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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO PREPARATORIA EM 4 DE JANEIRO DE 1897

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os dignos pares

Jeronymo da Cunha Pimentel
Visconde de Athouguia

SUMMARIO

Feita a chamada, verifica-se haver numero legal para a camara funccionar. - Procede-se á eleição do primeiro secretario e de um membro para a commissão administrativa. - Seguidamente são eleitos o segundo secretario e os vice-secretarios. - O sr. presidente declara estar organisada a mesa da camara. - É lida e approvada a acta da sessão preparatoria.

Pelas duas horas e vinte e cinco minutos da tarde o exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa occupou a cadeira da presidencia.

O sr. Presidente: - Em virtude das disposições do regimento convido os dignos pares, os srs. Jeronymo Pimentel e visconde de Athouguia, a occuparem o logar de secretarios.

Fez-se a chamada verificando-se estarem presentes 21 dignos pares.

O sr. Presidente: - Vae proceder-se á eleição dos secretarios e de um vogal para a commissão administrativa d'esta camara.

Peço aos dignos pares que preparem as suas listas.

Fez-se a chamada.

O sr. Presidente: - Convido para escrutinadores os dignos pares, os srs. Arthur Hintze Ribeiro e Fernando Larcher.

Verificada a eleição reconheceu-se terem entrado na urna de secretarios 22 listas ficando eleito primeiro secretario, com 21 votos, o digno par, o sr. Jeronymo Pimentel, recaíndo 1 voto no sr. visconde de Athouguia; e na outra urna, para vogal da commissão administrativa, 22 listas, sendo eleito, por 21 votos, o digno par sr. Francisco Costa, recaíndo 1 voto no sr. Cau da Costa.

Seguidamente, procedendo-se á eleição do segundo secretario e dos vice-secretarios, servindo de escrutinadores os dignos pares, os srs. conde de Carnide e Augusto Ferreira Novaes; verificou-se terem entrado nas urnas 25 listas e estarem eleitos para segundo secretario o sr. visconde de Athouguia com 24 votos, e para vice-secretarios o sr. conde de Lagoaça com 25 votos, e Arthur Hintze Ribeiro com 24 votos.

Para segundo secretario obteve 1 voto o sr. Fernando Larcher e outro para vice-secretario.

O sr. Presidente: - A mesa da camara dos dignos pares está organisada para a sessão legislativa do anno de 1897.

Vae ler-se a acta da sessão preparatoria.

(Leu-se e foi approvada.)

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N.° 1

SESSÃO DE 4 DE JANEIRO DE 1897

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os dignos pares

Jeronymo da Cunha Pimentel
Visconde de Athouguia

SUMMARIO

O sr. presidente nomeia a deputação que ha de ir participar a El-Rei a constituição da camara. - O sr. presidente do conselho de ministros declara o dia e hora em que Sua Magestade se digna receber a deputação. - É lida e approvada a acta da ultima sessão ordinaria do anno anterior. - Dando-se conta do expediente, é lida a carta regia nomeando o presidente da camara, e faz-se menção de toda a mais correspondencia - O sr. presidente notifica o fallecimento de alguns dignos pares durante o interregno parlamentar, e propõe que se lance na acta um voto de sentimento, e que d'esta resolução se dê conhecimento ás familias ou representantes dos extinctos. - O sr. presidente do conselho, em nome do governo, associa-se a esta homenagem da camara. - Sobre o mesmo assumpto discursam os dignos pares Camara Leme, que propõe se levante a sessão em signal de dôr, Antonio de Serpa, Julio de Vilhena, que tambem manda para a mesa uma participação de ter cessado a sua incompatibilidade, e conde de Lagoaça. - As propostas do sr. presidente e do sr. Camara Leme foram approvadas por unanimidade. - O sr. presidente do conselho apresenta, e são seguidamente approvadas, propostas para que alguns dignos pares possam accumular as funcções legislativas com as dos seus respectivos cargos. - O sr. presidente dá a ordem do dia para a sessão seguinte, e encerra a sessão.

O sr. Presidente: - A deputação que ha de participar a Sua Magestade que a camara dos dignos pares do reino se acha constituida, é composta dos seguintes dignos pares:

Marquez das Minas.
Marquez da Praia e de Monforte (Duarte).
Conde do Bomfim.
Conde da Azarujinha.
Alberto Antonio de Moraes Carvalho.
Augusto Ferreira de Novaes.
Jeronymo da Cunha Pimentel.

