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masse este objecto em consideração no mesmo momento em que se está fazendo uma Lei onde ha uma disposição que authorisa os Governadores das Provincias Ultramarinas a suspender as garantias n'um grau eminente, porque o uso deste poder ataca até certo ponto a independencia do Poder judicial, (sobre cujos Membros sómente deve haver tal procedimento, sendo primeiro ouvidos, e consultado o Conselho d'Estado) acho conveniente que por esta mesma occasião se dê a authoridade necessaria aos Governadores para em casos de gravissimo perigo, possam suspender, as garantias a respeito dos outros individuos, assim como se lhes concede pelo artigo, que o possam fazer a respeito dos Magistrados.

O Sr. Visconde do Banho: — Ha uma deslocação de materia, por isso a redacção deste artigo parecerá contraria á Carta; mas se se olhar para o artigo 10.º, achar-se-ha que nelle se declara, que quando o Governador tractar da suspensão de qualquer empregado, a não effectuará sem ouvir o Conselho. — É forçoso confessar, que ha muitas vezes um principio de mal intendida liberdade, que leva os homens a fazer com que se não castiguem os delinquentes; mas a liberdade consiste na execução das Leis, que é a guarda dos direitos individuaes: ora, por mais distante que um Governador esteja da Metropole, elle sempre é um delegado do Governo, ou, o que se chama em direito, um alter ego da Pessoa da Rainha; e se tudo depender immediatamente de Lisboa, não será possivel conservar o socego publico: por tanto é indispensavel que os Governadores possam, sem recorrer á Metropole determinar qualquer suspensão pessoal. Bem sei que o uso deste poder é muito perigoso; mas devo notar, que elle é bastante circumscripto, e sujeito a responsabilidade. Não acontece o mesmo geralmente fallando, executada a letra da Carta, por quanto o Governo está seguro quando suspende qualquer empregado, posto que o faça injustamente: mas no artigo estabelece-se a responsabilidade, a qual serve de garantia, tanto a quem suspende, como a quem é suspenso; estas palavras são muito claras (leu). Ora havendo tal garantia, e havendo tambem o mesmo processo, que tem logar quando se suspende qualquer magistrado, isto é, ouvindo-se o Conselho, (que corresponde de alguma sorte ao de Estado) não póde suppôr-se, que a medida deixe de ser justa; e por conseguinte creio que o artigo não contém ataque á Carta.

É preciso tambem não se perder de vista que toda esta legislação é feita, para ter execução em terras aonde deve confessar-se, que a população não é toda das mais civilisadas; e mesmo alguns dos individuos, que dellas fazem parte devem ahi estar debaixo da vigilancia do Governo, e que outros não se podem dizer na plenitude dos seus direitos politicos. Esta Lei não é feita para Portugal, ou para Portuguezes em geral; mas para o estado em que aquellas Provincias se acham actualmente, com particularidade depois das alterações que tem havido, e o poder immenso que parece se dá aos Governadores, está modificado por uma grave responsabilidade, que delles se exige.

Quanto á lembrança do Digno Par Sr. Freire, direi que me parece talvez fóra de tempo: o Digno Par apontou remedio, para casos extraordinarios, e a Lei, que esta em discussão é para casos ordinarios; e por esta razão deve ter o seu andamento ordinariamente: sendo isto assim, parecia-me mais conveniente não confundir as duas hypotheses. Talvez que na generalidade das medidas que hontem se tocaram, (por occasião da discussão da proposta do Sr. Conde da Taipa) fique melhor collocada a instancia do Digno Par que me precedeu, e em cuja necessidade eu concordo: isto para não fazer enxertias de medidas ordinarias com medidas extraordinarias, mas a Camara em sua sabedoria decidirá este ponto.

