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[CAMARA DOS DIGNOS PARES.]
Sessão de 26 de Março de 1836.
O Sr. Presidente occupou a Cadeira sendo uma hora e tres quartos; e feita a chamada declarou o sr. Secretario Conde de Lumiares que estavam presentes 40 Dignos Pares, faltando 12, e destes, 7 com causa motivada.
O Sr. Presidente disse que estava aberta a Sessão; e lendo o Sr. Secretario Machado a Acta da precedente, foi approvada sem reclamação.
O Sr. Secretario Conde de Lumiares, leu um Officio da Presidencia da Camara dos Senhores Deputados, acompanhando uma Proposição da mesma, sobre proceder-se ao Recrutamento de 8:700 homens.
Terminada esta leitura disse
O Sr. Presidente: — Parece que esta Proposição deve ser remettida á Commissão de Guerra e Marinha.
O Sr. Conde da Taipa: — Parece-me que esta Proposição deve ír á Commissão de Administração; porque toda a materia que ella contém, são actos administrativos.
O Sr. Visconde da Serra do Pilar: — Sem me oppôr ao que disse o Sr. Conde da Taipa, pediria com tudo que fosse reunida a Commissão de Guerra á de Administração, e assim ficaria tudo conciliado.
O Sr. Conde da Taipa: — O Recrutamento não tem nada com a guerra, com a guerra só tem ligação depois que as Recrutas entram nos Corpos, e lhe são entregues. Todas as acções administrativas são elementarmente encarregadas ás Juntas de Parochia; e por isso não sei eu o que ahi vai fazer a Commissão de Guerra, porque quanto vejo é só relativo a actos administrativos. Voto por tanto para que, como já
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disse, essa Proposição vá á Commissão de Administração.
O Sr. Mello Breyner: — Segundo me parece um desses Artigos toca alguma cousa na disciplina do Exercito, e por isso julgo eu seria conveniente que a Commissão de Guerra fosse tambem ouvida; porque da reunião de ambas resultaria grande vantagem.
O Sr. Miranda: — Eu acho que esta materia é da competencia da Commissão Administrativa: o Cidadão só é considerado soldado depois de recrutado, e de ter prestado juramento ás Bandeiras; é assim, por todos os lados que se olhe, esta questão, se verá que não é mais nada do que um acto puramente civil, e administrativo, e é por estás razões que julgo a Proposição da competencia da Commissão de Administração.
Não se fazendo outra reflexão sobre este objecto, resolveu a Camara que a Proposição mencionada passasse á Commissão de Administração.
O Sr. Secretario Conde de Lumiares leu mais um Officio do Ministro dos Negocios do Reino, enviando as Consultas, e mais papeis relativos á abolição das Capatazias os quaes haviam sido requisitados em Officio de 14 de Março do corrente anno. — Passaram á Commissão de Administração; e por essa occasião o mesmo Sr. Secretario participou que os Capatazes das differentes Capatazias desta Côrte, lhe tinham entregado mais alguns esclarecimentos para se juntarem ao Requerimento que dirigiram á Camara; pedindo licença para os remetter á Commissão de Administração, por nella se achar o mesmo Requerimento. — A Camara conveio.
Depois foram lidas tres Representações da Camara Municipal de Santa Martha de Pena Guião; a primeira sobre os direitos dos vinhos, a segunda sobre divisão do territorio, e a terceira sobre diversos objectos, para que pede providencias. — As ultimas passaram á Commissão de Administração, e outra á Commissão de Fazenda para ahi ser presente quando se tractar de negocio que com ella tem connexão.
Distribuiram-se pelos Dignos Pares, 60 exemplares da continuação da projectada Pauta das Alfandegas.