O sr. Presidente: - Os dignos pares serão avisados do dia e hora em que Sua Magestade se digna receber a deputação.

Tem a palavra o sr. presidente do conselho.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Declaro a v. exa. que Sua Magestade El-Rei receberá na proxima quinta feira, pelas duas horas da tarde, a deputação que lhe vae participar a constituição da camara.

(A camara ficou inteirada.)

O sr. Presidente: - Vae ler-se a acta da ultima sessão ordinaria de 1896.

(Leu-se e foi approvada.)

Deu-se conta do seguinte expediente:

Carta regia

Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa, do meu conselho, par do reino, presidente da relação de Lisboa. Amigo. Eu El-Rei vos envio muito saudar, como aquelle que amo. Tomando em consideração o vosso distincto merecimento, experiencia dos negocios publicos e mais circumstancias attendiveis que concorrem na vossa pessoa: hei por bem, tendo em vista o disposto no artigo 1,° do decreto de 27 de janeiro de 1887, nomear-vos para o cargo de presidente da camara dos dignos pares do reino para a sessão legislativa ordinaria que ha de começar no dia 2 do proximo mez de janeiro.

Escripta no paço das Necessidades, em 24 de dezembro de 1896. = EL-REI. = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco.

Para o archivo.

Officio do sr. ministro do reino, de 26 de dezembro de 1896, acompanhando um exemplar do programma para a sessão real da abertura das côrtes geraes.

Para o archivo.

Officio do sr. presidente do conselho, datado de 9 de maio de 1896, enviando o decreto pelo qual houve Sua Magestade El-Rei por bem determinar que n'este mesmo dia se effectuasse a sessão real do encerramento das côrtes geraes ordinarias, e que a este acto solemne assistissem, por commissão do mesmo augusto senhor, os ministros e secretarios d'estado de todas as repartições.

Para o archivo.

Officio do sr. ministro do reino, datado de 12 de maio de 1896, incluindo uma nota dos alienados criminosos recolhidos no hospital do conde de Ferreira, no Porto, nos ultimos tres annos.

Para o archivo.

Officio do sr. ministro da marinha, datado de 18 de junho de 1896, remettendo cinco bilhetes de admissão a bordo da canhoneira Lagos, que tomou parte no cortejo fluvial organisado por occasião da chegada ao Tejo do vapor Ambaca, em que regressou Sua Alteza Serenissima o Infante D. Affonso.

Para o archivo.

Officio da commissão central executiva do quarto centenario do descobrimento do caminho maritimo da India, communicando que não só a data precisa da celebração do mesmo centenario, como quaesquer alterações do programma que derivem das resoluções do parlamento, serão em tempo opportuno devidamente annunciadas.

Para o archivo.

Officio do sr. ministro da fazenda, datado de 31 de dezembro de 1896, acompanhando 120 exemplares da estatistica do real de agua e outros impostos indirectos, relativa ao anno economico de 1889-1890.

Mandaram-se distribuir.

Officio do sr. ministro da marinha, remettendo, depois de sanccionados por Sua Magestade El-Rei, os autographos dos decretos das côrtes geraes, de 6 de maio de 1896, concedendo á camara municipal de Lourenço Marques estabelecer nas suas posturas a pena de multa até 100$000 réis por cada transgressão, e considerando despeza obrigatoria das camaras municipaes das provincias

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ultramarinas o subsidio annual de 1 por cento das receitas ordinarias das mesmas camaras, destinado ao instituto official creado pelo decreto de 11 de janeiro de 1891.

Para o archivo.

Officio do sr. ministro da marinha, datado de 26 de maio de 1896, remettendo, depois de sanccionados por Sua Magestade El-Rei, os autographos dos decretos das côrtes geraes ampliando o praso estabelecido pelo § 3.° do artigo 1.° da carta de lei de 27 de julho de 1893, para o governo apresentar ás camaras uma proposta de lei definindo o regimen bancario ultramarino e isentando de imposto o salario dos serviçaes contratados na provinda de S. Thomé e Principe, quando seja inferior a 6$000 réis mensaes.

Para o archivo.

