer em todos os ramos de serviço. As escolhas que se fizeram para o Ultramar, não sei se foram ou não bem calculadas, mas sei que não tiveram bons resultados. — Por tanto na presença das extraordinarias circumstancias em que está aquelle paiz, é necessario quanto antes tomar sérias providencias. A idéa do Sr. Visconde do Banho, era a mesma que eu tive quando estive no Ministerio da Marinha, para lançar algumas bases capitaes, que depois tem tambem lembrado, mas que até agora se não tem posto em pratica. Ha muitas cousas em que a Administração do Ultramar é commum, e outras em que tem notaveis differenças O Sr. Botelho publicou um Tractado sobre aquellas Possessões, que me tem admirado pela vastidão das materias, e elegancia das descripções, e o mesmo Digno Par, em todas as occasiões que se tem fallado no Ultramar, apresenta vastos conhecimentos sobre aquellas regiões: então com as noticias que já possuimos, e com outras que venham a adquirir pelas informações de pessoas que visitem aquelles pontos, aonde não chegou o Digno Par, já teremos alguma base para começar a providenciar na parte Legislativa; o que não deve impedir o Governo, de obrar immediatamente como convenha, para provêr ás necessidades do momento.

A Commissão do Ultramar, já tem alguns trabalhos promptos sobre a Administração, e organisação judicial da India, assim como a de Legislação poderá tambem apromptar outros sobre a Proposta do Sr. Ministro da Marinha; e assim alguma cousa se regulará para o estado ordinario; mas para o extraordinario é necessario que o Governo faça quanto poder, e que as suas ordens vão nos primeiros navios que sahirem.

O Sr. Ministro da Marinha: — Quando fallei em medidas para o Ultramar, tencionava tambem, mencionar a indicação do Sr. Visconde do Banho, a fim de ser quanto antes tomada em consideração pela Camara, porque a considero da maior utilidade para trazer aquelles paizes á ordem, onde de alguma maneira se não pódem executar as Leis. Por tanto peço á Camara que com a brevidade possivel tome em consideração a Proposta do Digno Par.

O Sr. Conde da Taipa: — Eu acho que no estado presente, não ha outra medida a tomar para a India, senão mandar para lá um Vice-Rei, isto é, um homem que tenha certa authoridade que se não póde conceder senão em casos extraordinarios, e em circumstancias tão melindrosas como aquellas em que se acham as nossas Possessões Asiaticas. Levantaram-se alli dous partidos, que se tem combatido um ao outro, com as armas na mão; ha dous Estados na India, onde deve entrar uma nova Authoridade com força, a fim de poder até conceder uma amnistia; a isto não chega a Authoridade ordinaria do Governador; e as Leis ordinarias, são para casos ordinarios; mas quando se apresenta uma circumstancia extraordinaria, é preciso Lei extraordinaria, sem o que não Estado Social. — Nós aqui somos eminentemente ignorantes do que é Estado Social; todos temos noções ôcas de direitos e deveres. Quando o Estado Social de Irlanda, ameaçava consequencias funestas, que fizeram os Inglezes? Leis de excepção, porque viram que naquellas circumstancias não podiam os criminosos ser julgados pelo Direito commum. Isto aconteceu em Inglaterra, aonde a liberdade civil está levada ao maior auge de perfeição, e aconteceu para conservar o Corpo Social.

É preciso que na India se dê uma amnistia aos criminosos politicos, mas todos os outros crimes, que não forem desta especie, é necessario castiga-los com vara de ferro. Perdoe-se indistinctamente aos que cercaram ou defenderam a Fortaleza de Tiracol, se não fizeram outra cousa; mas se aproveitando as occasiões de desordem, cometteram roubos ou assassinios, é preciso que tanto estes, como aquelles sejam castigados, e tanto de uma como de outra parte. Nem eu sei porque o Ministerio não propõe a este respeito alguma medida ás Camaras: é necessario tractar disto quanto antes, porque somos chegados á monção, e aquelle Estado está desgraçado. Por isso eu não iria fóra da idéa de que se nomeasse uma Commissão Es-

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pecial, para apresentar á Camara um Projecto de Lei sobre este assumpto, no caso de se dar algum peso ao que levo expendido; sem o que me parece impossivel que se possa organisar o Estado da India. É preciso tomar medidas fóra do ordinario, porque as circumstancias tambem são fóra do ordinario.

O Sr. Conde de Villa-Real: — Concordo em quasi tudo o que acaba de dizer o Digno Par, e já na Sessão passada se fez nesta Camara distincção a respeito dos poderes das Authoridades que devem governar as Colonias, das quaes se exceptuam as Ilhas dos Açôres, e Madeira. Tambem concordo em que é precisa uma Authoridade Superior; mas considero que ao Governo compete nomea-la, e que até certo ponto o dar-lhe os poderes necessarios.

