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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 2

EM 12 DE ABRIL DE 1905

Presidencia do Exmo. Sr. Antonio Candido Ribeiro da Costa

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda

SUMMAEIO.- Leitura e approvação da acta -Expediente.- O Digno Par Bispo-Conde de Coimbra advoga a necessidade de melhorar as congruas parochiaes. Responde a S. Exa. o Sr. Ministro da Justiça.- Entram na sala, prestam juramento e tomam assento os Exmos. Srs. Antonio Villaça, D. Antonio de Lencastre, Augusto José da Cunha, Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Ressano Garcia, D. Jorge de Mello, Alpoim, Poças Falcão, e Fonseca Araujo.- E eleita a commissão de resposta ao Discurso da Coroa.- Os Srs. Ministros da Marinha, Obras Publicas, Justiça, Reino e Guerra enviam para as mesa propostas que teem por fim permittir que varios Dignos Pares dependentes dos mesmos Ministerios e d<_ pede='pede' legislativas.='legislativas.' perseguição='perseguição' victimas='victimas' pelo='pelo' algumas='algumas' requerimentos='requerimentos' carvalho='carvalho' lei='lei' proximo='proximo' ordem='ordem' paredes='paredes' s.='s.' pouco='pouco' dia.='dia.' como='como' baracho='baracho' querendo='querendo' ribeiro='ribeiro' ao='ao' sousa='sousa' as='as' ministro='ministro' municipal='municipal' pedindo='pedindo' domingo.='domingo.' lisboa.='lisboa.' quaesquer='quaesquer' dos='dos' eleição='eleição' logrem='logrem' seguida='seguida' encerra-se='encerra-se' documentos='documentos' providencias='providencias' campos='campos' a='a' estangeiros='estangeiros' foram='foram' governo.-='governo.-' e='e' funcções='funcções' comparecimento='comparecimento' sebastião='sebastião' o='o' p='p' digno='digno' manda='manda' possam='possam' da='da' reino.='reino.' com='com' hintze='hintze' de='de' replica='replica' comparencia='comparencia' accumular='accumular' tempo='tempo' bem='bem' do='do' negocios='negocios' estrangeiros='estrangeiros' mesmo='mesmo' conclue='conclue' aquelle='aquelle' tambem='tambem' prepotencias='prepotencias' realizar-se='realizar-se' liberdade='liberdade' sessão='sessão' ali='ali' par='par' administrador='administrador' reino='reino' vouzella.='vouzella.' em='em' immediata='immediata' praticadas='praticadas' fazenda='fazenda' sr.='sr.' _-='_-' concelho='concelho' ás='ás' na='na' imprensa.-='imprensa.-' ministro.='ministro.' designa-se='designa-se' joão='joão' que='que' no='no' evitar='evitar' henrique='henrique' arroyo='arroyo' responde='responde' trata='trata' exa.='exa.' para='para' mesa='mesa' respectiva='respectiva' jornaes='jornaes' solicitando='solicitando' dois='dois' contra='contra' deve='deve' allude='allude' refere-se='refere-se' á='á' teixeira='teixeira' apresentando='apresentando' irregularidades='irregularidades' assumpto='assumpto' moraes='moraes' esclarecimentos.-='esclarecimentos.-' exercem='exercem' considerações='considerações' ha='ha'>

Pelas 2 horas e tres quartos da tarde, verfficando-se a presença de 40 Dignos Pares, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida e seguidamente approvada a acta da sessão antecedente.

Assistiram á sessão os Srs. Ministros do Reino, Obras Publicas, Guerra, Marinha e Justiça.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Officio do Sr. Conselheiro Moraes Carvalho, presidente da Junta do Credito Publico, remettendo 200 exemplares do relatorio e contas da gerencia da anno economico de 1903-1904 e do exercicio de 1902-1903.

Mandaram-se distribuir.

Officio do Sr. Ministro da Fazenda, satisfazendo um pedido de documentos, apresentado pelo Digno Par Teixeira de Sousa.

Á secretaria.

Outro da mesma procedencia, satisfazendo um requerimento do Digno Par Sebastião Baracho.

Á secretaria.

Officio do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, accusando a recepção do officio em que lhe era participada a organisação da mesa d'esta Camara.

Para o archivo.

Officio do Sr. Ministro do Reino, remettendo 80 exemplares do orçamento das receitas e despesas do fundo da instrucção primaria, para o exercicio de 1905.

Mandaram-se distribuir.

Officio do Sr. Ministro do Reino, accusando a recepção do officio em que lhe era communicada a organisação da mesa d'esta Camara.

Para o archivo.

Officio do Sr. Ministro do Reino, respondendo a um requerimento feito pelo Digno Par Sebastião Baracho.

Á secretaria.

Outro da mesma procedencia, satisfazendo um requerimento do Digno Par Sebastião Baracho.

Á secretaria.

Outro da mesma procedencia, respondendo a um pedido do Digno Par Teixeira de Sousa.

Á secretaria.

Officio da presidencia da Camara dos Srs. Deputados, participando achar-se definitivamente constituida aquella Camara.

Para o archivo.

O Sr. Bispo Conde de Coimbra: - (O discurso de S. Exa. é publicado na integra, em appendice a esta sessão}.

O Sr. Ministro da Justiça (José de Alpoim): - Com o mais vivo agrado acaba de ouvir a palavra, sempre luminosa e eloquente, do Sr. Bispo Conde, que entre os Principes da Igreja portugueza occupa um logar proeminente, e que, sempre zeloso dos interesses da Igreja, jamais pretendeu conculcar os interesses do Estado.