Officio do sr. ministro da marinha, datado de 5 de junho de 1896, remettendo, depois de sanccionado por Sua Magestade El-Rei, o autographo do decreto das côrtes geraes de 7 de maio findo, que reorganisou o serviço de saude no ultramar.

Para o archivo.

Officio do sr. ministro da marinha, datado de 8 de agosto de 1896, remettendo os autographos de nove decretos das côrtes geraes, auctorisando a adjudicação do serviço de navegação a vapor entre Lisboa e os portos dos Açores e Madeira; revogando o decreto dictatorial que alterou gratificações e supprimiu o subsidio de embarque dos capitães dos portos; fixando a força naval para o anno de 1896-1897; constituindo por seis capellães o quadro dos capellães da armada; estabelecendo a reforma dos contra-almirantes em commissões especiaes; designando o logar que devem preencher na escala de accesso os primeiros tenentes da marinha militar que em guardas marinhas interromperam involuntariamente o seu tirocio de embarque; determinando que, emquanto no ministerio da marinha e ultramar não houver os precisos estabelecimentos para ser cumprida a pena de presidio, appliquem os tribunaes militares, tanto no reino como nas provincias ultramarinas, essa pena, e conjunctamente em alternativa, a de encorporação em deposito disciplinar ou a de prisão militar; auctorisando o governo a applicar á acquisição de navios de guerra até á quantia de 2.800:000$000 réis do producto da emissão complementar das obrigações dos tabacos; permittindo que sejam examinados os praticantes de pilotagem que comprovem que á data da publicação do decreto de 29 de setembro de 1895 já tinham completado ou estavam em viagem, a fim de completarem a derrota da viagem.

Para o archivo.

Officio do sr. ministro dos negocios estrangeiros, datado de 8 de setembro de 1896, remettendo os autographos dos seguintes decretos das côrtes geraes: decreto de 26 de junho de 1893, approvando o tratado entre Portugal e os Paizes Baixos, relativo á delimitação, commercio e navegação no archipelago de Timor e Solor; decreto de 26 de junho de 1893, approvando a convenção entre Portugal e a Gran-Bretanha para a extradição de criminosos; decreto de 8 de maio de 1896, approvando a nova convenção para a extradição de criminosos, acompanhado da alteração feita pelas côrtes geraes na traducção do periodo inicial do artigo 1.° da dita convenção.

Para o archivo.

Officio do sr. visconde de Pindella, participando, a pedido da sra. condessa do Casal Ribeiro, D. Maria da Conceição, e do conde de Casal Ribeiro (ausente), o fallecimento do digno par conde do Casal Ribeiro.

Para o archivo.

Officio do sr. José Joaquim Gomes de Castro, participando o fallecimento de seu pae, o digno par conde de Castro.

Para o archivo.

Officio da sr. viscondessa de Condeixa, participando o fallecimento, em Paris, de seu esposo, o digno par visconde de Condeixa.

Para o archivo.

O sr. Presidente. - Como a camara acaba de ouvir, falleceram durante o interregno parlamentar os dignos pares condes de Casal Ribeiro e de Castro, visconde de Condeixa e tambem Cazimiro Barreto Ferraz Sachetti. A camara sente, decerto, profundamente a perda d'estes nossos illustres collegas.

Fui amigo, desde a universidade, do sr. conde de Casal Ribeiro, e sempre s. exa. me distinguiu com affectuosa estima e com a mais benevola deferencia.

Observei, no saudoso tempo de Coimbra, que o superior e brilhante talento de Casal Ribeiro, e outros dos seus nobilissimos dotes naturaes, lhe conquistaram a consideração de todo o corpo cathedratico, a dedicação da academia e as geraes sympathias dos habitantes d'aquella antiga e formosa cidade.

Entrando depois na vida publica, no parlamento e nos conselhos da corôa, o conde de Casal Ribeiro revelou sempre a nobreza e dignidade do seu caracter, sabendo tornar-se um distinctissimo orador e notavel estadista.

Mais tarde, o conde de Casal Ribeiro deixou a politica, mas todos os governos lhe prestaram sempre a homenagem devida e lhe confiaram os mais altos cargos do estado. D'aquelles que s. exa. acceitou, desempenhou-se com a lealdade, honradez, competencia e dedicação que todos lhe reconheceram e constituiram a sua gloria, prestando importantes e relevantes serviços ao paiz. (Apoiados.)

