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SESSÃO DE 9 DE JANEIRO DE 1897 11

um grande talento e um politico distincto, era tambem um homem religioso e crente, e é para mim um dever de consciencia o fallar n'esta camara do seu grande merito tambem por este motivo, e pagar pela minha parte uma divida de gratidão pelos serviços que elle prestou á Igreja e ao episcopado portuguez, embora não tenha para isso nem sciencia, nem facilidade da palavra.

Sr. presidente, póde ser que em outros tempos o fogo da mocidade, a seducção da litteratura e da philosophia então predominante e pouco religiosa; póde ser que um certo prurido de novidade, que, lisongeando o orgulho da rasão humana, tenta muitos espiritos, tivesse tentado tambem o do sr. conde do Casal Ribeiro; mas ultimamente, o estudo mais profundo e mais meditado da religião, da sociedade e da politica, e da influencia que exerce n'estas ambas o sentimento religioso; as grandissimas difficuldades que se encontram para explicar a nossa origem e o nosso destino sem Deus e sem as luzes da fé; as condições pouco nobres a que n'este ponto nos reduzem as theorias modernas de todo despidas d'este auxilio; a experiencia do mundo, e o desengano do mal que têem feito á sociedade os evangelhos de Comte e de Littré, como affirmou Casal Ribeiro - tudo isto certamente fez com que, na ultima vez que fallou n'esta camara, lhe ouvissemos, por entre os applausos e os respeitos de todos, entre outras palavras, as seguintes:

«Vamos longe já do encyclopedismo, que ha mais de um seculo predominou nos espiritos, lançando n'elles tantas perturbações e deixando tão funestos vestigios nas sociedades modernas. Demasiado tempo prevaleceram os seus erros, as suas negações, os seus scepticismos. A experiencia dos seus resultados na educação social provocou a reflexão dos espiritos observadores e evidenciou as lacunas insuppriveis abertas pela deficiencia da fé chistã. O ideal de restaurar o vigor do principio religioso e abrigar a sociedade sob a influencia d'elle avassalla hoje os espiritos de melhor tempera, e dia a dia ganha mais amplo terreno no mundo scientifico, no mundo litterario e no politico.»

E a estas palavras nobilissimas e profundamente verdadeiras, correspondiam por parte do sr. conde do Casal Ribeiro as obras na pratica.

Na da caridade christã, no auxilio que prestava, sempre generoso, a todos os emprehendimentos, que tivessem por fim conservar no povo a fé e o sentimento religioso, e na observancia dos preceitos da igreja, o sr. conde do Casal Ribeiro era exemplar, sem ostentação e sem alardes.

Em Madrid, na igreja de S. Sebastião, era certo a ouvir missa em todos os dias santificados, não obstante a sua pouca saude e algumas vezes a pouca serenidade do tempo.

Sr. presidente, com um dom mais que prophetico, e com o criterio seguro de um profundo pensador, disse Tocqueville que, se as classes operarias se agitarem e revolucionarem, não estando o christianismo apossado d'ellas, a Europa veria luctas horrorosas e sem exemplo no passado.

E Taine, que é bem insuspeito, fazendo na Revista dos dois mundos a apologia do christianismo, e dizendo que se devia a elle tudo o que ha n'ellas de doçura, pudor, justiça e boa fé, não duvidou affirmar que o Evangelho é ainda hoje o auxiliar mais importante e poderoso do instincto social. E, todavia, sr. presidente, não se tem recorrido, nem se recorre tanto quanto convem e quanto é necessario a este elemento valiosissimo para moralisar os povos, para acalmar e serenar as paixões, para compor e prevenir as grandes crises sociaes e politicas e para resolver os graves problemas e difficuldades da governação publica.

