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N.º 2

SESSÃO DE 9 DE JANEIRO DE 1897

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os dignos pares

Jeronymo da Cunha Pimentel
Visconde de Athouguia

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia. - O sr. bispo conde faz o elogio do fallecido conde do Casal Ribeiro, e associam-se a esta commemoração os srs. arcebispo bispo do Algarve e arcebispo de Evora. - O sr. D. Luiz da Camara Leme envia documentos para a mesa e troca explicações com o sr. presidente do conselho ácerca do conselho de guerra reunido em Moçambique não ter acceitado um recurso. - O sr. conde de Thomar faz uma pergunta ao governo a respeito do caminho de ferro de Lourenço Marques. - Responde-lhe o sr. presidente do conselho. - O sr. conde da Azarujinha participa ter sido recebida por El-Rei a deputação encarregada de participar a constituição da camara. - O sr. conde de Lagoaça dirige perguntas ao governo sobre uma vaga de lente cathedratico não preenchida na faculdade de direito da universidade de Coimbra, sobre as associações dissolvidas e o funeral do antigo representante de Portugal em Buenos Ayres. - Os srs. presidente do conselho e Antonio de Serpa dão explicações sobre esta ultima pergunta. - O sr. conde de Thomar chama a attenção do governo para a ultima explosão occorrida na companhia do gaz.

Ordem do dia. - Foram eleitas as commissões de resposta ao discurso da corôa e verificação de poderes. - O sr. presidente levanta a sessão, aprasando a seguinte.

Pelas duas horas e vinte minutos da tarde o sr. presidente mandou proceder á chamada e, verificando-se a presença de 20 dignos pares, declarou aberta a sessão.

Foi lida e approvada, sem reclamação, a acta da sessão anterior:

Mencionou-se o seguinte expediente:

Officio do sr. presidente do conselho, datado de 28 de dezembro de 1896, remettendo, para serem guardados no archivo da camara, os seguintes documentos:

Autographo de 14 de janeiro de 1896 e carta de lei de 13 de fevereiro do mesmo anno, determinando que sejam pagas pelo thesouro as despezas do funeral de João de Deus Ramos, e concedendo á sua viuva e filhos a pensão annual de 1:000$000 réis.

Autographo de 24 de março de 1896 e carta de lei de 26 do mesmo mez e anno, mandando cobrar, por deposito, o imposto de 15 réis em kilogramma de assucar clarificado ou refinado, até que as côrtes resolvam sobre a proposta n.° 5, apresentada em 16 do mesmo mez.

Autographo de 6, de março de 1896 e carta de lei de 31 do mesmo mez e anno, concedendo á viuva e filhos do major Alfredo Augusto Caldas Xavier a pensão annual de 720$000 réis, devendo ser paga, sem deducção alguma, a contar do dia da morte d'aquelle official.

Autographo de 6 de março de 1896 e carta de lei de 31 do mesmo mez e anno, estabelecendo varias modificações ácerca da contribuição de registo.

Autographo de 13 de março de 1896 e carta de lei de 31 do mesmo mez e anno, estabelecendo varias disposições ácerca da contribuição industrial, e determinando o quadro geral das taxas a que estejam sujeitas as profissões industriaes, artes e officios.

Autographo de 14 de abril de 1896 e carta de lei de 16 do mesmo mez e anno, estabelecendo os impostos sobre alguns oleos concretos vegetaes e sobre velas para illuminação, que devem ser cobrados, por deposito, até ulterior resolução das côrtes.

Autographo de 25 de abril de 1896 e carta de lei de 27 do mesmo mez e anno, restabelecendo a thesouraria da junta do credito publico, determinando a fórma de reduzir a oiro o supplemento de juro, creando logares de substitutos dos vogaes, e auctorisando a reorganisação da secretaria da junta.

Autographo de 25 de abril de 1896 e carta de lei de 27 do mesmo mez e anno, determinando quaes os productos que, no continente e nas ilhas, ficam sujeitos aos impostos de fabricação e consumo, fixando as taxas dos mesmos impostos, e estabelecendo regras para a sua fiscalisação e cobrança.

Autographo de 30 de abril de 1896 e carta de lei de 4 de maio do mesmo anno, modificando varias disposições da lei do imposto do sêllo de 21 de julho de 1892, e das taxas das respectivas tabellas.

Autographo de 20 de abril de 1896 e carta de lei de 4 de maio do mesmo anno, concedendo ao recolhimento e asylo de infancia desvalida do Menino Deus, de Barcellos, districto de Braga, o edificio e dependencias do antigo recolhimento da mesma invocação.

Autographo de 28 de abril de 1896 e carta de lei de 13 de maio do mesmo anno, auctorisando a cobrança dos impostos e demais rendimentos publicos, relativos ao exercicio de 1896-1897, e a applicação do seu producto ás despezas do estado, correspondentes ao mesmo exercicio, e contendo outras disposições.

Autographo de 30 de abril de 1896 e carta de lei de 13 de maio do mesmo anno, estabelecendo recebedorias privativas em cada concelho, a contar do primeiro dia do anno economico futuro, em substituição das actuaes recebedorias de comarca, que ficam extinctas.

Autographo de 30 de abril de 1896 e carta de lei de 13 de maio do mesmo anno, fixando o quadro do pessoal das repartições dos districtos do continente do reino e das ilhas, e classificando os concelhos em diversas ordens.

Authographo de 30 de abril de 1896 e carta de lei de 13 de maio do mesmo anno, auctorisando o governo a conceder isenção de direitos ou de quaesquer impostos locaes, durante um anno, aos materiaes destinados á illuminação a gaz da cidade de Ponta Delgada, e a luz electrica da

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cidade do Funchal; e bem assim do material circulante e fixo para o caminho de ferro ao Monte, na mesma cidade.

Authographo de 30 de abril de 1896 e carta de lei de 13 de maio do mesmo anno, auctorisando o governo a restituir a importancia dos direitos de importação de todo o material e machinismos entrados no reino e applicados ás obras para o abastecimento e canalisação das aguas e do gaz, na cidade da Figueira da Foz.

Authographo de 8 de maio de 1896 e carta de lei de 21 do mesmo mez e anno, auctorisando o governo a mandar cunhar e fazer emittir até á quantia de 500 contos de réis de moeda de prata, commemorativa da celebração do quarto centenario da partida de D. Vasco da Gama para a India, a mandar fabricar e a emittir estampilhas postaes com o mesmo fim, e a adiantar á respectiva commissão a quantia de 50 contos de réis.

Authographo de 6 de maio de 1896 e carta de lei de 21 do mesmo mez e anno, tornando extensivas aos empregados de nomeação regia do hospital de S. José e annexos as disposições do decreto de 21 de abril de 1892, ácerca do adiantamentos de ordenados.

Authographo de 8 de maio de 1896 e carta de lei de 21 do mesmo mez e anno, estabelecendo o direito de importação de 2 réis por cada kilogramma de parafina purificada ou não pedida a despacho depois da publicação d'esta lei.

Authographo de 4 de maio de 1896 e carta de lei de 21 do mesmo mez e anno, reduzindo a metade o direito de carga das bases l.ª a 6.a, inclusive, do artigo 2.° da lei de 16 de setembro de 1890, para navios de carga, obrigando os vapores portuguezes de longo curso ao transporte gratuito de malas do correio e encommendas postaes, e fixando em 10 réis por tonelada o emolumento pela intervenção do funccionario consular na expedição do navio mercante portuguez.

Authographo de 4 de maio de 1896 e carta de lei de 21 do mesmo mez e anno, tornando definitivas as concessões provisorias do edificio e cerca, predios e igreja do supprimido convento do Desaggravo, de Villa Pouca da Beira, á camara municipal de Oliveira do Hospital e junta de parochia d'aquella freguezia, com destino a um hospital e igreja matriz.

Authographo de 5 de maio de 1896 e carta de lei de 21 do mesmo mez e anno, auctorisando o governo a declarar sem effeito a concessão feita á camara municipal de Elvas, do edificio do extincto convento de S. Domingos e a concedel-o á santa casa da misericordia da mesma cidade.

Authographo de 4 de maio de 1896 e carta de lei de 21 do mesmo mez e anno, abolindo o direito de portagem na ponte de Barradas, do concelho de Villa Nova de Famalicão.

Authographo de 4 de maio de 1896 e carta de lei de 21 do mesmo mez e anno, abolindo para todos os effeitos o imposto de portagem cobrado na ponte do Brito, concelho de Guimarães.

Authographo de 9 de maio de 1896 e carta de lei de 21 do mesmo mez e anno, abolindo o direito de portagem na ponte do Forno, da freguezia de S. Romão de Mouriz, concelho de Paredes.