O Sr. Ministro dos Negocios da Marinha: — Tenho a honra de apresentar á Camara um Projecto de Lei para a abolição do Commercio da escravatura nos Dominios Portuguezes. — Considero que sem esta providencia debalde se pretenderá melhorar as nossas Possessões. Ha muito tempo que o Governo tem isto em vistas, e mesmo quando S. Ex.ª o Sr. Duque de Palmella foi Ministro dos Negocios Estrangeiros, se fez uma Circular a este respeito; porém não produziu os resultados que era de desejar, e que é de esperar se obtenham por uma Lei. — Mando-a para a Mesa para que vá a uma Commissão, e peço sejam unidos a ella os Srs. Duque de Palmella, e Marquez de Loulé.
O Sr. Presidente: — Este Projecto de Lei ha de imprimir-se, e parece que deve ír á Commissão do Ultramar, ou de Legislação.
O Sr. Visconde do Banho: — Parece-me que deve ír á Commissão de Administração, porque este negocio é todo administrativo; porém como não ha questão nenhuma em que se lhe possa encabeçar a de Legislação, póde tambem ír a esta.
O Sr. Barão de Renduffe: — Parece-me que esta materia será talvez mais da competencia da Commissão de Administração, do que de nenhuma outra; ainda que a meu ver mais convenientemente poderia ser tractada em uma Commissão Especial, e neste sentido eu pediria se nomeasse esta Commissão Especial e Diplomatica, da qual fizesse parte V. Ex.ª, o Digno Par o Sr. Conde de Villa Real, e mais algum outro Digno Par conhecido pelo seu prestimo, para entrar no exame de uma materia de importancia reconhecida, e que tem uma parte ligada com relações estrangeiras, e com os principios de Direito das gentes, especialmente desenvolvidos sobre o assumpto em questão.
O Sr. Miranda: — Eu não creio que esta questão seja diplomatica, ella é verdadeiramente uma questão administrativa; e por isso concordo com o Digno Par o Sr. Visconde do Banho; porque reconheço, que a fórma, e meio mais facil de se tractar o objecto é a indicada pelo mesmo Digno Par. Se isto se tractasse diplomaticamente poderia embaraçar-se de tal sorte, que não fosse facil tomar a este respeito medida alguma.
O Sr. Conde de Villa Real: — Eu seria de Parecer que esta Lei fosse remettida a outra Commissão, que não seja a de Administração: nos acabámos de remetter a esta uma Proposição muito importante, como é a de recrutamento, e antes disto já estava encarregada de outros trabalhos: por esta fórma será muito sobrecarregada, e não se poderá tirar a vantagem que se pretende, isto é, a brevidade da sua apresentação. Por isso eu me inclinaria a que fosse antes á Commissão do Ultramar; e tambem porque supponho que neste negocio entra muito pouco a diplomacia.
O Sr. Botelho: — Não ha nenhuma duvida, que o homem é livre no estado natural, em que não ha outras leis se não as da natureza; mas é tambem certo que estas leis se modificam no estado social, pelas que se chamam positivas, e foram estas, que desde os Romanos, estabeleceram a escravidão tão diametralmente opposta á liberdade com que nascem todos os homens. Devemos pois considerar a escravatura, não em relação ao estado da natureza, se não em relação ao estado social. As Leis sobre a escravatura foram umas feitas, e outras adoptadas pelos Romanos no tempo em que elles eram livres, isto é, em quanto monarchia mixta, e emquanto Republica, e foram trasladadas para os nossos Codigos em attenção ao estado civil, não já á liberdade primitiva. Certamente legisladores mais humanos, ou ao menos mais filosofos, poderiam coarctar a liberdade individual; sem offenderem tanto a humanidade: todas estas leis de escravatura assim Romanas como Portuguezas, devem ser abolidas, derogadas, e substituidas por outras conforme as luzes do seculo; e todavia admittindo eu em these certa opinião, não a posso admittir na hypothese actual, em que abolir de um golpe, e absolutamente, toda a escravatura, mórmente na conflagração em que se acham os dominios ultramarinos, era cousa arriscadissima, e talvez de pessimas consequencias. Por estas razões sou de parecer, que uma Commissão Especial é que deve tractar deste objecto, sendo composta de Membros que professem todas as doutrinas de que se carece, para examinar, e resolver um negocio de tanta importancia.
