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em outro tempo a attenção do Governo de Portugal foi causa de se destruir a prosperidade nascente deste genero na liba de S. Thomé, aonde se este, e outros generos coloniaes continuarem a ser bem cultivados, elles virão para Portugal, por um preço muito barato. Estas Ilhas pódem dar ao Commercio Portuguez uma importancia muito grande, e por isso convém que ellas tenham um Governo particular, porque este ha de cuidar no seu melhoramento, ainda que para isso se careça de alguma despeza, não devemos deixar de a approvar, lembrando-nos que é necessario fazer-se algum sacrificio, e que para colhêr é necessario primeiro semear; e mesmo porque resultando disso grande proveito, para o futuro, não ha a recear que com o tempo adiante, essa despeza carregue sobre o Thesouro. — Nós devemos tomar muito interesse por estes povos, e olhar-mos ao mesmo tempo a que elles estão actualmente sem nexo de Governo, e que por isso é necessario faze-los entrar na ordem, sem o que não póde haver nem industria, nem prosperidade, porque não ha protecção ao direito de propriedade.
Além do que disse o Digno Par que me precedeu, se achou que por outras muitas razões devia haver para aquellas Ilhas um Governo particular, porque este as póde administrar de tal maneira, que ellas venham a ser de tanta utilidade para â Monarchia, como se fossem administradas por um Governo geral. A importancia do seu Commercio com a Metropole ha de abrir communicações com facilidade, e por esta razão o annexa-las a qualquer dos Governos geraes do Continente Africano, iria impecer o progresso deste estabelecimento. Esta é a razão porque me parece que este Artigo é digno da approvação da Camara, e que deve passar tal qual está redigido.
O Sr. Freire: — Eu tambem me conformo com a doutrina do Artigo, porque me parece realmente que a divisão adoptada pela Commissão é a mais coherente; até julgo excellente a emenda que apresentou o Digno Par Relator da Commissão: á vista pois do referido, e do que disseram os dous Dignos Pares que me precederam, as minhas reflexões não pódem estender-se a mais. — É geralmente reconhecido que tudo isto é digno de attenção, e grande a consideração em que se deve ter; e sendo tambem conforme á razão, e á configuração geografica do globo o methodo aqui adoptado, eu só terei a fazer alguma observação, em primeiro logar, sobre o que diz respeito á redacção; e em segundo, porque vejo que a Commissão no desenvolvimento do Projecto, não indica bem o modo como este quarto Governo particular ha de ser dependente de Portugal, nem qual deve ser a sua administração. A respeito disto não se diz nada, quando a respeito dos Governos Geraes da Africa, e da Asia, se diz bastante. — Em quanto á redacção, ella não me parece bem clara, tanto neste, como em muitos dos outros Artigos do Projecto, porque diz o Artigo (leu): mas não se diz se este é um Governo particular, ou se é um quarto Governo: achava pois que conviria antes dizer-se assim (leu): é preciso dar-se-lhe esta nova redacção; porque tendo-se tractado dos tres Governos, e passando depois a fallar-se de um Governo particular, dizendo-se muito, ou ao menos o bastante a respeito dos primeiros, nada se diz a respeito deste, que a não ser na menor extensão, em nada differe dos outros. Digo por consequencia que approvando eu a doutrina do Artigo, pedia que elle voltasse á Commissão para esta lhe dar um desinvolvimento mais claro, e apresentar alguma explicação sobre o como fica considerado este Governo particular, ou se convirá antes considera-lo como quarto Governo Geral da Africa.
O Sr. Botelho: — Eu approvo quanto o Digno Par acaba de dizer a respeito da redacção, porque é muito mais exacto; em quanto porém ao Governo de S. Thomé, e Principe, digo que estes Governadores, assim como o de Cabo Verde, tinham as mesmas attribuições, que os Capitaes Generaes, a diferença era unicamente ao soldo, e na graduação; mas se a Camara assentar em que se deve dizer alguma cousa mais a respeito destes, deve fazer-se o mesmo a respeito de todos os outros.
O Sr. Freire: — Eu estou concorde com o que acaba de dizer o Digno Par, e sei que o Governo era independente, e que a differença era só de jerarchia, e agora ficam sendo o mesmo: quanto as Ilhas de S. Thomé e Principe não se dizendo nada a respeito dellas parece que fica como estava, e que se não cuidou dellas neste Projecto, e em consequencia entendo eu que será necessario no fim do Projecto dizer alguma cousa a este respeito, visto que quanto aos outros Governos se diz a maneira porque hão de ser substituidos, é tambem necessario se determine alguma cousa para que se não entenda que fica como d'antes existia; nem se diga que se tractou das outras Possessões só porque tinham Capitães Generaes, e se lhe deu um Regulamento, ou um plano, e para estas não se deu nada, deixando-as no estado em que estavam; isto parece-me digno de attenção.