A primeira qualidade que deve ter, é de ser imparcial nas dissenções que nas Colonias como na India possam ter occorrido, porque dando essa authoridade a qualquer individuo que tenha entrado nas contendas e desavenças politicas ou particulares, que tenha havido, não poderá julga-las sem prevenção; pelo contrario por sua natureza ha de tomar o partido que sustentou, e não preencher os fins para que fôr nomeado. — Convenho com o Digno Par, em que se introduza uma Lei para este caso especial, ainda que julgo que o Governo tem bastante authoridade para providenciar em qualquer occurrencia momentanea e imprevista: mas o que em todo o caso se não deve perder de vista, é que as pessoas a quem fôr incumbido este negocio, na India ou em qualquer outra parte, além da circumstancia que apontei tenham ao mesmo tempo a capacidade e probidade, que inspire confiança na sua prudencia e na sua firmeza.

O Sr. Barão de Renduffe: — Levanto-me unicamente para objectar a uma especie de indicação que apontou o Sr. Conde da Taipa, Eu concordo inteiramente com o Digno Par, que para grandes males são mister grandes remedios, e que por isso talvez haja necessidade da medidas extraordinarias para tranquillisar a Asia Portugueza, porque reconheço, que para casos extraordinarios, são necessarias medidas um pouco mais vigorosas, e que por certo não estão comprehendidas nas Leis ordinarias, porque são governadas actualmente as nossas Colonias. Mas que sabemos nós a respeito deste negocio? Sabemos unicamente, que o Sr. Ministro da Corôa apresentou agora uma proposta para circumstancias ordinarias, quando tambem sabemos, que talvez possa carecer d'authorisações extraordinarias. Porém a quem toca a iniciativa dessas medidas extraordinarias? Sem duvida que ao Governo; mas o Sr. Ministro da Marinha parece contentar-se com meios ordinarios? Então é intempestiva e singular a Indicação a que alludo. Convenho com o Digno Par o Sr. Conde da Taipa, em que cumpriria a adopção d'uma Lei para o caso da actual revolta; mas não comprehendo, em vista da exposição feita pelo Digno Par Ministro da Corôa, que o Governo tenha necessidade d'outra cousa que não seja da adopção das propostas medidas ordinarias, as quaes medidas só poderão, ou terão logar, quando a India, e outras Possessões Ultramarinas se acharem em caso ordinario. O Governo não sei que tenha feito proposta alguma a este respeito na Camara dos Srs. Deputados, que é o logar Competente, e nem tambem aproveitou a iniciativa nesta Casa pelos Pares Ministros, e então como quer o Digno Par que se nomeie uma Commissão para tractar de negocios de que esta Camara não tem conhecimento official e detalhado? Nós não sabemos do que se precisa; ao Governo cumpre o desempenho dessa obrigação, e não a nós; (Apoiado.) Se ella propozer alguma medida justa, esta Camara com a melhor vontade se prestará a dar-lhe, em termos habeis, o seu apoio, não só porque a humanidade reclama que se ponha termo a males, de que extra-officialmente tenho conhecimento: mas porque as circumstancias são taes (se ellas ainda perduram), que é incomprehensivel como o Governo tenha adormecido sobre este negocio, e que sendo a crise extraordinaria, se limitasse em vir propôr-nos medidas ordinarias!! Para pois nos não intromettermos nas attribuições do Poder Executivo, que é tão independente como qualquer dos outros, eu pedi a palavra para offerecer á Camara estas considerações, pelas quaes mostrei não dar assentimento á Indicação que apontou o Digno Par Conde da Taipa.

O Sr. Freire: — Eu queria dizer quasi isto mesmo. — Reconheci que era preciso usar de medidas ordinarias e extraordinarias, e que estas não deviam empecer o proseguimento daquellas; ainda sou da mesma opinião, assim como que as medidas extraordinarias que se houverem de tomar, (e para as quaes não admitto faltas de dinheiro, porque devem fazer-se quaesquer sacrificios para o apromptar) digo que essas medidas são independentes, da nomeação de Commissarios, os quaes não vão ao Ultramar para socegar a India, mas para nos forneceram informações ácerca das precisões daquelles Povos, para o fim de estabelecer alli as medidas ordinarias convenientes. Mas não ha a mais pequena duvida de que o Governo deve propôr quaesquer medidas extraordinarias, na outra Camara, e não aqui, quando assentar que em sua authoridade não cabe o poder de as tomar por si mesmo; ainda que me parece que sim, salvo o caso unico da suspensão das garantias, e ainda isso o poderá elle fazer em alguns casos, porque a Carta o permitte. Proponha pois á Camara dos Srs. Deputados o que a este respeito julgar conveniente, e nós o examinaremos, quando a competente Proposição aqui chegar. — Concluo dizendo, que o Governo póde desde já tomar as medidas ordinarias que lhe parecerem uteis, e propôr as extraordinarias; quaes estas sejam, não o poderei agora dizer, mas que se devem adoptar quanto antes, não tem duvida. (Apoiado.)

O Sr. Conde de Villa Real: — Eu só pedi a palavra para uma pequena explicação. O Sr. Visconde da Serra do Pilar faz-me aqui uma observação, que me obriga a declarar que quando eu fallei a respeito da imparcialidade da pessoa, que fosse nomeada para qualquer das Colonias ou Ilhas, não entendia referir-me ás suas opiniões politicas, porque a este respeito não deve ser duvidosa a sua fidelidade á Carta Constitucional, e á Rainha. Só me referi á parte que o individuo podesse ter tomado nas desordens locaes, debaixo dos principios da Carta.

