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CAMARA DOS DIGNOS PARES.
Sessão de 21 de Março de 1836.
O Sr. Presidente tomou a Cadeira, sendo uma hora e meia; e feita a chamada pelo Sr. Vice-Secretario Mello Breyner, se verificou estarem presentes 38 Dignos Pares, faltando 14, e destes, 9 com causa motivada.
O Sr. Presidente disse que estava aberta a Sessão; e lida a Acta da de 18 do corrente, pelo Sr. Secretario Machado, foi approvada sem reclamação.
O Sr. Vice-Secretario Mello Breyner leu duas Representações das Camaras Municipaes: 1.ª do Concelho de Penella e Povoa; 2.ª do Concelho de Lorrigo, pedindo ambas transferencia da séde do Governo Civil do seu Districto. — Passaram á Commissão de Administração.
O Sr. Visconde de Fonte Arcada apresentou o seguinte
Requerimento.
Requeiro que se peça pelo Ministerio do Reino o Requerimento que fizeram os Proprietarios e moradores de Friellas, Loures, e outros logares, para a limpeza do rio de Sacavem; bem como as informações de quaesquer Authoridades sobre aquelle objecto.
Camara dos Pares do Reino, 21 de Março de 1836. = Visconde de Fonte Arcada.
Foi approvado sem discussão.
O Sr. Miranda, como Relator da Commissão de Fazenda, leu o Parecer da mesma ácerca da Proposição de Lei vinda da Camara dos Srs. Deputados, sobre o praso dentro do que se devem conferir titulos admissiveis na compra dos Bens Nacionaes. — Mandou-se imprimir para entrar em discussão.
Passando-se á
ORDEM DO DIA
Leu o Sr. Vice-Secretario Mello Breyner o seguinte
Relatorio.
A Commissão do Ultramar, tendo dado a mais séria attenção ao estado actual dos Dominios Ultramarinos, julgou, que o melhor methodo para as medidas Legislativas, e providencias de urgencia, que ao Governo pertence dar, para a conservação dos referidos Dominios, consista em se estabelecer alli immediatamente as Authoridades indispensaveis, que tenham o vigor necessario para pôr em devida execução, tudo o que lhes for communicado, e recommendado da Capital da Monarchia. Debaixo destes principios, a Commissão se apressou a propôr o seguinte Projecto de Lei para começo da Administração de Governo dos Dominios Ultramarinos.
Artigo 1.º Os Dominios Africanos formarão tres Governos geraes, e um particular, a saber: o primeiro de Cabo Verde, o qual se comporá do Archipelago deste nome, e dos pontos situados na Costa de Guiné, e suas dependencias; o segundo de Angola, o qual se comporá do Reino deste nome, e de Benguella, e todos os pontos de Africa Occidental Austral, a que tem direito a Corôa Portugueza; o terceiro de Moçambique, o qual comprehende todas as Possessões Portuguezas na Africa Oriental. As Ilhas de S. Thomé, e Principe formarão um Governo immediato ao Governo do Reino: do mesmo dependerá o Forte de S. João Baptista de Ajuda.
Art. 2.º Os Dominios Asiaticos formarão outro Governo geral com a denominação de Asia Portugueza: Gôa será a séde deste Governo.
Art. 3.º Uma Lei particular designará os districtos, e subdivisões territoriaes, que convenha fazer-se dentro de cada um dos referidos Governos geraes, com aquellas modificações, que exigirem as circumstancias particulares de cada um delles.
Art. 4.º Em cada um dos mesmos Governos haverá um Governador Geral, a quem ficarão sujeitas todas as Authoridades alli estabelecidas, e de qualquer denominação que forem. A escolha recahirá sempre em individuo, que tenha tido experiencia de negocios, por pratica adquirida em alguma das carreiras da Administração Pública. Os Governadores Geraes terão as mesmas honras, que eram concedidas aos antigos Capitães Generaes, e terão de ordenado quatro contos de réis, além da despeza da hida, e volta.
Art. 5.º O Governador Geral reune simultaneamente as attribuições administrativas, e militares, com absoluta exclusão de toda, ou qualquer ingerencia directa, ou indirecta nos negocios Judiciaes. As funcções administrativas do Governador Geral, estão designadas no Decreto de 18 de Julho de 1835, assim como as suas relações com as Juntas de Districto, excepto no que diz respeito ao Conselho de Districto, o qual será substituido por um Conselho do Governo, como se determina no Artigo 7.º da presente Lei. A authoridade militar do Governador Geral está nas Leis, que servem de norma aos Generaes das Provincias do Reino.
Art. 6.º O Governador Geral terá jurisdicção para suspender qualquer Authoridade Pública, nos casos em que julgue ser exigido pela Justiça, e bem do Serviço, o emprego deste grande Poder. Nestes casos remetterá á Séde da Monarchia, a Authoridade, que fôr suspensa, juntamente com os capitulos da culpa, para contra ella se intentar o competente Processo, ficando o mesmo Governador Geral responsavel por todo o abuso e excesso, que commetter no exercicio desta jurisdicção.
Art. 7.º Junto a cada um dos Governadores Geraes haverá um Conselho de Governo, composto dos Chefes das Repartições Judicial, Militar, Fiscal, e Ecclesiasticas, e de mais dous Conselheiros escolhidos pelo Governador Geral, entre os quatro membro mais votados das Juntas Provinciaes.
Art. 8.º No impedimento do Governador Geral fará as suas vezes o Conselho de Governo, sendo presidido pelo Conselheiro mais antigo na ordem da nomeação de todos.
Art. 9.º O Governador Geral não tomará arbitrio algum em negocio de importancia, sem ouvir o Conselho, cujo voto, ou deliberação, não será todavia obrigado a seguir, ou adoptar. Na publicação das ordens far-se-ha menção quando forem conformes com a opinião, e maioria do Conselho, com a fórmula = O Governador Geral em Conselho = determina o seguinte.
Art. 10.º Sempre que se tractar da suspensão de qualquer Empregado Publico, o Governador não a effeituará sem ouvir o Conselho.
Art. 11.º Quando o negocio submettido á deliberação do Conselho, envolver accusação contra algum dos seus membros, este não será presente quando se tractar da sua accusação.
Art. 12.º Além do Secretario Geral, que deverá haver em cada um dos Governos, se lhe aggregarão os Officiaes necessarios para o expediente das respectivas Secretarias, e no competente Orçamento será incluida a somma indispensavel para esta despeza. O Secretario Geral vencerá por anno um conto de réis.
Art. 13.º Leis particulares determinarão o estabelecimento da Força Militar, e Naval, necessaria para defensa, e conservação dos Estados Ultramarinos, bem como a organisação das Authoridades Judiciaes, Administrativas, Municipaes, e Fiscaes.
Art. 14.º Em cada um destes Governos Geraes haverá o necessario Estado Maior, e Engenheiros; os quaes deverão proceder sem demora a levantar Cartas Geograficas, e a recolher noticias Estadisticas; bem como se deverá proceder a levantar Cartas Hydrograficas dos Pórtos, e Costas de cada Governo.
Art. 15.º Debaixo da inspecção de cada Governo Geral se imprimirá um Boletim, no qual se publiquem as Ordens, Peças Officiaes, Extractos dos Decretos Regulamentares enviados pelo respectivo Ministerio aos Governos do Ultramar; bem como Noticias Maritimas, Preços correntes, Informações Estadísticas, e tudo o que fôr interessante para conhecimento do Publico.
Art. 16.º No primeiro mez de cada anno, os Governadores formarão os seus Relatorios de quanto determinaram no anno anterior, da execução que tiveram as Leis promulgadas, e ordens do Governo, e as suas proprias, que obstaculos se opposeram a ellas, e enviarão ao Governo estes Relatorios com a maior brevidade; farão igualmente as Propostas, que entenderem ser uteis aos Povos, enviarão as Consultas, e Copias das Actas das Juntas Geraes. Além destas contas annuaes, os Governadores Geraes entreterão com o Governo a mais repetida communicação que poderem.
Art. 17.º Cada membro do Conselho de Governo enviará na mesma epocha as suas observações sobre o estado do Paiz, melhoramentos, que nelle se possam fazer, e todas as observações, que lhe parecer conveniente levar ao conhecimento do Secretario d'Estado da Repartição do Ultramar.
Art. 18.º Os Governadores Geraes porão em execução as Leis existentes, e aquellas providencias dirigidas aos Governos, de que estão encarregados, uma vez que estas determinações, e aquellas Leis, se não opponham á letra, e espirito da Carta Constitucional da Monarchia; e igualmente darão exacto cumprimento a todas as ordens, que lhes forem communicadas pela Repartição competente.
Art. 19.º Em cada um dos Presidios, e Estabelecimentos Maritimos, ou no interior do Continente, haverá um Governador Subalterno, que exercerá a authoridade administrativa, e militar, servindo-lhe de regra a respeito desta, o que está determinado para os Governos Subalternos das Praças do Reino.
Palacio das Côrtes, em o 1.º de Março de 1836. = Conde de Linhares. = Conde de Mello. = Visconde do Banho. = Sebastião Xavier Botelho. = Visconde de Sá da Bandeira. = Duarte Borges da Camara.
Terminada esta leitura, disse
O Sr. Presidente: — Está aberta a discussão deste Projecto de Lei, na sua generalidade.