O Sr. Botelho: — Parece-me que bastará um paragrafo em que se declare, que o Governo das Ilhas de S. Thomé, e Principe, fica similhantemente aos outros, e com as mesmas attribuições dos Governadores Geraes, na parte em que forem applicaveis na parte em que não poderem ter applicação que se regulem pelas Leis existentes, (Apoiado.)
Julgada a materia sufficientemente discutida, foi o Artigo 1.º posto á votação e approvado, salva a redacção, mandando-se para esse fim voltar á Commissão.
Lido o 2.º, disse sobre elle
O Sr. Botelho: — A materia deste Artigo já foi discutida no Artigo 1.º Os dominios Asiaticos estão separados pela natureza, e não ha ahi outro logar central que possa ser a séde do Governo a Ilha de Gôa; basta que ella foi escolhida não só para este effeito; mas para o emporio do commercio oriental pelo grande Affonso de Albuquerque, tamanho em feitos de armas, como em obras de intendimento.
O Sr. Visconde do Banho: — Não era possivel deixar de chamar-se Asia Portugueza. Este resto do theatro da nossa antiga gloria é o resultado da nossa má fortuna, seja embora a miniatura do que foi na Asia em outro tempo o povo Portuguez; entretanto vamos aproveitando o que nos resta naquellas partes, assim como os dous unicos pontos nas Molucas, de Timôr, e Solôr. Convém mesmo assim que o Governo central que se estabelecer na Asia tenha um certo poder, a fim de cuidar, e poder conservar as possessões que lhe ficam algum tanto distantes. Tenho informação de que pelos annos de 1797, ou antes, o Governador de Gôa, mandou tropas ás Ilhas de Timôr e Solôr, que se tinham d'algum modo tirado da sujeição á Monarchia Portugueza, e foi necessario mandar de Gôa quatro Companhias de Infanteria, e ainda que era um pequeno corpo de tropa, maior seria a difficuldade, se tivesse que ir de Lisboa. Em consequencia é necessario declarar, que Gôa é a séde, porque todos os mais pontos estão situados na Asia, posto que mui distantes, e no Artigo se diz, que uma Lei os designará.
No Relatorio do Sr. Ministro da Marinha diz elle, que não ha noticias de Timor, e então parece que se perdeu aquelle ponto; mas indo para Gôa um Governador habil, e activo com as informações que se alcançar se poderão tomar providencias convenientes. Mas a falta dellas não priva de que vamos já estabelecer medidas geraes: Gôa é o ponto principal. Verdade é que ouço dizer que hoje não é saudavel, e que os habitantes se retiram para Pangim. O que entendo é, que se póde remediar muita cousa, ácerca do presente estado da Asia Portugueza mandando-se para alli uma authoridade revestida de consideração, de recursos, e que possa d'alli enviar ao Governo exactas informações, e ser por elle immediatamente soccorrida, quando pedir auxilios, e propozer o que carece, para bem administrar aquellas possessões. — Sobre taes informações se poderão, tomar providencias com verdadeiro conhecimento de causa. — Parece-me que o Artigo deve passar como está!
O Sr. Freire: — Tambem approvo o Artigo, e convenho nas razões que se tem dado, e mesmo quanto á séde do Governo de Gôa; levanto-me simplesmente para fallar da redacção, e desta vez por todas pedirei que se tenha em vista em todas as partes do Projecto a redacção delle, e não fallarei mais sobre este objecto: este = outro = não vem aqui para cousa nenhuma; por isso eu pediria a V. Ex.ª que propozesse todos os Artigos, salva a redacção, porque em todos elles ha emendas a fazer, as quaes necessariamente a Commissão ha de tomar em consideração.
Julgando-se a materia discutida, foi o Artigo 2.º posto a votos, e approvado, salva a redacção.