O Sr. Conde da Taipa: — Eu não nomeei a pessoa que vai encarregada disso; mas se a nomeasse não havia de ser pessoa que estivesse naquelle conflicto, para que não fosse Juiz e parte ao mesmo tempo; por quanto, o que para lá for, ha de ser Juiz de ambos os partidos: o contrario disto não cabia na minha cabeça, nem é possivel que caiba na de ninguem. Segundo eu ouvi dizer, a pessoa que está nomeada é muito capaz, e muita pena tenho eu em que elle vá: é o Barão de Sabroso; e sendo todos os Commandantes dos Corpos muito capazes, este certamente é um dos mais benemeritos, e não póde recahir nesta pessoa nenhuma das circumstancias que lembrou o Digno Par. Eu, torno a repetir, tenho bastante pena que elle vá; porque temos muita necessidade de bons Commandantes de Corpos, e, talvez podesse ir outra pessoa que não fizesse tanta falta como elle, A respeito do que ouvi sobre a iniciativa do Governo, direi, que elle certamente a podia ter; mas é necessario que os Dignos Pares se lembrem, de que ao Governo não podem occorrer todas as cousas, e eu não hei de, como Membro desta Camara, collocar-me como o homem a quem se disse = olhe que a sua casa está a arder, acuda-lhe, = e que respondeu = vão dize-lo á Senhora que é quem governa. = O que eu faço é apresentar uma idéa; se o Governo vir que ella é boa aproveita-a, senão o for opponha-se-lhe. Agora para este caso não havia impossibilidade, e até era muito bom, que com a iniciativa de um Par, e com a concorrencia do Governo, fosse isto aqui proposto, e discutido para depois passar á Camara dos Senhores Deputados; por quanto attento o muito que a outra Camara tem a fazer, se isto lá commeçar ha de ser muitissimo mais demorado.

O Sr. Presidente: — Devo observar ao Digno Par que até agora não fez Proposição nenhuma; ao menos não a mandou á Mesa.

O Sr. Botelho: — A todos é notorio o lastimoso estado em que se acham nossas Provincias Ultramarinas, e o que por lá tem havido começando desde Cabo Verde até aos Estados da India; porque nem as novas Instituições quadravam ao caracter, indole, e costumes daquelles povos, nem as Authoridades que para alli foram mandadas, eram as competentes, e adquadas para darem boa conta da sua missão. Em todas aquellas Provincias havia cousas que careciam de remedios geraes; mas sobrevieram novos acontecimentos da tal natureza, que requerem medidas promptas, e privativas.

No tempo da ultima Administração formou-se uma Commissão consultiva sobre os objectos do Ultramar, do qual fui eu nomeado Membro conjunctamente com o Digno Par o Sr. Visconde do Banho, e o Sr. Lopes Lima, que é Membro da Camara Electiva. Então não tinhamos em vista senão a desharmonia, e falta de intelligencia daquellas authoridades, sobre materias que lhe eram estranhas, e por lhes faltar a madureza necessaria para estabelecer cousas novas. Tractámos logo de occorrer com medidas ordinarias, e consultámos que se dessem instrucções prévias, e interinas, que servissem como de regimento aos Governadoras, e mais Authoridades constituidas, em quanto o Corpo Legislativo não legislasse definitivamente a este respeito. Consta-me que pelo Ministerio da Marinha, na Administração passada, se fizeram, e expediram aquellas instrucções, em perfeita relação com o caracter, e uso daquelles povos, a qualidade dos paizes, e suas circumstancias peculiares, sem nenhuma referencia aos acontecimentos que depois sobrevieram, e que ainda se ignoravam. Todavia eu tenho, e sem receio de errar, que o máu estado das nossas Possessões Ultramarinas, os partidos, as discordias, em que a India Portugueza está dividida, a perda do estabelecimento da Bahia de Lourenço Marques, a despovoação de Inhambane, tudo tem bom, e seguro remedio, e mui pouco nos ha de custar recobrarmos aquelle socego, harmonia, de que carecem aquelles Dominios, e que sempre gozaram em quanto bem governados. Não me canço de o repetir: é necessario o maior estudo na escolha das authoridades para tão longas terras, mórmente em momentos arriscados; e todas as desordens, é desaguisados que alli tem succedido, foram causadores dellas as Authoridades que lhes lá mandaram, cujas desavenças começaram na viagem, e requintaram na India com tão funesto resultado: é necessario confessar, que aquellas Authoridades illudiram o conceito de quem lá as mandou. O acontecimento da Bahia de Lourenço Marques não é alli novo, mais vezes fizeram os Cafres a mesma tentativa; não foi este o primeiro Governador que elles assassinaram, já haviam assassinado outro em 1822: estes Cafres em vendo os brancos em desharmonia tomam-lhe o exemplo, e ou nos accommettem, se nos não pertencem, ou se rebellam, se estão debaixo do nosso dominio. Desta vez conseguiram a empreza, e senhorearam-se do territorio, de donde bastava um Brigue de guerra para os desalojarmos, e punirmos, o que a meu ver se deve praticar quanto antes, para não perdermos a posse immemorial desta propriedade. Naquella epocha de 1822, com a morte do primeiro Governador, e quasi abandono daquelle territorio, e pelo fundamento de não estar marcado na Carta Constitucional como pertencente á Nação Portugueza, tomou-se fundamento para o occupar, pelo principio de que, não pertencendo a outra Nação, era da primeira que o occupasse. Todo o cuidado é pouco a este respeito, se queremos conservar um ponto, sem o qual não temos o dominio dos mares de Moçambique.