O Sr. Freire: — Sinto discordar do Digno Par que acaba de fallar, na ultima parte do seu discurso. — Devemos, tanto quanto fôr possivel, dar todas as attribuições aos Governadores do Ultramar, e para todos os casos que possamos aqui prever. No estado de conflagração em que se acha a India, e mesmo em relação á nossa situação actual olhando-nos como ameaçados de uma facção tão forte, qual a que ainda hoje occupa a Hespanha; acho que podendo alguns dos nossos inimigos ir-se acolher no Ultramar a pontos que não podemos prever, não seria inconveniente pôr nesta Lei uma disposição para quaesquer, casos extraordinarios. — Quando a Expedição Libertadora sahiu das Ilhas dos Açores para Portugal, como V. Exc.ª estará lembrado, deu-se ao Governador dos Açores esta mesma authorisação, para acudir a qualquer motim ou revolução, que alli podesse ter logar. — Ora por maioria de razão se deve conceder esta authoridade aos Governadores Geraes do Ultramar, em attenção principalmente á grande distancia das sédes desses Governos á Metropole: authoridade de que não poderão abusar nos casos em que fallo, porque uma revolução é um facto; e se um empregado é capaz de abusar só por abusar, então não ha remedio possivel senão o seu castigo; mas dada a possibilidade de uma revolução, convém estabelecer a possibilidade de a reprimir; tanto mais que nesse caso, nunca o abuso póde ser senão voluntario e espontaneo; mas os Governadores são responsaveis sempre por elle na conformidade da Lei: Concluo que ainda quando não houvesse o facto das circumstancias em que estão as nossas Possessões no caso possivel de alguma aggressão da parte dos nossos inimigos, (caso de que eu cheguei a suspeitar quando fazia parte do Ministerio, e que não deve perder-se de vista) intendo que não havendo mal, e sim bem na authorisação extraordinaria em que fallei, ella deve estabelecer-se nesta Lei.

O Digno Par leu, e mandou para a Mesa o seguinte

Additamento.

Para suspender as garantias individuaes, no caso de rebellião declarada. — Freire.

O Sr. Conde de Linhares: — Levanto-me para fazer observar, que visivelmente o Art. 121 da Carta Constitucional se refere á doutrina precedente do Art. 120. Eu passo a ler ambos; (assim o fez, e proseguio): — Daqui infiro que são particularmente os Juizes de Direito, que não devem ser suspensos sem audiencia do Conselho d'Estado; ora estes julgam só realmente as causas em primeira instancia, e com a concurrencia dos Jurados, e como taes, só parecem poder cometter abusos puniveis pela sua responsabilidade. A Constituição authorisou o Rei a suspende-los em certos casos, e com especificadas formalidades ouvido o Conselho d'Estado: o que facilmente poderá ter logar no Reino. Porém nas Provincias Ultramarinas será isto igualmente applicavel? Eu creio indispensavel uma modificação, com tanto que o Governador, que não é parte do poder judicial, não intervenha com a sua authoridade em negocios taes de responsabilidade de Juizes. O mais natural, no meu modo de pensar, é attribuir este poder de suspender os Juizes de Direito ás Relações das Provincias Ultramarinas, as quaes n'esse caso os deverão remetter com os seus processos, a outra Relação mais proxima para alli serem julgados. Desta sorte não se dará o caso jámais, de ser um Juiz de Direito suspenso pelo Governador por erro de officio, ou de qualquer outro crime como Magistrado. Reputo pois o art. 6.º digno de uma nova revisão pela Commissão para ser organisado sobre novas bazes, por exemplo, taes quaes as que acabo de apontar. — O caso porém inteiramente particular de um Juiz de Direito cometter qualquer crime ou delicto como individuo, parece-me de outra natureza, e então deve entrar na ordem regular como o de qualquer outro, em identicas circumstancias. Ora sendo o Governador responsavel por todas as suas acções, não vejo que elle não possa intervir como as Leis geralmente lho permittirem, como em qualquer outro caso identico. A differença destas attribuições e procedimentos é que, deve ser claramente enunciada n'este art., e como tal é que recommendo, que volte á Commissão para melhor a emendar, e redigir.