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ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O illustre Bispo Conde, defendendo com toda a energia a causa da Igreja e do clero parochial, evocava a memoria do fallecido Digno Par do Reino. D. Luiz da Camara Leme, cuja figura a todos se impunha, e a elle, orador, tambem, pela inabalavel coragem e pertinacia com que n'aquella Camara defendeu sempre os seus projectos de responsabilidade ministerial e incompatibilidades politizas, mesmo quando n'aquelle corpo franzino e debilitado pelos annos parece que não devia abrigar-se uma alma tão cheia de tenacidade e persistencia.

Não ha senão motivo para todos se congratularem pela energia e sinceridade, com que S. Exa. se dirigiu ao Governo e pela maneira com que insistiu na necessidade de resolver o problema das congruas parochiaes.

A questão tratada pelo Digno Par o Sr. Bispo Conde é, por todos os titulos, sympathica e merecedora de attenção dos poderes publicos.

O Governo reconhece a justiça da causa defendida por S. Exa. e ninguem poderá negar como é parca a remuneração que acompanha esses modestos servidores do Estado. O orador conhece por seus proprios olhos as difficeis condições de existencia, em que se encontram os parochos das freguesias ruraes, para cumprirem os deveres inherentes a uma vida tão laboriosa.

Tomava a peito essa obra e já em outra occasião tinha dito, em resposta ao Digno Par, o Sr. Bispo Conde, que pugnaria dedicadamente pelos interesses da classe parochial e hoje aproveitava a occasião para repetir que estava nas mesmas intenções. O illustre prelado não fez perguntas ao Governo e por isso nenhumas respostas podia o orador formular, mus notou S. Exa. que no discurso da Coroa providencia alguma a respeito da classe parochial se annunciava. Fôra um dever de lealdade que aconselhara ao Governo esse silencio.

O orador não tinha a certeza absoluta de poder apresentar, ainda na presente sessão, uma medida que attendesse ás reclamações do clero parochial, tão eloquentemente expostas e defendidas pela palavra sincera do Digno Par.

É certo que os trabalhos preparatorios para essa medida estão em elabo ração, mas não pode o orador tomar o compromisso de levar por deante a sua obra e concluir os seus trabalhos, a tempo de apresentar, durante a sessão d'este anno, a medida destinada a attender os interesses de uma classe, que aliás tantos serviços presta ao Estado.

Dada esta explicação, resta-lhe apenas agradecer a S. Exa. o Sr. Bispo Conde os affectos com que o distinguiu e aos quaes aliás S. Exa. ha muito tempo o habituara.

(S. Exa. A não reviu).

O Sr. Presidente: - Tendo decorrido, sem reclamação, o praso estabelecido na lei de 3 de abril de 1896, vão ser introduzidos na sala, a fim de prestarem juramento e tomarem assento na Camara alguns Dignos Pares, que se acham nos corredores e foram ultimamente nomeados.

Seguidamente foram introduzidos na sala,, prestaram juramento e tomaram assento os seguintes Dignos Pares, acompanhados dos introductores que respectivamente vão designados:

Antonio Eduardo Villaça, introduzido pelos Dignos Pares Telles de Vasconcellos e Conde de Sibugosa.

D. Antonio Maria de Lencastre, pelos Dignos Pares Conde de Sabugosa e Marquez de Pombal.

Augusto José da Cunha, pelos Dignos Pares Pereira de Miranda e Telles de Vasconcellos.

Francisco Felisberto Dias Costa, pelos Dignos Pares Conde de Castello de Paiva e Franzini.

Francisco José Machado, pelos Dignos Pares Marquez de Lavradio e José Vaz Seabra de Lacerda.

Francisco José de Medeiros, pelos Dignos Pares Conde de Castello de Paiva e Franzini.

Frederico Ressano Garcia, pelos Dignos Pares Eduardo José Coelho e D. João de Alarcão.

Jorge José de Mello, pelos Dignos Pares Conde de Sabugosa e D. João de Alarcão.

José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, pelos Dignos Pares Eduardo José Coelho e Pereira de Miranda.

Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, pelos Dignos Pares Laranjo e Castro Mattozo.

Pedro Maria da Fonseca Araujo, pelos Dignos Pares Wenceslau de Lima e Gusmão.

O Sr. Presidente: - Vae proceder-se á eleição da commissão de resposta ao Discurso da Coroa.

Peita a chamada, corrido o escrutinio, e tendo servido de escrutinadores os Dignos Pares Marquez de Lavradio e Vasconcellos Gusmão, verificou-se terem entrado na uma 53 listas, das quaes uma branca, sendo eleitos os Dignos Pares Ernesto Hintze Ribeiro por 52 votos, e Augusto José da Cunha por 62 votos.

O Sr. Ministro da Marinha: - Manda para a mesa a seguinte proposta:

Senhores.- Em conformidade do disposto no artigo 3.° do Primeiro Acto Ad-dicional á Carta Constitucional da Monarchia, o Governo pede á Camara dos Dignos Pares do Reino permissão para que possam accumular, querendo, o exercicio das suas funcções legislativas com as dos seus empregos ou commissões dependentes d'este Ministerio os Dignos Pares:

D. Antonio Maria de Lencastre.

Antonio de Sousa e Silva Costa Lobo.

Bispo de Bethsaida.

Bispo do Porto.

Conde de Obidos.

Francisco Felisberto Dias Costa.

Francisco Joaquim Ferreira do Amaral.

Francisco Maria da Cunha.

José Alves Pimenta de Avellar Machado.