Obteve a palavra
O Sr. Botelho: — Sr. Presidente, antes de fallar sobre a generalidade da Lei, é preciso dizer á Camara, que ahi ha dous erros que fo-
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ram do copista: um delles é no Artigo 5.º onde diz (leu), e em logar disto se deve dizer (leu): — e o outro é no Artigo 7.º, aonde depois das palavras (leu), deve pôr-se o seguinte (leu), passando a tractar da Lei, direi, que este Projecto foi feito pela Commissão do Ultramar no anno passado; e que ora convém tractar-se delle com a gravidade, e sabedoria que caracterisam esta Camara. É sabido por todos, e em seu Relatorio o expoz o Sr. Ministro da Corôa, qual é o estado calamitoso de confusão e anarchia em que se acham nossas Provincias Ultramarinas, que jazem ao Sul do Cabo da Boa Esperança; e ainda que ao Governe é que pertence empregar os meios para as pacificar; e não é só com Leis que este beneficio se póde conseguir; todavia convém que as haja para regerem aquelles, e a que em primeiro logar deve ser assumpto da sabedoria desta Camara, é a Lei organica, e administrativa, que marque a natureza, e limites da primeira Authoridade politica em conformidade com a Carta Constitucional da Monarchia, e o caracter, costumes, e regras antiquissimas porque se governaram sempre aquelles Dominios, e que é necessario não perder, para que elles se não percam.
Commeçando pela Ilha da Madeira; em quanto a administração das cousas publicas, andava nas mãos dos Donatarios, elles a governavam como queriam; e depois que Filippe II a encorporou na Corôa, e lhe deu por Capitão General, (e foi o primeiro nas Possessões Ultramarinas) ao Desembargador João Leitão, levou Instrucções da Côrte, e assim por ellas, como pelas que se lhe iam expedindo segundo as circumstancias, se governou aquella Ilha e as dos Açôres, sem haver um systema fixo, e um Regimento regular, até que El-Rei D. José unindo este Archipelago debaixo de um só Governo na pessoa de D. Antão de Almada lhe deu Regimento, o qual a Senhora D. Maria I em 1801 fez extensivo á Ilha da Madeira. Havia dantes um Regimento, que vem transcripto na historia de Tangere, pelo qual se regulavam os Governadores; era elle puramente militar e circumscripto á maneira porque se deviam governar Ceuta, Arzila, e Mazagão como Praças de guerra; e o Regimento dado por El-Rei D. José continha o dos Regedores da Justiça, e dos Governadores Civís da Casa do Porto, com o dos Generaes das Armas das Provincias do Reino; e mui poucas cousas a respeito da Administração da Fazenda. — Na Africa Oriental, e na Asia, as Possessões que alli temos, eram governadas por Determinações e Instrucções avulsas, expedidas segundo as circumstancias occorrentes, e os diversos systemas dos Ministros da Marinha, outras vezes por Provisões do Conselho do Ultramar, e por Portarias dos Vice-Reis; vindo a cifrar-se o Regimento neste complexo de diversas Ordens, que muitas vezes se contradiziam, acontecendo que hoje se estabelecia uma norma de Administração, e logo depois outra em sentido contrario, sem regularidade alguma; e por isso havia muito de que lançassem mão os Governadores para desculparem seus despotismos. Daqui se vê a necessidade que ha de uma Lei permanente que esteja em harmonia com o estado actual das cousas, assim no Reino, como naquellas Provincias. Considerando isto tudo, a Commissão tomou por base uma parte do que já existia tendo attenção ao que se devia conservar, por se não poder substituir melhor, e ao mesmo tempo fazendo aquellas necessarias modificações, que exige o systema da Carta, em quanto ella póde ser applicavel ao estado de ignorancia, e falta de civilisação, e mingoa de Cidadãos livres que habitam aquelles Dominios, conservando-lhe ao mesmo passo todas as garantias que a Carta lhes concede. A Commissão na divisão do Territorio de cada um dos Governos Geraes, conservou aquella mesma que existia, e não póde haver outra, por ser esta a que está marcada pela Natureza: regulou a authoridade dos Governadores, designando-lhes as attribuições, e as honras que lhes competem; e conjuntamente os requisitos necessarios para serem elevados a este importante, e honroso Cargo; e teve o maior cuidado em marcar a linha divisoria entre o Poder Administrativo, e Judicial, para se não encontrarem; e porque da união delles na mesma pessoa, vem necessariamente despotismo. Tractou a Commissão dos requisitos que devem ter os Governadores Geraes; porque da escolha arbitraria, e de ordinario mal feita, tem vindo até agora os maiores males daquelles povos, e o atrazamento em que as cousas alli se acham. — O essencial requisito, é ter já adquirido pratica em algum dos ramos administrativos, aquelle individuo que fôr eleito Governador Geral. Um Militar deve começar por Soldado, para chegar a ser General; um Magistrado deve principiar por Juiz de primeira Instancia, para entrar depois na segunda, e desta passar ao Tribunal Supremo de Justiça: ora se isto se requer na Milicia, e na Magistratura; por identidade de razão, ou talvez maior, deve praticar-se o mesmo ainda que menos progressivamente, a respeito dos individuos que forem empregados nos diversos ramos administrativos, em que sem duvida os Governadores Geraes tem o primeiro logar; nem eu sei como se póde nomear alguem para cargo de tamanha importancia, e responsabilidade, sem que passasse por empregos inferiores, e os houvesse desempenhado com limpeza e acerto. Quantos e quantos tem sido nomeados, com absoluta negação de principios administrativos, e das regras de bom governo, entrando nelles comos olhos inteiramente cerrados? Convém pois que os Governadores Geraes sejam probos, desinteressados, prudentes, e sobre tudo justiceiros, não usando nem excessiva indulgencia, nem sobeja severidade, segundo as regras da razão, e da justiça. Similhantes qualidades não se adquirem sem conhecimentos theoricos e praticos, os quaes são indispensaveis aos Governadores Geraes, para que possam provêr o necessario com maduro conselho, resolvendo por si, com conhecimento de causa, e sem dependencia do Secretario, do Administrador da Fazenda, e outros funccionarios, que reconhecendo a fraqueza de quem os governa, depois de o induzirem em erros de que tiram proveito á custa dos povos, são os primeiros por via de regra, que o entregam á vindicta publica. Não se pense que a Commissão, quer por este modo prender os braços ao Governo na escolha dos individuos, não Senhores; ella é absolutamente sua; os Governadores Geraes representam o Rei, são Delegados seus, exercem uma parte do Poder Executivo, e por isso a nomeação e escolha dos individuos, é privativamente do Governo; mas tem elles do se dirigir por uma Lei, que lhes marque as respectivas attribuições; eis o que compete ás Camaras Legislativas, eis o que teve em vista a Commissão, na presente proposta, e se me tenho alargado mais acercadas qualidades pessoaes que devem ter os Governadores, é para que a Lei não fique infructuosa, executada por quem não a entenda, redundando esta ignorancia em detrimento dos povos.
Os Governadores Geraes pela Lei de 25 de Abril, reunem as funcções militares, e civis; mas era preciso determinar mui claramente, até aonde ellas se estendem, e foi por isso que no Artigo 6.º se diz o seguinte (leu): é por esta mesma razão que convém que os Governadores tenham os requisitos já ponderados. — Releva ao mesmo tempo, que a Lei designando claramente as atribuições que constituem a authoridade dos Governadores Geraes, lhes não deixe aberta alguma, para entrarem no caminho da arbitrariedade, e das prepotencias, e por isso a Commissão estabelece um Conselho de Governo, com voto consultivo em tudo que não é de mero expediente, renovando o que existia em todas as Capitanias Geraes, com o nome de Adjunto, e na India, com o nome de Conselho d Estado, determinando nos Artigos 7.º, 9.º, e 10.º o que a este, respeito se deve praticar: seguem-se depois as medidas organicas, e vem a ser (mencionou-as); mas note-se, que a este Estado Maior se aggregam Engenheiros, que hão de ser encarregados de alevantar as Cartas Hydrograficas dos portos, e costas de cada Governo, do que muito se carece, e é vergonhoso (com bem magoa o digo) que os Portuguezes descendentes dos primeiros navegadores do Atlantico Oriental, e quasi singulares possuidores dos portos Africanos naquelle hemisferio, não tenham até agora alevantado nenhuma daquellas Cartas, e tanto por mar, como por terra, estejam inteiramente ás cegas sobre o que alli possuem. — Segue-se depois a correspondencia que os Governadores Geraes devem ter, apontando as cousas de que devem fazer menção, para que o Governo da Metropole esteja inteirado de todos os successos, e possa ter o conhecimento mais aproximado, e cabal do estado de cada um daquelles Governos: esta mesma obrigação incumbe tambem ao Concelho, para que o Ministro da Corôa na Repartição respectiva, comparando entre si as correspondencias, possa formar seguro juizo, e tomar o Governo aquellas medidas que houver por melhores, e mais adquadas, segundo as circumstancias occorrentes.
Quando se entrar na discussão de cada um dos Artigos em particular, direi mais alguma cousa a respeito da sua doutrina.
Não pedindo a palavra outro Digno Par, julgou-se a meteria sufficientemente discutida, e sendo o Projecto posto á votação, ficou approvado na sua generalidade.
Passando-se á discussão por Artigos, foi lido o 1.º, a respeito do qual teve a palavra e disse
O Sr. Botelho: — Esta divisão é a mesma divisão actual comprehendida nos limites que a natureza marcou áquelles territorios só com a alteração que foi forçoso fazer a respeito do Forte de S. João Baptista de Ajudá.
Nas Ilhas que formam o Archipelago de Cabo Verde, não se podia fazer nenhuma alteração, nem convinha que se fizesse; assim como se não podiam desannexar os Presidios de Bissau, e Cacheo. Ao Sul do Equador temos o Governo de Angola, comprehendendo á beiramar desde Loanda até Benguella, e pelo certão dentro até Pongo Andongo, além de Molembo, e Cabinda. No golfo de Guiné temos o Governo de S. Thomé, e Principe, comprehendendo ao mesmo tempo, Arda, Acre, e Calabar. E agora entrando o Cabo da Boa Esperança, temos o Governo de Moçambique, e o Governo da India; o primeiro comprehendendo o Presidio de Lourenço Marques, Inhambane, Sofala, Quelimane, Moçambique, Sena, Tete, e Ilhas de Cabo Delgado, que quer dizer, duzentas cincoenta e duas legoas ao longo da Costa, e mais de tres mil e seiscentas quadradas pelo Certão dentro, sendo-lhes barreira o Oceano Atlantico, e as montanhas de Lupata: o segundo comprehendendo as Ilhas de Gôa, e as novas conquistas, ou terras de Pondá, Damão, Dio, Solôr, Timôr, e Macau, unicas reliquias de nosso Imperio Oriental, e eterno padrão do heroismo Portuguez.