Authographo de 9 de maio de 1896 e carta de lei de 21 do mesmo mez e anno, abolindo o direito de portagem na ponte do Tamega, entre os concelhos de Celorico de Basto e Mondim de Basto.

Authographo de 8 de maio de 1896 e carta de lei de 21 do mesmo mez e anno, reorganisando os serviços da caixa geral de depositos, e creando a caixa de aposentações para trabalhadores assalariados e o monte de piedade nacional.

Authographo de 30 de abril de 1896 e carta de lei de 21 de maio do mesmo anno, auctorisando o governo á collocação de obrigações de 4 1/2 por cento, consignados pelo saldo do rendimento dos tabacos, até realisar a somma de 9:000 contos de réis, exclusivamente destinados á reconstituição da marinha de guerra.

Mandaram-se archivar.

O sr. Bispo Conde: - Sr. presidente, senti muito não ter estado presente na ultima sessão, em que se commemorou, entre outros, o fallecimento do sr. conde do Casal Ribeiro, para me associar a essa commemoração, e tambem para fazer algumas declarações que me dizem respeito.

Todavia, contando com a benevolencia de v. exa. e da camara, terei a honra de as fazer agora, se m'o permittirem.

Sr. presidente, está feito o elogio do sr. conde do Casal Ribeiro, manifestada a nossa saudade e demonstrado o nosso respeito pela sua memoria, tanto dentro d'esta casa, por palavras de grande eloquencia e auctoridade, a principiar por v. exa. como fóra d'ella, por pennas muito distinctas e de primeiro aparo; mas, ainda que nada estivesse feito, não haveria muita necessidade de o fazer, por que a lembrança do sr. conde do Casal Ribeiro, do seu talento, da sua eloquencia, dos seus serviços, do seu patriotismo e da nobreza do seu caracter, ha de estar sempre em nossos corações, e jamais se apagará n'elles.

Seria, portanto, grande ousadia, e até impertinencia injustificavel, querer eu, que sou o membro mais humilde d'esta camara, fallar de quem foi, por tantos annos, uma das mais distinctas glorias d'ella.

Mas, sr. presidente, coube-me em sorte acompanhar em Madrid o sr. conde do Casal Ribeiro até aos primeiros dias da sua doença, em que o deixei por não suppor que ella teria, pelo menos tão depressa, similhante desenlace, aliás não o deixaria por motivo nenhum; e preciso fazer esta declaração na camara para me ser desculpado aquelle facto, que eu senti muito então, e que sinto ainda hoje, não obstante ter vindo de Coimbra aqui quando chegou o seu cadaver para suffragar a sua alma junto da sua uma funeraria e para lhe dar o ultimo adeus. E quasi que tambem tenho pena de ter estado com elle em Madrid e na mesma casa nos ultimos dias da sua vida, porque é maior agora a saudade que tenho d'aquelle generoso e bom coração, e d'aquelle espirito sempre levantado e scintillante que assim como a luz que está prestes a apagar-se, despedia com mais força e mais brilho os seus ultimos clarões.

Todavia, sr. presidente, esta saudade maior por este motivo tambem tem a sua compensação. Foi o prazer e o orgulho que tive ao ver em Madrid o respeito e a estima que os grandes homens d'aquella grande nação tinham por aquelle grande vulto litterario e politico da nossa.

E desejo dizer isto á camara por me parecer que ella, com esta informação, dada por uma testemunha occular, sentirá lisonjeado o seu patriotismo, bem como o paiz.

Tambem, sr. presidente, as considerações, os respeitos e os carinhos que tiveram em Madrid com o sr. conde do Casal Ribeiro, não me contentaram sómente como portuguez e amigo d'elle, mas tambem como bispo que tenho a honra da ser, porque, o sr. conde do Casal Ribeiro, alem de ser

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um grande talento e um politico distincto, era tambem um homem religioso e crente, e é para mim um dever de consciencia o fallar n'esta camara do seu grande merito tambem por este motivo, e pagar pela minha parte uma divida de gratidão pelos serviços que elle prestou á Igreja e ao episcopado portuguez, embora não tenha para isso nem sciencia, nem facilidade da palavra.

Sr. presidente, póde ser que em outros tempos o fogo da mocidade, a seducção da litteratura e da philosophia então predominante e pouco religiosa; póde ser que um certo prurido de novidade, que, lisongeando o orgulho da rasão humana, tenta muitos espiritos, tivesse tentado tambem o do sr. conde do Casal Ribeiro; mas ultimamente, o estudo mais profundo e mais meditado da religião, da sociedade e da politica, e da influencia que exerce n'estas ambas o sentimento religioso; as grandissimas difficuldades que se encontram para explicar a nossa origem e o nosso destino sem Deus e sem as luzes da fé; as condições pouco nobres a que n'este ponto nos reduzem as theorias modernas de todo despidas d'este auxilio; a experiencia do mundo, e o desengano do mal que têem feito á sociedade os evangelhos de Comte e de Littré, como affirmou Casal Ribeiro - tudo isto certamente fez com que, na ultima vez que fallou n'esta camara, lhe ouvissemos, por entre os applausos e os respeitos de todos, entre outras palavras, as seguintes:

«Vamos longe já do encyclopedismo, que ha mais de um seculo predominou nos espiritos, lançando n'elles tantas perturbações e deixando tão funestos vestigios nas sociedades modernas. Demasiado tempo prevaleceram os seus erros, as suas negações, os seus scepticismos. A experiencia dos seus resultados na educação social provocou a reflexão dos espiritos observadores e evidenciou as lacunas insuppriveis abertas pela deficiencia da fé chistã. O ideal de restaurar o vigor do principio religioso e abrigar a sociedade sob a influencia d'elle avassalla hoje os espiritos de melhor tempera, e dia a dia ganha mais amplo terreno no mundo scientifico, no mundo litterario e no politico.»

E a estas palavras nobilissimas e profundamente verdadeiras, correspondiam por parte do sr. conde do Casal Ribeiro as obras na pratica.

Na da caridade christã, no auxilio que prestava, sempre generoso, a todos os emprehendimentos, que tivessem por fim conservar no povo a fé e o sentimento religioso, e na observancia dos preceitos da igreja, o sr. conde do Casal Ribeiro era exemplar, sem ostentação e sem alardes.

Em Madrid, na igreja de S. Sebastião, era certo a ouvir missa em todos os dias santificados, não obstante a sua pouca saude e algumas vezes a pouca serenidade do tempo.

Sr. presidente, com um dom mais que prophetico, e com o criterio seguro de um profundo pensador, disse Tocqueville que, se as classes operarias se agitarem e revolucionarem, não estando o christianismo apossado d'ellas, a Europa veria luctas horrorosas e sem exemplo no passado.

E Taine, que é bem insuspeito, fazendo na Revista dos dois mundos a apologia do christianismo, e dizendo que se devia a elle tudo o que ha n'ellas de doçura, pudor, justiça e boa fé, não duvidou affirmar que o Evangelho é ainda hoje o auxiliar mais importante e poderoso do instincto social. E, todavia, sr. presidente, não se tem recorrido, nem se recorre tanto quanto convem e quanto é necessario a este elemento valiosissimo para moralisar os povos, para acalmar e serenar as paixões, para compor e prevenir as grandes crises sociaes e politicas e para resolver os graves problemas e difficuldades da governação publica.

Pelo contrario, alguns philosophos defendendo theorias as mais contrarias á fé, e não poucas vezes as mais subversivas do estado social; alguns litteratos mettendo á bulha e insultando as cousas mais respeitaveis e mais santas; alguns historiadores adulterando a historia para comprometter o nosso passado religioso e christão; alguns sabios combatendo o sobrenatural e querendo explicar tudo pelo estudo das leis physicas e pelas suas descobertas, tantas theorias e doutrinas encontradas, mas defendidas unias e outras por grandes homens de sciencia, tudo isto, sr. presidente, tem feito com que em nossos dias se arvore em systema o scepticismo e a negação de tudo, com que se vá extinguindo no coração do povo a fé e o temor de Deus, as crenças religiosas e os sentimentos moraes; de sorte que no fim do seculo XIX estamos colhendo o que se tem semeado desde o seculo XVIII, e em vez de estarmos á sombra da arvore da liberdade que dá a vida, parece que estamos á sombra da mancenilheira que dá a morte.

Tudo isto via muito bem o grande talento e o espirito patriotico, religioso e pratico de Casal Ribeiro, porque sabia bem que um povo sem crenças e sem costumes é um povo infeliz e ingovernavel, e similhante ao leão sem cadeias e sem jaula, como diz Montesquieu.