José Frederico Laranjo.

José Vicente Barbosa du Bocage.

Manoel Raphael Gorjão.

Marquez de Fontes Pereira de Mello.

Marquez do Lavradio.

Visconde de Soares Franco.

Secretaria de Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, em 12 de abril de 1900. = Manoel Antonio Moreira Junior.

Lida na mesa, foi approvada.

O Sr. Ministro das Obras Publicas:- Declara que se considera habilitado a responder á interpellação que lhe foi annunciada pelo Digno Par Teixeira de Sousa.

Manda tambem para a mesa a seguinte proposta:

Senhores.- Em conformidade com o disposto no artigo 3.º do Acto Addicional á Carta Constitucional da Monarchia, o Governo de Sua Majestade pede á Camara permissão para que possam accumular, querendo, as funcções legislativas com as dos empregos ou commissões dependentes do Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria os Dignos Pares:

Marquez de Avila e de Bolama.

Conde de Bertiandos.

Conde de Sabugosa.

Conde de Samodães.

Anselmo Braamcamp Freire.

Fernando Larcher.

Fernando Mattozo Santos.

D. João de Alarcão Velasques Sarmento Osorio.

José Alves Pimenta de Avellar Machado.

José Maria dos Santos.

Luiz Antonio Rebello da Silva.

Pedro Victor da Costa Sequeira.

Wenceslau de Sousa Pereira Lima.

Augusto José da Cunha.

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SESSÃO N.° 2 DE 12 DE ABRIL DE 1905 13

Francisco Felisberto Dias Costa. Frederico Ressano Garcia. Jorge José de Mello. Pedro Maria da Fonseca Araujo.

Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, em 12 de abril de 1905. = Eduardo José Coelho.

Lida na mesa, foi approvada.

O Sr. Ministro da Justiça: - Manda para a mesa a seguinte proposta:

Senhores.- Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do Primeiro Acto Addicional á Carta Constitucional da Monarchia, pede o Governo á Camara dos Dignos Pares do Reino a necessaria permissão para que possam accumular, querendo, as funcções legislativas com as dos seus logares, dependentes do Ministerio dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça, os Dignos Pares do Reino:

Antonio de Azevedo Castello Branco.

Antonio Candido Ribeiro da Costa.

Antonio Emilio Correia de Sá Brandão.

Antonio Ribeiro dos Santos Viegas

Arthur Alberto de Campos Henriques.

Bispo de Bethsaida.

Carlos Augusto Vellez Caldeira Castello Branco.

Eduardo de Serpa Pimentel.

Francisco de Castro Mattoso da Silva Côrte Real.

Francisco José de Medeiros.

João de Alarcão Vellasques Sarmento Osorio (D.).

Luiz Fisher Berquó Poças Falcão.

Secretaria de Estado dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça, 12 de abril de 1905. = José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral.

Lida na mesa, foi approvada.

O Sr. Ministro do Reino: - Pela pasta que tem a honra de gerir, e em nome do Sr. Ministro da Fazenda, manda para a mesa as seguintes propostas :

Senhores.-Em conformidade com o disposto no artigo 3.º do Primeiro Acto Addicional á Carta Constitucional da Monarchia, o Governo de Sua Majestade pede á Camara dos Dignos Pares do Reino permissão para que possam accumular, querendo, as funcções legislativas com as dos empregos dependentes do Ministerio do Reino, que exercem em Lisboa, os Dignos Pares:

Conselheiro Augusto Cesar Cau da Costa, residente do Supremo Tribunal Administrativo.

Conselheiros Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro, Julio Marques de Vilhena e Antonio Telles - Pereira de Vasconcellos Pimentel, vogaes effectivos do mesmo tribunal.

D. João de Alarcão Velasques Sarmento Osorio, governador civil do districto de Lisboa, vogal do Conselho Superior de Beneficencia, e vogal extraordinario do Supremo Tribunal Administrativo.

Conselheiro José Vicente Barbosa du Bocage, vogal do Conselho Superior de Instrucção Publica.

Conselheiro Fernando Mattozo Santos, lente da Escola Polytechnica.

Joaquim de Vasconcellos Gusmão, lente da Escola Polytechnica.

Visconde de Athouguia, inspector da Academia de Bellas-Artes.

Conde de Bertiandos, vogal do Conselho Superior de Beneficencia.

Marquez de Ávila e Bolama.

Secretaria de Estado dos Negocios do Reino, em 12 de abril de 1905.= Antonio Augusto Pereira de Miranda.

Senhores. - Na conformidade do artigo 3.º do Primeiro Acto Addicional á Carta Constitucional da Monarchia, o Governo de Sua Majestade pede á Camara dos Dignos Pares do Reino permissão para que o Digno Par do Reino Conselheiro Augusto José da Cunha possa accumular, querendo, as funcções legislativas com as do seu emprego de lente da Escola Polytechnica.

Secretaria de Estado dos Negocios do Reino, em 12 de abril de 1905.= Antonio Augusto Pereira de Miranda.

Senhores.- O Governo de Sua Majestade pede á Camara dos Dignos Pares do Reino a auctorização necessaria para que o Digno Par Dr. José Joaquim Fernandes Vaz continue, querendo, na regencia da sua cadeira de direito commercial na faculdade de direito da Universidade de Coimbra, em vista das necessidades do ensino.

Secretaria de Estado dos Negocios do Reino, 5 º de abril de 1905.= Antonio Augusto Pereira de Miranda.

Senhores.- Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do Primeiro Acto Addicional á Carta Constitucional da Monarchia, o Governo pede á Camara permissão para que possam accumular, querendo, o exercicio das funcções legislativas com as dos seus empregos ou commissões os Dignos Pares:

Alberto Antonio de Moraes Carvalho, Conselheiro Presidente da Junta do Credito Publico;

Antonio Telles Pereira de Vasconcellos, Conselheiro Presidente da commissão revisora de contas entre o Estado e as companhias por elle subsidiadas ;

Arthur Hintze Ribeiro, vogal effectivo do Tribunal de Contas;

Augusto José da Cunha, director da Casa da Moeda, vice-governador ao Banco de Portugal;

Fernando Mattozo Santos, Conselheiro inspector geral do serviço technico aduaneiro e presidente do Conselho Superior do Cadastro Predial;

Frederico Ressano Garcia, presidente da commissão encarregada do projecto de um novo regulamento geral da contabilidade publica;

Jacinto Candido da Silva, Conselheiro vogal effectivo do Tribunal de Contas;

João Marcellino Arroyo, conselheiro vogal effectivo do Tribunal de Contas;

José Alves Pimenta de Avellar Machado, vogal substituto da Junta do Credito Publico;

José Augusto Correia de Barros, Conselheiro inspector da cultura do tabaco no Porto;

José da Silveira Vianna, Conselheiro vogal da Junta do Credito Publico;

Julio Marques 'de Vilhena, Conselheiro governador do Banco de Portugal;

Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, presidente da commissão incumbida do apuramento das contas entre o Estado e a Companhia dos Tabacos;

Visconde de Assêca, commissario regio dos tabacos no circulo do sul;

Visconde de Athouguia, recebedor do 3.° bairro de Lisboa;

Ministerio dos Negocios da Fazenda, em 12 de abril de 1905. = Manoel Affonso de Espergueira.

Lidas na mesa, foram approvadas,

O Sr. Ministro da Guerra: - Manda para a mesa a seguinte proposta:

Senhores. - Em conformidade com disposto no artigo 3.º do Primeiro Acto Addicional á Carta Constitucional da Monarchia, o Governo pede á Camara dos Dignos Pares do Reino, permissão para que os seus membros abaixo mencionados accumulem, querendo, o exercicio das funcções legislativas com as das suas commissões:

Conde de Arnoso, tenente coronel de engenharia, vogal da commissão para a escolha de typos de quarteis.

Conde do Bomfim, general de brigada, director geral dos serviços de cavallaria.

Conde de Tarouca, major de cavallaria, vogal da commissão para a escolha de typos de quarteis.

Fernando Larcher, capitão de cavallaria, em serviço na bibliotheca do Ministerio da Guerra.

Francisco José Machado, tenente coronel do estado maior de artilharia, vogal da commissão de explosivos.

Francisco Felisberto Dias Costa, tenente coronel do estado maior de

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14 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

engenharia, lente da Escola do Exercito.

Francisco Maria da Cunha, general de divisão do quadro da reserva, presidente da commissão superior de guerra.

Frederico Ressano Garcia, lente da Escola do Exercito.

Henrique Baptista de Andrade, coronel de infantaria, vogal da commissão de aperfeiçoamento da arma de infantaria.

José Alves Pimenta de Avellar Machado, general de brigada, vogal do Supremo Conselho de Justiça Militar.

José Estevam de Moraes Sarmento, general de brigada, na inspecção dos estabelecimentos militares.

Luiz Augusto Pimentel Pinto, general de brigada, vogal da commissão superior de guerra.

Manoel Raphael Gorjão, general de brigada, vogal do conselho superior de promoções.

Marino João Franzini, general de brigada do quadro da reserva, vogal da commissão superior de guerra.

Marquez de Fontes Pereira de Mello, tenente coronel de engenharia, sub inspector de engenharia no campo entrincheirado de Lisboa.

Sebastião de Sousa Dantas Baracho, general de brigada, vogal do Supremo Conselho de Justiça Militar

Theotonio Octavio de Ornellas Bruges, capitão de infantaria n.º 25.

Secretaria de Estado dos Negocios da Guerra, em 12 de abril de 1905.= Sebastião Custodio fie Sousa Telles.

Lida na mesa, foi approvada.

O Sr. Dantas Baracho: - Antes de se occupar do assumpto para que na sessão passada tinha pedido a presença do Sr. Presidente do Conselho e do Sr. Ministro do Reino, vae mandar para a mesa dois requerimentos: um pelo Ministerio da Marinha e outro pelo Ministerio da Fazenda.

(Leu).

Com respeito a este ultimo requerimento, tinha a ponderar á Camara que lerá ha poucos dias uma nota officiosa publicada n'um jornal de grande circulação era Lisboa, o Diaria de Noticias, dizendo que estava retardada a apresentação do contrato dos tabacos ao Parlamento, em virtude do Sr. Ministro da Fazenda estar colligindo documentos e elaborando o seu relatorio. isto, diz o mesmo jornal, a fim de evitar "a remessa a qualquer dos membros dos corpos co-legisladores de esclarecimentos que alguns d'elles isoladamente requeiram, como por exemplo na Camara dos Pares já foram requeridos pelos Srs. D. Luiz de Sousa Holstein e Dantas Baracho".

Tendo sido o contrato assignado no dia 4, e estando nós hoje a 12, parece-lhe ter havido tempo bastante para fazer o, relatorio e colligir documentos. 1 Mas, sobretudo, o que era inadmissivel, é que na nota officiosa se mandasse dizer quaes os documentos com que S. Exa. quer instruir o seu relatorio, julgando-se por esse facto habilitado a negar quaesquer outros que lhe sejam pedidos.