Pelo que pertence a Solôr, Timôr, e Macau, são tres Ilhas muito distantes umas das outras, as quaes não pódem ter communicação prompta, e facil, umas com as outras por jazerem em oppostas latitudes; e que não tendo cada uma dellas, nem população nem meios de constituirem Governo independente, devem conservar-se unidas ao Governo Geral da India. Cumpre fazer aqui a seguinte emenda = ao Sul do Equador, = porque nós temos ahi o Governo de Angola, que se estende até Benguella. Pelo que respeita ás Ilhas de S. Thomé, e Principe, ainda que não estejam mui separadas de Angola, todavia tem muita difficuldade de se communicarem, porque a viagem sendo facil, e breve de Angola em direitura a estas Ilhas, já não é assim destas Ilhas para aquelle Reino, sendo-lhes muito mais breve, e menos penosa à viagem em direitura para Portugal; eis o motivo porque se constituia um Governo independente, e é por este mesmo motivo que a Commissão lhe conservou esta natureza. Aggregou-se a este Governo o Forte de S. João Baptista d'Ajudá, na Costa da Mina, por ser aquelle o ponto que lhe fica mais perto, e com que melhor se pode communicar. Este Forte antes da separação do Brasil, estava comprehendido no Governo da Bahia de todos os Santos, ora cumpria annexa-lo, e não podia ser de melhor maneira.
O Sr. Visconde do Banho: — Nada mais se póde accrescentar ao que disse o Digno Par, todavia parece-me que ha uma razão mais, para que as Ilhas de S. Thomé, e Principe, formem um Governo entre si; porque, ainda que se possa recear, que augmentando-se no Continente da Africa a sua população, com a extincção do trafico da escravatura, seja difficultoso algum dia sustentar os pontos que possuimos no continente, ha muitas razões para tratarmos, quanto antes, de tomar medidas, a fim de aproveitarmos os dominios, e possessões insulares de que é Senhora a Corôa de Portugal, e que rodêam todo o continente da Africa, desde Cabo Verde até á entrada do Mar Rôxo. A importancia das possessões insulares é tão consideravel em si mesma, como pela protecção, que os estabelecimentos insulares pódem dar aos do continente.
Não é presentemente o logar, e o tempo para occupar a attenção da Camara, com particulares a este respeito; basta por agora dizer que as Ilhas de S. Thomé, e Principe, são já de muita importancia; e tambem o pódem vir a ser todos os outros estabelecimentos insulares.
O caffé destas Ilhas é reputado ser tão bom como o da melhor qualidade, a sua cultura póde ser mui augmentada, assim como a do assucar. A importancia do Brasil, chamando
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em outro tempo a attenção do Governo de Portugal foi causa de se destruir a prosperidade nascente deste genero na liba de S. Thomé, aonde se este, e outros generos coloniaes continuarem a ser bem cultivados, elles virão para Portugal, por um preço muito barato. Estas Ilhas pódem dar ao Commercio Portuguez uma importancia muito grande, e por isso convém que ellas tenham um Governo particular, porque este ha de cuidar no seu melhoramento, ainda que para isso se careça de alguma despeza, não devemos deixar de a approvar, lembrando-nos que é necessario fazer-se algum sacrificio, e que para colhêr é necessario primeiro semear; e mesmo porque resultando disso grande proveito, para o futuro, não ha a recear que com o tempo adiante, essa despeza carregue sobre o Thesouro. — Nós devemos tomar muito interesse por estes povos, e olhar-mos ao mesmo tempo a que elles estão actualmente sem nexo de Governo, e que por isso é necessario faze-los entrar na ordem, sem o que não póde haver nem industria, nem prosperidade, porque não ha protecção ao direito de propriedade.
Além do que disse o Digno Par que me precedeu, se achou que por outras muitas razões devia haver para aquellas Ilhas um Governo particular, porque este as póde administrar de tal maneira, que ellas venham a ser de tanta utilidade para â Monarchia, como se fossem administradas por um Governo geral. A importancia do seu Commercio com a Metropole ha de abrir communicações com facilidade, e por esta razão o annexa-las a qualquer dos Governos geraes do Continente Africano, iria impecer o progresso deste estabelecimento. Esta é a razão porque me parece que este Artigo é digno da approvação da Camara, e que deve passar tal qual está redigido.
O Sr. Freire: — Eu tambem me conformo com a doutrina do Artigo, porque me parece realmente que a divisão adoptada pela Commissão é a mais coherente; até julgo excellente a emenda que apresentou o Digno Par Relator da Commissão: á vista pois do referido, e do que disseram os dous Dignos Pares que me precederam, as minhas reflexões não pódem estender-se a mais. — É geralmente reconhecido que tudo isto é digno de attenção, e grande a consideração em que se deve ter; e sendo tambem conforme á razão, e á configuração geografica do globo o methodo aqui adoptado, eu só terei a fazer alguma observação, em primeiro logar, sobre o que diz respeito á redacção; e em segundo, porque vejo que a Commissão no desenvolvimento do Projecto, não indica bem o modo como este quarto Governo particular ha de ser dependente de Portugal, nem qual deve ser a sua administração. A respeito disto não se diz nada, quando a respeito dos Governos Geraes da Africa, e da Asia, se diz bastante. — Em quanto á redacção, ella não me parece bem clara, tanto neste, como em muitos dos outros Artigos do Projecto, porque diz o Artigo (leu): mas não se diz se este é um Governo particular, ou se é um quarto Governo: achava pois que conviria antes dizer-se assim (leu): é preciso dar-se-lhe esta nova redacção; porque tendo-se tractado dos tres Governos, e passando depois a fallar-se de um Governo particular, dizendo-se muito, ou ao menos o bastante a respeito dos primeiros, nada se diz a respeito deste, que a não ser na menor extensão, em nada differe dos outros. Digo por consequencia que approvando eu a doutrina do Artigo, pedia que elle voltasse á Commissão para esta lhe dar um desinvolvimento mais claro, e apresentar alguma explicação sobre o como fica considerado este Governo particular, ou se convirá antes considera-lo como quarto Governo Geral da Africa.
O Sr. Botelho: — Eu approvo quanto o Digno Par acaba de dizer a respeito da redacção, porque é muito mais exacto; em quanto porém ao Governo de S. Thomé, e Principe, digo que estes Governadores, assim como o de Cabo Verde, tinham as mesmas attribuições, que os Capitaes Generaes, a diferença era unicamente ao soldo, e na graduação; mas se a Camara assentar em que se deve dizer alguma cousa mais a respeito destes, deve fazer-se o mesmo a respeito de todos os outros.
O Sr. Freire: — Eu estou concorde com o que acaba de dizer o Digno Par, e sei que o Governo era independente, e que a differença era só de jerarchia, e agora ficam sendo o mesmo: quanto as Ilhas de S. Thomé e Principe não se dizendo nada a respeito dellas parece que fica como estava, e que se não cuidou dellas neste Projecto, e em consequencia entendo eu que será necessario no fim do Projecto dizer alguma cousa a este respeito, visto que quanto aos outros Governos se diz a maneira porque hão de ser substituidos, é tambem necessario se determine alguma cousa para que se não entenda que fica como d'antes existia; nem se diga que se tractou das outras Possessões só porque tinham Capitães Generaes, e se lhe deu um Regulamento, ou um plano, e para estas não se deu nada, deixando-as no estado em que estavam; isto parece-me digno de attenção.
O Sr. Botelho: — Parece-me que bastará um paragrafo em que se declare, que o Governo das Ilhas de S. Thomé, e Principe, fica similhantemente aos outros, e com as mesmas attribuições dos Governadores Geraes, na parte em que forem applicaveis na parte em que não poderem ter applicação que se regulem pelas Leis existentes, (Apoiado.)
Julgada a materia sufficientemente discutida, foi o Artigo 1.º posto á votação e approvado, salva a redacção, mandando-se para esse fim voltar á Commissão.
Lido o 2.º, disse sobre elle
O Sr. Botelho: — A materia deste Artigo já foi discutida no Artigo 1.º Os dominios Asiaticos estão separados pela natureza, e não ha ahi outro logar central que possa ser a séde do Governo a Ilha de Gôa; basta que ella foi escolhida não só para este effeito; mas para o emporio do commercio oriental pelo grande Affonso de Albuquerque, tamanho em feitos de armas, como em obras de intendimento.
O Sr. Visconde do Banho: — Não era possivel deixar de chamar-se Asia Portugueza. Este resto do theatro da nossa antiga gloria é o resultado da nossa má fortuna, seja embora a miniatura do que foi na Asia em outro tempo o povo Portuguez; entretanto vamos aproveitando o que nos resta naquellas partes, assim como os dous unicos pontos nas Molucas, de Timôr, e Solôr. Convém mesmo assim que o Governo central que se estabelecer na Asia tenha um certo poder, a fim de cuidar, e poder conservar as possessões que lhe ficam algum tanto distantes. Tenho informação de que pelos annos de 1797, ou antes, o Governador de Gôa, mandou tropas ás Ilhas de Timôr e Solôr, que se tinham d'algum modo tirado da sujeição á Monarchia Portugueza, e foi necessario mandar de Gôa quatro Companhias de Infanteria, e ainda que era um pequeno corpo de tropa, maior seria a difficuldade, se tivesse que ir de Lisboa. Em consequencia é necessario declarar, que Gôa é a séde, porque todos os mais pontos estão situados na Asia, posto que mui distantes, e no Artigo se diz, que uma Lei os designará.