O Sr. Barão de Renduffe: — Depois do que acaba de dizer o Digno Par, nada mais tenho a accrescentar. O que eu disse quando á pouco fallei, foi, que estes negocios tambem involviam uma parte de Diplomacia, e por isso que seria bom neste caso, que entrasse para compôr a Commissão, alguma pessoa que especialmente fosse mais versada em negocios Diplomaticos, como eram as que apontei: com tudo não quiz dizer, que fosse uma Commissão Diplomatica permanente, mas especial para este fim, o que ainda torno a repetir, e que me parece conveniente.
O Sr. Visconde do Banho: — O que eu peço, é, que se nomeie a Commissão, e se façam poucas reflexões. Eu não poderei ser increpado com justiça, de inimigo de medidas, que obstem ao trafico dos Escravos, porque fui o primeiro que nas Côrtes de 1827 fiz um Projecto a este respeito; mas reconheço que nós hoje devemos tractar este assumpto com summa delicadeza, á vista do estado em que estão as Possessões em Africa. Direi por isso que o Projecto apresentado, deve ser mandado, a uma Commissão para o ver, e dar o seu Parecer: não se tractando por ora nada a este respeito, sem que estejam estabelecidas na Africa as Authoridades, que agora ali são mandadas estabelecer, na forma do Projecto, que foi discutido nesta Camara, e que deve servir de base, para todas as medidas, e melhoramentos que se hão de tornar relativamente á Africa Portugueza. Na Inglaterra aonde a libertação dos Escravos foi trazida, e encarada debaixo de principios religiosos, tiveram os Inglezes o arrojo de se multarem em duzentos milhões de cruzados, para pagar indemnisações aos Senhores, e assim se pôde combinar o maior respeito ao direito de propriedades, e o reconhecimento aos principios eternos da Moral, e da Religião. Porém no estado em que a Nação Portugueza se acha presentemente, que agitações não haveria nas Possessões em Africa, se lá chegasse algum echo de principios, que por mais exactos que fossem, poriam aquelles paizes em conflagração; e a humanidade mesma a quem se pretenderia fazer o maior serviço, em vez de ganhar, perderia muito. Esperemos pois, que se estabeleçam em todos os pontos Authoridades convenientemente organisadas, e depois se dêem providencias progressivas a bem daquelles póvos. — É util observar o que se passou, e tem tido logar nas Colonias Inglezas, depois das ultimas disposições legislativas, apesar da força daquelle Governo, para se fazer obedecer, da justiça das medidas tomadas, e dos recursos extraordinarios para indemnisações.
O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Eu creio que o Digno Par está equivocado; o objecto desta Lei não é abolir a Escravatura, é sim prohibir o negocio da exportação dos Escravos para outro Paiz: por outra, não é mais do que corroborar as Leis já estabelecidas a este respeito; e então parece-me que isto não trará os inconvenientes que o Digno Par acaba de apontar, e que acho intempestivo produzir agora, antes do Parecer de uma Commissão.
O Sr. Visconde do Banho: — A questão a que eu talvez dei motivo, consiste em que não ha Authoridades na Africa, que possam executar esta providencia no estado presente de cousas, e tambem porque a materia é muito delicada, attento o estado em que estão as nossas Possessões Africanas, a respeito da Escravatura. E por isso torno a repetir que não ha precisão de se fallar muito em liberdade de Escravos no momento actual; é até perigoso nas circumstancias, em que presentemente estão aquelles póvos. Estou informado de que o Governador mandado para Cabo Verde, tem principiado a tomar medidas com zelo, e intelligencia. Tambem estou informado que o Governo Provisional, estabelecido em Angola, tem mostrado boas disposições, e vontade. Tudo isto confirma o meu principio, de que sómente depois de estabelecida a ordem, e Authoridade do Governo, se poderá cuidar em medidas importantes, as quaes se se forem dar á execução antes de tranquillisado o paiz, e mantida a Authoridade publica, servirão talvez, para complicar a ordem, e o socego, e perpetuarem uma anarchia, não havendo alli nem força moral, nem fysica, que possa obstar.
