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4 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

V. exa. ha de lembrar-se do que aconteceu com o caminho de ferro de Lourenço Marques, por serem os srs. ministros directores d'esse caminho de ferro. E hoje estamos em circumstancias de ter de pagar uma grande indemnisação.

Assim vae tudo pela agua abaixo!

Eu sinto dizer estas cousas um pouco rusticamente, mas a camara sabe qual é o meu espirito de soldado: dizer as cousas como ellas são, sem atavios de linguagem e sem pompas de rhetorica.

Sei que as minhas palavras não agradam geralmente, e que só um ou outro digno par as aprecia, mas hão de me desculpar, porque eu só sei dizer muito desataviada e sinceramente aquillo que sinto.

A camara sabe o que está acontecendo todos os dias, e eu ainda não ha muito tempo disse á camara que, só para a companhia do gaz, foram ultimamente directores quatro ministros honorarios.

Trata-se agora de eleger um vice-governador do banco hypothecario, e alguns homens politicos, que eu aliás muito respeito, andam em guerra a ver qual d'elles ha de obter o logar.

Não digo mais nada, e só peço aos srs. ministros e aos nossos homens politicos que me digam se querem que algum poeta notavel deste paiz, algum homem de grande inspiração, faça alguns versos como aquelles que fez Victor Hugo no tempo de Napoleão III:

"Les Troplong, les Rouher, violateurs de chartes,

"Grecs qui tiennent les lois comme ils tiendraient les cartes."

Não queiram s. exas. que se realisem as prophecias escriptas no livro de Kropotckine, o energico escriptor socialista.

Sr. presidente, não quero carregar, mais o quadro que eu, aliás, poderia tornar muito mais negro, e antes, se a camara é permitte, vou dar-lhe um traço alegre.

Vou referir-me a um facto que constitue uma allusão pungentissima aos homens politicos do nosso paiz, e que eu VI ha dias em um jornal satyrico muito conhecido que se publica em Paris.

É curioso e tem espirito.

Se a camara imagina que estou phantasiando, tenho aqui o jornal a que me refiro e terei muito gosto em facultal-o a qualquer digno par que porventura imagine ser menos exacto aquillo que eu affirmo.

Vou tentar explicar á camara a caricatura que esse jornal traz.

Trata-se de um novo jogo imitando um pouco a roleta.

Consta de um taboleiro que tem muitos quadrados, nos quaes ha varias inscripções.

Num quadrado, por exemplo, tem o director de uma companhia de caminhos de ferro, n'outro uma sinecura que se pretende crear, n'outro ainda um fiscal, noutro uma embaixada, noutro um director do banco hypothecario, n'outro o conselheiro etc., etc.

Quem entra no tal joguinho ganha sempre um premio grande.

Ha um cylindro que tem um botão, e na parte superior do cylindro existe uma tampa movediça. Sobre esta tampa está uma cadeira, que é a cadeira do poder, toda cheia de espinhos, onde se cravam os ministros.

Dado o caso de haver qualquer crise, representada por uma matrona coquette e ladina (Riso), que toca no botão, sáe uma mola em espiral de dentro do cylindro, no cimo da qual está a tal cadeira em que permanece o ministro, que, no caso de crise, ao impulso da tal mola, se precipita logo n'um dos quadrados, que, como disse, tem diversas inscripções.

Tenho aqui á disposição dos dignos pares, que a queiram ver, a caricatura a que me refiro, caricatura que é allusão pungentissima a todos nós.

Eu não quero cansar a camara, e por isso vou terminar.

Antes, porém, sr. presidente, permitta-me v. exa. que eu diga que estou aqui, não como sentinella vigilante, como aquella em que representava o digno par o sr. Luciano de Castro no seu ultimo ministerio, mas como sentinella perdida, disposto a morrer no meu posto ás mãos das cohortes dos syndacateiros e dos comilões.

Mando agora para a mesa a minha moção, que passo a ler.

"A camara, certa das boas intenções da commissão encarregada de dar parecer ácerca das incompatibilidades politicas e parlamentares, compenetrada da importancia do assumpto e da urgencia de o apreciar, convida a mesma commissão a apresentar o resultado dos seus trabalhos com a brevidade possivel.

"Sala da camara, 11 de janeiro de 1892.== O par do reino, Camara Leme = Conde de Thomar = J. P. da Ponte Horta = Conde dos Arcos - Thomás de Carvalho = Basilio Cabral."

Esta minha moção não póde de fórma nenhuma comparar-se com a celebre moção que foi apresentada na outra casa do parlamento em 1873, quando era ministro da fazenda o sr. Serpa, e presidente do conselho o sr. Fontes, estando na opposição o sr. José Luciano de Castro e o sr. Marianno de Carvalho.

Essa moção dizia:

"Considerando que em todos os negocios relativos a emprezas ou companhias, que tenham dependencias do governo e do parlamento, é absolutamente necessario, que os que hajam de lhe conceder vantagens e estipular seguranças para o estado, não tenham os seus interesses ligados com os das companhias e emprezas, cujas pretensões têem de examinar e decidir perante o direito ou a equidade, sem a menor sombra de affeição ou desfavor;

"A camara, lamentando que os interesses da companhia dos caminhos de ferro portuguezes fossem antepostos aos do estado e menosprezados os rigorosos preceitos da moralidade, essenciaes na governação publica, passa á ordem do dia.

"Sala das sessões, 26 de março de 1873. = Saraiva de Carvalho = Marianno de Carvalho - Pinto Bessa = Bandeira Coelho = Pereira de Miranda = Silva Mendes = Francisco de Albuquerque."

Respondam, se podem, a estes notaveis documentos.

E a este proposito tomava então a palavra o sr. Marianno de Carvalho, como deputado da opposição, e expremia-se nos seguintes termos:

"Mas então o sr. presidente do conselho já reconheceu a inconveniencia que havia de ser ao mesmo tempo administrador da companhia e ministro. (Apoiados.) E reconheceu-o só depois de ter conhecimento da nossa moção, sem isto, não cumpriria s. exa. e o sr. Serpa o seu dever.

"Aqui temos nós um ministro da corôa que por um lado não reconhece o direito de que se lhe lance suspeição por ser ao mesmo tempo auctor ou réu e juiz na mesma causa, e por outro lado reconhece a suspeição que pesa sobre si, e não vem á camara, nem entra na discussão por se considerar suspeito. São estes os tristes inconvenientes do procedimento de s. exa., que tambem confessou não poder até agora fallar neste negocio de cabeça levantada.

"Não vejo necessidade de se entrar na vida particular de cada um, dizendo que se é pobre ou rico, nem de se suppor o que fariam os nossos adversarios em dadas circumstancias. A necessidade que vejo é de cada um cumprir o seu dever. E posso affirmar á camara, que se eu fosse administrador da companhia e um dia chamado ao ministerio, n'esse mesmo dia daria a minha demissão do cargo de administrador da companhia."

Altri tempi, altri pensieri.

Q sr. José Luciano: