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N.º 2

SESSÃO DE 10 DE JANEIRO DE 1896

Presidencia do exmo. Sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os dignos pares

Jeronymo da Cunha Pimentel
Visconde de Athouguia

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia. - O sr. presidente, commemorando os serviços dos dignos pares fallecidos no interregno parlamentar, propõe que se lance na acta um voto de profunda condolencia pela perda dos seus collegas, e que d'esta resolução se de conta ás familias dos finados. - Associaram- se a este voto, fazendo uso da palavra, os srs. presidente, do conselho e os dignos pares arcebispo-bispo do Algarve e Thomás de Carvalho. - O digno par conde de Thomar declara associar-se tambem ao voto de sentimento proposto pelo sr. presidente, e conclue mandando para a mesa uma moção referente aos acontecimentos do Transvaal. - Usa da palavra sobre o assumpto o sr. presidente do conselho de ministros. Consultada a camara, não admitte á discussão a referida moção. - O digno par Jeronymo Pimentel explica que tendo pedido a palavra, em virtude da proposta do digno par conde de Thomar, desiste de fallar em presença da resolução da camara. - O sr. presidente diz que não submetteu ha pouco á votação a sua proposta porque entendeu que todos adheriam áquella manifestação. - O digno par Jeronymo Pimentel faz uso novamente da palavra para se referir á moção da, digno par conde de Thomar, e manda para a mesa uma proposta, que é lida e admittida á discussão. - Usam da palavra sobre este assumpto os dignos pares conde de Thomar, presidente do conselho é Thomás de Carvalho, sendo por fim approvada a proposta em discussão.

Ordem do dia: eleição de um vogal para a commissão administrativa e de dois dignos pares que, juntamente com o sr. presidente, hão de redigir a resposta ao discurso da corôa. - São lidas na mesa, e seguidamente approvadas, quatro propostas dos ministerios do reino, justiça e marinha para accumulação de cargos de alguns dignos pares com as suas funcções legislativas. - Procede-se á eleição de um vogal para a commissão administrativa e á de dois dignos pares que completam a commissão de resposta ao discurso da coroa. - Encerra-se a sessão e designa-se a seguinte, bem como a respectiva ordem do dia.

Ás duas horas e tres quartos da tarde, achando-se presentes 20 dignos pares do reino, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Foram lidas e seguidamente approvadas: a acta da segunda sessão preparatoria, a da primeira sessão ordinaria d'este anno e a de 27 de novembro de 1894.

(Estava presente o sr. presidente do conselho de ministros.)

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Officio do ministerio dos negocios estrangeiros, informando que em data de 27 de novembro do anno de 1894 foram enviadas á legação de S. Petersburgo, a fim de serem levadas ao seu destino, as mensagens de pezames d'esta camara dirigidas a Sua Magestade o Imperador da Russia, Nicolau II, e a Sua Magestade a Imperatriz viuva.

Para a secretaria.

Um officio de 28 de novembro de 1894 da commissão central Primeiro de dezembro de 1640, pedindo que se de feriado aos empregados d'esta camara no proximo dia 1.° de dezembro, a fim de que aquelles que o desejem possam assistir a um Te Deum na só patriarchal.

Para o archivo.

Um officio do ministerio do reino, de 29 de novembro de 1894, communicando que, por decreto de 28 do mesmo anno, foi encerrada a sessão legislativa inaugurada no dia 1.° de outubro antecedente.

Para o archivo.

Um officio do ministerio da marinha, de 12 de dezembro de 1894, acompanhando 170 exemplares das coutas da gerencia de 1891-1892 e exercicio de 1890-1891, para serem distribuidos pelos dignos pares.

Foram distribuidos.

Um officio da associação commercial do Porto, acompanhando um exemplar do relatorio da direcção, respeitante ao anno de 1894. Para o archivo.

Um officio de 30 de janeiro do anno passado, assignado pelo secretario geral da academia real das sciencias, informando que na mesma academia se encontram quatro caixotes, vindos do ministerio de fomento em Madrid e que conteêna uma collecção de legislação do Hespanha offerecida a esta camara pelo sr. conde dei Januario.

Para a bibliotheca,

U officio do ministerio dos negocios estrangeiros, de 18 de fevereiro de 1895, acompanhando os autographos dos decretos das côrtes geraes de 8 de julho de 1893, que approvam, para serem ratificados pelo poder executivo, o accordo assignado em Lisboa, em 8 de abril de 1892, entre Portugal, França e o Estado Independente do Congo, fixando os direitos de importação e exportação na bacia occidental do Congo, e a convenção assignada em Madrid, aos 27 de março de 1893, para determinar a linha divisoria de soberania e dominio dos dois paizes nas terras denominadas da Contenda.

Para o archivo.

Dois officios do exmo. sr. juiz de direito do segundo districto criminal de Lisboa, um de 30 de março de 1895, acompanhando processos no mesmo juizo instaurados contra o digno par Carlos Maria Eugenio de Almeida, por ter faltado a uma audiencia, na sua qualidade de jurado, e não ter justificado a falta; e outro de 31 de maio do mesmo anno, acompanhando um processo instaurado contra o digno par conde de Lagoaça, por transgredir o artigo 1.° do edital do governo civil, de 8 de fevereiro de 1895.

Estes processos ficaram sobre a mesa para serem entregues á commissão de legislação, quando estiver constituida.