Por isso, o conde do Casal Ribeiro não era um religioso só de palavra e de theorias, e não cumpria os seus deveres religiosos unicamente porque assim o exigia a sua consciencia de crente. Cumpria-os tambem por causa do exemplo, porque debalde se quererá que o povo tenha fé e a moralidade e consciencia que d'ella deriva se vir que aquelles que estão acima d'elle pela sua posição social, pelo seu saber e pela sua fortuna desprezam inteiramente os seus deveres religiosos, dando assim a entender que a religião é só para a gente simples e ignorante dos campos.

Deus conceda o eterno descanso ao estadista e ao sabio que, procedendo de um modo inteiramente differente, honrou as tradições mais gloriosas e mais queridas da nossa patria, e confirmou em Portugal no campo da politica, como em França o confirmou o grande Pasteur no campo da sciencia o que disse Bacon - que a muita sciencia faz crentes e que a pouca sciencia faz scepticos.

Mas Deus anime e abençoe tambem tantos talentos e tantas illustrações, religiosas e patrioticas, que felizmente cá ficaram para o imitar, e que eu vejo, com grande satisfação, na bancada dos srs. ministros e nas cadeiras d'esta casa, e nas da outra do parlamento.

E já que passei dos mortos para os vivos, permitia-me v. exa., sr. presidente, e a camara que, sem offensa para ninguem, eu lamente não ver aqui o digno par, sr. Barros Gomes, porque s. exa., que é um politico e estadista distincto, e um caracter probo e honrado que todos respeitam, e que é tambem, alem d'isso, um catholico fervoroso e exemplarissimo na familia, no templo e fóra d'elle, não duvidando nunca subir á estacada para, defender a sua fé com todo o desafogo, quando seja necessario; s. exa., digo, se estivesse presente havia de honrar com a eloquencia e auctoridade, que eu não tenho, a memoria do seu amigo e companheiro inseparavel em todas as obras, em todos os trabalhos e publicações que tivessem por fim levantar o espirito religioso do paiz, e conquistar-lhe com o seu antigo viver christão as suas antigas glorias.

Mas não é só por este motivo que eu sinto não ver aqui o digno par sr. Barros Gomes com os seus illustres correligionarios. Já manifestei este sentimento no anno passado e manifesto-o novamente.

Perdoe-me v. exa., sr. presidente e a camara, se me torno importuno, e se pela minha ignorancia das cousas politicas, desagrado a alguem com estas importunidades. Mas eu sou ministro da paz, e tenho-a sempre mais no coração do que no meu ministerio.

Desejo, por isso, aconselhal-a a todos, e bem desejava tambem poder aplanar os caminhos para que podesse vir para aqui o honrado chefe do partido progressista com os dignos pares seus partidarios, porque n'estes tempos, em que todos precisâmos de trabalhar e luctar, cada, um no

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seu campo, pelo bem do paiz, é triste, e custa-me muito ver aqui n'um d'elles as armas ensarilhadas, e fóra dos seus postos soldados tão experimentados e de tanto valor, quaesquer que sejam os motivos que para isso tenha havido, e que eu nem approvo nem censuro.

Sr. presidente, é grande o meu sentimento quando vejo baixar ao tumulo, como agora, os homens que, na posição social e politica a que os elevaram os seus talentos e os seus meritos, mais bem serviram a patria, e maiores provas deram da sua honra e do seu civismo. É, porém, tambem grande o meu sentimento quando vejo, na vida, as paixões politicas (refiro-me ás de todos os partidos), pretenderem amesquinhar, deprimir, aviltar e empregar todos os meios para inutilisar e afastar da governação publica os homens mais importantes e distinctos.

Sr. presidente, não é só nas outras nações que ha politicos, estadistas e sabios notaveis. Temol-os tambem na nossa, grande mercê de Deus.

Lá fóra, porém, consideram e respeitam os seus grandes homens, porque levantando a gloria d'elles levantam a gloria do seu paiz.

Nós cá procedemos de modo differente. Ou porque as paixões partidarias são aqui mais vivas e produzem effeitos mais violentos e arrebatados, talvez por causa do nosso temperamento meridional, ou porque, em um paiz tão pequeno, não cabem tantas ambições ao fastigio da politica e ás honras do poder, ai d'aquelles que, nos differentes partidos, se salientam mais pelos seus talentos e merecimentos politicos, move-se logo por parte dos seus adversarios uma campanha de descredito e não poucas vezes de diffamação contra elles, e até se aproveitam as difficuldades internacionaes, as infelicidades e os revezes da patria, não para nos unirmos todos na defeza d'ella e mostrarmos o nosso patriotismo, mas para aggredir os ministros, e dar por este modo força aos estrangeiros.

Nas grandes difficuldades por que tem passado e está ainda passando a Hespanha, todos os partidos, todas as classes sociaes e até o povo, unindo-se ao governo para o auxiliar, deram um exemplo de abnegação, de patriotismo e valor civico que lhe têem conquistado o respeito e a admiração de todo o mundo.

Em Portugal, quando a Inglaterra nos desrespeitou, a primeira cousa de que se tratou foi de aggredir os ministros e de os derribar do poder; e o mesmo se tem procurado sempre fazer posteriormente, salvas algumas excepções, em quasi todas as difficuldades internacionaes porque temos passado.

Alem d'isso, sr. presidente, é tal a liberdade com que entre nós se desprestigiam, se mettem á bulha e até se ridicularisam os depositarios dos poderes publicos, e vem-nos d'ahi tal falta de respeito pelo principio da auctoridade no paiz, e tal descredito perante as outras nações, que infelizmente já chega a escrever-se que precisâmos trazer de fóra uma commissão estrangeira para nos governar.

Illustre conde do Casal Ribeiro, é grande a saudade que nos deixaste, e immensa a falta que fazes n'esta casa, onde os echos da tua palavra sempre eloquente, sempre patriotica e vibrante, nos faziam recordar os tempos aureos da politica e da mocidade portugueza, que sempre generosa e altiva, e não poucas vezes inflammada por ti, sacrificava ás suas crenças e aos seus ideaes politicos tudo, tudo e até a propria vida; mas, illustre conde, não tenhas pena de ter morrido, porque te poupaste ao desgosto e á vergonha que necessariamente havias de ter com estas heresias e attentados contra a dignidade e brio da patria.

E em verdade, sr. presidente, antes Deus nos leve a todos, os que ainda tiverem sangue nas veias, honra no caracter e amor da patria no coração, do que nos conserve a vida para a arrastarmos por ahi amaldiçoados pelos nossos pães e cobertos de opprobrio e de vergonha perante as outras nações.

Mas não se apoderem de ninguem, assim como não se apoderam de mim estas fraquezas e desanimes.

Estamos acostumados desde muito a ouvir sempre dizer ás opposições «tudo está perdido, já não temos remedio nenhum»; e aos ministeriaes «tudo está bem»; e depois ás opposições quando sobem ao poder «tudo está bem»; e aos ministeriaes quando descem d'elle «tudo está mal». Mas feitos os descontos devidos ao que dizem uns e outros, ainda fica bastante, graças a Deus, para fundamentar as nossas esperanças de salvação.

Alem d'isso, podem as paixões e as represalias da politica, podem as exigencias e as necessidades da civilisação, o desejo de gosos e de prazeres e os desastres da vida affectar e enfraquecer alguns caracteres da sociedade portugueza, como tem acontecido e acontece nas outras nações e como ha de acontecer sempre e em toda a parte.

Mas assim como a arvore gigante, quando lhe cortam ou lhe seccam alguns ramos não enfraquece nem se despia, antes muitas vezes adquire mais força, do mesmo modo a alma nacional que para ahi se levanta tambem gigante nas bençãos da historia, no bronze das estatuas e na gratidão não menos duradoura dos nossos corações, não enfraquece tambem nem se despia unicamente porque algumas das suas fibras, que não affectam o todo, adoeceram moralmente e deixaram de pulsar e bater com o vigor, energia e proveito de quem está são.

E que importa isso?

Por esse reino fóra, por esta capital e por todas as nossas provincias ha ainda muitos e muitos portuguezes dignos d'este nome e da herança que receberam dos seus maiores, e que não duvidam, assim como eu, dar o seu sangue e a sua vida para a zelarem e conservarem honrada, e para a desafrontarem de tudo e de todos, quando seja necessario.

Onde quer que appareçam Gungunhanas, hão de apparecer Mousinhos de Albuquerque, Galhardos e officiaes e soldados de Coolella e Chaimite, porque ainda não se extinguiu, nem se extinguira nunca esta raça de heroes em terras portuguezas.