Nesta Cidade, não quizeram reconhecer o Governador, sem modificações, e consistiram ellas na creação d'uma Junta para com elle entender na parte civil, e administrativa, e até hoje, ainda que pacificamente, não tem com tudo vivido em boa intelligencia, e são repetidas as queixas que de lá vem. — O estado da India está em divisão, em discordia, em agitação de partidos. — O Prefeito que para lá fôra, estava exercendo o seu cargo, em Damão, e Diu; uma Junta Governativa de eleição illegal, estava governando as Ilhas de Gôa: e em Macáo, não concordava o Governador com as Authoridades civis. De maneira se complicaram as cousas, e as Authoridades, que em Gôa romperam-se hostilidades, com apparencias de guerra civil, houve muita effusão de sangue, e as pessoas mais poderosas, mais consideraveis, e de maior jerarchia, e representação, acham-se involvidas em ambos os partidos. — É pois de toda a evidencia que se devem dar providencias energicas, e promptas; assim extraordinarias para quietar os animos, e pacificar os povos, como ordinarias, para se executarem depois delles pacificados; e acho serem muito boas as que na qualidade de Digno Par do Reino, apresenta o Sr. Ministro dos Negocios da Marinha: até por estarem em harmonia com as instituições dadas aos Governadores interinamente, segundo o Parecer da Commissão de que já fallei: mas estas providencias suppõem os casos em regra ordinaria, e não fóra della como ora estão os negocios de Gôa. Uma Lei Judicial, e outra Administrativa, são alli de absoluta necessidade; mas

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para ellas terem effeito, compre empregar mettidas vigorosas, e extraordinarias, como requerem as extraordinarias circumstancias em se acham aquelles Estados. — É necessario mandar para alli um Governador prudente, experimentado, que saiba combinar o valor com entendimento, homem imparcial, justo, e conhecedor do coração humano, e que se saiba desenredar do labyrintho, das intrigas em que os povos do Oriente involveu os Europeos; homem emfim, que ouvindo tudo, e todos, não dê ouvidos a ninguem, e que dirigido pelos seus proprios recursos, saiba o que deve praticar, já punindo, já perdoando, tendo em mira as consequencias de medidas acceleradas, e não empregando as vias de rigor no que poder alcançar pelos meios da brandura, convicção, e docilidade: em uma palavra, sendo justo, que é o modo de fazer entrar aquelles povos nos seus deveres, de lhes dar a verdadeira idéa do que em lingoagem do tempo se chama liberalismo: e d'est'arte acabarão todos os males, e infortunios que está soffrendo aquella Provincia, os quaes não nos devem assustar, porque todos se pódem remediar, como se appliquem os competentes remedios. — Tanto maior deve ser a prudencia do Governador, que a meu vêr deve ir authorisado não só para occorrer aos males presentes, mas a quaesquer outros que possam sobrevir; conferindo-lhe o Governo aquella authoridade que julgar necessaria para elle se desenvolver em paiz tão remoto, sem meios, nem tempo para requerer providencias que lhe vão do Reino.

O Sr. Conde da Taipa: — Eu estou tanto mais convencido desta necessidade, que os Dignos Pares hão de estar lembrados, que o anno passado eu profetizei o que havia de acontecer; e assim foi: — as minhas profecias foram infelizmente realisadas; é uma verdade que se acha escripta nos Diarios, e os Dignos Pares alli o podem ler. Toda a gente sabe que as pessoas que se mandaram para o Ultramar foram da peior gente que é possivel escolher-se, e até para alli foi governar um homem da mesma terra o que foi erro crasso, do que devia necessariamente resultar uma revolução, e esta realisou-se! O que eu queria agora era que se tractasse de remediar isto pelo melhor modo possivel, foi por esta razão que fiz aquella Proposta.

O Sr. Conde de Linhares: — Sr. Presidente, esta deve ser uma verdadeira questão de principios, é indispensavel tractar-se de estabelecer qual seja o regimen conveniente a seguir nas nossas Possessões ultramarinas para as governar, e as conservar. Poderão ellas mesmo ser regidas por uma administração uniforme e geral, quando tantas circumstancias diversas concorrem para o contrario, poderão ellas mesmo obter as mesmas prerogativas de liberdade que a Metropole? Se tal systema se adoptar, então de certo creio que bem depressa as perderemos todas. Este systema nem é calculado para o seu estado de civilisação, nem tão pouco para as conservar em um estado de dependencia. Necessario é pois fixar-se nesta materia, e affrontar a questão sem receio, e sem a evitar, como muitas vezes se costuma. — Ninguem negará a Inglaterra o ser o paiz classico da Liberdade, nem tão pouco aos Inglezes de serem menos ciosos desta Liberdade. Todavia ninguem em Inglaterra pensou de a estender indefinidamente, e mesmo largamente ás Colonias aonde de certo, nem em cada uma existe o mesmo regimen, nem tão pouco nada que se assimilhe á Liberdade Ingleza. Ora, porque não seguirá o Governo Portuguez uma marcha analoga, como o dicta a prudencia e o interesse da Metropole? Decida-se pois esta questão importante, encare-se a nossa posição real com toda a energia, e appliquem-se-lhe todos os meios razoaveis de que podemos dispôr; então adquirirá o Governo aquella força moral de acção que agora lhe falta. — Em tanto que taes medidas se não adoptam que poderão lá fazer individuos particulares, revestidos ou não do nome de Commissarios, se os meios de acção de que se acham munidos são insufficientes.