Por isso a sua perda foi geralmente sentida. (Muitos apoiados.)

Tambem fui amigo do sr. conde de Castro, um dos mais distinctos ornamentos do partido progressista. Com a maior lealdade e honradez acompanhou elle sempre este partido, ao qual prestou valiosos serviços, assim como ás instituições e ao paiz.

N'esta camara, o sr. conde de Castro, serena e conscienciosamente, discutiu assumptos gravissimos de administração publica e collaborou em muitas leis, revelando o maior bom senso e firmeza de convicções.

Por isso a sua falta foi tambem muito sentida. (Muitos apoiados.)

Entendo, pois, interpretar os sentimentos da camara, propondo que se consigne na acta da sessão de hoje um voto de sentimento pela perda de todos os quatro dignos pares, communicando-se ás respectivas familias a resolução da camara. (Apoiados geraes.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Sr. presidente, pedi a palavra para associar-me, em nome do governo, á homenagem que v. exa. acaba de prestar á memoria dos dignos pares que falleceram no intervallo das sessões parlamentares. Não posso, porém, deixar de n'este momento especialisar, de entre esses que tão bem serviram o seu paiz, o nome, que por si se destaca imperecivel na sua gloria, de Casal Ribeiro.

Este nome illustre ficará gravado nas paginas da nossa histeria politica como o d'aquelle cujo caracter foi dos mais alevantados, cujo talento foi dos mais possantes e dos mais prestadios.

Como ministro, nos conselhos da corôa, a sua iniciativa foi larga, rasgada, fecunda. Ficaram d'elle obras que só por si constituem verdadeiros actos meritorios a bem do paiz.

Desempenhou distinctamente varias commissões diplomaticas em côrtes estrangeiras.

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Em Hespanha, onde foi tão profundamente estimado, e até adorado, serviu com aquella hombridade, com aquelle fundo desprendimento que é proprio dos espiritos superiores; serviu com aquelle inquebrantavel zêlo, com aquella dedicação constante, que fizeram com que até ao ultimo dia da sua vida fosse sempre o mesmo caracter ardente, enthusiasta e bom.

Nas pugnas parlamentares todos nós nos lembrâmos do que foi o conde de Casal Ribeiro: uma das palavras mais inspiradas, mais eloquentes, mais arrebatadoras e mais insinuantes. A sua voz, o seu gesto, a sua presença, a larga cultura, que tinha, da lingua portugueza, a maneira como se exprimia, como floreava nos debates do parlamento, ficarão para sempre na memoria de todos quantos o escutaram, de todos quantos se enlevaram na verdadeira magia do seu verbo inspirado.

Corre-me tanto mais o dever de prestar esta homenagem, este preito de sincera admiração pelo sr. conde de Casal Ribeiro, quanto é certo que nem sempre, na sua vida politica, elle se mostrou favoravel á marcha do actual ministerio. Todavia, aos talentos superiores, como o de Casal Ribeiro, rende-se preito imparcial, devido áquelles que podem ter opiniões porventura diversas das nossas, mas que põem ao serviço da patria a sua intelligencia, o seu coração, a ardencia e sinceridade do seu sentir; tudo o que póde levar um homem com a esphera de conhecimentos e largueza de vistas, que tinha o conde de Casal Ribeiro, a ser, como elle foi para o nosso paiz, um dos cidadãos a quem todos devem o maior culto, a mais sincera admiração.

Quero tambem, sr. presidente, associar-me á homenagem que v. exa. acaba de prestar á memoria do sr. conde de Castro, que foi sempre meu adversario politico.

Muitas vezes tive occasião, n'esta camara, de terçar, armas com elle; mas ninguem mais cavalheiro nas contendas politicas (Apoiados.), ninguem mais sincero nas suas opiniões (Apoiados.): são dois titulos que se impõem ao nosso respeito e consideração.

Ácerca dos outros dignos pares que falleceram, com muito sentimento devemos registar a nossa saudade e o nosso pezar pela falta que elles aqui nos fazem.

(S. exa. não reviu.)