Illustres estadistas do meu paiz, e entre outros, duque de Loulé, Anselmo Braamcamp, Sá da Bandeira e Fontes Pereira de Mello, cuja honra e valor civico estão ainda hoje, e hão de estar sempre no nosso respeito e na nossa memoria, levantae-vos nos vossos tumulos e, com a auctoridade que eu não tenho, vinde pedir aos vossos successores nos differentes campos politicos, que se respeitem e considerem uns aos outros para decoro proprio e proveito e dignidade da politica portugueza; que não offendam uns a constituição do estado, e que não deixem outros o parlamento onde devem pedir a reparação de todas as injustiças e o desaggravo de todas as affrontas, e que todos não chamem para os cargos do estado senão a honestidade e a consciencia, estejam onde estiverem; que não sacrifiquem os dictames da justiça ás paixões da politica, e os interesses do paiz aos interesses do partido, e finalmente que não se esqueçam nunca de que descendem de tantos martyres e de tantos heroes que sellaram a honra da patria e a gloria das suas bandeiras, uns no campo da batalha cem o seu sangue, e outros com o seu bom exemplo nas luctas do parlamento e da imprensa, na inteireza e abnegação do seu caracter, e na firmeza sempre constante e inabalavel das suas crenças politicas e dos seus ardores patrioticos.

Tenho concluido.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O sr. D. Luiz da camara Leme: - Sr. presidente: sinto não ver presente o sr. ministro da marinha, porque queria perguntar a s. exa. se eram exactos os telegrammas que têem apparecido na imprensa ácerca de um facto que acaba de se dar em Lourenço Marques.

E note v. exa. que eu quero todo o rigor da lei para

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aquelles que porventura forem traidores á patria. Se ha traição castigue-se e severamente.

Varios jornaes inserem um telegramma, de onde se vê que a alguns individuos que em Moçambique responderam a um conselho de guerra e que n'elle foram condemnados, não foi admittido o recurso.

Eu não sei se o boato é verdadeiro ou não; em todo o caso o sr. presidente do conselho talvez me possa informar e á camara, sobre a authenticidade ou não authenticidade de tal noticia. Sei que ainda o anno passado se approvou uma lei em que se estabelecia que das sentenças dos conselhos de guerra houvesse recurso para o supremo tribunal de justiça, e isto de harmonia com um artigo do codigo de justiça militar, que eu analysarei em outra occasião, que não agora.

Entretanto direi já que é uma vergonha para o partido regenerador o ter conservado a pena de morte, sem respeito pela opinião de Passos Manuel.

Emquanto eu for vivo, visto que já não posso combater de outra fórma, combaterei aqui essa monstruosidade.

Já agora, como estou com a palavra, vou mandar para a mesa um requerimento solicitando do governo uns esclarecimentos, que peço aos srs. ministros me mandem com urgencia, porque preciso d'elles antes da discussão da resposta ao discurso da corôa, em que tenciono entrar se tiver saude.

(Leu o requerimento.)

Aproveito tambem a occasião de renovar a iniciativa do meu malfadado projecto de lei sobre incompatibilidades e o parecer da commissão de que foi relator o meu nobre amigo o sr. Thomaz Ribeiro; e proponho que seja nomeada pela mesa uma commissão de onze membros para dar parecer sobre esse projecto, com urgencia.

Esta insistencia da minha parte, sr. presidente, não é caturrice de velho, é antes uma homenagem ao governo e ao proprio sr. presidente do conselho, que não repudiam o meu projecto, como já declararam; por consequencia, é uma homenagem que eu presto a s. exa. que fez um relatorio pomposo, o qual está na camara e inseri n'uma memoria que eu fiz sobre incompatibilidades politicas.

Esta questão é a minha batalha, e hei de vencel-a, talvez, porque, de um principio posto em pratica com boa vontade e sem sophismas, poderemos conseguir a regeneração dos nossos costumes prevertidos.

Mas, sr. presidente, altri tempi, altri pensieri.

Eu sinto que não esteja presente o sr. ministro do reino, porque gosto de fazer justiça a todos.

Tem o sr. ministro do reino, como todos nós, qualidades e defeitos.

O sr. ministro do reino tem muito boas qualidades e é um homem de grande energia e é perseverante, mas, comprehende-se, ás vezes ha certas questões politicas que não o deixam caminhar por uma estrada direita.

Toda a gente sabe que o sr. ministro do reino usou largamente da dictadura e publicou um decreto sobre incompatibilidades politicas.

Eu; sr. presidente, louvo s. exa. por isso, mas tenho pena que n'esse decreto se fizessem excepções odiosas e injustiças relativas.

Oh! sr. presidente, porque é que se ha de dispensar a lei para que o sr. presidente do conselho tenha por apanagio o logar de vice-presidente do banco hypothecario contra a lettra e espirito dos seus estatutos?

Isto é o que eu desejo que a commissão observe e estude.

Eu hei de perguntar aqui ao sr. ministro das obras publicas que tem a responsabilidade da falta do cumprimento das leis das sociedades anonymas, porque motivo não se tem observado rigorosamente as disposições d'essas leis?

Agora permitta-me o digno par, o respeitavel bispo conde de Coimbra, que fez um discurso brilhantissimo em que exaltou as qualidades de um dos ornamentos d'esta camara e a quem eu, já na sessão passada, levantei a minha debil voz para fazer um panegyrico, que eu me associe a s. exa. protestando energicamente contra qualquer administração extrangeira no nosso paiz.

Mas, sabe s. exa. qual é o modo de evitar essa calamidade e humilhação para o nosso paiz?

Peço licença para lembrar a s. exa. e á camara que é a moralidade do governo e o cumprimento dos seus deveres.

Estabeleça o nobre presidente do conselho estes principios que não teremos de receiar a administração extrangeira.

E por agora, sr. presidente, nada mais tenho a dizer; reservo-me para em occasião opportuna tratar de todos esses assumptos, se a camara m'o permittir.

O sr. Presidente: - Vão ler-se os documentos mandados para a mesa pelo digno par o sr. Camara Leme.

Foram lidos e são do teor seguinte:

Requerimento

Requeiro que se peça ao governo envie com a possivel brevidade a esta camara:

Pelo ministerio da marinha:

Copia da consulta da procuradoria geral da corôa de 5 de maio de 1896, ácerca da companhia do Nyassa.

Pelo ministerio dos estrangeiros:

Copia da correspondencia entre o governo da Allemanha e de Portugal ácerca do conflicto internacional em Lourenço Marques com o consul d'aquella nação.

Pelo ministerio da guerra:

1.° Nota da força effectiva no exercito desde 1 de janeiro de 1896 a 31 de dezembro do mesmo anno;

2.° Relação dos officiaes do exercito em todos os postos que têem sido reformados e promovidos desde 1 de janeiro de 1894 até 31 de dezembro ultimo;

3.° Nota dos officiaes do exercito de todas as patentes que têem sido reformados e promovidos ao posto immediato, desde que começou a vigorar a nova lei sobre o limite de idade;

4.° Nota desenvolvida da despeza que se tem feito com a instrucção pratica do exercito, desde 1 de janeiro de 1894 até 31 de dezembro ultimo.

Sala da camara, 9 de janeiro de 1897. = O par do reino, D. Luiz da Camara Leme.

Renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do meu projecto de lei de 12 de março de 1888, acompanhado do parecer e mais documentos de 15 de fevereiro de 1892, sobre incompatibilidades politicas, e proponho que seja nomeada pela mesa uma commissão especial de onze membros para dar, com urgencia, novo parecer ácerca de tão importante assumpto.

Sala da camara, 9 de janeiro de 1897. = O par do reino, D. Luiz da Camara Leme.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Eu folgo de ver n'esta casa do parlamento o meu illustre amigo e digno par o sr. Camara Leme, que durante tantos annos me acostumara a ouvir a sua palavra sempre convicta e enthusiasta, e confesso que s. exa. me fazia falta n'esta assembléa, ainda mesmo quando se mostra acerbo, como ainda ha pouco, nas suas expressões, e até, se me não leva a mal, direi injusto nos seus conceitos.

Folgaria, porem, mais, que s. exa. se inspirasse nas nobilissimas palavras que ha pouco proferiu aqui o sr. bispo conde de Coimbra; palavras que lhe foram dictadas pelo mais puro sentimento de patriotismo que póde pulsar n'um coração sincero, e ao mesmo tempo suggeridas pela inspiração mais elevada de um espirito lucido, de uma in-

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telligencia brilhante e por um, profundo conhecimento dos negocios publicos.