No Relatorio do Sr. Ministro da Marinha diz elle, que não ha noticias de Timor, e então parece que se perdeu aquelle ponto; mas indo para Gôa um Governador habil, e activo com as informações que se alcançar se poderão tomar providencias convenientes. Mas a falta dellas não priva de que vamos já estabelecer medidas geraes: Gôa é o ponto principal. Verdade é que ouço dizer que hoje não é saudavel, e que os habitantes se retiram para Pangim. O que entendo é, que se póde remediar muita cousa, ácerca do presente estado da Asia Portugueza mandando-se para alli uma authoridade revestida de consideração, de recursos, e que possa d'alli enviar ao Governo exactas informações, e ser por elle immediatamente soccorrida, quando pedir auxilios, e propozer o que carece, para bem administrar aquellas possessões. — Sobre taes informações se poderão, tomar providencias com verdadeiro conhecimento de causa. — Parece-me que o Artigo deve passar como está!
O Sr. Freire: — Tambem approvo o Artigo, e convenho nas razões que se tem dado, e mesmo quanto á séde do Governo de Gôa; levanto-me simplesmente para fallar da redacção, e desta vez por todas pedirei que se tenha em vista em todas as partes do Projecto a redacção delle, e não fallarei mais sobre este objecto: este = outro = não vem aqui para cousa nenhuma; por isso eu pediria a V. Ex.ª que propozesse todos os Artigos, salva a redacção, porque em todos elles ha emendas a fazer, as quaes necessariamente a Commissão ha de tomar em consideração.
Julgando-se a materia discutida, foi o Artigo 2.º posto a votos, e approvado, salva a redacção.
Lido o Artigo 3.º, disse ácerca delle
O Sr. Freire: — Neste Artigo fallo eu sobre a materia. Intendo, que seria conveniente deixar aqui alguma latitude ao Governo e não esperar que hajam sobre este objecto as informações necessarias para fazer uma Lei; chamarei a attenção da Commissão sobre este objecto, e então se ella assim o intender, parece-me que se podia adoptar esta emenda (leu). Não estou sufficientemente informado, para saber o que desde já se póde fazer, e a Commissão melhor o saberá do que eu; mas em todo o caso intendo que se deve deixar alguma latitude o Governo, para obrar convenientemente.
O Sr. Botelho: — Eu não me opponho ás reflexões do Sr. Freire: este Artigo até quasi parece desnecessario, porque o seu resultado é para daqui a muitos annos. Não se faz idéa exacta nem do territorio, nem da povoação, nem dos productos de nossos Dominios ultramarinos, nem da qualidade, indole, e caracter dos povos com quem confinâmos. Quanto alli possuimos está cercado de inimigos; ha sitios aonde nada temos senão á beira-mar, e outros ha por onde nos estendemos largamente na Africa occidental e oriental; e por isso eu convenho em que se não atem os braços ao Governo para fazer livremente todos os melhoramentos possiveis, e por tanto approvo a emenda do Sr. Freire. — Agora em quanto á insalubridade de Gôa, isto é da que outr'ora fôra Cidade, direi, que mandando a Senhora D. Maria Primeira D. José Pedro da Camara na qualidade de Capitão General do Estado da India, levou ordens expressas para fazer estanciar naquelle local um Batalhão, provendo de todos os commodos necessarios, para verificar se era verdadeira ou falsa a inculcada insalubridade, e o resultado foi que no fim de dous mezes apenas existia metade do Batalhão: repetiu a tentativa, e para evitar iguaes consequencias, que já iam apparecendo, levantou mão da execução da ordem, deu parte para o Reino, e foi approvado. É de saber que entre aquellas povos em vindo molestia epidemica, ou de máo caracter, que produza mortandade, levantam o campo, abandonam a terra, e jámais voltam a ella. Assim como está deserta a Cidade de Gôa, está deserta a Ilha de Chorão, e outras, pelo mesmo motivo. Hoje Da Cidade do Hydalcão existe apenas a casa do Senado, o palacio do Bispo, e alguns Conventos mui bem conservados, e nenhum outro edificio, nem vestigio de povoação. Eu ahi estive, e não caminhei sobre ruinas, andei pelo meio de desertos, como se nunca houvessem sido habitados, e não ha Portuguez sensivel que ahi se demore sem lhe correrem as lagrimas, por effeito de saudosas reminiscencias. A antiga Cidade de Gôa é com effeito doentia, em razão de uma alagôa que ao principio se poderia ter seccado, e que ora em dia já sem o maior custo se não póde estancar; nem eu sei se as agoas que para alli se amontoam, deixariam de se ir ajuntar em qualquer outro ponto, e torna-lo igualmente doentio. E como se não póde reedificar a Cidade como antigamente fôra, e os mais ricos proprietarios ergueram palacios á borda da agoa desde a antiga Cidade até Pangim, aonde o ex-Capitão General, D. Manoel de Portugal e Castro, se tem esmerado em boas obras de edificação, aformoseando o terreno, limpando-o de tudo que podia damnar a saude; e como alli estejam estabelecidos todos os edificios publicos, está substituida a falta da Cidade de Gôa.
Julgando-se a materia sufficientemente discutida, propoz o Sr. Presidente á votação o Artigo 3.º, e foi approvado, salva a redacção.
Entrou logo em discussão o Artigo 4.º, sobre o qual disse
O Sr. Botelho: — Este Artigo sustenta-se por si mesmo; todas as Authoridades devem estar sujeitas ao Governador Geral, como representante immediato do Rei, no exercicio do Poder Executivo, e por isso mesmo que das attribuições dos Governadores deve ficar excluida qualquer ingerencia judicial; esta Authoridade, ou fallando melhor, este Poder é por si mesmo independente, mas uma cousa é a independencia dos Juizes em quanto ao Poder Judicial, outra cousa é tomar conhecimento dos Juizes quando elles prevaricarem como homens, e não como julgadores; e esta é a mesma jurisdicção que no Artigo 5.º se lhes concede. — Ha pouco acabei de dizer quaes eram as qualidades pessoaes que deviam ter os Governadores Geraes, sendo uma das primeiras os conhecimentos theoricos e praticos, manifestados por algumas provas de serem capazes de governar; porque os povos dos Dominios Africanos e Asiaticos pertencentes ao Reino de Portugal soffrem o despotismo com tanta resignação, como em
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Argel o soffriam os Argelinos, e releva allivialos deste flagello, mandando-lhes Governadores com as referidas qualidades, e punindo-os severa e exemplarmente, quando se deslisarem; mas ao mesmo tempo devem ter a força e a authoridade necessaria para cohibirem os excessos, e as demasias dos Governadores.
O Sr. Visconde do Banho: — Eu ainda sou de parecer que este ordenado era diminuto; alem das observações, que se tem feito há outras não menos importantes. Apesar da nossa decadencia, não sômos a ultima Nação Europêa na Asia. — Aquelles povos que se levam pelo explendor haviam de reparar se vissem os nossos Governadores com menos opulencia que os das outras Nações Europêas, mórmente á vista da magnificencia que os Delegados do Poder Britanico ostentam, já calculando com a indole dos povos Asiaticos, com particularidade nos Levees, e audiencias publicas aos Embaixadores, ou Mensageiros, que são recebidos no palacio dos Governadores Inglezes. É mui judicioso fallar em economias, porém convém notar que o rigorismo Lacedemonico, e os institutos de Lycurgo não chegaram á Asia. Não pretendo que o Governador de Portugal tenha tanto aparato como os Governadores Inglezes; porém fraca será a idéa que farão de Portugal aquelles povos, se os representantes de Portugal apparecerem totalmente reduzidos, e dando prova de pertencerem ao Governo de uma Nação pobre, e sem forças: isto trará a falta de respeito, esta a de subordinação, e ahi fica meio caminho andado para uma insurreição; não calculemos com o grande amor que nos tem aquelles povos: esse recurso de poder foi habilmente manejado pelos nossos antigos Reis. Elles com razão e juizo mandaram para lá Bispos e Missionarios, que não sómente foram illustrando aquelles povos com a doutrina Religiosa, mas ao mesmo tempo conciliavam os animos a favor dos Portuguezes, inculcando-lhes o grande poder dos Soberanos de Portugal. Eu vejo que os grandes cuidados que tiveram os Senhores D. Pedro II, e D. João V, a fim de conservarem os Padroados, e nomeação para os Bispados do Oriente, que lhes pertenciam por concessão Apostolica dos Summos Pontifices Leão X, Clemente VII, Paulo III, e outros Papas, fundaram-se na maior politica; porque os povos que na Asia abraçavam o Christianismo, reconheciam ao mesmo tempo os Reis de Portugal, como protectores do culto que elles abraçavam: e cada neophyto era um novo Soldado, que se alistava nas Bandeiras Portuguezas!
Parece-me por tanto que os nossos Governadores se devem apresentar alli com dignidade, a fim de tornarem a ganhar aquelle respeito e consideração, que por causas infelizes temos perdido. — No outro Projecto se lhes dava mais alguma cousa do que quatro contos de réis: elles tem despezas extraordinarias; tem de fazer presentes; tem de dar festas, porque ainda que se diga muito da sobriedade dos povos Asiaticos na comida, quando o Governador os convidar a dias de festejo, tem obrigação de mostrar praticamente de que em Portugal se come mais alguma cousa do que arrôz: de outra maneira mui triste idéa deverão fazer de quem lhes quer dar Leis, e os pretende sujeitar de tão longe.
O Sr. Freire: — Eu tenho algumas observações a fazer sobre este Artigo; a primeira é se em todos estes Governos fica comprehendido o de S. Thomé e Principe, no mesmo ponto de vista para terem os mesmos quatro contos de réis; e então digo, que se este ordenado é geral, ha uma desigualdade muito grande, porque não ha entre todos as mesmas razões; porque em algumas das nossas Possessões quatro contos de réis não chegam, e sobejam para o Governador de Cabo Verde: em consequencia entendo que se não deve fixar um ordenado unico, e que deve ficar á sabedoria da Commissão o regular os ordenados maiores ou menores segundo as despezas do Governador; e igualmente qual deve ter o de S. Thomé e Principe.