Contra isto protesta, elle, orador : não quer tutelas, não as acceita. E o unico arbitro para julgar dos documentos que lhe são necessarios e ha de protestar e chamar á auctoria o Sr. Ministro da Fazenda se S. Exa. não lhe enviar os documentos que pediu para tratar da questão dos tabacos.

Não vem hoje chamar a attenção de S. Exa. para este ponto, nem pedir-lhe contas sobre o retardamento da publicação d'esse contrato, porque tem de tratar de outro assumpto para o que pediu a presença de dois dos Srs. Ministros n'esta Camara; mas é lhe licito consignar este retardamenta da publicação do contrato dos tabacos, que fui fechado no dia 4 do corrente, retardamento que não recommenda a doutrina d'esse documento, e que revela não ser elle de molde a salvaguardar os interesses do paiz.

O que esse contracto é para os operarios manipuladores do tabaco, já nós sabemos. Os operarios ainda hontem se reuniram em comicio e resolveram protestar contra as illegalidades que resultam do contracto, em que o capital é largamente beneficiado em prejuizo do trabalho. Não reclama agora a presença do Sr. Ministro da Fazenda para tratar d'este ponto, mas lavra n'este mo mento o seu protesto contra o facto inadmissivel de não se apresentar ao Parlamento um diploma de tanta gravidade, sobretudo quando este retardamento vem de um Ministerio progressista. Ainda não ha muito, por occasião de se negociar um outro contracto, o titular da pasta da Fazenda de então apresentava urnas linhas geraes, que permittiam fazer-se ideia do que era esse documento; mas o partido progressista reclamava a sua publicação na integra no Diario do Governo, não se contentando com essas simples indicações.

Estes são os factos; e elle, orador, que está fora dos partidos, que se mantem isolado, pode falar por esta forma, sem receio, protestando energicamente contra este retardamento, e contra estes processos de administração, porque só se occulta aquillo que não pode ser conhecido.

Posto isto, deve dizer que precisa da presença do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, na primeira sessão, a fim de se dirigir a S. Exa. acêrca da fal-lada venda da ilha do Canto, no archipelago dos Açores; acêrca dos portuguezes que se encontram deportados no Acre, por virtude da revolução do Rio ele Janeiro, e ainda a respeito das notas que elle, orador, pediu por aquelle Ministerio, para tratar da questão dos tabacos.

Pede pois ao Sr. Presidente da Camara que tenha a bondade de informar o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros dos assumptos que deseja ventilar com S. Exa. na proximo sessão.

Pede agora um esclarecimento.

Na sessão anterior reclamou a presença do Sr. Presidente do Conselho e do Sr. Ministro do Reino a fim de tratar hoje da perseguição exercida ultimamente contra a imprensa. Desejava que o Sr. Presidente tivesse a amabilidade de lhe dizer se alguma communicação foi feita ao Sr. Conselheiro José Luciano de Castro, e, no caso affirmativo, qual a resposta de S. Exa.

Faz esta pergunta, porque não vê presente o chefe do Governo.

O Sr. Presidente: - Cumpre-lhe dizer que se fez, pela secretaria da Camara, a precisa communicação, conforme o desejo do Digno Par, e que, alem d'isso, veibalmente expoz ao chefe do Governo o pedido do Digno Par, tendo-lhe dito o Sr. Conselheiro José Luciano que protestava ao Digno Par Sebastião Baracho toda a consideração, e mais o incumbia de dizer que o seu estado de, saude não lhe permittiria, talvez, assistir á sessão de hoje, masque, em todo o caso, o Sr. Ministro do Reino podia dar todas as explicações que o Digno Par pedisse.

O Sr. Sebastião Baracho: - Agradece ao Sr. Presidente as explicações que acaba de ouvir; mas deve, porem, dizer, que estas explicações o não satisfizeram.

Respeita muito a falta de saude de que vem soffrendo o Sr. Presidente do Conselho; mas sejam quaes forem as circumstancias que impedem o comparecimento de S. Exa. no Parlamento, não tem justificação nem defesa uma tal ausencia, pois não ha paiz algum do mundo onde um chefe de Governo, com responsabilidades tão directas nos negocios do Estado como o Sr. Conselheiro Luciano de Castro, se possa fazer substituir, principalmente quando, como agora, tem havido ataques directos á constituição do Estado.

N'estas condições, um Presidente de Conselho não pode fazer-se representar seja por quem for.

Trata-se n'este momento de um assumpto da maior gravidade, de gravidade maxima, pois foi, pode dizer-se, calcada a pés a constituição do paiz.

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N'um assumpto de tio grande importancia só o Sr. Presidente do Conselho póde dar contas das suas responsabilidades.

Nunca julgou que a causa do impedimento do Sr. Presidente do Conselho se prolongasse por tanto tempo, pois não era crivei esperar que um Governo, que tem praticado actos da mais accentuada responsabilidade, se apresentasse ao Parlamento sem o seu chefe. É verdadeiramente para lastimar que o estado de saude do Sr. Luciano de Castro - estado de saude que todos nós deploramos-afaste S. Exa. do cumprimento dos seus deveres mais imperiosos, não vindo ao Parlamento, como era licito esperar, dar conta dos actos em que tem especial interferencia, como chefe do Governo.

Quando o actual Ministerio se apresentou ao Parlamento elle, orador, sentindo a falta de saude do Sr. Luciano de Castro, disse o seguinte:

. . . mas ê certo que S. Exa., assumindo o encargo da Presidencia do Conselho, deve ter experimentado sensiveis melhoras, com o que elle,, orador, muito folga.