O Sr. Barão de Renduffe: — Sr. Presidente, quando eu pela primeira vez fallei, de certo não disse cousa alguma que induzisse a acreditar-se que eu não daria o meu assentimento ás medidas que apresentou o Digno Par o Sr. Visconde de Sá da Bandeira; nem era possivel que recuzasse a generalidade dellas: o que eu disse foi unicamente relativo a uma idéa emittida pelo Digno Par o Sr. Conde da Taipa, e é a idéa de se nomear uma Commissão para apresentar á Camara um Projecto tendente a pacificar as Provincias Ultramarinas; a respeito do que disse eu, que essa Commissão além de incompetente, não tinha especial informação para o desenvolvimento de tal tarefa; e então perguntarei, para que existe o Governo, se este nem sabe desempenhar a sua missão, e nem quer tomar a seu cargo a Administração Publica em geral! Os nossos Estados na India estão em desordem e anarchia, e é preciso dar providencias para os socegar: muito bem; e que tem feito o Governo até hoje? não o sei; mas sei que nós já temos feito muito com esta discussão, porque temos dado a conhecer a este nosso Ministerio qual é o desejo desta Camara, se mesmo lhe não temos lembrados os meios que elle deve adoptar. Eu disse que a Proposta do Digno Par para a formação de uma Commissão me parecia irregular, não por que qualquer dos Membros desta Camara não possa fazer as indicações que julgar convenientes, nem porque não tenhamos aqui, sobre negocios de similhante natureza, a mesma iniciativa que tem a Camara dos Srs. Deputados; mas porque em verdade é muito estranho, e até se me affigura incrivel, e singular, que um Membro desta Casa e que pertence ao Governo, e mais ainda que é o responsavel pela Repartição do Ultramar, não apresentasse aqui alguma coíbas que conviesse para remediar os males de que se tem tractado, nem mesmo dissesse cousa alguma que promovesse o louvavel zelo do Digno Par, e que por ultimo propozesse unicamente uma Lei Judiciaria para as Colonias. Votarei por tanto por medidas extraordinarias, quando o Governo tomar a sua iniciativa; porque eu entendo que sobre isto só elle com mais razão a pode ter, e não uma Commissão da Camara; porque a esta faltam os muitos meios que tem o Governo; e se só este é que os tem, porque motivo não usa delles como lhe cumpre? porque não nomeia uma Commissão de individuos, que tenham conhecimento das localidades, etc. Sr. Presidente, tenho dito mais do que cumpria para esclarecer a sabedoria da Camara, sobre a incongruencia da indicação que tenho combatido.

O Sr. Conde da Taipa: — Quando eu fiz esta Proposição bem reparei que o Governo a poderia ter feito; mas eu que quero ajudar este Governo lembrei a medida, e de modo que ella possa ser adoptada por esta Camara. Já mostrei que não se oppunha a que fosse proposta por um dos Membros desta Camara, e convidando-se o Ministro para vir assistir á sua discussão na Commissão, ella ficava no mesmo estado em que ficaria se fosse discutida em uma das Secretarias do Governo. Tambem disse que a razão disto era, porque eu entendia que as Camara dos Srs. Deputados não se lhe podia dar tão prompto andamento, como por esta fórma, mas tem-se confundido muito as cousas. — Eu propuz que a Commissão por mim lembrada, fosse encarregada de propôr o modo de remediar as desordens da India; porém as do Digno Par o Sr. Visconde do Banho o anno passado, nada mais foi do que uma Proposta para nomeação de uma Commissão de Estadistica, a outra é a Proposição feita hoje na Camara pelo Sr. Visconde de Sá da Bandeira. Esta ultima é de muita necessidade, mas para que tenha execução é necessario que lá haja uma Authoridade que ponha essas Leis em execução, isto é o que não ha, e que é necessario que haja. Ninguem duvida que convém muito mandar ao mesmo tempo a administração das justiças, mas tudo isto depende do principio, e o principio é socegar a terra, e para se tomarem medidas a esse respeito é que fiz a minha Proposição; peço aos Dignos Pares que a não confundam com a do Sr. Visconde do Banho, nem com a do Sr. Visconde de Sá da Bandeira. — Pelo que respeita á increpação que se fez ao Governo por se não lembrar disto, digo que não é digno de reparo; porque nas circumstancias em que nos achamos, aquelle a quem lembrasse tudo, podia considerasse com força mais que humana: nem se deve ninguem admirar de que eu, que sou ministerial, e que não tenho vergonha de o dizer queira propôr medidas para ajudar o Governo.