O Sr. Conde da Taipa: — Disse o Digno Par, que era muito perigoso tudo o que se fizer a respeito da Escravatura, cumpre por isso dar algumas explicações sobre este assumpto. — Pelo Projecto que acaba de ser apresentado, não se tracta de abolir a Escravatura na Africa, do que se tracta é de prohibir o trafico da Escravatura já abolido por Lei, e de dar a essa Lei, a necessaria força, para que seja efficaz. Nós já temos Tractados abolindo o Commercio da Escravatura, e aquelle que o fizer, commette um crime; mas como não chegam as disposições que ha, para que esse crimes não sejam tão frequentes, foi por essa razão que o Digno Par o Sr. Visconde de Sá da Bandeira, propoz este Projecto. Se nós quizermos que não haja Escravos, então teremos que fazer uma Lei como se fez em Inglaterra; mas nós não estamos nas circumstancias em que se achavam os Inglezes, para podermos como elles, votar duzentos milhões para resgate dos escravos; por duas razões; a primeira, porque não temos menos escravos dos que elles tinham, e a segunda porque não temos duzentos milhões. Eu não sou da opinião de um Digno Par, que disse que aquillo foi effeito das idéas religiosas; porque estou convencido do contrario, e persuadido de que foi meramente effeito de conveniencia: foram de certo as idéas de conveniencia que fez abolir a escravatura aos Inglezes; e felizmente estas unem-se com as idéas de philantropia que deve ter todo o homem que tem um coração humano, e bem formado: entre tanto, esta medida não póde ter effeito sem que se pague bem aos empregados na Africa, para assim se fazer com que elles vão para lá, fiados só nos ordenados que se lhes arbitrarem, e não com vistas nos lucros da Escravatura.
Nós não podemos levar a effeito as idéas de philantropia, porque não temos força para isso; mas podemos levar a effeito, as de conveniencia, pagando bem aos homens que forem servir para a Costa d'Africa, para que elles cessem de fazer algum negocio em escravatura; porque em fim o contrabando é seductor. — É preciso pois que a Commissão tome tudo isto em consideração: mas note-se, torno a repetir, que pelo Projecto apresentado não ha idéa nenhuma de abolir a escravatura dentro das nossas Colonias.
O Sr. Presidente: — Peço aos Dignos Pares voltemos á questão de que se tractava, a qual se reduz á escolha da Commissão a que deve remetter-se a Proposta. Póde passar ou a uma Commissão das Geraes, ou a uma Especial; este ultimo arbitrio parece-me que tem mais a opinião da Camara. (Apoiado.)
Consultada a Camara resolveu que a Proposição do Sr. Visconde de Sá fosse remettida a uma Commissão Especial de cinco Membros nomeados pela Mesa.
O Sr. Conde da Taipa leu o Parecer da
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Commissão de Instrucção Publica, e Negocios Ecclesiasticos, sobre a Proposição da Camara Electiva, para admittir individuos a Ordens Sacras. — Mandou-se imprimir.
O Sr. Presidente: — São nomeados Membros da Commissão Especial que ha de examinar o Projecto de Lei do Sr. Visconde de Sá, os Dignos Pares
Os Srs. Trigoso,
Botelho,
Conde de Villa Real,
Visconde do Banho,
Duque de Palmella.
Nomeou-se o Presidente da Camara, porque o Digno Par, auctor da Proposta, assim o requereu, e não foram nomeados nenhum de Membros que são Ministros da Corôa, porque esses tem sempre o direito de assistir a esta Commissão.
A Ordem do dia para a Sessão de Segunda feira (28 do corrente) são os Pareceres de Commissões, as quaes convido para se reunirem. — Está fechada a Sessão. Tinham dado tres horas.