SESSÃO N.° 1 DE 8 BE JANEIRO BE 1896 15
O sr. Presidente: - Peço ao digno par que tenha a bondade de mandar as suas propostas para a mesa.
Agora tem a palavra o sr. Francisco Costa.
O sr. Francisco Costa: - Sr. presidente, quiz ser o ultimo a fallar n'esta solemne occasião, por commodidade da phrase, e para que a camara ouvisse em primeiro logar as vozes auctorisadas dos distinctos oradores que em estylo brilhante fizeram a devida justiça a todos aquelles que empregaram o seu valor, os seus ingentes esforços para defender a patria em climas inhospitos e por territorios intransitaveis.
Não quiz retardar á camara o prazer de ouvir os discursos dos dignos, pares que têem fallado, interrompendo com a minha phrase modesta esse prazer.
Mas, sr. presidente, tendo eu voz n'esta casa do parlamento, não posso deixar de fazer saber á camara que, no exercicio das funcções que me cumpre desempenhar no ministerio de que sou funccionario, tive muitas occasiões de reconhecer as difficuldades e circumstancias melindrosas com que luctavam os heroicos expedicionarios de mar e terra; não hesitações, nem receios, que nunca os pre-senti, nem nos telegrammas, nem nos officios que eram anciosamente recebidos n'aquelle ministerio.
Os perigos eram muitos, todavia é de justiça dizer-se que as requisições dirigidas ao governo eram immediatamente satisfeitas.
É natural que o meu espirito vacillasse algumas vezes sobre o feliz e completo resultado que nós tirariamos dos sacrificios e esforços empregados, e por aqui póde a camara calcular que inefavel prazer seria o meu quando conheci o primeiro telegramma em que se annunciava a victoria das nossas forças em Coellela e Manjacaze, bem como aquelle em que foi participado o aprisionamento do temido regulo Gungunhana.
E tudo isto, sr. presidente, eu quero significar á camara para encarecer a verdade dos successos e os trabalhos e fadigas dos nossos expedicionarios que têem merecido os elevados encómios dos illustres oradores. Associo-me, portanto, aos votos que tendem a elogiar, no mais alto grau, os feitos importantissimos praticados pelas forças de terra e mar.
Tambem tenho uma grande satisfação em fazer sentir á camara que de todo se desvaneceu a idéa de que ao nosso exercito repugnava ir servir no clima inhospito da Africa.
É isto uma grandissima vantagem, e o governo tem agora na sua mão o meio de organisar, como carecem de ser organisadas, as forças do ultramar e as do reino, por fórma conveniente, e creio que ninguem lhe regateará os meios precisos para essas organisações, nem a gloria que lhe cabe pelos bons resultados que tirámos das expedições que mandámos á Africa. (Muitos apoiados.)
É maior o meu prazer por me ser permittido apresentar uma outra conclusão, ou antes significar uma outra vantagem, a qual, pela experiencia que tenho dos negocios das provincias ultramarinas, me parece poder ter importante valor.
É certo que, muitas vezes eu pensei, em vista das informações que nos vinham d'aquelle regulo V atua, que as nossas armas não. lograriam alcançar os bons resultados que felizmente conseguiram, e pensava assim, não porque duvidasse do valor dos soldados portuguezes, Valor que elles tão brilhantemente affirmaram; mas porque sabia que o maior inimigo com que tinham a luctar seria o clima.
Esta circumstancia inquietava-me e enchia-me o espirito de incertezas sobre o final das nossas tentativas e do bom exito das nossas diligencias, porque via a amargurar as nossas forças um clima insaluberrimo e um paiz cheio de pantanos, de mangaes, e de arvores seculares que nem sempre se podiam derrubar com esforço dos homens e dificultariam a marcha das expedições.
Agora, porém, em presença dos factos que todos nós conhecemos e que tão entusiasticamente celebrâmos, estou persuadido de que, e peço á camara que note bem a phrase, podemos dizer que é portugueza agora a provincia de Moçambique.
Conservemol-a.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Sr. presidente, não posso nem devo ficar silencioso ante os testemunhos de benevola apreciação que tão eloquentes oradores d'esta camara dispensaram ao governo a que tenho a honra de presidir; ao mesmo tempo é motivo para mim da mais vehemente satisfação ver unir á minha voz a d'aquelles que tão alto culto prestam ao triumpho brilhante das armas portuguezas.
Ás expressões de benevolencia da camara para com o governo presto o nosso reconhecimento; e nem só pelas manifestações de hoje o devo prestar.
Quando em outubro de 1894 nos chegavam telegrammas, que dia a dia eram trazidos ao parlamento, e em que se noticiavam os ataques feitos aos nossos dominios, as ameaças que pesavam sobre a nossa soberania e as affrontas feitas por hordas de gentios que batiam ás portas de Lourenço Marques, o governo encontrava, n'uma e na outra casa do parlamento, da parte de todos, sem distincção de cores politicas, sem divergencias partidarias, uma só voz, um só estimulo, para que cumprisse o seu dever, salvasse o dominio da corôa portugueza.
Este incitamento, este clamor unisono que acompanhava o governo e o impulsionava para que podesse arcar com as difficuldades de uma situação que se annunciava temerosa, era o seu testemunho eloquente de que na hora do perigo todas as divergencias se suspendem, e uma só voz se ergue, imperiosa e vibrante, a voz do dever, um só brado, o que irrompe do sentimento do coração portuguez. (Apoiados.)
O governo cumpriu apenas o seu dever; isto não o escondo á camara, sinto extremado jubilo em poder dizel-o aqui.
Mas não bastava o seu esforço; e por maior que fosse a sua diligencia, o seu cuidado, o seu empenho em querer salvar um dos mais preciosos florões da corôa portugueza, mallogrado seria o seu intento se não encontrasse no peito dos portuguezes a alma, o valor e a comprehensão do dever que a todos animava n'uma situação arriscada.
O governo encontrou um homem de caracter energico e viril, de intelligencia illustrada e culta, o conselheiro Antonio Ennes, que se prestou a deixar o seu paiz, a sua familia, as commodidades da vida, para ir affrontar todos os embaraços, todas as contingencias, todas as responsabilidades do momento agudo em que jogavamos uma cartada decisiva.
Esse, que tudo assim arriscou, desde a vida até á reputação, para bem servir o seu paiz, é, sem duvida, um benemerito da patria. (Apoiados.)
Da parte da armada e do exercito portuguez, encontrou o governo uma vontade inquebrantavel, um enthusiasmo que nada poderia suffocar, um irresistivel impulso que o levaria tão longe quanto necessario fosse para assegurar a gloria da sua bandeira.
Para isso o governo não teve dificuldades de escolha. Não lhe foi mister apurar do exercito, seleccionando, os officiaes e praças que deviam marchar para a Africa e para a india. Aquelles a quem tocava a ordem de marcha, recebiam-a com sincera devoção pela sua patria, iam alegres e contentes, cheios de esperança e de animo varonil. Iam todos a quem tocava, sem necessidade de escolha, porque para todos os officiaes de terra e de mar, para todos os soldados de Portugal ha uma só maneira de servir a patria: é dando por ella a sua vida.
Assim, partiram para as suas expedições arriscadas. Partiram para debellar um perigo imminente, para derrubar um poder que quasi se reputava invencivel, tal era a