O Sr. Botelho: — Eu levanto-me sómente para apoiar a doutrina do Digno Par o Sr. Conde de Linhares, na parte em que disse que é necessario haver em cada um dos Dominios Ultramarinos uma Administração particular a exemplo do que praticaram os Inglezes nas suas Colonias; mas fundada em bases communs, tanto no que respeita á parte Judicial como á Administrativa, assim como digo, que para um destes dominios é necessario maior força do que para outros, segundo o local, a indole dos povos, e a qualidade dos visinhos que os cercam; porém a respeito de Gôa no estado em que actualmente se acha, sem duvida que é necessario empregar uma força que os faça sujeitar, e respeitar, ao mesmo tempo o nome Portuguez, o qual n aquella Região ainda se conserva unido á idéa de valor, de gloria, e de triumpho; mas convém mudar de tactica ajustando a prudencia com a valentia, para que a paz se restabeleça, e não se exaltem os espiritos nem se atêe o incendio por novos elementos de discordia, e novas provocações. Disse o Digno Par o Sr. Conde da Taipa, que as Propostas que se acabam de fazer são mui distinctas umas das outras, e assim é, porque a Proposta do Digno Par o Sr. Visconde de Sá da Bandeira, referiu-se a providencias ordinarias mas urgentes, pois em todo o cazo é necessario organisar alli o systema Judicial e Administrativo, que deve ter logar ao mesmo passo que as cousas se pacificarem, e para esse effeito deve ír preparado de ante mão. Todas as vezes que tem havido alterações politicas na Metropole desde 1820, retiram-se as Colonias, mas com aparatos de Rebellião, debaixo do nome e apparencias Constitucionaes, e os Portuguezes Europeos mais influentes, e intendidos tiveram de ceder ao partido mais forte, por que tendo amor da Patria, e da Liberdade, careciam de um systema conveniente e proprio d'aquellas Provincias de que podessem lançar mão; por isso convém que desde já se façam, esta Lei Judicial, e outra Administrativa. Em quanto porém á Proposta do Sr. Visconde do Banho, parece-me ser uma medida puramente statistica, e mui conveniente; na certeza porém que a este respeito mui pouco á que fazer em Gôa, que nós devemos conservar por honra e gloria do nome Portuguez, sendo todavia que a sua statistica está á mão de qualquer homem, e com pouco trabalho; por que é tão pequeno terreno que abrange só oito legoas. Quando se abrir a discussão a este respeito, direi mais algumas cousas neste assumpto.

O Sr. Freire: — Eu estou tão longe de querer confundir as questões, que tratei desde o principio de fazer a distinção entre medidas ordinarias, e medidas extraordinarias; referi as medidas ordinarias propostas no Projecto do Sr. Ministro; referi as medidas extraordinarias propostas para a Commissão, pedida pelo Sr. Visconde do Banho. — Agora para que me levantei foi para dizer que esta Commissão não deve ser tão restricta como diz o Digno Par o Sr. Botelho, esta Commissão deve ser mixta; = de Engenheiros, Filosofos, Legistas, Litteratos etc. — estes objectos não devem esperar de maneira nenhuma pela occasião de se mandarem as medidas ordinarias; estas são aquellas de que o Governo se deve encarregar de tomar em occazião opportuna: eu não me opponho a que nós tambem nos occupemos, das providencias extraordinarias, mas creio que o Governo tem toda a authoridade de o fazer, o que são medidas para athalhar uma Rebellião, senão mandar força, e aquella que for possivel, e dar outras providencias da mesma especie, nisto é que eu insisto, e que o Governo pode fazer; não me opponho á proposta do Sr. Conde da Taipa; mas desde já digo que o Governo é que conhece aquillo que lhe falta, e aquillo que tem; eu entendo que elle não precisa senão dinheiro, e embarcar alguma Tropa de Confiança, e tractar de estabelecer alli a sua authoridade; para isto entendo eu que não precisa meios desta Camara, nem mesmo de fazer proposta alguma na dos Srs. Deputados.

O Sr. Conde da Taipa: — Eu quero combater a ideia do Sr. Freire; quero dizer, que o Governo não tem aquelle Poder Magestatico; que reside na Rainha unicamente, e que é preciso que este Poder se delegue em um Governador temporariamente; esta delegação não a póde fazer o Governo, e só sim as Côrtes; e então o homem a quem se delegar hade ser responsavel; por que quando a Rainha exerce o seu Poder Magestatico, os responsaveis são os seus Ministros; mas no caso presente o responsavel hade ser propriamente o Delegado; esse é que hade responder pelos abusos que cometter, por que não póde haver inviolabilidade senão a da Rainha; por consequencia acho que este Poder não se delega constitucionalmente senão pela authorisação das Côrtes. Em Inglaterra nomêa-se um Vice Rei para a Irlanda,

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e este tem os Poderes Magestatico até certo ponto: e a Irlanda é a dous passos de Inglaterra. Qual é a razão por que os Ministros da Corôa não Governam a Irlanda? É por que ha certas cousas que é preciso determinar immediatamente, e que não podem esperar por ordens de uma authoridade que esteja demasiadamente longe: no caso da India é necessaria essa delegação, e eu assento que o Poder Executivo não a póde conceder, e que se necessita para isso de uma Lei passada em Côrtes e para fazer a sua proposição, é que eu proponho que se eleja uma Commissão, a qual proponha tambem tudo que julgar conveniente para assegurar o socego nos Dominios do Ultramar.

O Sr. Ministro da Marinha: — O Governo não se tem demorado sobra os negocios do Ultramar; ainda hontem foi tropa para Cabo Verde; e no Tejo estão alguns navios promptos a sahirem para a India. O que peço á Camara é que se discutam os trabalhos que estão na Commissão do Ultramar; e nessa occasião se poderá tractar o que propõem o Sr. Conde da Taipa: tudo isto defende em parte do crédito que as Côrtes concederam ao Governo em relação ás despezas que tem a fazer; para cujo fim o Governo hade fazer a competente proposta na outra Camara, a fim de seguir os meios Constitucionaes e passar como Lei.

O Sr. Presidente: — Eu peço a Camara que observe, que não ha agora outro objecto a tractar, se não saber o que se ha de fazer a respeito do Projecto que apresentou o Digno Par Visconde de Sá da Bandeira; tudo o mais será em outro logar. (Apoiado.) Eu ouvi que alguns Dignos Pares desejavam, que sem se seguir com esta Proposta os tramites do Regimento, fosse logo remetida á Commissão do Ultramar. (Apoiado.) Eu o proponho á Camara.

Assim o fez S. Ex.ª, e se resolveu affirmativamente, dispensadas as formulas que prescreve o Regimento.

Continuando a Ordem do dia, leu-se a nova redacção de um Projecto de Lei, originariamente proposto pelo Sr. Conde de Lumiares, e cuja materia havia sido approvada na sua generalidade, em Sessão de 8 do corrente: é a seguinte

Nova redacção do Projecto sobre conceder premios aos auctores dos Projectos de Codigo Militar.

Artigo 1.º Pelo Thesouro Publico se pagará um premio de oito contos de réis, por uma vez sómente ao auctor do Projecto d'um Codigo Militar, que até ao dia 8 de Janeiro de 1838, o apresentar a qualquer das Camaras Legislativas, e depois for por ellas approvado.

Art. 2.º Ao auctor do Projecto que sem obter a preferencia, merecer comtudo a honrado primeiro — Accessit — será pago pela mesma fórma um premio de dous contos de réis.

Palacio das Côrtes 11 de Março de 1836. — Marquez de Sampaio, Presidente — Visconde do Reguengo. — Visconde da Serra do Pilar. — Duque da Terceira. — Marquez de Valença. — Conde de Villa Real.

Terminada esta leitura, pediu a palavra sobre a ordem, e disse

O Sr. Conde de Lumiares: — Depois que tive a honra de apresentar este Projecto á Camara, no intervallo que tem mediado, tive informações que não tinha podido obter antes; quero dizer, tive noticia do Codigo Militar que existia, e obtive mesmo um exemplar; em consequencia, vendo que ganhariamos mais tempo em fazer examinar este Codigo, do que em intentar fazer um novo, peço licença á Camara para retirar o Projecto; peço em segundo logar que se nomêe uma Commissão, para que examinando o Codigo Militar de que fallei, e aproveitando aquillo em que elle esteja em harmonia com a Carta Constitucional, possa apresentar á Camara um novo Projecto sobre a materia.

O Sr. Barão de Renduffe: — Eu apoio a proposta que acaba de fazer o Digno Par, e tanto mais a apoio, quanto eu rejeitei o Projecto que elle tinha apresentado, e que já foi discutido em geral; e então a Camara conhecerá que eu tinha bastante razão em não approvar o Projecto de Lei para a organisação de um novo Codigo, porque entendi, que em quanto nós não examinassemos esse Codigo que existe feito, não deviamos intentar fazer obra nova: o Digno Par pôde haver um exemplar talvez impresso: nomêe-se pois uma Commissão para o examinar, ou faça-o examinar o Governo, porque eu abundo nos desejos que o Digno Par em outra Sessão, manifestou de que o nosso Exercito tenha um Codigo adequado ás nossas Instituições; e em consequencia apoio, que esta Camara se dê ao trabalho de examinar aquelle Codigo; o que se não podér effeituar nesta Sessão, será para a outra; ou que se communique ao Governo, que cumpre tomar providencias que o habilitem á sua iniciativa, que neste caso é preferivel, a fim de que as Leis Criminaes Militares vão em harmonia com os Regulamentos que ao Governa toca fazer.

O Sr. Conde de Linhares: — Parece-me que este Projecto já está approvado pela Camara.

O Sr. Conde de Lumiares: — O Projecto está approvado na sua generalidade, mas pelas razões que expendi, pedi licença para o retirar; se elle estivesse entre primeira, e a segunda leitura, eu o retiraria sem recorrer á authorisação da Camara, de que segundo o nosso Regimento, não precisava; porém agora só o posso fazer com a sua annuencia; é por isso que a peço.