Um officio da presidencia do conselho de ministros, informando que, no periodo que decorre de novembro de 1894 a 31 de dezembro de 1895, houve as seguintes alterações no ministerio:

Pela exoneração concedida ao conselheiro João Antonio de Brissac das Neves Ferreira de ministro e secretario d'stado dos negocios da marinha e ultramar, foi, por decreto

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de 16 de janeiro de 1895 nomeado para este cargo o capitão da fragata José Bento de Ferreira de Almeida;

Que o conselheiro Luiz Maria pinto do Soveral, ministro plenipotenciario de Portugal na côrte de Londres, foi por decreto de 30 de setembro do alludido anno, nomeado ministro e secretario d'estado dos negocios estrangeiros por fallecimento do conselheiro Carlos Lobo d'Avila; e finalmente que, pela exoneração concedida ao conselheiro José Bento Ferreira de Almeida, de ministro e secretario d'estado dos negocios da marinha e ultramar, foi nomeado para este cargo o bacharel Jacinto Candido da Silva, antigo deputado da nação.

A camara ficou inteirada. Um officio do ministerio do reino, de 3 de janeiro cor rente, juntando seis copias authenticas dos documento que, para os effeitos do artigo 4.° do decreto de 28 de março ultimo, foram enviados ao tribunal de verificação de poderes.

Estes documentos ficaram sobre a mesa para serem entre gues é, commissão de legislação, quando estiver constituida.

Officio da presidencia da camara dos senhores deputa aos, participando que em sessão de 8 do corrente ficou definitivamente constituida a mesma camara.

A camara ficou inteirada.

Leu-se por fim o seguinte officio do digno par conde de Margaride:

"Illmo. e exmo. sr. - Considerando irregular a constitui cão da camara; dos dignos pares, contra a clara disposição do segundo acto addicional á carta, cuja observancia jurei, e não podendo subscrever ao principio perigosissimo do desprezo pela divisão e independencia dos diversos pó deres do estado, sem embargo da indiscutivel respeitabilidade dos ministros que em si os concentraram, tenho a honra de participar a v. exa. que, associando-me a colle gas de superior auctoridade, me abstenho de tomar agora o logar que julgo pertencer-me, como ultimo n'essa casa do parlamento, mas só sob o imperio da legalidade.

Deus guarde a v. exa. Guimarães, 7 de janeiro de 1896. - Illmo. e exmo. sr. presidente da cambra dos dignos pares. = Conde de Margaride.

O sr. Presidente: - Por falta de tempo na sessão anterior, só hoje posso cumprir o doloroso dever de dar conhecimento official á camara dos nomes dos dignos pare do reino que falleceram durante o interregno parlamentar, e que foram os seguintes srs.:

João Chrysostomo de Abreu e Sousa.

Marquez de Pomares.

Visconde de Seabra.

José Maria da Costa.

Bispo de Lamego.

Marquez de Vallada.

José Joaquim de Castro.

Antonio Pequito Seixas de Andrade.

Mártens Ferrão.

Bernardo de Serpa Pimentel.

Manuel Antonio de Seixas.

Manuel Pinheiro Chagas.

Placido Antonio da Cunha e Abreu.

Não é esta a occasião de fazer o elogio funebre de tantos homens illustres e eminentes que o paiz, em tão curto espaço de tempo, teve a infelicidade de perder. (Apoiados.)

Todos honraram o parlamento e prestaram valiosos, e alguns ainda, relevantes serviços á patria, quer nos conselhos da corôa, no episcopado portuguez, no exercito, na magistratura judiciai e administrativa, quer n'outros altos cargos do estado.

Alem da sentida falta de estadistas illustres como foram João Chrysostomo, Pinheiro Chagas, Mártens Ferrão, visconde de Seabra, Pequito de Andrade e general Castro, assim como de funccionarios e homens tão distinctos como o marquez de Pomares, Bernardo Serpa e, outros mais, ainda, a morte cruelmente arrebatou ao paiz, na plena exuberancia da vida, dois homens importantes de grande valor. (Apoiados.) Um foi Pedro Antonio de Carvalho, representante das honrosas tradições de uma nobre familia. (Apoiados). Sempre no parlamento e no exercicio dos altos cargos e commissões importantes, difficeis e de graves responsabilidades, demonstrou, alem da mais exemplar e austera honestidade de caracter, inexcedivel amor ao trabalho e á justiça, superior illustração e reconhecida competencia.

O outro foi Carlos Lobo d'Avila, que, apesar de tão novo, brilhantemente honrou a tribuna parlamentar e n'ella conquistou successivos e assignalados triumphos, e soube conseguir e inspirar, na sua rapida passagem pelos conselhos da corôa, as esperanças do paiz, a dedicação e respeito dos amigos e adversarios. (Apoiados.)

A camara quererá de certo que se consigne na acta um voto de justo e profundo pezar pela perda de tão illustres extinctos, dando-se parte d'esta manifestação de sentimento ás suas respectivas familias. (Muitos apoiados.) Tem a palavra o sr. presidente do conselho.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Muito sentidamente, por parte do governo, vem associar-se á homenagem de saudade, de respeito e de admiração que o sr. presidente acabava de tributar á memoria dos homens illustres que desappareceram durante o intervallo parlamentar.

É dolorosa a impressão que nos causa ver de repente perdidos para o paiz talentos tão brilhantes, faculdades tão geniaes, homens que tão relevantes serviços prestaram á causa publica; ver como n'um momento desappareceram intelligencias tão lucidas, clarões que illuminaram o mundo, meteoros que brilharam e que como meteoros desappareceram.

Quando os vimos tão cheios de pujança exercendo uma acção tão activa no seu paiz, uma influencia tão grande nas cousas publicas, a morte inesperada arrebatou-os para mostrar quanto é verdadeira a sentença gravada em caracteres de aço nos livros da vida: Memento homo quia pulvis est et in pulverem reverteris.

Na apreciação que o sr. presidente fizera dos homens que para sempre desappareceram do nosso mundo politico, havia nomes que se impunham não só ao respeito, mas á admiração de todos.