O Sr. Botelho: — É muito Judiciosa a reflexão do Digno Par, mas parece-me que esta materia pertence à uma Lei de Fazenda, e até seria talvez melhor deixar tudo no estado em que está actualmente. — Os ordenados dos Governadores tem soffrido diversas alterações, e em todas ellas houve sempre attenção á carestia das letras, e á diversidade da moeda, que mais ou menos forte, nos diversos governos; segundo o systema monetario, e uso commercial do paiz. Em Angola é moeda forte, isto é, tem o seu valor representativo; em Moçambique e Gôa, é fraquissima, com setenta e cinco por cento sobre o seu verdadeiro valor; tudo isto requer uniformidade, ou ao menos uma proporção relativa, e para este effeito é necessaria uma Lei especial. Entretanto os Governadores de Gôa, e Moçambique tinham quatro contos e oitocentos mil réis; o de Angola seis contos de réis; o das Ilhas de S. Thomé e Principe dous contos de réis; os de Cabo Verde dous contos e quatrocentos mil réis; os das ilhas dos Açores, em quanto unidas debaixo de um só governo, cinco contos de réis; os da Ilha da Madeira seis contos de réis; e os Governadores subalternos ficaram todos igualados com os ordenados, se não me engano, de seis centos mil réis, excepto Damão, e Dio, que são muito maiores. Em resumo, em quanto a este respeito se não faz uma Lei especial, parece-me que era bom conservar os ordenados quaes elles existiam por Lei, e assim ficam satisfeitas as judiciosas reflexões do Digno Par o Sr. Agostinho José Freire. (Apoiado.)
O Sr. Freire: — Nisso convenho.
Julgada a materia sufficientemente discutida, foi o art. 4.º posto á votação, e approvado até as palavras = e terão = mandando-se voltar o resto á Commissão para o redigir novamente, e na intelligencia de que nada se innova quanto aos ordenados (dos Governadores) actualmente estabelecidos.
Lido o art. 5.º, disse
O Sr. Botelho: — A materia da primeira parte deste artigo está consignada na Lei de 5 de Abril de 1835; e era necessario terminar por este modo os continuados conflictos entre duas Authoridades, uma administrativa, outra militar. Todas as vezes que no Ultramar, por circumstancias particulares estiveram divididas, existiu guerra aberta entre ambas; os povos dividiam se em partidos, formavam-se facções, era tudo confusão e desordem; como agora mesmo está acontecendo na India, aonde estas duas attribuições estão divididas em duas differentes Authoridades. A exclusão dellas em qualquer ingerencia judicial é uma consequencia necessaria da independencia deste Poder. Não são admissiveis nestes governos as Juntas e os Concelhos de Districto, porque nem a quantidade, nem a qualidade de povoação é adquada para similhantes estabelecimentos; e é de notar, que desde Cabo-Verde até ás extremas do governo de Gôa, tudo são povos conquistados, cujo numero é sobremaneira superior ao dos naturaes filhos de pais europeos, e o dos europeos alli estanciados por commercio, ou vida militar, de donde as eleições viriam sempre a recahir nos indigenas descendentes dos conquistadores, e nós descendentes dos conquistadores ficariamos debaixo da sua dependencia; tanto mais que essa porção de europeos, além de tão diminuta, é composta de militares, e entram nessa classe quasi todos os naturaes do paiz filhos de pais europeos, porque por aquellas partes poucos individuos se encontram de alguma consideração e respeito, que não gosem do fôro e honras militares. Ora esta classe é pelo seu ministerio excluida das eleições, activa e passivamente, e por isso aquellas Juntas e Concelho de Districto haviam ser compostas necessariamente dos descendentes dos povos conquistados: haja vista ao que tem acontecido com os Deputados do Estado da India mandados ás Côrtes de 1820, é ás de 1826. A descendencia dos heroes da India, que alli ficou estabelecida, os europeos que alli foram buscar fortuna pelas armas, e pelo commercio, os que alli residem, militares, e funccionarios publicos, as authoridades alli constituidas, foram em cada uma daquellas Côrtes representadas por dous individuos Bramenes da costa conquistada. Será isto muito liberal; mas é pouco airoso para uma Nação que se fez célebre no Mundo pelas façanhas e gentilezas que alli praticou. Eram dignos por virtudes civicas, e talentos distinctos, dou isto de barato; porém não haveria tambem um Portuguez europeo, ou filho destes, que tivesse aquellas mesmas virtudes e talentos!
Está mostrada, a meu ver, a influencia que tem os indigenas sobre as eleições, e quanto seria perigoso por este motivo que nestas possessões houvessem Juntas e Concelhos de Districto. Além disto cada Districto suppõe um Governador Civil, e um certo numero de Juizes, e de Julgados; e alli ha um só Governador que governa todo o territorio que por esta Lei fica assignalado, e exceptuando Gôa em cada um dos outros ha só um Juiz de Direito, e não póde haver senão um só Districto. De donde nem a qualidade doo povos, nem a localidade, e divisão dos governos admittem similhantes Juntas, e similhante Concelho. No art. 7.º desta Proposta de Lei, ficam ellas substituidas por um Concelho de Governo, que é o que por aquellas partes póde e deve ter logar. É necessario convir que as conquistas não se governam como as Colonias, compostas de alienigenas para ellas transportados; Assim o consideram, e assim o praticam as Nações mais civilisadas, e mais classicas nos verdadeiros principios de liberdade, que dão toda a civil aos indigenas dos paizes conquistados, e são mui restrictos com elles na concessão da liberdade politica. As eleições populares são ahi perigosissimas. Haja vista á Ilha de S. Domingos.
Julgando-se o artigo discutido; foi entregue á votação, e approvado como se achava.
Aberta a discussão sobre o art. 6.º, disse
O Sr. Botelho: — Este artigo é inteiramente copiado do antigo Regimento dos Capitães Generaes. Tinham elles a authoridade de suspender todos os empregados, ou fossem de Fazenda, ou de Justiça, mandando-lhes formar culpa, quando o caso fosse dessa natureza, e remettendo-a com o culpado para o Reino, ficando os Governadores responsaveis pelos excessos que a este respeito commettessem, e pelas perdas e damnos, que soffresse o accusado, quando a culpa se não provasse. Neste artigo não se faz mais que consignar esta mesma antiga legislarão, por ser de absoluta necessidade em tão longiquos paizes, e uma consequencia necessaria da authoridade administrativa, exercitada pelos Governadores Geraes como Chefes do Governo nas respectivas Provincias. Este mesmo poder era concedido aos Prefeitos, e ainda hoje é concedido aos Governadores Civis do Reino pelo Decreto de 18 de Julho de 1835, dimanado da Lei de 25 de Abril do mesmo anno. Ora, se dentro do Reino, aonde estão á mão todos os recursos, a Lei concede aos Governadores Civis esta faculdade, como se hade negar aos Governadores Geraes, em logares tão remotos, com os recursos a tantas mil legoas de distancia, e tão difficil e demorada communicação, assim pela mingoa de navios, como pela dependencia das monções? E tanto mais se deve conceder esta authoridade aos Governadores Geraes, por isso que não a podem pôr em pratica sem audiencia do Conselho do Governo. Se não fosse esta força moral, e politica os Governadores, e o Conselho ficariam expostos a serem ludibriados; tirar-lhes esta força não é dar liberdade aos povos; mas sim abrir-lhes caminho para a independencia a que aspiram todos os conquistados, e eu tenho, que é mais liberal regê-los com justiça, e igualdade de direitos civis, conservando os terrenos que elles habitam, do que perder uns e outros, em veneração a principios abstractos, que uns assoalham por maldade, e com que outros se illudem por ignorancia. Concluo pois que este artigo deve conservar-se.
O Sr. Freire: — Este artigo é um daquelles por que se vão alterar as garantias que pela Carta se dão aos Empregados judiciaes; isto é, que nenhum delles possa ser suspenso sem ser ouvido, e consultado primeiro o Conselho d'Estado; em consequencia a Commissão intendeu, e tambem eu intendo, que este era um dos casos em que se deve prescindir destas formalidades, pelas circumstancias, assim como pela necessidade de tomar medidas vigorosas sobre certas Authoridades, em distancia tal, que estas formalidades não podem todas verificar-se. Parece-me tambem que é neste mesmo artigo que se pódem dar todas as providencias que se julguem necessarias, para que as garantias com mais razão possam suspender-se a respeito de Empregados de todas as ordens, e de quaesquer individuos que estejam em circumstancias de lhe applicar esta excepção; fazendo um additamento para que os Governadores, em caso de rebellião declarada possam suspender as garantias nas suas Provincias. Isto alliviaria uma Commissão especial, que se acha nomeada, de difficultoso trabalho, digo difficultoso, por que mais que se revolva a Constituição alli se não depara um artigo que permitta a algum dos Poderes Politicos o poder ampliar as attribuições de outro, visto que tão omnipotente é em sua propria esfera o Legislativo, como o Executivo, ou Judicial. Agora teriamos um motivo, pelo qual o concurso das Côrtes, e do Governo (que são elles reunidos quem fazem as Leis) poderiam habilitar os Governadores geraes para exercer estas funcções, por uma maneira que não encontra a Carta, ficando elles responsaveis por qualquer abuso de poder. Seria muito conveniente que se to-
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masse este objecto em consideração no mesmo momento em que se está fazendo uma Lei onde ha uma disposição que authorisa os Governadores das Provincias Ultramarinas a suspender as garantias n'um grau eminente, porque o uso deste poder ataca até certo ponto a independencia do Poder judicial, (sobre cujos Membros sómente deve haver tal procedimento, sendo primeiro ouvidos, e consultado o Conselho d'Estado) acho conveniente que por esta mesma occasião se dê a authoridade necessaria aos Governadores para em casos de gravissimo perigo, possam suspender, as garantias a respeito dos outros individuos, assim como se lhes concede pelo artigo, que o possam fazer a respeito dos Magistrados.