O sr. D. Luiz da Camara Leme: - Sr. presidente, n'este interregno parlamentar deram-se factos tristes, e se não tivesse outros motivos para comparecer aqui, o que justificarei n'outra occasião, porque esta é muito solemne para mim, eu viria em todo o caso prestar a ultima homenagem a um dos mais leaes amigos que tenho tido.

Sr. presidente, está vaga aquella cadeira (indicando a cadeira onde o digno par conde de Casal Ribeiro costumava sentar-se) e é muito difficil preenchel-a. Se aquella boca divina se não houvesse transformado em marmore frio, que de cousas ella não teria que dizer na presente sessão legislativa!

Sr. presidente, baixou mais um corpo á sepultura, mas ergue-se mais um dos nossos grandes vultos de outra era!

Permittam-me agora v. exa. e a camara que eu de passagem, e sem sombra de acrimonia, diga do brilho d'essa era, quando a bandeira do partido regenerador, hoje esfarrapada, tinha por lemma a espada gloriosa do marechal Saldanha, o alvião aguçado de Fontes, e a penna aparada de Sampaio.

Casal Ribeiro era como os soldados de Austerlitz, que só combatiam com convicção e denodo com a sua bandeira tricolor.

Foi essa a bandeira que tinha por lemma as águias imperiaes, aguias que tiveram o arrojo de atravessar os altos Pyreneos e. vir a Portugal, a este pobre Portugal, e que d'aqui depois de algumas batalhas gloriosas foram, fugindo espavoridas e extenuadas, poisando de penedia em penedia, de pincaro em pincaro, para mais tarde em grande numero morrerem na batalha de Waterloo.

Sr. presidente, eu não quero alongar as minhas considerações.

No estado de consternação em que me acho, desejo apenas prestar este preito.

Permitta-me, porém, a camara que eu diga ainda algumas palavras em relação a Casal Ribeiro, considerando-o sob differentes aspectos.

Como escriptor, era primoroso. Provam-no o seu livro intitulado Hoje não e hontem, em que resplandecia todo o vigor da juventude e um dos mais bellos talentos, e o seu outro livro A carta e o pariato, onde a par da boa doutrina, ressumavam a circumspecção e o bom senso.

Que dois primores são estes livros!

Como orador parlamentar, foi um dos mais eloquentes e vernaculos.

O estylo de Casal Ribeiro era como uma frondosa arvore australiana, ramosa, mas sem flores.

O seu discurso proferido na camara dos senhores deputados ácerca da questão das irmãs da caridade, questão em que Casal Ribeiro foi um digno contendedor de José Estevão e de Rebello da Silva, foi um dos mais brilhantes que n'aquella camara se têem ouvido.

E os brilhantes discursos que proferiu n'esta camara!

Entre elles ha um que eu não quero agora recordar a esta assembléa.

Como estadista, ahi estão as provas.

O seu systema de fazenda é ainda hoje o melhor.

Casal Ribeiro foi um dos soldados da velha guarda do partido regenerador, d'essa velha guarda, de que eu e o digno par sr. Francisco Costa, que aqui se senta ao meu lado, somos os unicos que restam.

Como estadista, pois, foi um dos mais notaveis.

Que tirocinio não teve no parlamento!

Que brilhantes discursos não pronunciou!

Que relatorios excellentes não apresentou á consideração das camaras!

E note v. exa. que só depois de vinte annos de parlamento, é que Casal Ribeiro subiu aos conselhos da corôa.

Como diplomata, a camara de certo se lembra das provas de consideração que Casal Ribeiro recebeu dos politicos mais notaveis de Hespanha, de Canovas, Sagasta, Emilio Castelar e outros. Em tão grande apreço tinham os seus titulos de orador, as suas brilhantes qualidades de caracter, todas as suas altas capacidades, que, sr. presidente, era corrente dizer-se que o conde de Casal Ribeiro no corpo diplomatico era, não só um dos primeiros, senão o primeiro. Como particular, escusado seria dizel-o, porque o sabem todos que o conheceram, era excellente para os amigos e affectuosissimo no lar domestico. Alem d'isso era até um homem muito apreciado na sociedade elegante de Lisboa e de Madrid.

Sr. presidente, eu não posso avolumar mais as altas qualidades que distinguiam Casal Ribeiro; portanto só me resta, associando-me aos elogios proferidos por v. exa. e pelo sr. presidente do conselho, propor que, em seguida á homenagem das palavras que estamos proferindo em honra de tão illustre morto, completemos tão justa homenagem levantando esta sessão.