Nunca suppoz que a doença de S. Exa. se demorasse tanto tempo. Não previu - nem era facil prever - a possibilidade de um Presidente de Conselho estar a dirigir uma situação politica sem ter, ou sem poder assumir as responsabilidades immediatas, que não póde declinar em ninguem, perante o Parlamento.

O que acaba de expor é, sem contestação, mais uma prova, ou mais uma affirmação do lamentavel estado em' que se acha a politica no nosso paiz e do absolutismo bastardo que tão bem se tem patenteado e manifestado, quer na representação dos municipios, quer na falsificação do acto eleitoral, chegando até ao mais claro e aberto desprezo pela Carta Constitucional.

Já em campo mais restricto se furtou o Governo por vezes á fiscalização parlamentar, não fornecendo os documentos que lhe são pedidos; manifesta-se agora novamente pela maneira como procede o Sr. Presidente do Conselho, não podendo vir ao Parlamento dar conta dos seus actos.

Em que paiz se poderá apresentar um precedente d'estes?

Elle, orador, não conhece. É um facto sem precedentes, mesmo nas nações de menos categoria, sob o ponto de vista parlamentar.

E muito para lamentar e para sentir o estado em que se encontra o Sr. Presidente de Conselho; mas elle, orador, pela sua parte, fazendo votos pelo completo restabelecimento de S. Exa., tem de assignalar o seu protesto contra este estado anormal em que nos encontramos, e que vem affirmar o estado de absolutismo a que estamos sujeitos"

Elle, orador, vae ler o artigo 72.º da Carta Constitucional que diz o seguinte :

(Leu).

"A pessoa do liei é inviolavel e sagrada, Elle, não está sujeito a responsabilidade alguma".

A par d'isto o artigo 6,º do 3.º Acto Addicional, de 3 de abril de 1896, diz o seguinte:

(Leu).

"O Rei exerce o poder moderador com a responsabilidade dos seus Ministros"..

Esta é a doutrina que está consignada no Acto Addicional de 1885, e que quer dizer que todos os actos do poder moderador e da Coroa estão sujeitos á discussão e apreciação parlamentar. Agora apparece unica e exclusivamente uma entidade, no meio d'este mechanismo constitucional, que é o Presidente do Conselho, com responsabilidades effectivas, e d'ellas não vem prestar contas ao Parlamento, quando lhe são pedidas.

Já viu a Camara actos de mais assignalada decadencia politica? Já se viu uma manifestação mais retinta de absolutismo bastardo?

A Camara responderá.

Posto isto, vae entrar no assumpto para que pediu a comparencia do Sr. Presidente do Conselho.

Na ultima sessão, elle, orador, expoz os motivos que o levavam a pedir a presença do Sr. Presidente do Conselho, e vae recordar o que então disse.

Pediu a comparencia do Sr. Presi dente do Conselho e do Sr. Ministro do Reino, por causa da situação em que vive a imprensa.

Quando se procedeu ao apuramento da eleição de Lisboa, dois jornaes republicanos, a Vanguarda e o Mundo, convidaram os eleitores da capital a assistirem ao acto de apuramento na mais completa ordem.

O resultado d'este convite, perfeitamente legitimo, que não pode ser vedado a nenhum cidadão, sobretudo á imprensa, foi o Juiz de Instrucção Criminal por intermedio dos seus agentes, dirigir-se aos dois jornaes e fazer-lhes saber que, se no dia do apuramento eleitoral se desse alguma desordem, seriam os dois jornaes immediatamente chamados ao Juizo de Instrucção Criminal, a que elle, orador, tem chamado e continua a chamar a Bastilha da Calçada da Estrella.

Pergunta á Camara onde é que se praticou por parte da auctoridade abuso mais radical.

Em que lei, em que principio, em que uso, em que pratica, mesmo na Hottentotia, assentam attentados d'esta ordem?

Era esta a primeira parte da sua interpellação e por ella pede contas agora ao Sr. Ministro do Reino, que tem tambem no facto responsabilidades accentuadas e profundas.

Lamenta que seja S. Exa., que sempre apparentou de liberal, e de cultor dos bons principios constitucionaes, quem se abalançasse a attentados semelhantes.

Pede á Camara que lhe diga se actos d'estes teem qualquer desculpa ou atte-nuante.

Um jornal que viu recentemente a luz da publicidade foi tambem victima de perseguições, isto quando em toda a parte se advoga a max ma publicidade com a maxima responsabilidade.

Não ha exemplo de um caso d'estes, o que prova que temos retrogradado até á situação de um absolutismo claro e sem sophismas.

Para outro facto chamou a attenção do Governo na sessão passada; e vem a ser o que se passou com a imprensa durante a estada, ha pouco, em Lisboa, do Imperador da Allemanha, Guilherme II, - soberano que merece o respeito universal, pelo muito que se dedica á prosperidade do seu paiz, e pelas suas qualidades pessoaes.

Este Augusto Chefe de Estado mereceu o mais descaroavel conceito ao Sr. Ministro do Reino e ao Sr. Presidente do Conselho. Parecia que as qualidades que o exornam não são realmente aquellas a que acabava de se referir; porque, para evitar qualquer desrespeito para com elle, não bastaram as leis do paiz, sendo preciso recorrer a processos extraordinarios, como o de affrontar a Constituição do paiz.

Se aquelle nosso hospede d'aqui saiu com algum resentimento, esse só pode incidir sobre o Governo, que o collccou n'uroa situação excepcional.