O Sr. Visconde do Banho: — Ha uma deslocação de materia, por isso a redacção deste artigo parecerá contraria á Carta; mas se se olhar para o artigo 10.º, achar-se-ha que nelle se declara, que quando o Governador tractar da suspensão de qualquer empregado, a não effectuará sem ouvir o Conselho. — É forçoso confessar, que ha muitas vezes um principio de mal intendida liberdade, que leva os homens a fazer com que se não castiguem os delinquentes; mas a liberdade consiste na execução das Leis, que é a guarda dos direitos individuaes: ora, por mais distante que um Governador esteja da Metropole, elle sempre é um delegado do Governo, ou, o que se chama em direito, um alter ego da Pessoa da Rainha; e se tudo depender immediatamente de Lisboa, não será possivel conservar o socego publico: por tanto é indispensavel que os Governadores possam, sem recorrer á Metropole determinar qualquer suspensão pessoal. Bem sei que o uso deste poder é muito perigoso; mas devo notar, que elle é bastante circumscripto, e sujeito a responsabilidade. Não acontece o mesmo geralmente fallando, executada a letra da Carta, por quanto o Governo está seguro quando suspende qualquer empregado, posto que o faça injustamente: mas no artigo estabelece-se a responsabilidade, a qual serve de garantia, tanto a quem suspende, como a quem é suspenso; estas palavras são muito claras (leu). Ora havendo tal garantia, e havendo tambem o mesmo processo, que tem logar quando se suspende qualquer magistrado, isto é, ouvindo-se o Conselho, (que corresponde de alguma sorte ao de Estado) não póde suppôr-se, que a medida deixe de ser justa; e por conseguinte creio que o artigo não contém ataque á Carta.
É preciso tambem não se perder de vista que toda esta legislação é feita, para ter execução em terras aonde deve confessar-se, que a população não é toda das mais civilisadas; e mesmo alguns dos individuos, que dellas fazem parte devem ahi estar debaixo da vigilancia do Governo, e que outros não se podem dizer na plenitude dos seus direitos politicos. Esta Lei não é feita para Portugal, ou para Portuguezes em geral; mas para o estado em que aquellas Provincias se acham actualmente, com particularidade depois das alterações que tem havido, e o poder immenso que parece se dá aos Governadores, está modificado por uma grave responsabilidade, que delles se exige.
Quanto á lembrança do Digno Par Sr. Freire, direi que me parece talvez fóra de tempo: o Digno Par apontou remedio, para casos extraordinarios, e a Lei, que esta em discussão é para casos ordinarios; e por esta razão deve ter o seu andamento ordinariamente: sendo isto assim, parecia-me mais conveniente não confundir as duas hypotheses. Talvez que na generalidade das medidas que hontem se tocaram, (por occasião da discussão da proposta do Sr. Conde da Taipa) fique melhor collocada a instancia do Digno Par que me precedeu, e em cuja necessidade eu concordo: isto para não fazer enxertias de medidas ordinarias com medidas extraordinarias, mas a Camara em sua sabedoria decidirá este ponto.
O Sr. Freire: — Sinto discordar do Digno Par que acaba de fallar, na ultima parte do seu discurso. — Devemos, tanto quanto fôr possivel, dar todas as attribuições aos Governadores do Ultramar, e para todos os casos que possamos aqui prever. No estado de conflagração em que se acha a India, e mesmo em relação á nossa situação actual olhando-nos como ameaçados de uma facção tão forte, qual a que ainda hoje occupa a Hespanha; acho que podendo alguns dos nossos inimigos ir-se acolher no Ultramar a pontos que não podemos prever, não seria inconveniente pôr nesta Lei uma disposição para quaesquer, casos extraordinarios. — Quando a Expedição Libertadora sahiu das Ilhas dos Açores para Portugal, como V. Exc.ª estará lembrado, deu-se ao Governador dos Açores esta mesma authorisação, para acudir a qualquer motim ou revolução, que alli podesse ter logar. — Ora por maioria de razão se deve conceder esta authoridade aos Governadores Geraes do Ultramar, em attenção principalmente á grande distancia das sédes desses Governos á Metropole: authoridade de que não poderão abusar nos casos em que fallo, porque uma revolução é um facto; e se um empregado é capaz de abusar só por abusar, então não ha remedio possivel senão o seu castigo; mas dada a possibilidade de uma revolução, convém estabelecer a possibilidade de a reprimir; tanto mais que nesse caso, nunca o abuso póde ser senão voluntario e espontaneo; mas os Governadores são responsaveis sempre por elle na conformidade da Lei: Concluo que ainda quando não houvesse o facto das circumstancias em que estão as nossas Possessões no caso possivel de alguma aggressão da parte dos nossos inimigos, (caso de que eu cheguei a suspeitar quando fazia parte do Ministerio, e que não deve perder-se de vista) intendo que não havendo mal, e sim bem na authorisação extraordinaria em que fallei, ella deve estabelecer-se nesta Lei.
O Digno Par leu, e mandou para a Mesa o seguinte
Additamento.
Para suspender as garantias individuaes, no caso de rebellião declarada. — Freire.
O Sr. Conde de Linhares: — Levanto-me para fazer observar, que visivelmente o Art. 121 da Carta Constitucional se refere á doutrina precedente do Art. 120. Eu passo a ler ambos; (assim o fez, e proseguio): — Daqui infiro que são particularmente os Juizes de Direito, que não devem ser suspensos sem audiencia do Conselho d'Estado; ora estes julgam só realmente as causas em primeira instancia, e com a concurrencia dos Jurados, e como taes, só parecem poder cometter abusos puniveis pela sua responsabilidade. A Constituição authorisou o Rei a suspende-los em certos casos, e com especificadas formalidades ouvido o Conselho d'Estado: o que facilmente poderá ter logar no Reino. Porém nas Provincias Ultramarinas será isto igualmente applicavel? Eu creio indispensavel uma modificação, com tanto que o Governador, que não é parte do poder judicial, não intervenha com a sua authoridade em negocios taes de responsabilidade de Juizes. O mais natural, no meu modo de pensar, é attribuir este poder de suspender os Juizes de Direito ás Relações das Provincias Ultramarinas, as quaes n'esse caso os deverão remetter com os seus processos, a outra Relação mais proxima para alli serem julgados. Desta sorte não se dará o caso jámais, de ser um Juiz de Direito suspenso pelo Governador por erro de officio, ou de qualquer outro crime como Magistrado. Reputo pois o art. 6.º digno de uma nova revisão pela Commissão para ser organisado sobre novas bazes, por exemplo, taes quaes as que acabo de apontar. — O caso porém inteiramente particular de um Juiz de Direito cometter qualquer crime ou delicto como individuo, parece-me de outra natureza, e então deve entrar na ordem regular como o de qualquer outro, em identicas circumstancias. Ora sendo o Governador responsavel por todas as suas acções, não vejo que elle não possa intervir como as Leis geralmente lho permittirem, como em qualquer outro caso identico. A differença destas attribuições e procedimentos é que, deve ser claramente enunciada n'este art., e como tal é que recommendo, que volte á Commissão para melhor a emendar, e redigir.
O Sr. Botelho: — Á vista do que acaba de dizer o Digno Par o Sr. Agostinho José Freire, nenhuma duvida posso ter, apesar das reflexões do Digno Par o Sr. Visconde do Banho, de que se faça alguma declaração no Artigo, até para irmos mais conformes com a Legislação que já existio a este respeito. Por Carta Regia expedida aos Capitães Generaes, quando estava no Ministerio da Marinha o pai do Digno Par o Sr. Conde de Linhares; e por outras anteriores remettidas aos Governadores de Gôa, Moçambique, e Angola pelas quaes se ampliava o Regimento dos mesmos Governadores, e se excitava a sua execução; eram elles authorizados a exercitar este poder, debaixo de inteira responsabilidade no cazo de peculato ou de rebellião, podendo obrar a este respeito, por si só e com authoridade discricionaria, o que não acontece agora com as modificações marcadas neste Projecto de Lei; mas ficará o Artigo muito mais claro, e mais bem Legislado, uma vez que se faça a declaração proposta pelo Sr. Conde de Linhares, conformando-me com o principio do Digno Parque não é o Juiz que deve ser suspenso, mas sim o homem: O Juiz póde commetter crimes como individuo, e então quando criminoso deverá continuar no exercicio de julgar? Certamente que não. — Não tracto agora dos acontecimentos de Gôa, são cazos extraordinarios que requerem medidas tãobem extraordinarias, e ao Governo compete lançar mão das que houver por mais acertadas em tão criticas circumstancias, tracto unicamente dos casos ordinarios, e neste ninguem dirá que um Juiz criminoso deva continuar a exerceras funcções de seu Ministerio. — verdade que a Carta diz, que antes da suspensão de qualquer Juiz, deve ser ouvido o Conselho d'Estado. Mas hade por ventura o Governador participar para o Reino as razões da queixa, quando ellas forem motivadas, esperar a reposta que de cá lhe mandem no que tem de gastar-se pelo menos anno e meio, e talvez dois, attentas as monções, e entretanto hade o Juiz continuar em seus maleficios e ao mesmo tempo nos Officios de julgador? E se o publico for sabedor das suas culpas e prevaricações, como ha de conservar-se aquella força moral, aquella inteireza que é a baze essencial da independencia do poder dos Juizes. Que respeito hão de tributar os povos a um Juiz que moralmente reputam criminoso? Em cada um dos Governos Geraes ha um Concelho de Governo que o Governador é obrigado a servir ainda em casos muito menos graves que a suspensão de um Juiz; por conseguinte similhante suspensão determinada em Conselho, não é obra de um só individuo; e por este modo não fica a segurança individual do Juiz dependente dos caprichos, e má vontade dos Governadores. Em conclusão, estou que o Juiz possa ser suspenso nos casos de peculato ou de rebellião.