O sr. Presidente: - A camara ouviu a proposta da digno par. Tem a palavra o sr. Antonio de Serpa.

O sr. Antonio de Serpa: - Sr. presidente, pedi a palavra quando v. exa. se referiu ao conde de Casal Ribeiro, e comquanto depois das eloquentes palavras de v, exa. e do sr. presidente do conselho, quasi só me restaria associar-me a ellas, desejo ainda dizer mais alguma cousa.

Poucos terão actualmente tanto conhecimento dos grandes merecimentos politicos, litterarios e moraes d'aquelle distincto estadista. Tive com elle relações intimas por algum tempo, porque ha perto de quarenta annos fui chamado pela primeira vez com elle aos conselhos da corôa e tive ahi as provas do seu grandissimo talento.

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Nada mais direi, por isso mesmo que quanto dissesse em honra d'aquelle distinctissimo homem de estado seria sempre pouco. (Apoiados.) E não quero cansar a camara.

O sr. Julio de Vilhena: - Disse que não era sobre este incidente que tinha pedido a palavra, e ainda que quizesse usar d'ella, não o poderia fazer emquanto não tivesse mostrado que tinha desapparecido a sua incompatibilidade. A este respeito manda para a mesa a seguinte participação:

«Participo a v. exa. que me exonerei do logar de administrador da companhia do caminho de ferro da Beira Alta a fim de, nos termos do artigo 3.° da ultima reforma constitucional, poder discutir e votar na actual sessão legislativa.

«Sala das sessões, em 4 de janeiro de 1897. = Julio de Vilhena.»

Agora, que julga que está desincompatibilisado, pede licença ao sr. presidente e á camara para se associar ao voto de sentimento pela perda dos dignos pares conde de Casal Ribeiro e conde de Castro.

A camara, naturalmente, vae approvar o voto de profundo pesar, proposto pelo sr. presidente, e a elle se associa, porque na sua opinião o conde de Casal Ribeiro era a primeira gloria da politica portugueza contemporanea, e era-o porque elle reunia em si as tres manifestações mais fortes e mais poderosas da individualidade humana - escrevia bem, fallava bem e governava bem.

Era um estadista como Canovas, Guizot, Thiers, Grladstone e D'Israeli, como esses homens rarissimos, que assignalam uma epocha no periodo que atravessam.

O conde de Casal Ribeiro estava bem em toda a parte. Na academia occupava um logar proeminente, porque conhecia admiravelmente a sua lingua, de que sabia usar quasi tão bem como Alexandre Herculano. Aqui era tão grande como na academia, porque igualava José Estevão na eloquencia: era na tribuna um verdadeiro athleta da palavra. Nos conselhos da corôa era um estadista de primeira grandeza, e é por isso, que em seu pensar o conde de Casal Ribeiro representava a primeira gloria da politica portugueza contemporanea; com esta affirmação não queria offender os vivos, nem os mortos, que tanto se assignalaram na historia politica do paiz.

Uma individualidade tão completa como esta é uma gloria em toda a parte, e podia ter um monumento como escriptor, podia ter um monumento como orador e um monumento como homem d'estado.

Celebrando com enthusiasmo as suas qualidades, associa-se, com grande sentimento pela sua morte, ao voto que a camara naturalmente vae dar pelo desapparecimento d'este grande homem.

Ainda os ultimos escriptos do conde de Casal Ribeiro mostravam bem como elle conhecia os homens e as cousas, não n'um simples relance empyrico, mas nas suas origens, nas suas relações, na concepção das leis historicas, que regem as sociedades e que constitue a noção elevada do governo dos estados.

Quanto ao conde de Castro, diria simplesmente que era um modesto, e ha modestos que tambem são grandes. O conde de Castro era, sobre modesto, um homem de bem.

Entrava em todas as questões d'esta camara com profundo conhecimento d'ellas e grandissimo bom senso, o que é tambem uma grande faculdade. Serviu sempre, como o sr. presidente muito bem disse, o seu partido com leal dedicação, servindo ao mesmo tempo as instituições do seu paiz.

Associa-se, pois, aos votos de sentimento pela morte d'este prestante e honrado parlamentar.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a participação mandada para a mesa pelo digno par o sr. Julio de Vilhena.