O que eu digo ao digno par que está na minha mão é cumprir com os meus deveres parlamentares, e estes cumpro-os, respondendo aos dignos pares que me queiram arguir. Aos ausentes não posso responder, porque não tenho direito de o fazer.

Levantei-me para responder a uma pergunta que me fez o digno par, a quem queria chamar meu amigo.

O sr. D. Luiz da Camara Leme: - Sou adversario politico de v. exa., mas particularmente merece-me muita estima.

O Orador: - Como ía dizendo, o digno par levou-me a tomar a palavra a fim de responder a uma pergunta que s. exa. me fez.

S. exa. referiu-se a uns telegrammas que foram publicados na imprensa, ácerca de um julgamento que se deu não em Lourenço Marques, mas em Moçambique.

Ora, eu devo dizer ao digno par que esta noticia, de origem particular, representa uma allegação de que no julgamento não houve as precisas formalidades.

Eu não posso contestar a verdade d'esta allegação, porque não tenho sobre o assumpto nenhumas informações, e, sem ellas, não posso formar um juizo seguro, mas o que posso e devo é estar convencido de que os tribunaes portuguezes sabem cumprir o seu dever e respeitar as leis. Quanto ao mais, visto que o digno par declarou que se reservava para em occasião opportuna tratar de outros assumptos, eu aguardarei essa occasião para lhe dar os esclarecimentos precisos.

O sr. camara Leme: - Estimarei muito ter um adversario tão illustre.

O Orador: - Eu não faço mais do que defender-me das accusações que me dirigem, e demais causou-me estranheza que o digno par, estrenuo defensor das incompatibilidades, viesse arguir o governo pelo que o arguiu.

O sr. D. Luiz da camara Leme: - Tenho muitos outros motivos, tenho.

O Orador: - Quanto ás incompatibilidades, não me parece que se possa accusar o governo. Eu não discutirei agora o assumpto. Espero por occasião opportuna, mas consinta-me o digno par e a camara uma ligeira referencia apenas.

É verdade que nós já militámos juntos na opposição e formulámos um projecto de incompatibilidades, havendo sobre esse projecto, um parecer de uma commissão especial de que eu, o digno par e mais alguns membros d'esta camara fizemos parte. Estabeleceu-se n'esse parecer um principio de incompatibilidades em relação aos ministros, determinando-se que as suas funcções seriam incompativeis com qualquer cargo de director ou membro do conselho fiscal de companhias ou emprezas, e tambem se estabeleceu que os vencimentos estipulados aos ministros seriam elevados em quantia muito superior á que estava no orçamento.

Isto passava-se em 1889, mas em 1890 tive a honra de fazer parte de um ministerio presidido pelo meu amigo o sr. Antonio de Serpa, e um dos primeiros actos d'esse ministerio foi exactamente pôr em execução o primeiro alvitre d'esse parecer, deixando de parte a elevação dos vencimentos aos ministros.

N'estas condições posso assegurar a v. exa. que, actualmente, nenhum dos ministros que se sentam n'estas cadeiras faz parte de qualquer direcção de companhia ou empreza, não tendo nós, porém, augmentado os nossos vencimentos, como se estipulava no parecer d'esse projecto. Parece-me, pois, que um governo que assim procede, acceitando o que para si mesmo era mau e pondo de parte o que lhe seria proveitoso, não merece a accusação de S. exa.

Pelo que me toca ao meu logar, sem querer agora discutil-o, reservando-me para melhor occasião, devo dizer a s. exa., que sou presidente do conselho de ministros e mais nada, absolutamente mais nada; não pertenço a qualquer companhia ou empreza, exerço só estas funcções, como posso e sei.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - Eu creio que a camara é de parecer que se continue a dar a palavra aos dignos pares inscriptos, visto a ordem do dia ser simplesmente de eleições de commissões.

Tem a palavra o sr. conde de Thomar.

O sr. Conde de Thomar: - Sr. presidente, sabe v. exa. e a camara que eu costumo resumir quanto posso as minhas considerações, para não abusar da paciencia de v. exa. e da camara.

Do assumpto que vou tratar já preveni o illustre presidente do conselho, como é meu costume quando se trata de um negocio grave.

O assumpto que vou tratar dil-o-hei em duas palavras, e de certo o nobre presidente do conselho dará uma resposta que satisfaça a camara e a mim. Sabem todos que nos jornaes tem vindo uma noticia da mais alta importancia, caso seja verdadeira: é a que se refere á chegada a Lisboa de um cavalheiro inglez, cujo nome é inutil citar, acompanhado do seu secretario ou advogado, com o fim de tratar com o nosso governo a compra do caminho de ferro de Lourenço Marques. Dizem que esse cavalheiro ou o grupo que elle representa, está associado com Cecil Shodes e que tem um numero importante de acções d'aquelle caminho de ferro.

Diz-se mais que esse grupo pretende negociar com o governo uma transacção qualquer antes mesmo de se conhecer o resultado da arbitragem de Berne.

Como todos conhecem as grandes e deploraveis concessões que foram feitas a Mack-Murdo, é evidente que Lourenço Marques, feita a transacção sobre o caminho de ferro, passará de facto para a posse da South Africa e o nosso dominio será uma ficção e será certa a perda de Moçambique.

Não está presente o sr. ministro da marinha, mas este assumpto é tão importante, que, se é verdade que a visita do nosso hospede teve o fim que os jornaes dizem, de certo elle foi já tratado em conselho de ministros e por esse motivo me dirijo ao nobre presidente do conselho, na ausencia do ministro da respectiva pasta, para que s. exa. nos possa dar uma resposta que côrte por completo as apprehensões que existem na imprensa e no publico.

Sr. presidente, esta era a pergunta que tinha de dirigir ao nobre presidente do conselho, mas como o sr. Camara Leme se referiu a umas palavras pronunciadas pelo meu digno collega o sr. bispo conde, permitta-me v. exa. que eu diga tambem duas palavras com relação ás considerações politicas feitas por s. exa.

Se v. exa., sr. presidente, entende que não o devo fazer n'esta occasião, prescindirei da palavra.

Quero alludir á referencia que o nobre prelado fez ao modo de proceder dos partidos politicos em Portugal, nas questões internacionaes.

S. exa. lançou uma grave accusação a todos os partidos indistinctamente, porque tanto s. exa. se dirigiu ao partido progressista como ao regenerador ou outro qualquer partido ou grupo.

No terreno politico, permitta s. exa., com toda a franqueza e lealdade, que diga que me parece que s. exa. foi um pouco injusto.

Foi injusto, porque nas grandes crises por que nós temos atravessado, e refiro-me principalmente a uma das mais importantes, que foi a da questão Charles e George, comquanto ainda novo assisti então á celebre sessão da camara dos deputados e ouvi aquelle discurso que passara como uma das peças da mais bella eloquencia de José Estevão; n'essa occasião ouvi tambem o sr. conde do Casal

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Ribeiro, que não foi inferior a José Estevão, quando se discutiu esse ultimatum a valer da França.

O governo apresentou um projecto para auctorisar a indemnisação que a França pedia ou exigia.

Casal Ribeiro ergueu-se, e em voz alta disse:

«Depois da violencia dê-se um voto de confiança ao governo para dar isso que pedem e muito mais se a França assim o exigir, e digam que Portugal não faz questão de dinheiro.»

Se bem me recordo foram estas as palavras de Casal Ribeiro.

Um dos momentos mais emocionantes das discussões do parlamento portuguez foi esse em que se tratou da reclamação da França a proposito da Charles e George.

Assim procederam as opposições d'essa epocha para com o governo n'uma questão internacional.

Ora o nobre prelado fez uma referencia a todos os partidos, asseverando que nas questões internacionaes, em logar de se collocarem ao lado do governo, o combatiam por politica. Permitta s. exa. que diga, foi s. exa. injusto.

S. exa. citou a Hespanha, que n'este momento tem em torno de si todos os partidos politicos.

Permitta-me s. exa. que diga ainda que se o governo hespanhol tem em torno de si todos os partidos politicos e se o governo portuguez em certas e determinadas circumstancias não tem tido o apoio dos partidos em geral, é porque tambem em Hespanha, v. exa. bem o sabe, as circumstancias têem sido bem diversas.

V. exa. sabe que nós temos tido aqui uma dictadura em que se envolvem actos de toda a especie, inclusive internacionaes, e n'este caso qual o homem publico que póde approvar tal proceder? Eu não.

Debateram-se o anno passado questões internas e externas, e, todavia, n'essa occasião só dois ou tres membros do parlamento se levantaram contra os actos do governo; de resto toda a camara applaudiu esse procedimento. Eu votei contra, e os factos subsequentes vieram justificar o meu voto.

Por conseguinte, parece-me que s. exa. vindo, com relação aos factos que se passam no nosso paiz, fazer referencias ao governo hespanhol, não foi muito feliz; porque o governo hespanhol está dentro da lei e o nosso está fóra d'ella; e contra um governo que está fóra da lei é de toda a justiça que se faça opposição.

S. exa. referiu-se ao partido progressista e disse que elle tinha ensarilhado armas, não vindo á camara.

Eu fui o primeiro que levantei essa questão o anno passado, e agora direi que se o partido progressista não vem á camara, não deixa por isso de fazer uma opposição de certo, mais violenta do que se cá estivesse.

(Áparte do sr. bispo-conde.)

Podia estar na camara, mas não está.

Com relação ás questões internacionaes em que s. exa. diz que o governo não tem apoio dos partidos, permitta-se-me que diga que n'este ponto fez s. exa. uma aspera censura á actual situação politica.

Quem lançou contra o governo progressista o celebre manifesto, origem das perturbações que ainda hoje duram? É conhecido de todos que foi o partido regenerador. A consequencia do manifesto foi a queda do governo e a entrada dos regeneradores.

Com esse governo caíu o sr. Barros Cromes, que s. exa. o sr. bispo-conde acaba de glorificar.

O partido regenerador, n'essa occasião, entendeu que se devia afastar do paternal conselho agora exposto pelo nobre prelado de Coimbra.

Sr. presidente, eu não podia deixar sem reparo estas considerações de s. exa., mas sobre ellas nada mais direi, pois não quero cansar a camara.

O sr. Presidente do Conselho (Hintze Ribeiro): - Sr, presidente, o digno par e meu amigo, sr. conde de Thomar, dignou-se prevenir-me de que viria fazer as considerações que a camara ouviu.

Perguntou s. exa. se é exacto que algum estrangeiro tivesse vindo a Lisboa para tratar de uma transacção com o governo portuguez ácerca do caminho de ferro de Lourenço Marques, e affirmou que corria que esse estrangeiro tinha relações muito intimas com a companhia ingleza South Africa.

Sr. presidente, eu não sei se veiu a Lisboa algum subdito inglez com tenção de tratar d'esse assumpto, o que sei apenas, é que o governo, em tempo, teve propostas ácerca da exploração do caminho de ferro de Lourenço Marques e que todas repelliu.

Declaro firmemente que nenhuma negociação ha nem houve entre o governo e qualquer estrangeiro com respeito ao caminho de ferro de Lourenço Marques, em virtude da qual o estado vá alienar a exploração d'esse caminho de ferro.

É esta a resolução tomada pelo governo ha muito tempo, e de que não tenciona despartir-se, pendente, como está, a arbitragem de Berne.

Julgo ter respondido de uma maneira perfeitamente clara e terminante á pergunta que o digno par formulou e ácerca da qual s. exa. esperava, certamente, ouvir da parte do governo um juizo formal.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Conde da Azarujinha: - Sr. presidente, pedi a palavra para ter a honra de participar a v. exa. e á camara, que a deputação nomeada por v. exa. para participar a Sua Magestade a constituição d'esta camara, foi recebida pelo mesmo augusto senhor, com a sua costumada benevolencia, no dia e hora para esse fim designada.

A camara ficou inteirada.

O sr. Arcebispo Bispo do Algarve: - Pedi a palavra, sr. presidente, para fazer uma declaração igual á que fez ha pouco tempo o nobre bispo de Coimbra, meu muito distincto collega, de que se tivesse assistido á sessão que por proposta de v. exa. se exarou na acta um voto de profundo sentimento pelo fallecimento dos dignos pares, conde do Casal Ribeiro e conde de Castro, eu ter-me-ía associado a esse justo preito de homenagem á memoria de tão illustres extinctos.

D'elles tive testemunhos de benevolencia e estima, com especialidade do sr. conde do Casal Ribeiro, que foi não só um dos membros mais salientes do parlamento, mas tambem um dos mais prestantes benemeritos cidadãos d'este paiz, pelos relevantes serviços que prestou, não só nos conselhos da corôa, como na carreira diplomatica.

Associo-me, pois, sr. presidente, ás palavras de sentida mágua aqui proferidas em homenagem aos illustres extinctos.

Era simplesmente para fazer esta declaração que tinha pedido a palavra.

(O digno par não reviu.)

O sr. Conde de Lagoaça: - Sr. presidente, começarei, por conselho de um nosso illustre collega, que se senta aqui ao meu lado, por dar as boas festas ao governo, desejando-lhe muito boas entradas de anno, melhores que as saídas do anno preterito.

Sr. presidente, quando estava ouvindo fallar os meus illustres amigos, o sr. bispo-conde de Coimbra, o sr. D. Luiz da Camara e depois o sr. presidente do conselho, uma cousa pensava eu, e era que tudo se poderá dizer do actual governo, ainda que lhe não seja agradavel, porque o fazer-lhe opposição até faz gosto.

O meu illustre amigo o sr. bispo-conde, de quem tão gratas recordações conservo desde a minha permanencia em Coimbra, fez um discurso brilhante, cheio das mais sensatas considerações.

Todo esse discurso me pareceu que assentasse no corpo do governo tão justamente, ou mais ainda, se é possivel, do que as conhecidas luvas brancas do nobre ministro das obras publicas.

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Quando o sr. presidente do conselho pediu a palavra, acercou-se-lhe o sr. Camara Leme, que nas poucas palavras que pronunciou não foi agradavel para com s. exa.

Pois no meu entender o sr. presidente do conselho foi quasi meigo na resposta que deu.

Por isso é agradavel fazer opposição ao governo, e então vamos a isso.

Sr. presidente, embora eu hoje não comece a minha batalha, porque reservo algumas considerações que tenho de fazer, para quando se discutir a resposta ao discurso da corôa, pedi a palavra para dirigir umas perguntas ao governo, das quaes a primeira é relativa a um facto a que já tive a honra de me referir no anno passado, e que representa uma grave injustiça, a qual até hoje ainda não teve reparação.

Apresentei então aqui, á consideração da camara, os documentos, bem como ao nobre ministro do reino, que sinto não ver presente.

E sinto-o, por muitos motivos, sendo um d'elles o não poder tambem dar-lhe as boas festas e congratular-me com s. exa. por ver realisada a prophecia que fiz no anno passado: de que s. exa. tinha pegado de estaca nas cadeiras do poder. Já agora, espero que o sr. ministro do reino acabe o resto dos seus dias n'essas cadeiras (indicando as dos srs. ministros).

Sinto; mas, por outro lado, é talvez melhor que s. exa. não esteja aqui, porque o seu feitio, muito inclinado ao posso, quero e mando, não lhe deixa ás vezes ver as cousas como ellas são; e, d'ahi, umas respostas tão bruscas, ou tão especiosas, que não convencem absolutamente ninguem.

Então, s. exa., irritado, dá umas respostas a que d'antes se chamava tortas, e fica assim impossibilitado de reparar uma injustiça.

Está, porém, presente o sr. presidente do conselho, mais sereno do que o sr. ministro do reino. Vamos a ver se s. exa. faz com que o seu collega pratique um acto de justiça, e me diz porque é que o sr. dr. Guilherme Alves Moreira, lente substituto da universidade de Coimbra, não foi ainda promovido a cathedratico da faculdade de direito.

No anno passado já s. exa. era o substituto mais antigo d'essa faculdade; deu-se uma vaga, e o nobre ministro do reino não o promoveu, como devia.

Interroguei aqui o nobre ministro do reino, e s. exa., irritado, disse-me que o governo era o unico juiz da opportunidade da nomeação para os logares vagos, e a prova era que tinha, havia um anno, um logar vago no supremo tribunal administrativo, e não o preenchera ainda.

Ora não ha nada mais parecido!

V. exa., sr. presidente do conselho, não era capaz de me dizer isto; e é por isso que eu digo que o nobre ministro do reino, naturalmente irritado, dá ás vezes respostas que o impossibilitam de reparar uma injustiça.

Disse-se que o dr. Guilherme Moreira, depois de ter sido nomeado professor substituto, se filiara no partido republicano. Ora eu perguntei ao sr. ministro do reino se effectivamente o sr. dr. Guilherme Moreira se filiara no partido republicano e se, abusando das suas funcções de professor, desviava do bom caminho os alumnos que lhe estavam confiados, e se pela influencia que o professor sempre tem sobre os discipulos, lhes expunha idéas subversivas e perigosas para as instituições vigentes. Se o dr. Guilherme Moreira assim procedia, entendia eu que o sr. ministro do reino deveria proceder energicamente contra elle. Apesar de eu ser amigo pessoal do sr. dr. Guilherme Moreira, entendo que o sr. ministro do reino deveria não só demittil-o, como punil-o, porque entendo tambem que o governo tem o dever de defender as instituições, como tantas vezes têem feito os governos da republica franceza.