João Chrysostomo teve uma larga vida de trabalho, de dedicação pelo seu paiz.

N'uma conjunctura difficil, n'esse momento solemne da nossa vida politica, quando uma forte convulsão alastrava pelo paiz inteiro e fôra necessario appellar para elle, logo João Chrysostomo pozera ao serviço da patria os seus oitenta annos de trabalho.

Ninguem o póde esquecer. Engenheiro illustre, deixara de si memoraveis padrões, e até onde chegava a actividade do seu espirito, o paiz podia contar com o auxilio do homem que foi um modelo de rectidão, de austeridade de caracter.

Mártens Ferrão! Quem mais do que elle trabalhára pelo seu paiz? Nos conselhos da coroa, onde fôra ministro energico, viril, em occasiões difficeis; na procuraria geral da corôa, onde deixara valiosos trabalhos, resolvendo as questões mais arduas e os problemas mais difficeis (Apoiados geraes) e ainda como representante de Portugal junto Lo Vaticano, onde demonstrou o seu grande valor como habil diplomata, tratando e resolvendo, de uma maneira digna de todo o elogio, as mais graves e importantes questões.

Não havia negocio que nos podesse affectar intimamente, ue podesse perturbar o nosso modo de ser, ou que importasse uma ameaça perante o paiz, a que elle não acudisse que não resolvesse com a sua palavra, com o seu conselho, com a sua illustração e saber.

Visconde de Seabra! Citar este homem era lembrar o

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auctor do codigo civil portuguez, o homem que empenhou toda a labutação do seu espirito para operar uma transformação radical e completa na nossa jurisdicção, para a qual trabalhou com uma perfeição adequada ao nosso modo de ser actual e ás nossas aspirações.

Visconde de Seabra, ainda nos ultimos momentos, quando já a luz dos olhos se ía apagando, trabalhava incansavelmente em serviço da patria.

Pinheiro Chagas! Quantos estavam na camara se lembravam de como eram fulgurantes e vivas as irradiações daquelle talento tão brilhante, e como a sua palavra tinha o condão de commover profundamente toda a gente que o escutava. (Apoiados.) Ao mesmo tempo, como ministro, era de uma hombridade de caracter, que se impunha a todos como uma estrella das mais vivas e mais brilhantes.

O sr. presidente, a par destes importantes homens, citara outros que realmente mereciam a nossa consideração e respeito.

Tambem ministros d'estado foram Antonio Pequito Seixas de Andrade e José Joaquim de Castro, caracteres dignos e honrados, que nos deixaram sentidas saudades. (Apoiados.)

Não podia nem devia esquecer tambem Bernardo de Serpa e Placido de Abreu, um, consummado jurisconsulto; o outro, militar distincto e illustrado, que era uma reliquia das nossas campanhas da liberdade.

Igualmente tinham desapparecido de entre nós um membro illustrado do clero, o bispo de Lamego; o marquez de Vallada, orador vehemente, que a camara via entrar em todas as discussões; e o marquez de Pomares, fidalgo nobre pela sua linhagem e immaculado caracter.

A par d'estes, quizera o sr. presidente tão justamente dedicar tambem a homenagem devida, como, tributo de reconhecimento, aos homens que exaltaram o seu paiz, como Pedro de Carvalho e Carlos Lobo d'Avila.

Pedro de Carvalho foi victima do seu trabalho incessante; morreu na brecha com as armas na mão, porque a sua arma era a penna com que defendeu os interesses mais vitaes do seu paiz.

Fica como padrão o que elle escreveu em defeza de Lourenço Marques, são volumes completos, trabalhos acabados.

Não se poupou á labutação que lhe affectava a vida e que a vida lhe roubou.

Benemeritos da, patria eram os que a defendem luctando com as armas, mas tambem aquelles que a defendem com o vigor do seu talento e com a preoccupação do seu animo.

Seria ingrato se não agradecesse ao sr. presidente a referencia que fez a Carlos Lobo d'Avila, um dós companheiros mais dilectos do orador na ingrata lide da governação publica.

Ficára-lhe no caminho, nesse caminho que tem trilhado tão cheio de dificuldades, de embargos, de vicissitudes, de alternativas de toda a hora, de preoccupações de todo o momento.

Ficára-lhe no caminho, elle que com a segurança do seu conselho, com a firmeza do seu juizo, com a agudeza do seu engenho, era o animo do governo.

Caíra a meio do caminho Carlos Lobo d'Avila. Esse a quem o paiz inteiro prestou a derradeira homenagem com uma saudade intensa, com uma mágua profunda, com uma tristeza cruciante. É que o paiz comprehendeu que ali se afundara a esperança mais radiante do seu porvir. Folgava de o poder dizer.

Momentos antes de vir para a camara, o orador viu passar alegres, cheios de contentamento, e saudados pela multidão, os expedicionarios que regressavam da Africa. Divisava-se no rosto de cada um a satisfação de ter cumprido o seu dever com risco da propria vida.

Não pôde n'essa occasião esquecer as preoccupações de outr'ora, os cuidados e desvelos com que Carlos Lobo d'Avila se empenhou com o governo na organisação d'essa expedição.

Oh! Como elle ficaria alegre e contente ao ver coroados de bom exito aquelles trabalhos! Como partilharia com. o paiz inteiro a satisfação que agora sentimos! Com que ardor elle juntaria um bravo ás manifestações da multidão!

Não o pôde fazer e é esse mais um motivo para que a nossa saudade seja bem funda, para que o nosso pezar seja bem intimo, para que a nossa mágua seja bem sincera.