Foi lida na mesa e a camara ficou inteirada.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Pedi a palavra para um assumpto de mero expediente.

Mando para a mesa, por parte do governo, varias propostas para que alguns dignos pares possam accumular, querendo, as funcções legislativas com as dos seus respectivas cargos.

O sr. Presidente: - Vão ler-se as propostas mandadas para a mesa pelo sr. presidente do conselho.

Leram-se na mesa, e são do teor seguinte:

Propostas

Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do acto addicional da carta constitucional da monarchia, o governo de Sua Magestade pede á camara dos dignos pares do reine a necessaria permissão para que possam accumular, querendo, as funcções legislativas com as dos empregos dependentes do ministerio do reino que exercem em Lisboa, os dignos pares:

Conselheiro Augusto Cesar Cau da Costa, presidente do supremo tribunal administrativo.

Conselheiro José Luciano de Castro, vogal effectivo do mesmo tribunal.

Conselheiro Julio Marques de Vilhena, vogal effectivo do mesmo tribunal.

Conselheiro Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel, vogal effectivo do mesmo tribunal.

Francisco Simões Margiochi, provedor da real casa pia de Lisboa.

Dr. Thomaz de Carvalho, provedor da santa casa da misericordia de Lisboa.

Conselheiro José Vicente Barbosa du Bocage, vogal do conselho superior de instrucção publica.

Conde de Ficalho, lente da escola polytechnica.

José de Vasconcellos Gusmão, lente da mesma escola.

Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 4 de janeiro de 1897. = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco.

Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do primeiro acto addicional á carta constitucional da monarchia, pede o governo á camara dos dignos pares do reino a necessaria permissão para que possam accumular, querendo, as funcções legislativas com as dos seus logares na capital dependentes do ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça os dignos pares do reino:

Antonio Candido Ribeiro da Costa.
Antonio Emilio Correia de Sá Brandão.
Bispo do Bethsaida.
Carlos Augusto Vellez Caldeira Castello Branco.
Diogo Antonio Correia de Sequeira Pinto.
Jeronymo da Cunha Pimentel.
João Dally Alves de Sá.
Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa.

Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 4 de janeiro de 1897. = Antonio d'Azevedo Castello Branco.

Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do primeiro acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo pede á camara permissão para que possam accumular, querendo, o exercicio das funcções legislativas, com as dos seus empregos ou commissões, os dignos pares:

Alberto Antonio de Moraes Carvalho, vogal da junta do credito publico.

Antonio Emilio Correia de Sá Brandão, presidente da commissão nomeada por decreto de 28 de junho de 1894.

Antonio de Serpa Pimentel, presidente do tribunal de contas.

Arthur Hintze Ribeiro, vogal do mesmo tribunal.

Augusto Cesar Barjona de Freitas, idem, idem.

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Conde do Restello, presidente do conselho fiscal da caixa geral de depositos e instituições de previdencia.

Henrique de Barros Gomes, vice-governador do banco de Portugal.

Julio Marques de Vilhena, governador do mesmo banco.

Luiz Augusto Pimentel Pinto, vogal da junta do credito publico.

Thomaz Antonio Ribeiro Ferreira, presidente da mesma junta e vogal do tribunal de contas.

Thomaz de Carvalho, presidente da commissão administrativa da loteria nacional.

Visconde de Asseca, sub-inspector dos tabacos.

Visconde de Athouguia, recebedor, chefe da 3.ª secção de arrecadação e fiscalisação de Lisboa.

Ministerio dos negocios da fazenda, em 4 de janeiro de 1897. = Hintze Ribeiro.

Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do primeiro acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo pede á camara dos dignos pares do reino permissão para que os seus membros, abaixo mencionados, accumulem, querendo, o exercicio das funcções legislativas com o das suas commissões:

Antonio José de Barros e Sá, juiz relator do supremo conselho de justiça militar.

Carlos Augusto Palmeirim, coronel de artilheria, tenente governador da praça de Monsanto.

Conde do Bomfim, coronel de cavallaria, defensor officioso do supremo conselho de justiça militar.

Conde de S. Januario, general de divisão, commandante da escola do exercito.

Fernando Larcher, major de cavallaria, sem prejuizo de antiguidade.