Se alguem, na imprensa portugueza, não acolhesse condignamente esse augusto visitante, elle, orador, seria o primeiro a pedir que se applicasse o rigor da lei a quem se tornasse digno de punição; mas a imprensa procedeu de forma a não haver motivo algum que auctorisasse tal procedimento, e menos ainda a que se saisse para fora da Constituição e da lei, lei que é da responsabilidade do partido progressista, de 7 de julho de 1898.

A perseguição iniciou-se contra deis jornaes: a Vanguarda e o Mundo. Á.
Vanguarda foi advertida de que seria sujeita á censura previa, se continuasse
a publicar artigos, como o do dia 24.

Vae ler á Camara o artigo do dia 24 para se ver o cuidado com que o Go-

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verno quiz evitar, ao nosso hospede, qualquer desgosto por parte da imprensa.

O jornal é o Temps que, como se sabe, é um jornal que corre todas as chancellarias e que sabe distinguir o amigo do inimigo, mas que trata a todos com cortezia, senão com lealdade.

O artigo é o seguinte:

"Manifesta-se na Australia uma recrudescencia de mau humor e de anciedade, provocada pelo annuncio de negociações entre Portugal e Allemanha relativas á possivel acquisição, por esta ultima potencia, da parte da ilha de Timor pertencente a Portugal. Com effeito, a ilha de Timor domina todo o noroeste da Australia e está situada a algumas milhas; dos principaes cabos que ligam a Australia á Asia e ao archipelago da Sonda. O porto de Dilly formaria uma excellente base naval para uma esquadra. Alem d'isso, a ilha é rica em minas de petróleo e algumas de carvão foram ali descobertas ultimamente. Os australianos pedem que o Governo Inglez se utilise, com a maior brevidade, da sua situação privilegiada junto da Côrte de Lisboa, para comprar a parte este de Timor, se o Governo Poriuguez está resolvido a cedei-a. Já temos frisado bastante as linhas geraes da politica allemã no Pacifico, para não insistirmos na importancia que teria a adjudicação de Timor ás outras possessões allemãs da Oceania".

Dizia agora o jornal por sua conta:

"Não sabemos por emquanto o que ha de verdade n'esta informação. Todavia, vale mais prevenir do que remediar".

Pois, por uma publicação d'estas, que devia merecer da parte da imprensa ministerial um desmentido absoluto e completo, mostrando que o Governo do paiz não pensava por forma alguma em alienar Timor, foi violada a casa do cidadão, entrando um esbirro dentro da redacção da Vanguarda a prohibir-lhe que tornasse a publicar artigos d'essa ordem, porque lhe seria applicada a censura previa.

Ora a Camara em boa consciencia, não entende que alem de ser isto um acto da mais completa violencia chega mesmo a ser... innocente, para não carregar mais a pimenta no adjectivo?

O segundo artigo é do mesmo teor e elle orador, não vae lêl-o á Camara porque não quer por principio algum abusar da attenção dos seus collegas, mas a Vanguarda teve segundo aviso de que lhe seria applicada a censura previa se continuasse a publicar artigos semelhantes. Com respeito ao Mundo adoptou-se o regimen da censura previa, ao qual esteve submettido desde o dia 24 até ao dia 31.

Comquanto a orientação d'esse jornal, como todos sabem, seja republicana avançada, elle nunca faltou aos, preceitos devidos para com os nossos hospedes recebidos anteriormente, e ainda com ã Rainha de Inglaterra, a minha Alexandra que teve aquelle acolhimento caloroso que nós presenceamos, como homenagem ás suas virtudes peregrinas? como homenagem á esposa do soberano da nação alliada.

Porque é que se praticaram atropellos e desmandos d'esta ordem?

Estão elles em completa contradicção com o que se acha escripto.

Elle orador, vae ler á Camara o § 3.º do artigo 145.º da Carta Constitucional aonde expressamente está consignado o seguinte:

"§ 3.º Todos podem communicar os seus pensamentos por palavras e escriptos e publicai os pela imprensa sem dependencia de censura, comtanto que hajam de responder pelos abusos que commetterem no exercicio d'este direito nos casos e pela forma que a lei determinar".

Isto diz a Carta Constitucional, mas o artigo 2.º da lei de imprensa, lei progressista, de 7 de julho de 1898 diz claramente:

"Artigo 2 º O direito de expressão de pensamento pela imprensa será livre e como tal independente de censura, mas o que d'elle abusar em prejuizo da sociedade ou de outrem ficará sujeito á respectiva responsabilidade civil e criminal".

Pois seriam necessarios elementos repressivos para se fazer comprehender a necessidade de ser respeitoso para com os nossos augustos hospedes ? Não seria sufficiente a doutrina consignada nas nossas leis?

Chegou-se ao extremo de saltar para fora da Constituição, saltar para fora da propria lei progressista, para se praticarem actos que eram verberados pela forma por que elle vae ler á Camara. Na sessão de 9 de fevereiro de 1903 dizia o Sr. José Luciano:

"Depois de publicada a lei de 1898 nunca mais se fizeram apprehensões nem o orador as auctorizou nem confirmou" .

E accrescentou ainda:

"Nunca auctorisou a censura previa, ordenou sempre que- a apprehensão só se fizesse na rua, na occasião dos jornaes entrarem na circulação, e nunca na casa da redacção".

Protesta contra o procedimento do Governo, e contra o que se commetteu com um jornal que appareceu ha pouco, sem que nem mesmo o titulo lhe servisse para transitar. Refere-se ao Progresso, cujo n.° 3, elle, orador, tem presente, e que foi apprehendido.