Pelo contrario, alguns philosophos defendendo theorias as mais contrarias á fé, e não poucas vezes as mais subversivas do estado social; alguns litteratos mettendo á bulha e insultando as cousas mais respeitaveis e mais santas; alguns historiadores adulterando a historia para comprometter o nosso passado religioso e christão; alguns sabios combatendo o sobrenatural e querendo explicar tudo pelo estudo das leis physicas e pelas suas descobertas, tantas theorias e doutrinas encontradas, mas defendidas unias e outras por grandes homens de sciencia, tudo isto, sr. presidente, tem feito com que em nossos dias se arvore em systema o scepticismo e a negação de tudo, com que se vá extinguindo no coração do povo a fé e o temor de Deus, as crenças religiosas e os sentimentos moraes; de sorte que no fim do seculo XIX estamos colhendo o que se tem semeado desde o seculo XVIII, e em vez de estarmos á sombra da arvore da liberdade que dá a vida, parece que estamos á sombra da mancenilheira que dá a morte.

Tudo isto via muito bem o grande talento e o espirito patriotico, religioso e pratico de Casal Ribeiro, porque sabia bem que um povo sem crenças e sem costumes é um povo infeliz e ingovernavel, e similhante ao leão sem cadeias e sem jaula, como diz Montesquieu.

Por isso, o conde do Casal Ribeiro não era um religioso só de palavra e de theorias, e não cumpria os seus deveres religiosos unicamente porque assim o exigia a sua consciencia de crente. Cumpria-os tambem por causa do exemplo, porque debalde se quererá que o povo tenha fé e a moralidade e consciencia que d'ella deriva se vir que aquelles que estão acima d'elle pela sua posição social, pelo seu saber e pela sua fortuna desprezam inteiramente os seus deveres religiosos, dando assim a entender que a religião é só para a gente simples e ignorante dos campos.

Deus conceda o eterno descanso ao estadista e ao sabio que, procedendo de um modo inteiramente differente, honrou as tradições mais gloriosas e mais queridas da nossa patria, e confirmou em Portugal no campo da politica, como em França o confirmou o grande Pasteur no campo da sciencia o que disse Bacon - que a muita sciencia faz crentes e que a pouca sciencia faz scepticos.

Mas Deus anime e abençoe tambem tantos talentos e tantas illustrações, religiosas e patrioticas, que felizmente cá ficaram para o imitar, e que eu vejo, com grande satisfação, na bancada dos srs. ministros e nas cadeiras d'esta casa, e nas da outra do parlamento.

E já que passei dos mortos para os vivos, permitia-me v. exa., sr. presidente, e a camara que, sem offensa para ninguem, eu lamente não ver aqui o digno par, sr. Barros Gomes, porque s. exa., que é um politico e estadista distincto, e um caracter probo e honrado que todos respeitam, e que é tambem, alem d'isso, um catholico fervoroso e exemplarissimo na familia, no templo e fóra d'elle, não duvidando nunca subir á estacada para, defender a sua fé com todo o desafogo, quando seja necessario; s. exa., digo, se estivesse presente havia de honrar com a eloquencia e auctoridade, que eu não tenho, a memoria do seu amigo e companheiro inseparavel em todas as obras, em todos os trabalhos e publicações que tivessem por fim levantar o espirito religioso do paiz, e conquistar-lhe com o seu antigo viver christão as suas antigas glorias.

Mas não é só por este motivo que eu sinto não ver aqui o digno par sr. Barros Gomes com os seus illustres correligionarios. Já manifestei este sentimento no anno passado e manifesto-o novamente.

Perdoe-me v. exa., sr. presidente e a camara, se me torno importuno, e se pela minha ignorancia das cousas politicas, desagrado a alguem com estas importunidades. Mas eu sou ministro da paz, e tenho-a sempre mais no coração do que no meu ministerio.

Desejo, por isso, aconselhal-a a todos, e bem desejava tambem poder aplanar os caminhos para que podesse vir para aqui o honrado chefe do partido progressista com os dignos pares seus partidarios, porque n'estes tempos, em que todos precisâmos de trabalhar e luctar, cada, um no