Como ministro das obras publicas, Carlos Lobo d'Avila desvelou-se em levantar o desenvolvimento economico da nação, e como ministro dos negocios estrangeiros soube sempre defender a honra, o bom nome e o prestigio da sua patria.

(O discurso do orador será publicado na integra quando s. exa. haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Arcebispo-Bispo do Algarve: - Associo-me sr. presidente, ao voto de sentimento que, em phrase tão alevantada, v. exa. acaba de propor, commemorando o infausto passamento dos eminentes estadistas e dignos pares, cujos nomes foram por v. exa. mencionados.

Bem merecem todos elles respeitosa commemoração por parte da camara, de que, na sua maioria, foram membros illustres e prestimosos.

De todos ou quasi todos recebi repetidas provas de estima, consideração e benevolencia, devendo, porém, especialisar n'esta occasião tres de entre elles: o sr. dr. Bernardo de Serpa Pimentel, a quem me coube a honra de ter como professor na universidade de Coimbra, de que elle foi ornamento distinctissimo pelo seu brilhante talento, pela sua intelligencia lucida e perspicaz, pelo seu trato affavel e delicadeza inexcedivel de suas maneiras, pelo que, a par de muito respeito, Soubera conquistar geral sympathia entre mestres e discipulos; o sr. bispo de Lamego, esse prelado venerando, que tanto lustre dera ao solio episcopal com suas virtudes, sua muita illustração tino administrativo e bom senso que revelára no desempenho do seu cargo pastoral, sempre espinhoso e difficil, especialmente nos tempos que vão correndo; o sr. conselheiro Carlos Lobo d'Avila, cuja morte prematura tão profunda, tão intima e dolorosamente commoveu o paiz inteiro, que via no Ínclito estadista, não direi sómente uma esperança, mas um trabalhador indefesso, um dos mais illustrados e valentes propugnadores do engrandecimento e da prosperidade da patria, que elle muito dedicadamente serviu. Comquanto fosse rapida e breve a sua peregrinação sobre a terra, ficaram-nos ahi vestigios inapagaveis, immorredouros, indeleveis, da pujança do seu talento brilhantissimo (Apoiados.) da excepcional, da phenomenal e rara illustração do seu espirito e do elevadissimo criterio com que, tanto nas lides parlamentares como nos conselhos da corôa, examinava, discutia e apreciava os mais graves, os mais momentosos e melindrosos assumptos da governação publica.

Quando baixam ao tumulo, cobertos de bençãos, homens desta tempera, de estatura similhante, que tanto se assignalaram pelas .fulgurações do seu genio, pela sua dedicação desinteressada e persistente a bem dos interesses mais legitimos e mais caros do paiz, é grande a máguas pungente a dor que nos alanceia, enormissimo o desalento que nos opprime, principalmente se attendermos a que não abundam as forças varonis, as inquebrantaveis energias necessarias para atalharem, para impedirem, quanto possivel, o recrudescimento dos males agudissimos, de que enferma a nossa sociedade,

Curvando-nos, humildes, ante os decretos da Providencia Divina, que nos cumpre acatar com inteira submissão, mais uma vez declaro que apoio o voto de sentimento, justamente devido á honrada e saudosa memoria dos illus-

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tres extinctos, por cujo eterno descanso eu dirigirei aos céus intimas, fervorosas e ardentes preces.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O sr. Conde de Thomar: - Eu não sei, sr. presidente, se ha mais algum digno par inscripto sobre este incidente, e, como o assumpto de que desejo occupar-me é inteiramente diverso do que se está tratando, não deseja na intercalar as minhas palavras n'elle.

O sr. Presidente: - Sobre este incidente ainda estão inscriptos mais alguns dignos pares.

O sr. Conde de Thomar: - Então peço a v. exa., que me reserve a palavra para antes de se encerrar a sessão.

O sr. Thomás de Carvalho: - Sr. presidente, a lista funeraria que v. exa. nos leu ha pouco, mostra bem claramente quanto a Providencia nos tem experimentado n'estes ultimos tempos.

Quiz, por assim dizer, chamar a si os seus eleitos, poupando-lhes o desgosto de assistirem á miseria da nossa decadencia. (Pausa.)

"Dá vontade de morrer", dizia o grande historiador que linha escripto as paginas brilhantes da fundação da monarchia.

Dá vontade de morrer, dizia elle, ao ver o modo como era considerada, a monarchia no seu tempo, elle, que tinha escripto em letras de oiro aquelle alevantamento sublime do povo constituindo a nação portugueza.

Todos os que estão ahi n'essa lista, sr. presidente, eram dos que engrandeciam a patria, e todos n'um momento desappareceram da superficie da terra. Mas, não morreram de todo, porque não morrem os que deixam de si memorias gloriosas.

E são esses os grandes luminares dos povos; astros de primeira grandeza que desde seculos têem sempre o mesmo esplendor, são como o Syrius, que tinha em tempo de Ptolomeu o mesmo brilho e esplendor que hoje tem, estando, entretanto, todos os dias a afastar-se de nós. Está sempre fugindo do nosso systema, arredando-se successivamente e conservando, todavia, o mesmo brilho e o mesmo esplendor. Abaixo d'elles, porém, ha outros astros que sem possuirem a mesma luz e o mesmo brilho, entretanto são dignos das nossas contemplações.

Escuso de remorar os nomes que já foram citados pelo gr. presidente do conselho e pelo reverendissimo e dignissimo sr. bispo do Algarve.

Entre elles, alguns dos quaes dos quaes eu me permittirei dizer algumas palavras, porque fui intimo d'elles.

A um tratei desde a primeira infancia. Foi Carlos Lobo d'Avila, esse espirito selecto e extraordinario, para cuja formatura cheguei a concorrer.

Na universidade não o queriam deixar formar-se por lhe faltar um simples exame de desenho! Como se para o estudo ou para, o exercicio da jurisprudencia fosse necessario saber traçar com preceito quatro riscos n'um papel!

Pois tive eu o prazer de afastar esse obstaculo, propondo no conselho superior de instrucção publica uma dispensa que foi adoptada pelo popular e liberal ministro Antonio Rodrigues Sampaio.

De Mártens Ferrão tambem fui amigo, do aio dos nossos principes, como Egas Moniz o foi do primeiro rei de Portugal.

Mas não é já por estes, precisamente, sr. presidente, pois que v. exa. lhes fez o elogio, que eu desejei usar da palavra.

Lembrei-me de um companheiro e amigo de longos an-nos, que perdi repentinamente: refiro-me a José Maria da Ponte e Horta, parlamentar distincto, professor de primeira plana, e que foi tambem governador de varias provincias do ultramar; aquelle que foi nas aulas companheiro das grandes illustrações d'este paiz: de Fostes, Latino, Andrade Corvo e outros da mesma estatura.

Alumno glorioso e professor notavel da escola polytechnica, escola celebre entre todas as do paiz. Cinco, seis ou sete professores d'esta escola têem sido ministros d'estado.

Temos aqui presente um d'elles, o sr. Antonio de Serpa Pimentel.

Das glorias que na sua vida publica o tem acompanhado, não é de certo a menor a de ter sido professor da escola polytechnica.

Homem liberal, liberal convicto, José Maria da Ponte e Horta combateu pela liberdade, seguindo em tempos calamitosos a facção de Passos Manuel e Passos José. Foi vencido e prisioneiro com a expedição que saíra a barra do Porto e tomada por uma esquadra estrangeira; jazeu largos mezes nas prisões de S. Julião da Barra.

Era algarvio, tinha o instincto da liberdade; tinha a fidalguia do arabe. Todos os algarvios são arabes e fidalgos.

Disputou uma cadeira na escola polytechnica, e foi logo ali recebido, sendo um dos mais prestantes professores. Mais tarde foi nomeado deputado e depois par do reino.

N'este theatro não era onde elle brilhava mais, ainda que, todas as vezes que tomou a palavra, fosse muito considerado pelos seus collegas; a scena que prezava era exactamente outra; era na escola onde elle resplandecia.

Não termina aqui a sua biographia. Chamaram-no os poderes superiores do estado a governar algumas provincias ultramarinas; foi governador de Cabo Verde, de Angola e de Macau. Nas secretarias d'estado devem existir os papeis d'este professor, d'este governador, em que previra muitos dos acontecimentos, que posteriormente se vieram a realisar, principalmente em Africa.

Partiu para todos os governos pobre, e delles regressou pobre.

Não empenhara as barbas como D. João de Castro, porque já não era tempo para isso. Hoje ninguem daria nada por ellas. As barbas dos grandes homens são de menos preço para gente inclinada ás materialidedes, e dominada pelo bezerro de oiro.

Quando aquelles que governavam no ultramar empenhavam as barbas, sabiam o que ellas valiam. Hoje não só não valem nos que governam, como não valem em qualquer estado, quer nas sciencias quer nas letras.

Com mágua direi a v. exa. e á camara que já ouvi esta profanação: "rir do grande genio de Almeida Garrett", orno sendo um talento inferior, Garrett, que representa uma litteratura inteira.

Diga-se uma vez por todas, que foi não sómente o primeiro na data em todo o genero de litteratura, mas o primeiro de todos os seus contemporaneos e de todos os que he seguiram os passos.

Foi o primeiro lyrico do seu tempo; não ha lyrico superior a elle, qualquer que seja o seu nome.

Os dois ultimos livros de poesias que publicou eram a admiração de Alexandre Herculano, que dizia parecer-lhe impossivel que um homem da idade de cincoenta annos escrevesse as Folhas caídas e as Flores sem fructo.

Foi tambem o primeiro dramaturgo, não se deixando influenciar pelas exagerações da escola romantica.

Compoz o Fr. Luiz de Sousa, a tragedia grandiosa do futuro.

Foi tambem o primeiro romancista, e nenhum posteriormente o excedeu.

Pois esse chefe supremo da litteratura de um povo é menosprezado pelos litteratos de agora, ou que assim se chamam!

Eu trouxe isto a proposito do meu collega e amigo, colega e antigo companheiro de mais de quarenta annos, que rã, alem de um homem de sciencia, um homem tambem de letras.

De factos são muitos os artigos que escreveu em diffe-

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rentes revistas e jornaes do tempo, e alguns nas memorias da academia real das sciencias, de que era membro distinctissimo.

Entre essas memorias ha umas sobre cousas de Africa, e não são as menos curiosas; e a ultima ácerca dos infinitamente pequenos, para mim de alcance superior.

As suas considerações dirigem-se unicamente, á constituição atómica da materia; nas entrelinhas, porem, eu leio que o mundo material e moral é todo do dominio dos infinitamente pequenos.

O sr. Conde de Thomar: - Sr. presidente está esgotado o assumpto de que se tratava, e não serei eu que continue a usar da palavra depois de o terem feito os illustres oradores que me precederam e por fórma tão levantada.

Limitando-me, pois, a declarar que me associe á manifestação de condolencia proposta, passo a tratar do assumpto para que me inscrevi, e que é tambem uma questão de sympathia pessoal e, mais ainda, de reconhecimento da nação portugueza.

A camara conhece as boas relações e as provas de sympathia que sempre têem havido entre a republica do Transvaal e o governo portuguez. Sabe perfeitamente que, por occasião de todas as dificuldades para nós levantadas em Africa, o paiz encontrou sempre n'aquella republica bom acolhimento e todas as facilidades de bom vizinho.

O que se passou na inauguração do caminho de ferro dá testemunho do que digo.

Um bando de flibusteiros invadiu aquelle estado, sem que se saiba qual o fim.

O que todos nós percebemos é que houve um golpe de mão para se apoderarem d'aquelle laborioso e florescente paiz.

Este movimento, sr. presidente, teve por chefe, um individuo cujo nome me dispenso de pronunciar, pois. é conhecido bem tristemente de todos nós.

O procedimento d'esse individuo, com relação a um paiz pacifico e tranquillo, foi repudiado por todos, até pelos proprios inglezes.

Não fica mal, parece-me, que a camara dos dignos pares inserisse na acta a declaração de que a camara tinha visto com o maior prazer que o acto praticado pela companhia South Africa fôra repellido pelo governo do Transvaal.

Os transvaalianos, sr. presidente, comquanto não tenham exercito regular, dispõem, comtudo, de uma grande força.

A força que repelliu o ataque dos flibusteiros era composta de paizanos, policias na sua grande maioria, que oppozeram uma barreira de ferro para defender a sua independencia.

Mando, pois, para a mesa a minha proposta, e peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que seja lançada na acta a seguinte declaração:

"A camara dos dignos pares do reino resolve lançar na sua acta um voto de congratulação ao exmo. presidente da republica do Transvaal pela maneira nobre como foi suffocada a invasão de um grupo de flibusteiros, que sem respeito pelo direito das gentes, invadiu aquelle pacifico e laborioso estado.

"Sala das sessões, em 10 de janeiro de 1896. = Conde de Thomar." I

Não ha, sr. presidente, intenção politica da minha parte; não ha, repito, intenção de melindrar terceiras pessoas ou qualquer paiz, pois, como affirmei nas minhas primeiras palavras, o governo do Cabo reprovou completamente toda a participação no acto praticado por aquelle bando de flibusteiros. Ao formular a minha proposta apenas tive em mente dar uma manifestação de sympathia pela republica do Transvaal.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Sr. presidente, v. exa. e a camara comprebendem de certo o melindre que, a todos se impõe, no
que respeita a acontecimentos de caracter internacional, como aquelle a que o digno par acaba de se referir.

Uma cousa ha em que estamos todos de accordo, dada a nossa situação na Africa meridional: é no desejo de que a paz se mantenha para que a civilisação possa adiantai-os seus progressos em beneficio da humanidade.

É este o sentimento que a camara dos dignos pares melhor póde expressar, sem com isso se envolver de fórma alguma em questões de caracter internacional.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a moção do sr. conde de Thomar.

Foi lida na mesa e não admittida á discussão.

O sr. Presidente: - Não sei se o digno par sr. Jeronymo Pimentel pediu a palavra sobre a moção do digno par sr. conde de Thomar.

Sendo assim, eu não posso dar a palavra a s. exa.

O sr. Jeronymo Pimentel: - Sim, senhor, foi sobre a moção.

O sr. Presidente: - E o sr. conde de Thomar foi sobre o mesmo assumpto que pediu a palavra?

O sr. Conde de Thomar: - Evidentemente. Desde o momento em que o sr. presidente do conselho deu á minha moção um sentido differente d'aquelle que eu tinha nas minhas intenções, eu não posso deixar de dizer duas palavras sobre o assumpto.

A camara, porem, entendeu na sua alta sabedoria que não devia admittir á discussão a minha proposta (caso creio que unico n'esta casa), e que, segundo fiz ver, significava apenas um dever de côrtezia para com o presidente da republica do Transvaal.

Respeitador das decisões da camara, acato a sua resolução, mas repito que o meu fim era corresponder á cortezia do presidente do Transvaal com outro acto de cortezia. A camara entendeu rejeitar a minha proposta.

Nada mais tenho a dizer.

O sr. Presidente: - Em vista das manifestações da camara, eu não a consultei sobre o voto de sentimento proposto.

Julguei a proposta unanimemente approvada. (Apoiados geraes.)

N'este caso, lançar-se-ha na acta a approvação do voto de sentimento e communicar-se-ha á familia dos finados a resolução da camara. (Apoiados.)

O sr. Jeronymo Pimentel: - Peço a palavra sobre a ordem.

O sr. Presidente: - Tem o digno par a palavra sobre a ordem.

O sr. Jeronymo Pimentel (sobre a ordem): - Sr. presidente, o voto que a camara acaba de dar com relação á proposta do sr. conde de Thomar não significa de certo uma desconsideração para com s. exa., nem tambem que a camara não deseje congratular-se com todos os acontecimentos que possam interessar á republica do Transvaal, que tem sempre vivido comnosco em tão boa harmonia. (Apoiados.)

A camara entendeu, porém que no seu voto ou nas suas resoluções, que possam ter mais ou menos relação com questões internacionaes, ella deve ser cautelosa e prudente.

A nossa situação é sempre melindrosa quando se trata de assumptos que possam referir-se ás nossas relações internacionaes. (Apoiados.)

O desejo da camara, de accordo com as observações feitas pelo sr. presidente do conselho, foi de certo, sem querer esquivar-se a uma demonstração de sympathia para com aquella republica, não ir mais alem do que devia, e evitar quaesquer complicações para o nosso paiz.

Sr. presidente, cumprindo as disposições regimentaes, vou mandar para a mesa ^ seguinte moção:

(Leu.)

Creio que d'esta fórma satisfaço em parte aos desejos do digno parte aos que a camara tome qualquer resolução

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22 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

que, podendo ter uma interpretação que não estava no seu animo, trazia complicações ao nosso paiz, que convem sempre acautelar.

Mando para a mesa a minha moção.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta que o sr. Jeronymo Pimentel acaba de mandar para a mesa.

Foi lida na mesa e é do teor seguinte:

Proposta

A camara dos pares vê com satisfação que se mantem a paz e a tranquillidade na Africa meridional. = Jeronymo Pimentel.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que admittem esta proposta, á discussão tenham a bondade de se levantar.

Foi admittida.

O sr. Conde de Tnomar: - Sr. presidente, pedi a palavra para repor as cousas no seu logar.

Lamento que tanto por parte do nobre presidente do conselho, como do sr. Jeronymo Pimentel se classificasse esta proposta como podendo melindrar interesses internacionaes. Pois que, sr. presidente, já se quer dar fóros de potencia á companhia Sul Africana?!

É essa companhia uma potencia?

É a essa companhia que ha medo de melindrar, quando um grupo de flibusteiros invade um paiz, quando o seu modo de proceder é completamente reprovado por todos os governos da Europa, quando o proprio gabinete de Saint-James condemna o procedimento do dr. Jameson?!

Sr. presidente, dizem os prudentes, não façâmos cousa alguma, porque a companhia Sul Africana é uma potencia!

Lamento, que de um homem tão illustrado e que eu ha muito respeito, como é o sr. presidente do conselho, viesse a declaração de que em assumptos internacionaes era necessario haver toda a prudencia.

De accordo, sr. presidente, mas, porventura a minha moção envolvia ou se referia a algum paiz que nos podesse crear difficuldades internacionaes?

Não, de certo.

Eu posso encarar bem ou mal uma questão, mas no caso sujeito, declaro bem alto, que a moção se refere a um bando de flibusteiros que fazem parte de uma companhia e não de um estado.

Qual é a potencia que nós vamos offender?

Que consideração é essa que a camara quer dispensar a um homem de quem o nobre presidente do conselho foi talvez uma das maiores victimas?

Que extremos são esses para com Cecil Rhodes, o homem que mais dificuldades nos creou em Africa?

Pois, tem a camara receio de offender a susceptibilidade d'este homem?

Pois, não vê a camara que os attentados commettidos por esse homem são de um gravidade tão evidente, que a propria opinião publica e honesta em Inglaterra se insurgiu contra elle, e que o governo obrigou a demittir-se, embora aquella nação ganhasse ou podesse ganhar com o resultado dos feitos por elle praticados?

Fosse qual fosse o resultado ou a vantagem que a Gran-Bretanha tirasse dos actos praticados por Cecil Rhodes, o facto é que se viu obrigada a condemnar o procedimento de Cecil Rhodes e a demittil-o. N'estas circumstancias, é que propuz a minha moção de felicitação para corresponder como era dever, á côrtezia que a presidente da republica do Transvaal usou para com El-Rei, felicitando-o pela maneira brilhante por que tinhamos concluido a campanha de Africa.

Tenho dito.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Sr. presidente, permitta-me e digno par que lhe diga que s. exa. collocou a questão n'um terreno em que eu não posso, nem devo acompanhal-o.

Longe de mim, sr. presidente, o proposito de me oppor a que esta camara preste ao presidente da republica do Transvaal um testemunho de consideração, que seja ao mesmo tempo um reconhecimento pelas felicitações que elle dirigiu ao nosso paiz.

A deferencia devida ao presidente da republica do Transvaal está no sentimento de nós todos. (Apoiados.)

Approvar ou discutir propostas que nos envolvam na apreciação de factos ou questões de caracter internacional, a que nos devemos conservar estranhos, isso é que reputo inconveniente, dada a situação de absoluta neutralidade em que nos devemos manter.

"Se o digno par quizer substituir a sua proposta por uma simples moção, em que a camara consigne o voto que faz por que se mantenha a paz e a tranquillidade na Africa meridional, a este pensamento nenhuma duvida terei em me associar. Mais longe do que isto, nem eu, nem a camara devemos ir.

Aprecie o digno par para si, como quizer; eu conheço bem as responsabilidades do meu cargo, e estas me levam a indicar o unico caminho que devemos seguir, qual o de olharmos pelos nossos proprios interesses, abstendo-nos de discussões inconvenientes, n'este momento inopportunas"

O sr. Conde de Thomar: - Agradeço ao sr. presidente do conselho o convite para modificar a minha proposta, que a camara não admittiu á discussão. Qualquer substituição que apresentasse para ser approvada pela camara, seria um acto de menos correcta cortezia para com o digno par Pimentel, cuja proposta em substituição á minha acaba de ser acceita e votada pela camara. Nada mais posso dizer.

O sr. Thomás de Carvalho: - Sr. presidente, direi apenas duas palavras, visto como de maneira alguma desejo contrariar, e menos maguar, o meu collega e amigo sr. conde de Thomar, cujas idéas, na maior parte, eu adopto e sigo.

Neste caso, porém, desejava unicamente que s. exa. me fizesse a mercê de reflectir no que vou dizer.

A proposta do digno par contem ou mais ou menos do que as palavras de El-Rei, que respondeu, não como um particular, mas como chefe da nação portugueza.

As palavras de El-Rei são exactamente as mesmas que o nosso digno collega sr. Jeronymo Pimentel acaba de consignar na sua proposta e a que tambem se referiu o nobre presidente do conselho.

Portanto, digo eu: ou a proposta do digno par sr. conde de Thomar diz mais ou diz menos. Se diz menos, não valia a pena fazel-a; se diz mais, então precisámos saber o que é, porque nós não podemos votar uma proposta que possa contrariar as palavras do chefe supremo da nação, que respondeu ao presidente da republica do Transvaal pela fórma que todos conhecemos.