O Sr. Conde de Linhares: — Ainda que votei contra o Projecto, como a Camara o approvou, parecia-me que a marcha mais regular, era deixa-lo sobre a Mesa sine die.

O Sr. Barão de Renduffe: — Essa questão é secundaria; o Auctor da Proposta pede para a retirar, e a Camara apezar de a ter approvado póde decidir o que quizer.

O Sr. Miranda: — A Camara póde muito bem conceder, que o Digno Par retire o Projecto; a discussão que houve foi em geral, e o que se approvou foi que houvesse um Codigo; agora o que ha é uma substituição. Estamos na ordem, não é necessario que haja nova discussão, e póde muito bem admittir-se esta substituição.

O Sr. Marquez de Fronteira: — O Projecto á foi approvado pela Camara, e não pode retirar-se.

O Sr. Barão de Renduffe: — Eu estive em opposição com o Digno Par, quando se discutiu este Projecto; a Camara no primeiro dia rejeitou parte delle, e em segundo logar a Camara decidiu que se fizesse um Codigo Militar, mas nesta segunda parte deliberou ao mesmo tempo que devia voltar o negocio á Commissão, e esta foi de parecer, que se désse o premio de quatro contos de réis, ao Auctor que obtivesse o accessit, e com isto a Camara entendeu que se devia tractar da formação de um Codigo Militar; a Acta deve conter isto tudo, assim como que eu fui constante em rejeitar a idéa, ou instancia que então houve, de que se faça um Projecto novo, quando effectivamente elle existe feito, mas não approvado, nem rejeitado; e nestes termos quero declarar que apoio inteiramente o que pede o Digno Par, porque com isto não se altera de maneira nenhuma a intenção da Camara, e creio ser mais facil trabalhar sobre uma cousa já feita, e que mesmo talvez se poderá desde já adoptar; em consequencia convenho com o Digno Par, e tomo o que elle propõe como uma substituição, em verdade muito admissivel, e de receber, porque a Camara não votou mais se não que houvesse um novo Codigo Militar, e novo será o que existe feito, se elle se podér aproveitar.

O Sr. Freire: — Eu opponho-me a que se retire o Projecto, por principios de ordem, porque elle já não é do Digno Par; e não só não é delle, mas de uma Commissão, por uma emenda que ella lhe apresentou. Agora pede-se que se retire, e offerece-se um Projecto de Codigo, que se diz existe feito, pedindo-se que vá a uma Commissão que o examine para em resultado do seu exame nos apresentar um Projecto, o qual passe como Proposição de Lei nesta Camara: desta maneira, digo eu, que tal Codigo nunca ha de existir; entre tanto faça-se isso, e poupemos esses quatro contos de réis; mas por principios de ordem, fique o Projecto da Commissão sobre a Mesa.

O Sr. Presidente: — Não me achava presente quando a primeira vez se tractou desta materia; mas aqui está a Acta desta Sessão.

Leu-se no logar congruente á discussão, e disse

O Sr. Conde de Villa Real: — Por motivo de incommodo de saude, não pude assistir á Sessão em que se tractou deste objecto, mas pela leitura da Acta, se conhece que elle foi á Commissão para apresentar outro novo, o que ella fez, indicando que lhe parecia que o premio devia ser diminuido; nestas circumstancias entendo eu, que a Camara póde retirar o Projecto e póde tambem addia-lo; nem me opponho a que fique sobre a Mesa: o Artigo do nosso Regimento neste ponto é muito claro (leu). O Auctor de qualquer Projecto, depois de elle ter segunda leitura já o não póde retirar sem licença da Camara; entretanto póde pedir que elle seja addiado por algum tempo; o que propõe o Sr. Freire, é que elle fique addiado indefinidamente, e eu nisto tambem concordo; a outra questão, é separada desta e por isso não entrarei nella.

O Sr. Barão de Renduffe: — Eu não sustentei, nem uma, nem outra cousa; disse que era indifferente, porque o que propunha o Digno Par, era que se tractasse de examinar um Codigo, que ha de passar pelos mesmos tramites: agora, o que eu suppunha era que se ganhava um pouco mais, aproveitando o que fosse bom deste Codigo sem nos custar esse Projecto novo oito contos de réis, e sem com tudo nos privar-mos da possibilidade de ter um Codigo Militar, com brevidade, que é o que ao mesmo tempo desejamos.

(Votos. Votos.)

O Sr. Presidente: — Não me parece que se esteja no caso de addiar o Projecto; entre tanto a Camara póde faze-lo.

O Sr. Conde de Lumiares: — Nesse caso reformo meu pedido; e em logar de retirar o Projecto, peço que elle fique addiado indefinidamente. (Apoiado.) Ámanhã apresentarei outra Proposição para o exame do Codigo em que fallei.

A Camara annuiu ao Requerimento do Digno Par; e tendo o Sr. Presidente designado para Ordem do dia da Sessão de ámanhã, a discussão da Proposição da Camara Electiva sobre a Divisão Administrativa, e Fiscal do Archipelago dos Açores, fechou esta senda tres horas e tres quartos.

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