Lido o Artigo 3.º, disse ácerca delle
O Sr. Freire: — Neste Artigo fallo eu sobre a materia. Intendo, que seria conveniente deixar aqui alguma latitude ao Governo e não esperar que hajam sobre este objecto as informações necessarias para fazer uma Lei; chamarei a attenção da Commissão sobre este objecto, e então se ella assim o intender, parece-me que se podia adoptar esta emenda (leu). Não estou sufficientemente informado, para saber o que desde já se póde fazer, e a Commissão melhor o saberá do que eu; mas em todo o caso intendo que se deve deixar alguma latitude o Governo, para obrar convenientemente.
O Sr. Botelho: — Eu não me opponho ás reflexões do Sr. Freire: este Artigo até quasi parece desnecessario, porque o seu resultado é para daqui a muitos annos. Não se faz idéa exacta nem do territorio, nem da povoação, nem dos productos de nossos Dominios ultramarinos, nem da qualidade, indole, e caracter dos povos com quem confinâmos. Quanto alli possuimos está cercado de inimigos; ha sitios aonde nada temos senão á beira-mar, e outros ha por onde nos estendemos largamente na Africa occidental e oriental; e por isso eu convenho em que se não atem os braços ao Governo para fazer livremente todos os melhoramentos possiveis, e por tanto approvo a emenda do Sr. Freire. — Agora em quanto á insalubridade de Gôa, isto é da que outr'ora fôra Cidade, direi, que mandando a Senhora D. Maria Primeira D. José Pedro da Camara na qualidade de Capitão General do Estado da India, levou ordens expressas para fazer estanciar naquelle local um Batalhão, provendo de todos os commodos necessarios, para verificar se era verdadeira ou falsa a inculcada insalubridade, e o resultado foi que no fim de dous mezes apenas existia metade do Batalhão: repetiu a tentativa, e para evitar iguaes consequencias, que já iam apparecendo, levantou mão da execução da ordem, deu parte para o Reino, e foi approvado. É de saber que entre aquellas povos em vindo molestia epidemica, ou de máo caracter, que produza mortandade, levantam o campo, abandonam a terra, e jámais voltam a ella. Assim como está deserta a Cidade de Gôa, está deserta a Ilha de Chorão, e outras, pelo mesmo motivo. Hoje Da Cidade do Hydalcão existe apenas a casa do Senado, o palacio do Bispo, e alguns Conventos mui bem conservados, e nenhum outro edificio, nem vestigio de povoação. Eu ahi estive, e não caminhei sobre ruinas, andei pelo meio de desertos, como se nunca houvessem sido habitados, e não ha Portuguez sensivel que ahi se demore sem lhe correrem as lagrimas, por effeito de saudosas reminiscencias. A antiga Cidade de Gôa é com effeito doentia, em razão de uma alagôa que ao principio se poderia ter seccado, e que ora em dia já sem o maior custo se não póde estancar; nem eu sei se as agoas que para alli se amontoam, deixariam de se ir ajuntar em qualquer outro ponto, e torna-lo igualmente doentio. E como se não póde reedificar a Cidade como antigamente fôra, e os mais ricos proprietarios ergueram palacios á borda da agoa desde a antiga Cidade até Pangim, aonde o ex-Capitão General, D. Manoel de Portugal e Castro, se tem esmerado em boas obras de edificação, aformoseando o terreno, limpando-o de tudo que podia damnar a saude; e como alli estejam estabelecidos todos os edificios publicos, está substituida a falta da Cidade de Gôa.
Julgando-se a materia sufficientemente discutida, propoz o Sr. Presidente á votação o Artigo 3.º, e foi approvado, salva a redacção.
Entrou logo em discussão o Artigo 4.º, sobre o qual disse
O Sr. Botelho: — Este Artigo sustenta-se por si mesmo; todas as Authoridades devem estar sujeitas ao Governador Geral, como representante immediato do Rei, no exercicio do Poder Executivo, e por isso mesmo que das attribuições dos Governadores deve ficar excluida qualquer ingerencia judicial; esta Authoridade, ou fallando melhor, este Poder é por si mesmo independente, mas uma cousa é a independencia dos Juizes em quanto ao Poder Judicial, outra cousa é tomar conhecimento dos Juizes quando elles prevaricarem como homens, e não como julgadores; e esta é a mesma jurisdicção que no Artigo 5.º se lhes concede. — Ha pouco acabei de dizer quaes eram as qualidades pessoaes que deviam ter os Governadores Geraes, sendo uma das primeiras os conhecimentos theoricos e praticos, manifestados por algumas provas de serem capazes de governar; porque os povos dos Dominios Africanos e Asiaticos pertencentes ao Reino de Portugal soffrem o despotismo com tanta resignação, como em