Francisco Maria da Cunha, general de divisão, commandante da primeira divisão militar.

Julio Carlos de Abreu e Sousa, coronel de artilheria, director da administração militar.

Luiz Augusto Pimentel Pinto, coronel de cavallaria, vogal da commissão superior de guerra.

Marino João Franzini, coronel do corpo do estado maior, vogal da commissão superior de guerra.

Marquez de Fontes Pereira de Mello, major de engenheria, sub-inspector das fortificações de Lisboa.

Secretaria d'estado dos negocios da guerra, 4 de janeiro de 1897. = José Estevão de Moraes Sarmento.

Em conformidade do disposto no artigo 3.° do primeiro acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo pede á camara dos dignos pares permissão para que possam accumular, querendo, o exercicio das suas funcções legislativas com as dos seus empregos ou commissões, os dignos pares:

Cardeal patriarcha.
Bispo de Bethsaida.
Antonio de Sousa e Silva Costa Lobo.
Francisco Joaquim da Costa e Silva.
Francisco Maria da Cunha.
Visconde da Silva Carvalho.
Visconde de Soares Franco.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 4 de janeiro de 1897. = Jacinto Candido da Silva.

Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, pede o governo á camara dos dignos pares do reino permissão para que o membro da mesma camara, Eduardo Montufar Barreiros, secretario geral do ministerio dos negocios estrangeiros, accumule, querendo, o exercicio do seu emprego com as funcções legislativas.

Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 4 de janeiro de 1897. = Luiz de Soveral.

Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo de Sua Magestade pede á camara permissão para que possam accumular, querendo, as funcções legislativas com as dos empregos ou commissões dependentes do ministerio das obras publicas, commercio e industria, que exercem em Lisboa os dignos pares:

Francisco Simões Margiochi.
Conde de Bertiandos.
Conde de Ficalho.
Luiz Antonio Rebello da Silva.
Conde de Valbom.
Conde de Linhares.
Marquez das Minas.
José Maria dos Santos.

Secretaria d'estado dos negocios das obras publicas, commercio e industria, em 4 de janeiro de 1897. = Arthur Alberto de Campos Henriques.

Estas propostas foram approvadas.

O sr. Presidente: - Emquanto á minha proposta e á de additamento do sr. D. Luiz da Camara Leme sobre o voto de sentimento pelos dignos pares fallecidos, julgo interpretar o sentir da camara em vista das suas manifestações considerando-as approvadas. (Apoiados.)

O sr. conde de Lagoaça tinha a palavra, mas em virtude da approvação do additamento do sr. Camara Leme, não lh'a posso conceder.

O sr. Conde de Lagoaça: - É simplesmente para dizer que me associo ás manifestações funebres feitas n'esta camara por v. exa. pelo sr. presidente do conselho, pelos srs. D. Luiz da Camara Leme e Antonio de Serpa, e pelo sr. Julio de Vilhena, que eu muito folgo ver já desimcompatibilisado.

Mas, tambem é bom não esquecer os vivos, e por isso eu pedia a v. exa. que mandasse accender os caloriferos d'esta casa, que está extremamente fria.

(O digno par não reviu.)

O sr. Presidente: - Será satisfeito o desejo do digno par.

Em vista da resolução da camara, eu vou encerrar a sessão.

A proxima sessão será no sabbado, 9 do corrente, e a ordem do dia a eleição das commissões de resposta ao discurso da corôa e verificação de poderes.

Está levantada a sessão.

Eram tres horas e trinta e cinco minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 4 de janeiro de 1897

Exmos. srs. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa; Marquezes, de Fronteira, da Praia e de Monforte (Duarte); Condes, da Azarujinha, de Carnide, de Lagoaça, de Thomar; Visconde de Athouguia; Moraes Carvalho, Antonio de Azevedo Castello Branco, Serpa Pimentel, Arthur Hintze Ribeiro, Cau da Costa, Ferreira Novaes, Vellez Caldeira, Ernesto Hintze Ribeiro, Larcher, Costa e Silva Simões Margiochi, Frederico Arouca, Jeronymo Pimentel, Gomes Lages, Baptista de Andrade, José Maria dos Santos, Julio de Vilhena, Pimentel Pinto, Camara Leme, Thomaz Ribeiro.

O redactor = Alberto Pimentel.

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