O Sr. Conde de Linhares: — Entendo que quando se fallou em Authoridades Publicas, se comprehenderam implicitamente os Juizes de Direito. Em tempos anteriores, os Governadores serviam-se de pretextos analogos para se intrometterem em materias judiciaes, e como taes authorisarem as queixas de prepotencia com que intervinham na authoridade Judiciaria sem serem Juizes constituidos. Agora segundo a Carta não se attribue aos Juizes outra funcção mais do que julgar as causas civis, e crimes, juntamente com os Jurados, e por esse motivo os Juizes de Direito tem menos occasião de cometterem arbitrariedades; porque a verdadeira e real decizão das causas existe no Jury: ora se os Governadores intendessem n'ellas debaixo de qualquer pretexto, vinham a intervir no poder Judicial, o que a Carta espressamente véda. Se porém acontecer que Juizes de Direito commettam delictos, ou crimes como individuos, devem, ser processados conforme a Lei geral, porque ninguem ha que lhe seja superior, e que lhe não esteja sujeito. Os mesmos Pares do Reino e os Srs. Deputados da Nação, altamente privilegiados n'este sentido pela Constituição, podem ser prezos em flagrante delicto, e julgados pela Camara dos Pares, acusando a Camara dos Deputados nos casos da sua competencia. Ora se nas Provincias do Ultramar um empregado commetteu delicto flagrante, nada ha que o exima de ser julgado conforme as Leis geraes, deixando desde esse momento de exercer a sua authoridade, visto que está privado dos seus direitos civis e politicos. — Por tanto toda a difficuldade está no modo porque isto se deve regular. Eu julgo indispensavel crear uma Relação em cada Provincia, (hoje só existe uma em Gôa) com o fim de conservar o Poder Judicial na sua inteira independencia, quero dizer, fóra da acção dos Governadores; pois haveria o maior inconveniente em admittir qualquer outra doutrina contraria ao espirito da Carta. Por estas razões torno a dizer, que me parece indispensavel que este Artigo volte novamente á Commissão, a fim de o tornar mais claro, e pôr em harmonia com as disposições da Carta, naquillo que com ella tem relação.
O Sr. Botelho: — Para uma explicação. — Eu vou explicar-me porque fui por duas vezes Capitão General, e exerci esta grande authoridade, sem que me accuse a consciencia, a este respeito. É certo que por vezes alguns Capitães Generaes avocavam as causas á Secretaria, e delles houve que mandaram por suas
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portarias suspender a execução das sentenças; mas estes factos, rigorosamente culposos, provam unicamente que houve Capitães Generaes que foram despotas, assim como houve alguns Magistrados que tambem o foram; porque o despotismo, quando se despreza a justiça, é fiel companheiro do poder. Todos estes factos eram arbitrarios, e praticados sem Lei que os permittisse, ou ordenasse.
Oca, como ha de em Gôa julgar-se um destes réos, que o são de pena capital, quando a Relação desta Cidade não tem mais do que tres Juizes? Além de que, na India não devem haver Jurados, nem convém que os haja pelas mesmas razões que já ponderei, que em summa são as mesmas que obstam á existencia das Juntas, e Conselho de Districto; e em Moçambique dar-se-hiam as mesmas razões se ahi houvesse sufficiente povoação, sendo pois para similhante fórma de juizo as circumstancias do Ultramar particularissimas; creio que nada ha que fazer a este respeito, senão marcar os casos em que os Governadores em Conselho poderão usar desta attribuição, como judiciosamente lembrou o Digno Par o Sr. Agostinho
José Freire.
O Sr. Conde de Linhares: — Eu disse que as Relações deveriam julgar os Juizes de Direito, mas nunca pretendi que a mesma Relação os suspenda, e seja ella mesma quem os julgue. É claro que assim ficará separado o acto de suspender, do acto de julgar. — Ora o Corpo Legislativo não pode levar as vistas de economia a tal ponto, que se não estabeleçam as Relações nos logares em que forem necessarias; digo isto na firme hypothese de se conservar o systema judicial debaixo das bases sobre que está estabelecido na Carta: e então acho que valeria a pena de decretar ao menos tres Relações para o Ultramar.
O Sr. Bispo Conde: — Não quero ficar com o escrupulo de não fallar, quando me lembra alguma cousa que me parece conveniente; é com bastante receio que vou dizer poucas palavras, porque não intendo da materia. — No Artigo 5.º deste Projecto estabelece-se em geral o poder dos Governadores das Provincias Ultramarinas, e no 6.º, em discussão, tracta-se ainda de uma das suas attribuições. Parecia-me que do Artigo 5.º se poderia passar immediatamente ao 7.º, 8.º, e 9.º e depois voltar ao 6.º accrescentando-lhe — com audiencia do empregado se elle for judicial, e sendo ouvido o Conselho na fórma da Carta, será suspenso. — O que proponho consiste principalmente em inverter a ordem de alguns artigos.
O Sr. Presidente: — O Artigo 9.º declara já que o Governador não tomará arbitrio algum de importancia, sem ouvir o Conselho.
O Sr. Bispo Conde: — Mas falta declarar que tambem deve ser ouvido o empregado. Em todo o caso eu passaria o Artigo 6.º para depois do 9.º, por me parecer esta ordem mais conforme ao espirito dos mesmos Artigos.
O Sr. Visconde do Banho: = Parecia-me que não seria máu pôr este artigo em harmonia com o processo marcado ha Carta, para a inspecção dos empregados; quero dizer, havendo audiencia d'aquelle, que tem de ser julgado. E isto vaí não só conforme á letra da Carta, mas segundo um principio de justiça — que ninguem deve ser condemnado sem ser ouvido. —
Ainda que fiz alguma opposição ao additamento offerecido pelo Digno Par o Sr. Freire, direi agora que me parece se deve adoptar neste logar, mas não deixa assim mesmo de fazer parte do trabalho, que está commettido a uma Commissão especial: poderá alguma cousa delle entrar neste artigo, o que mesmo fará com que esta Lei fique mais ampla, mas não se intenda que a materia, que se ha de tractar com muita generalidade seja um resultado deste facto. Adopto o additamento, porque faz a Lei mais perfeita, e me parece não será difficultoso fazer-lhe na Commissão uma nova redacção, a fim de pôr esta doutrina em conformidade com a Carta.
Quanto ao que disse o Digno Par o Sr. Conde de Linhares, observarei que o Digno Par, partiu de um principio, que não está ainda assentado. Na Commissão não existe a opinião de que no Ultramar se estabeleça o processo por jurados, em Gôa, ou Moçambique; talvez que venha a ser isso possivel as Côrtes podem determina-lo, se virem, que alli ha progresso na civilização: entretanto para esta Lei se pôr em pratica é necessario olhar o estado daquelles Paízes. Em Gôa houve uma dissensão civil; em Cabo Verde houve grandes desordens, por se ter para lá mandado certo Batalhão. Ora nestes dois paízes é impossivel que alguma parte da população não esteja uma contra outra; e neste estado de irritação, os mesmos apaixonados do processo por jurados, convém que não deve have-lo, porque sendo o Juizo composto de amigos, ou partidistas do réo, absolve-o, qualquer que seja seu crime; e sendo inimigo, condemna-o, ainda que esteja innocente, de maneira que não são Juizes; mas n'um caso padrinhos, e no outro accusadores. — Os jurados não estão lá ainda adoptados, e podemos sem inconveniente determinar, que por ora os não estabeleçam, até porque o contrario havia de tirar resultados de principios exactos em apparencias para se desacreditar para sempre tão importante instituição. — Parecia-me pois que V. Ex.ª podia pôr á votação a doutrina do Artigo, com o additamento do Sr. Freire; a Commissão depois poderá mesmo collocar melhor alguma parte desta materia; por que é preciso confessar que este Projecto se foi formando progressivamente, segundo doutrinas, que se discutiram separadamente, e por isso foi muito difficil colloca-las na ordem em que devem estar.
O Sr. Conde de Linhares: — Agora reconheço que as emendas que se propõe a este Artigo são de facto contrarias ao espirito da Carta; ella diz no Artigo 131 (leu). Ora o exercicio desta attribuição do Rei, refere-se a crimes commettidos como Julgadores, e não a crimes individuaes: tal é pois a razão porque os Juizes de Direito devem conservar-se independentes da acção do Governador em taes crimes. Não questionarei a existencia actual de Jurados, mas de os não haver não resulta menos a necessidade de existir uma authoridade distincta do Governador, que os possa suspender nos casos e em analogia, com as determinações da Carta Constitucional. — Volte pois o Artigo á Commissão, para ser elaborado de novo; e neste sentido remetto á Mesa a seguinte emenda (leu.)
Emenda ao
Art. 6.º O Governador Geral terá jurisdicção para suspender qualquer Authoridade publica, excepto as do Poder Judicial no exercicio de suas funcções.
Julgada a materia sufficientemente discutida, propoz o Sr. Presidente o Artigo 6.º á votação, salvas as emendas, e foi approvado: foram depois entregues á votação, o additamento do Sr. Freire, que se approvou, e a emenda do Sr. Conde de Linhares, que ficou rejeitada.
Conforme havia indicado o Sr. Bispo Conde, propoz-se mais, se os Artigos 7.º, 8.º, e 9.º, voltariam á Commissão, a fim de lhes dar outra collocação; e se decidiu negativamente. — A Camara resolveu tambem que o additamento do Digno Par, ultimamente referido, fosse reservado para a discussão do Artigo 9.º
Finda a leitura do 7.º, disse
O Sr. Botelho: — Este é o mesmo systema antigo. Em todos os Governos de primeira ordem havia uma especie de Conselho (em Gôa tem este mesmo nome) o qual se chamava adjunto que os Governadores eram obrigados a ouvir e consultar em todos os negocios graves e ponderosos: agora nada mais se faz que accrescentar-se-lhe dous individuos, o que tem logar em Gôa, Moçambique, e Angola: até aqui era composto dos cinco chefes das Repartições, e agora têm mais um membro. Então eram os Governadores obrigados a ouvi-lo e consulta-lo da mesma maneira que ora o ficam sendo; e se antigamente o não consultavam por omissão, ou por quererem ser arbitrarios, e hoje praticarem o mesmo, os que assim obrarem são criminosos, e devem ser punidos com o rigor das Leis.