O Sr. Botelho: — Á vista do que acaba de dizer o Digno Par o Sr. Agostinho José Freire, nenhuma duvida posso ter, apesar das reflexões do Digno Par o Sr. Visconde do Banho, de que se faça alguma declaração no Artigo, até para irmos mais conformes com a Legislação que já existio a este respeito. Por Carta Regia expedida aos Capitães Generaes, quando estava no Ministerio da Marinha o pai do Digno Par o Sr. Conde de Linhares; e por outras anteriores remettidas aos Governadores de Gôa, Moçambique, e Angola pelas quaes se ampliava o Regimento dos mesmos Governadores, e se excitava a sua execução; eram elles authorizados a exercitar este poder, debaixo de inteira responsabilidade no cazo de peculato ou de rebellião, podendo obrar a este respeito, por si só e com authoridade discricionaria, o que não acontece agora com as modificações marcadas neste Projecto de Lei; mas ficará o Artigo muito mais claro, e mais bem Legislado, uma vez que se faça a declaração proposta pelo Sr. Conde de Linhares, conformando-me com o principio do Digno Parque não é o Juiz que deve ser suspenso, mas sim o homem: O Juiz póde commetter crimes como individuo, e então quando criminoso deverá continuar no exercicio de julgar? Certamente que não. — Não tracto agora dos acontecimentos de Gôa, são cazos extraordinarios que requerem medidas tãobem extraordinarias, e ao Governo compete lançar mão das que houver por mais acertadas em tão criticas circumstancias, tracto unicamente dos casos ordinarios, e neste ninguem dirá que um Juiz criminoso deva continuar a exerceras funcções de seu Ministerio. — verdade que a Carta diz, que antes da suspensão de qualquer Juiz, deve ser ouvido o Conselho d'Estado. Mas hade por ventura o Governador participar para o Reino as razões da queixa, quando ellas forem motivadas, esperar a reposta que de cá lhe mandem no que tem de gastar-se pelo menos anno e meio, e talvez dois, attentas as monções, e entretanto hade o Juiz continuar em seus maleficios e ao mesmo tempo nos Officios de julgador? E se o publico for sabedor das suas culpas e prevaricações, como ha de conservar-se aquella força moral, aquella inteireza que é a baze essencial da independencia do poder dos Juizes. Que respeito hão de tributar os povos a um Juiz que moralmente reputam criminoso? Em cada um dos Governos Geraes ha um Concelho de Governo que o Governador é obrigado a servir ainda em casos muito menos graves que a suspensão de um Juiz; por conseguinte similhante suspensão determinada em Conselho, não é obra de um só individuo; e por este modo não fica a segurança individual do Juiz dependente dos caprichos, e má vontade dos Governadores. Em conclusão, estou que o Juiz possa ser suspenso nos casos de peculato ou de rebellião.

O Sr. Conde de Linhares: — Entendo que quando se fallou em Authoridades Publicas, se comprehenderam implicitamente os Juizes de Direito. Em tempos anteriores, os Governadores serviam-se de pretextos analogos para se intrometterem em materias judiciaes, e como taes authorisarem as queixas de prepotencia com que intervinham na authoridade Judiciaria sem serem Juizes constituidos. Agora segundo a Carta não se attribue aos Juizes outra funcção mais do que julgar as causas civis, e crimes, juntamente com os Jurados, e por esse motivo os Juizes de Direito tem menos occasião de cometterem arbitrariedades; porque a verdadeira e real decizão das causas existe no Jury: ora se os Governadores intendessem n'ellas debaixo de qualquer pretexto, vinham a intervir no poder Judicial, o que a Carta espressamente véda. Se porém acontecer que Juizes de Direito commettam delictos, ou crimes como individuos, devem, ser processados conforme a Lei geral, porque ninguem ha que lhe seja superior, e que lhe não esteja sujeito. Os mesmos Pares do Reino e os Srs. Deputados da Nação, altamente privilegiados n'este sentido pela Constituição, podem ser prezos em flagrante delicto, e julgados pela Camara dos Pares, acusando a Camara dos Deputados nos casos da sua competencia. Ora se nas Provincias do Ultramar um empregado commetteu delicto flagrante, nada ha que o exima de ser julgado conforme as Leis geraes, deixando desde esse momento de exercer a sua authoridade, visto que está privado dos seus direitos civis e politicos. — Por tanto toda a difficuldade está no modo porque isto se deve regular. Eu julgo indispensavel crear uma Relação em cada Provincia, (hoje só existe uma em Gôa) com o fim de conservar o Poder Judicial na sua inteira independencia, quero dizer, fóra da acção dos Governadores; pois haveria o maior inconveniente em admittir qualquer outra doutrina contraria ao espirito da Carta. Por estas razões torno a dizer, que me parece indispensavel que este Artigo volte novamente á Commissão, a fim de o tornar mais claro, e pôr em harmonia com as disposições da Carta, naquillo que com ella tem relação.

O Sr. Botelho: — Para uma explicação. — Eu vou explicar-me porque fui por duas vezes Capitão General, e exerci esta grande authoridade, sem que me accuse a consciencia, a este respeito. É certo que por vezes alguns Capitães Generaes avocavam as causas á Secretaria, e delles houve que mandaram por suas