Portanto, repito, se entendiam que o sr. dr. Guilherme Moreira era nocivo á causa publica, demitissem-n'o mas se realmente o não é, e tanto que s. exa. continua sendo lente substituto e regendo cadeira, qual a rasão por que o não promovem a lente cathedratico?

Ora, vir o sr. ministro do reino aqui dizer que não promove um lente substituto pelos mesmos motivos por que não tem preenchido outras vagas, como, por exemplo, a de um membro do supremo tribunal administrativo, não é serio, é ter pouco respeito, não direi por mim, mas por esta camara.

Rasões d'esta ordem não se dão; ou então diz-se a verdade, diz-se francamente: não nomeio porque não quero.

Ha evidentemente uma restricção de direitos para o sr. dr. Guilherme Moreira. S. exa. quando fez o concurso, foi esperançado n'umas certas garantias que sempre têem sido cumpridas. Appello para o illustre presidente do conselho, que foi um ornamento d'aquella academia, para o sr. Julio de Vilhena e para outros dos nossos collegas que porventura se doutorassem na universidade.

Pois isto nunca se fez!

Mas o facto de ser republicano não o inhibia de ser promovido, porque o sr. ministro do reino já depois nomeou para lentes substitutos dois individuos reconhecidamente republicanos, de cujos nomes não me recordo, mas que aqui os referi o anno passado, e que foram a um concurso com o sr. Montenegro. O sr. bispo conde deve necessariamente conhecei-os. São dois republicanos reconhecidos pelos seus escriptos.

Mas se o sr. dr. Guilherme Moreira continua no professorado e se a permanencia em lente substituto é simplesmente um castigo para lhe tirarem 20$000 réis por mez, acho mesquinho o castigo, porque é um facto que não diz com o caracter do sr. ministro do reino. Isto é dito com toda a sinceridade e fazendo justiça a todos.

Eu não desejo que o nobre presidente do conselho me responda, apenas lhe peço o favor de communicar ao seu collega do reino estas minhas observações, porque s. exa. sabe que eu tenho rasão.

É inutil estar a discutir com o sr. presidente do conselho este assumpto. O que eu desejo é que se faça justiça a quem a tem; que não se conserve este estado de cousas.

Com respeito ao sr. ministro das obras publicas desejava saber qual a rasão porque as associações dissolvidas continuam funccionando e até mantendo correspondencia com o governo, intervindo nos negocios publicos. É um facto extraordinario. Desejava que o sr. ministro das obras publicas viesse a esta camara para conversar com s. exa. sobre o assumpto.

Tambem li n'um jornal que tinha morrido em Buenos Ayres o sr. Sousa Lobo, que sempre honrara o nome portuguez, tendo o seu enterro sido feito á custa do governo d'aquelle paiz, por isso que o sr. Sousa Lobo morrera na miseria e na pobreza. Eu não sei se este facto é verdadeiro. Evidentemente não é corrente, comquanto não queira tambem dizer que não seja correcto.

Não peço ao sr. presidente do conselho que me responda; digo apenas o que me consta a tal respeito. É um simples aviso que dou ao governo.

Tenho dito.

(O digno par não reviu.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Sr. presidente, o digno par e meu amigo, sr. conde de Lagoaça, renovou a iniciativa de varias perguntas que tinha formulado na sessão legislativa anterior, e ás quaes, creio eu, alguns collegas meus tinham já dado as respostas correspondentes. Desde, porem, que s. exa. renova essa iniciativa, que não é propriamente de qualquer projecto de lei, mas que, emfim, significa o desejo que s. exa. tem de se illustrar sobre o modo por que caminham os negocios publicos, eu avisarei os meus collegas e elles se apressarão a satisfazer o desejo do digno par. Por agora, quero apenas referir-me a um facto que por

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ultimo o digno par mencionou, isto é, ao funeral de um antigo representante de Portugal em Buenos Ayres, o sr. Sousa Lobo.

Devo dizer á camara que não me consta que o funeral do sr. Sousa Lobo tivesse sido feito pelo governo argentino. Consta-me apenas que eram apoucadas as suas posses, corno, aliás, acontece a muitos funccionarios publico no nosso paiz; mas absolutamente mais nada.

Se outra cousa constasse ao governo, de certo elle pró curaria honrar o seu paiz, em qualquer parte onde isso fosse necessario.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - Tem a palavra o digno par sr. conde de Thomar.

O sr. Conde de Thomar: - Sr. presidente, pedi; palavra para agradecer ao sr. presidente do conselho a claras e categoricas explicações que s. exa. deu, com relação á pergunta que tive a honra de dirigir a s. exa.

Uma vez, porém, que estou com a palavra, aproveito a occasião para chamar a attenção do governo para um assumpto, do qual, aliás, já tencionava tratar.

Todos têem conhecimento da explosão que se deu ultimamente na companhia do gaz, á Boa Vista; mas o que a maior parte da gente desconhece são as causas que deram logar a essa explosão, e a grande responsabilidade que n'esta questão têem os engenheiros e a direcção da companhia.

Posso garantir a v. exa., sr. presidente, e á camara que no tempo da antiga companhia lisbonense de illuminação a gaz já se sabia quanto era perigosa aquella cisterna, e subsequentemente quando se fundiram as duas companhias, o sr. Curvillier, então engenheiro em chefe mais de uma vez foi advertido pelo engenheiro que tiniu a seu cargo a exploração d'aquella fabrica, dos perigos que corria a cidade de Lisboa.

Esse perigo verificou-se com a explosão que se deu agora, e que tinha sido, por assim dizer, prevenido pela intelligencia e cuidado d'aquelle engenheiro. Mais de um vez elle desceu aquella chamada cisterna, por suspeitar que havia fugas de gaz, e que essas fugas poderiam um dia occasionar uma explosão que pozesse em risco, não só a vida de muitos operarios, mas o bairro da Boa Vista e uma parte da cidade de Lisboa.

Aquella cisterna era um antigo gazometro, que foi convertido em deposito de aguas ammoniacaes.

Ora, parece impossivel que se diga uma barbaridade como esta de allegar que um carvão incandescente caíndo n'aquelle deposito tenha provocado a explosão. Todos sabem que nem as aguas ammoniacaes, nem o alcatrão produzem explosão, se no deposito onde ellas estão cáe um carvão incandescente.

Para que se de explosão é preciso haver chamma e uma quantidade de gaz combinada com uma quantidade de ar. Portanto, o facto de ter passado junto da cisterna um carro carregado de carvão, que tinha saído das retortas e que estava ainda em chamma, nunca teria produzido a explosão, se n'essa cisterna não houvesse accumulação de gaz.

Quando, como já disse, á frente da direcção dos trabalhos estava aquelle engenheiro, que está hoje dirigindo uma fabrica em Loanda, muitas vezes lhe ouvi dizer os perigos que havia na conservação d'essa cisterna, em consequencia das fugas de gaz, que se accumulava no deposito; e é por essa accumulação de gaz que passando junto da cisterna um carro com carvão, ainda com chamma, se produziu a citada explosão.

O que é facto é que a explosão deu-se. Houve victimas, e mais poderia ter havido se o gazometro, que está ao lado da cisterna, e que tem uma capacidade de 30:000 metros cubicos, se bem me recordo, tivesse feito explosão. N'esse caso, uma parte da cidade seria a esta hora um monte de ruinas e haveria a deplorar milhares de victimas.

Portanto, eu peço ao governo que preste toda a attenção a este assumpto.

Consta-me que a camara municipal já resolveu syndicar da causa que deu origem a essa explosão.

Ora, o que nós já podemos assegurar antes mesmo de conhecer o resultado do exame aos destroços da explosão, é que a explosão foi devida á inflammação de gaz e nunca ás taes aguas ammoniacaes, como alguns jornaes, de certo mal informados, repetiram.

Está presente um cavalheiro que póde confirmar o que deixo dito.

Dentro da cisterna havia gaz accumulado. Como é que foi lá ter? Evidentemente em consequencia de fugas da canalisação interior da fabrica.

Tendo um engenheiro da companhia dado conhecimento de que existia esse perigo, não se tomaram em tempo as devidas providencias.