Convém por tanto conservar este mesmo estilo, por ser o unico e verdadeiro modo de modificar a authoridade dos Governadores, e pôr côbro á sua arbitrariedade.
O Sr. Conde de Linhares: — Confesso que propenderia para que os Membros do Poder Judiciario não tivessem ingerencia direita nestes Conselhos, imitando nisto o systema Inglez, em que geralmente os Juizes em materias legaes são considerados como Conselheiros do Governo; neste sentido proporia como emenda, que = fosse excluido do Conselho o Chefe do Poder Judicial. =
O Sr. Botelho: — Este Conselho é puramente um Conselho de Governo para os objectos administrativos. Bom seria que elle se podesse formar sem que tivesse por membro o Chefe das Justiças; mas em Gôa não ha nenhum individuo formado na Universidade em nenhuma faculdade, quando não sejam os Juizes de primeira instancia, e o Fysico mór, que vai mandado do Reino. Alli os Advogados, os quaes exercem o seu ministerio com provisão; sabem apenas a rabolice do fôro, aprendida á custa das partes nos auditorios da Cidade com absoluta petição de principios juridicos. Releva igualmente, que o Digno Par attenda á ignorancia crassa daquelles povos, que para os reger é que foi feita esta Lei. Alli ha talentos, como ha em toda a parte, mas talentos em bruto sem cultura nenhuma, e com poucos meios de a adquirir, apesar das muitas escolas de primeiras letras, e de uma Academia de Marinha, pela falta de methodo, e pelo máo systema dos estudos, podendo affirmar-se, sem receio de errar, que ainda aquelles que mais estudam sabem muito pouco. Deve tambem attender-se a que este Juiz não entra no Conselho como Authoridade Judicial, mas sim como Authoridade Administrativa; e não ha outra classe aonde se possa hir buscar para este effeito, e além disto, a qualidade de membro de uma Corporação collectiva, só com voto consultivo, e sem o exercicio de authoridade propria e individual, em nada se encontra com o Ministerio da Justiça. Logo é necessario formar os Conselhos com estes individuos, porque lá não ha outros dos quaes para este fim se possa lançar mão.
O Sr. Visconde do Banho: — Parece-me que as observações que fez o Digno Par são muito exactas. O fim porque lembrou a formação deste Conselho, foi por economia da Fezenda, e tambem para tirar o partido de ouvir pessoas intelligentes em casos mais ponderosos; e é necessario calcular o systema administrativo pela fórma do Governo da Mãi Patria, e fazer o mesmo em ponto pequeno, tirando-se assim partido das circumstancias dos Empregados Publicos, approveitando-se o seu prestimo e talento. O Digno Par o Sr. Conde de Linhares persuadiu-se á primeira vista (segundo observo da sua emenda) que aqui se tractava de objectos differentes dos que realmente se tractam; e por isso peço ao Digno Par repare bem o fim para que isto se exige; e que observe que pelo mesmo motivo que fez objecções a respeito do Chefe da Administração Judicial, tambem outro tanto se podia dizer a respeito de todos os outros Chefes. Convém observar, que nestes Conselhos de Governo se não tractam objectos forenses, nem assumptos judiciaes. — Nas Colonias de Inglaterra, por exemplo, no Canadá, os Chefes das differentes Repartições formam parte do Senado, ou Camara alta do Parlamento, com a denominação de Conselho Legislativo. Os Inglezes conservam nas suas Colonias empregos analogos aos grandes logares da Metropole. Eu vejo que a Serra Leôa, Colonia a menos interessante que possuem os Inglezes, tem alguns empregos, até com a denominação, como ha na cabeça da Monarchia, como se fosse de importancia esses titulos, entre elles o de Chief Justice, um dos mais altos. E vejo tambem que até os Juizes que vão para as suas Colonias, tem as mesmas honras que competem aos que ficam em Inglaterra. Acho que nós devemos emitar estes bons exemplos, tanto para conciliar o respeito áquelles empregos, como para ser possivel achar gente que se queira empregar neste serviço; e por isso julgo dever approvar-se o artigo em discussão.
O Sr. Conde de Linhares: — Não cometti a confusão de que parece tachar-me o Digno Par: o meu pensar é que os Juizes ou Authoridades Judiciarias sejam em materias de Legislação, os Conselheiros do Governo independentemente do Conselho, de que não devem fazer parte, e que o Governador os possa consultar em todas as questões em que lhes interesse ter uma authoridade legal. É pois claro que não confundi as idéas, posto que ainda presisto na opinião, que nenhum dos Membros do Poder Judiciario deva ser Membro do Conselho.
O Sr. Freire: — Eu approvo o Artigo, e acho que esta é a melhor parte do Projecto em discussão, e a mais conveniente alteração que nelle se podia fazer foi a introducção deste Conselho, especialmente sendo composto pela maneira que aqui se diz, porque esta é realmente a base da futura administração do Ultramar: esta pratica é a usada nas Colonias Inglezas, da qual se tem tirado a maior vantagem possivel; porque lá, como todos sabem, não ha Deputados, ou Membros do Parlamento pelas Colonias, mas ha uma tal ou qual representação das Authoridades locaes, que fa-
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zem por meio destes Conselhos, seus regulamentos appropriados a cada localidade; e por isso, e sendo conveniente adoptar-se o mesmo entre nós, approvo o Artigo.
Julgando-se discutido, foi proposto á votação, e approvado tal qual, sendo rejeitada a emenda offerecida pelo Sr. Conde de Linhares.
Passando-se ao Artigo 8.º; disse
O Sr. Freira: — Eu reprovo a doutrina deste Artigo, porque não intendo como elle possa subsistir. Quando o Governador geral estiver impedido é necessario que alguem o substitua, e eu proporia que, dado este caso, fosse o Membro mais antigo, quem o substituisse no exercicio de suas funcções. (Apoiado.)
O Sr. Botelho: — Este Artigo contem a mesma Legislação antiga, e que era seguida geralmente em todas as Capitanias geraes, quando acabava de fallecer o Governador, ou de lhe sobrevir impedimento permanente, que o inhabilitasse para exercer as funcções de seu cargo. Eu nenhuma duvida tenho, nem sei que a possa haver em adoptar o que lembra o Digno Par o Sr. Agostinho José Freire. Verdade é que nesta qualidade de governo, o peior dos governos em todos os sentidos, presidia sempre a Authoridade Ecclesiastica, mais authorisada que de ordinario era o Bispo Diocezano; e então em quanto se não suppre esta substituição de Governo por outra mais acertada e conveniente: melhor é que o mesmo Conselho eleja dentre seus membros aquelle que haja de servir de Presidente.
O Sr. Freire: — Qualquer destes methodos não altera o meu principio; agora de que se tracta é da fórma como deve ser feita a substituição: talvez conviesse que isto fosse á Commissão; porque este meio de votação, ou eleição, talvez traga comsigo inconvenientes; mas é necessario designar-se qual deve ser a pessoa, que ha de substituir o Governador Geral.
O Sr. Botelho: — Então a haver de designar-se desde já, talvez seja mais adequada a Authoridade Militar; porque em Gôa ha Officiaes Generaes de mar e terra, e da maior graduação, e em Moçambique ha um Prelado sem representação Episcopal, e na concorrencia da Authoridade Ecclesiastica e Militar, é esta mais analoga, e competente para exercer as funcções administrativas, do que a outra, cujo ministerio é puramente espiritual, e exercitado nas cousas da Igreja, e assumptos da Religião.
O Sr. Mello Breyner: — Eu proporía que fosse o Decano em idade, ou talvez seja preferivel, na antiguidade do Concelho.
Julgando-se o Artigo 8.º discutido, foi posto á votação, tal qual, e unanimemente rejeitado. Proposta a emenda do Sr. Freire, que o Digno Par (no acto da votação) resumiu a que = No impedimento do Governador faça as suas vezes um só individuo, ficando salva a maneira de provêr esta substituição, = foi approvada; resolvendo-se tambem que a emenda approvada voltasse á Commissão, para a redigir convenientemente.
Tendo-se lido o Artigo 9.º, disse
O Sr. Botelho: — Este Artigo só tem por fim impôr ao Governador a obrigação de não tomar deliberações nas materias graves, e além do expediente ordinario, sem ouvir o Conselho, como o diz o Artigo (leu): não sendo com tudo obrigado a seguir o voto do mesmo Concelho, mas ficando com elle toda a responsabilidade, quando assente que o não deve seguir. Só deste modo é que os Governadores poderão obrar livremente, sem o inconveniente das intrigas, e maquinações, que se formam em todos os governos; porque ou o Governador vai com o parecer do Conselho, e então pouco importa a murmuração dos ociosos, e dos descontentes; ou o Governador se separa do voto do Concelho, e neste caso é preciso que a razão da discordancia seja mui justificada, e que elle esteja seguro na approvação publica, que ha de ser a sua decisão particular, e emudece então do mesmo modo o espirito da intriga, e da murmuração. Portanto, o Artigo deve conservar-se como está.
Não se fazendo outra reflexão, julgou-se o Artigo discutido, foi posto á votação e approvado tal qual: ficando por então addiado o progresso da discussão do Projecto.
O Sr. Secretario Machado leu um Officio da Presidencia da Camara dos Srs. Deputados, participando que alli haviam sido approvadas as emendas feitas pela dos Dignos Pares, á Proposição sobre authorisar as Camaras Municipaes do Ultramar a proverem ás despezas a seu cargo. — A Camara ficou inteirada.
O Sr. Presidente: — A Ordem do dia para a Sessão de ámanhã, é a continuação da discussão do Projecto, interrompida hoje, e, havendo tempo, a da Proposição da Camara Electiva, sobre fixar-se um novo praso, dentro do qual se devia conferir Titulos admissiveis na compra dos Bens Nacionaes. — Está fechada a Sessão. — Tinham dado quatro horas.