Não sei se ha ou se póde haver complicações internacionaes; não me importa saber isso. O que digo é que a camara dos dignos pares, sendo, como é, uma assembléa politica, não póde nem deve dizer mais nem menos do que o chefe superior do estado, que representa a nação portugueza.

Tenho dito.

Posta a votos a proposta do digno par sr. Jeronymo Pimentel, e approvada.

ORDEM DO DIA

Eleição de um vogal para a commissão administrativa e de de dois dignos pares que, juntamente com o sr. presidente, não de redigir a resposta ao discurso da corôa.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Mando para a mesa, em nome dos meus, collegas ministros do reino, justiça e marinha, differentes

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SESSÃO N.º 2 DE 10 DE JANEIRO DE 1896 23

propostas para que alguns dignos pares possam accumular querendo, as suas funcções legislativas com as que exercem nos respectivos ministerios.

Foram lidas na mesa e são as seguintes:

Propostas

Em conformidade com o disposto no artigo 3.º do acto addicional á carta constitucional da monarcha, o governo de Sua Magestade pede á camara dos dignos pares do reino a necessaria permissão para que possam accumular querendo, as funcções legislativas com as dos emprego dependentes do ministerio do reino que exercem, em Lisboa, os dignos pares:

Conselheiro Augusto Cesar Cau da Costa, presidente do supremo tribunal administrativo.

Conselheiro José Luciano de Castro, vogal efectivo do mesmo tribunal.

Conselheiro Julio Marques de Vilhena, vogal effectivo do mesmo tribunal.

Conselheiro Antonio Telles Pereira da Vasconcellos Pimentel, vogal effectivo do mesmo tribunal.

Conde de Castro, vogal supplente do mesmo tribunal.

Francisco Simões Margiochi, provedor da real casa pia de Lisboa.

Dr. Thomás de Carvalho, provedor da santa casa da misericordia de Lisboa.

José Vicente Barbosa du Bocage, vogal do conselho superior de instrucção publica.

Conde de Ficalho, lente da escola polytechnica.

Joaquim de Vasconcellos Gusmão, lente da mesma escola.

Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 10 de janeiro de 1896. = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco.

Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do primeiro acto addicional á carta constitucional da monarchia, pede o governo á camara dos dignos pares do reino a necessaria permissão para que possam accumular, querendo, as funcções legislativas com as dos seus logares na capital dependentes do ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça os dignos pares:

Bispo de Bethsaida.

Antonio Candido Ribeiro da Costa.

Antonio Emilio Correia de Sá Brandão.

Diogo Antonio Correia de Sequeira Pinto.

João Dally Alves de Sá.

Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa.

Marçal de Azevedo Pacheco.

Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, aos 3 de janeiro de 1896. = Antonio d'Azevedo Castello Branco.

Em conformidade com o disposto no artigo 3.°. do primeiro acto addicional á carta constitucional da monarchia, pede o governo á camara dos dignos pares do reiao a necessaria permissão para que possam accumular, querendo as funcções legislativas com as dos seus logares na capital dependentes do ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça os dignos pares:

Carlos Augusto Vellez Caldeira Castello Branco.

Jeronymo da Cunha Pimentel.

Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 3 de janeiro de 1896. = Antonio d'Azevedo Castello Branco.

Senhores. - Em conformidade do disposto no artigo 3.° do primeiro acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo pede á camara dos dignos pares permissão para que possam accumular, querendo, o exercicio das suas funcções legislativas com. o dos seus empregos ou commissões os dignos pares:

Cardeal Patriarcha.

Bispo de Bethsaida.

Antonio de Sousa e Silva Costa Lobo.

Francisco Joaquim da Costa e Silva.

Francisco Maria da Cunha.

José Baptista de Andrade.

Visconde da Silva Carvalho.

Visconde de Soares Franco.

Jacinta Candido da Silva.

Foram successivamente approvadas.

O sr. Presidente: - Convido os dignos pares a formarem as suas listas para as duas eleições, que podem ser feitas simultaneamente: uma do vogal para a commissão administrativa, e outra dá commissão de resposta ao discurso da corôa.

Vae-se proceder á chamada.

(Pausa.)

Convido para escrutinadores os dignos pares srs. Arthur Hintze Ribeiro e conde de Azarujinha.

Corrido o escrutinio, verificou-se terem entrado na uma 22 listas, saindo eleito para vogal da commissão administrativa o digno par Francisco Costa, com 21 votos, tendo 1 voto o digno par sr. Thomás de Carvalho.

Corrido novamente o escrutinio, verificou-se terem entrado na uma 22 listas, saindo eleitos para membros da commissão de resposta ao discurso da corôa os dignos pares srs. Antonio de Serpa Pimentel e Augusto César Cau da Costa com 22 votos.

O sr. Presidente: - Como a hora está muito adiantada, março a proxima sessão para terça feira, 14 do corrente, dando para ordem do dia: eleição de commissões.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e meia da tarde.

Dignos pares presentes á sessão de 10 de janeiro de 1890

Exmos. srs. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa; Marquez de Penafiel; Arcebispo de Evora, Arcebispo-Bispo do Algarve; Condes, da Azarujinha, do Bomfim, de Lagoaça, de Thomar; Bispo de Beja; Visconde de Athouguia; Sá Brandão, Serpa Pimentel, Arthur Hintze Ribeiro, Cau da Costa, Ferreira Novaes, Vellez Caldeira, Sequeira Pinto, Ernesto Hintze Ribeiro, Costa e Silva, Margiochi, Jeronymo Pimentel, Baptista de Andrade, Pessoa de Amorim, Thomás de Carvalho.

O redactor = João Saraiva.

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