Em maio do anno passado houve a primeira explosão, que foi pequena, porque tambem não era grande a quantidade de gaz existente na cisterna. Que providencias se adoptaram então? Nenhumas, absolutamente nenhumas.

Eu bem sei que este negocio pertence á competencia do sr. ministro do reino, que não está presente, mas seria para desejar que s. exa. desenvolvesse toda a sua febril actividade n'estes casos e assim teria evitado esta segunda explosão, que custou a vida de tres operarios e teve outras consequencias que não produziu a grande bomba do anno passado, a qual bomba fez apresentar acto continuo o celebre projecto contra os anarchistas. Essa bomba póde dizer-se que foi de papel, comparada com os destroços que a explosão produziu em vidas e em materiaes.

Disse-se então que Lisboa estava sobre um vulcão, só porque uma bomba tinha feito explosão n'uma escada.

Contra uma explosão mal prevenida, que podia destruir milhares de vidas e grandes valores, só passados dias a camara municipal resolve nomear uma commissão para conhecer das causas do desastre. A policia ficou impassivel e o sr. ministro do reino aguarda provavelmente o relatorio da commissão. Como o caso não é politico, s. exa. não se incommoda.

Peço, portanto, ao sr. presidente do conselho que chame a attenção do seu collega sobre este negocio, que é da mais alta importancia.

Contra mim estou fallando, porque sou accionista da companhia do gaz; mas é melhor tomar providencias do que termos de lamentar uma grande desgraça motivada pelo desleixo dos technicos que dirigem aquella fabrica e ver metade de Lisboa em ruinas.

Este assumpto parece-me da mais alta importancia e sobre elle espero, como já disse, que o sr. presidente do conselho chame a attenção do seu collega o sr. ministro do reino para que tome as providencias que o caso exige, e não nos contentamos com um relatorio sobre as causas do sinistro, que apontei á consideração do governo.

O sr. Antonio de Serpa: - Pedi a palavra, quando o digno par o meu amigo o sr. conde de Lagoaça fallou a respeito do antigo e bem conhecido ministro plenipotenciario portuguez João de Sousa Lobo, que ultimamente falleceu em Buenos Ayres. Eu era amigo d'elle. Ha apenas alguns dias recebi um bilhete de boas festas, que elle sobrescriptára para mim pouco antes da sua morte.

Disse o sr. conde de Lagoaça que o funeral d'aquelle diplomata fôra feito pelo governo de Buenos Ayres. É menos exacta essa affirmação.

O funeral não foi realisado por ordem do governo portuguez, porque o nosso representante n'aquelle paiz tinha vindo para a Europa e ficára a substituil-o o representante de Hespanha, que entendeu que não tinha auctorisação para esse fim. Quem tomou á sua conta fazer o fu-

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18 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

neral foi a colonia portugueza em Buenos Ayres, que portanto é merecedora dos nossos elogios.

O sr. Conde de Lagoaça: - Devia ser feito pelo governo portuguez.

O Orador: - Mas foi a colonia portugueza quem o fez. Era este o facto que eu queria rectificar.

O sr. Arcebispo de Evora: - Sr. presidente pedi a palavra para significar que me associo muito cordealmente ás expressões tão sentidas e tão justas com que os meus illustres collegas os srs. bispo-conde e arcebispo bispo do Algarve lamentaram a perda de um dos mais inclitos ornamentos d'esta camara.

Não me foi possivel comparecer á ultima sessão: se estivesse presente, teria adherido á manifestação de sentimento da camara pelo passamento dos dignos pares que a morte arrebatou no intervallo dos nossos trabalhos parlamentares.

É sempre doloroso ver apagarem-se os astros que fulgem no céu do pensamento, e muito mais quando se extingue um astro de primeira grandeza.

E astro de primeira grandeza era por certo esse grande estadista, orador, escriptor e diplomata, que se chamou Casal Ribeiro.

Casal Ribeiro, ao mesmo tempo que era um dos espiritos mais cultos, era tambem um sincero e fervoroso crente. Recordo-me ainda de como a sua palavra eloquentissima apoiou as declarações feitas na sessão de 27 de novembro de 1894 pela voz auctorisada do sr. bispo-conde, em nome do episcopado d'este reino. É que Casal Ribeiro, esse espirito eminente, não subscrevia, não professava esses preconceitos, infelizmente tão generalisados, que pretendem encontrar incompatibilidades entre a sciencia e a fé, entre a civilisação e a igreja, entre a politica e a religião. Sabia como podem perfeitamente conciliar-se com as doutrinas e as praticas do catholicismo as convicções sociologicas e os ideaes politicos ainda os mais arrojados, comtanto que sejam informados pela justiça e pelo amor e dedicação ao bem publico.

Fui eu que tive então a honra de agradecer ao sr. conde do Casal Ribeiro as palavras com que s. exa. apoiou e honrou a nossa manifestação.

Foram esses os derradeiros accentos d'aquella voz prestigiosa n'esta casa do parlamento. Foi esse, para me servir de uma imagem poética já muito gasta, foi esse o seu canto do cysne. E tambem como o cysne, que em lodosas aguas não deixa polluir a plumagem de deslumbrante alvura, atravessou Casal Ribeiro os mares aparcelados da politica sem que uma nodoa sequer lhe manchasse a, nobreza do caracter. Assim o reconhecem todos que admiraram os raros predicados d'este grande homem.

Grande homem, não physicamente: pequeno e fragil era o ergastulo que envolvia uma tão grande alma.

Póde dizer-se de Casal Ribeiro o que um grande poeta disse de Napoleão:

«II est lá, sous trois pas un enfant le mesure.»

«Tres passos infantis medem-lhe o tumulo.»

Porém Casal Ribeiro, sob aquelle envolucro tão escasso, debaixo d'aquella apparencia tão franzina, encobria um espirito pujante e eminentissimo. É justo que pranteemos a sua falta, e que façamos votos para que outros estadistas o imitem, seguindo a luminosa esteira que este astro traçou no firmamento.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

ORDEM DO DIA

Eleição de commissões

O sr. Presidente: - Como não ha mais nenhum digno par inscripto, vamos passar á ordem do dia.

Vae proceder-se á eleição de dois dignos pares que conjunctamente com o presidente da camara hão de compor a commissão de resposta ao discurso da corôa.

Fez-se a chamada.

O sr. Presidente: - Convido para escrutinadores os dignos pares srs. marquez das Minas e Fernando Larcher.

Corrido o escrutinio, verificou-se terem entrado na urna 27 listas, saíndo eleitos os dignos pares:

Antonio de Serpa, com 26 votos
Cau da Costa 26 »

Inutilisou-se uma lista.

O sr. Presidente: - Agora vae proceder-se á eleição da commissão de verificação de poderes.

Fez-se a chamada.

O sr. Presidente: - Convido os dignos pares srs. marquez da Praia (Duarte) e conde de Lagoaça a virem servir de escrutinadores.

Procedendo se ao escrutinio, verificou-se terem entrado na urna 25 listas, saíndo eleitos os dignos pares:

Sá Brandão, com 25 votos
Cau da Costa 25 »
Conde de Thomar 25 »
Conde de Gouveia 25 »
Moraes Carvalho 25 »
Arthur Hintze Ribeiro 23 »
Frederico Arouca 22 »
Sequeira Pinto 22 »
Carlos Palmeirim 22 »

Obtiveram tambem votos os dignos pares:

Julio de Vilhena 3 votos
Conde de Lagoaça 3 »
Simões Margiochi 3 »
Vellez Caldeira 1 »
Fernando Larcher 1 »

O sr. Presidente: - Não ha mais nenhum assumpto de que a camara se possa occupar.

A proxima sessão será na sexta feira, 15 do corrente, e a ordem do dia a apresentação de pareceres.

Está levantada a sessão.

Eram quatro e meia horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 9 de janeiro de 1897

Exmos. srs. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa; Marquezes, das Minas, da Praia e de Monforte (Duarte); Arcebispo de Evora; Arcebispo Bispo do Algarve; Bispo Conde de Coimbra; Condes, da Azarujinha, de Carnide, de Gouveia, de Lagoaça, de Thomar; Visconde de Athouguia; Moraes Carvalho, Antonio d'Azevedo Castello Branco, Serpa Pimentel, Arthur Hintze Ribeiro, Cau da Costa, Ferreira Novaes, Palmeirim, Vellez Caldeira, Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro, Larcher, Costa e Silva, Simões Margiochi, Jeronymo Pimentel, Gomes Lages, Baptista de Andrade, José Maria dos Santos, Julio de Vilhena, Pimentel Pinto, Camara Leme.

O redactor = Alberto Pimentel.

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