Elle, orador, não lê á Camara o artigo de fundo que parece servir de base á apprehensão, para não a fatigar; mas dirá que no tempo em que era jornalista, um artigo, como este está redigido, era sempre classificado como orchata ou capilé.

Os violentos da epocha coravam, escondiam e velavam a face de vergonha, se se attribuissem violencias a este artigo.

Já a Camara sabia a boa doutrina manifestada na sessão de 9 de fevereiro de 1903:

"A lei não permittia que se entrasse nas redacções dos jornaes para ver se o jornal estava nas condições de circular.

Só depois de se publicar é que se podia effectuar a apprehensão".

Mas o orador accrescentava ainda que se alguma vez tinham ido ao Juizo d" Instrucção Criminal as provas dos artigos escriptos, se alguma vez se exerceu essa censura, era um favor que se prestava aos jornalistas, que desejavam saber se o jornal podia publicar-se.

Contra um facto d'estes protestou um jornal, que então era a Patria, e que hoje é O Mundo, o qual disse que nunca tinha auctorisado que se praticasse para com elle aquelle acto violento ; e elle, orador, que tinha tratado da questão, veiu tambem trazer ao Parlamento esta resposta do jornal que se julgava aggravado por se submetter a preceitos que deprimem e degradam todos os jornalistas que se prezam.

Esses jornalistas não se prestaram ao papel de serem enforcados por persuasão, papel que lhes tinha distribuido o orador da sessão de 9 de fevereiro de 1903, que era, como já disse, o Sr. José Luciano de Castro.

É por isso, e por outros motivos e responsabilidades, que elle, orador, desejava a presença de S. Exa.; mas tendo sobre este assumpto dito já o sufficiente, segue na sua ordem de considerações, para não tomar demasiado tempo á Camara e poder concluir o que tem a dizer.

Uma das causas por que a imprensa está escravisada por esta forma provem da propria imprensa que não sabe unir-se e protestar por tal forma que a reacção corresponda á acção, e se liberte d'este jugo humilhante e degradante em que vive.

Como membro da imprensa que elle, orador, viu livre e prospera, e onde

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militou por muitos annos, seja-lhe permittido citar a opinião de um jornal republicano, que exprime bem o sentir do publico - A, Vanguarda - a cujo director, o Sr. Magalhães de Lima, elle, orador, presta toda a homenagem devida pelo seu saber e moderação, assim como tambem a presta ao director do jornal O Mundo, homens livres de quem elle, orador, se presa de ser amigo.

Dizia A Vanguarda:

"A nossa opinião é que a imprensa, se fosse unida e solidaria, poderia desempenhar uma altissima missão entre nós. Os Governos exhorbitam porque não encontram nos orgãos de publicidade o devido correctivo aos seus desmandos.

As liberdades teem desapparecido, uma a uma, porque a imprensa se mostra indifferente e passiva perante os attentados dos poderes publicos. Cada um trata de si, e a verdade é que, no campo jornalistico, a inveja e a emulação representam um papel primordial.

Emquanto predominar este egoismo grosseiro, esta criminosa apathia que nos vae dissolvendo pouco a pouco, tudo será absolutamente impossivel".

Poucos dias depois de se terem dado os factos referidos, um jornalista dos que mais se tinham evidenciado, logo apoz a retirada do nosso augusto hospede, Guilherme II, aproveitou a occasião para fazer um artigo em que se referia provavelmente a este Soberano, mas em que o trazia para confrontos com a politica do paiz. Immediatamente o seu director recebeu aviso de que, se voltasse novamente a usar aquelle processo, ser-lhe-hia apprehendido o jornal. Parallelamente a este aviso, o mesmo agente da instrucção criminal procurou o director do Mundo, para lhe dizer que se elle quizesse fazer referencia, a qualquer parte do artigo citado, o jornal seria apprehendido. Bastava para isso transcrever isto ou aquillo!

Aqui está a lição para a imprensa que mal tem procedido em abandonar os seus camaradas. São estas as razões por que ella tem decahido do conceito publico.

Desde que n'uma instituição não ha espirito de classe, não póde essa instituição manter-se na altura que lhe convem.

O Governo criou a censura e ameaçou de suspensão os jornaes; pois não ha principio algum, a minima particula de phrase, nos citados artigos, que devesse ser desagradavel ao Imperador Guilherme II.

Precisamente aquelle que devia ser chamado á censura, precisamente aquelle que trouxe para a discussão o nome do Augusto Imperador, ficou incólume, não teve advertencia, nem aviso.

A Camara vae ouvir um periodo só do jornal que elle, orador, tem á mão. Expressava-se nos seguintes termos:

"Calculamos como as Novidades não ficaram hoje ao ler no Diario de Noticias que Sua Magestade o Imperador da Allemanha, que na proximo semana chega a Lisboa, tambem se digna visitar o Presidente do Conselho de Ministros de Portugal. Mais outro grande vexame, no entender das Novidades, esta outra grande prova de distincção e altissima deferencia para o visitado e para o paiz".

Assim, o orgão do Governo, o Correio da Noite, trouxe para a questão jornalistica, para uma questão assaz violenta, o nome do eminente hospede, quando uma tão alta personalidade nunca devia ser n'ella envolvida.

A Camara pode porventura em sua consciencia approvar ou desculpar uma maneira de proceder tão pouco propria dos preceitos constitucionaes ?

Na verdade se houve aqui qualquer desacato, se houve qualquer erro, praticou-o o Governo, com a cumplicidade do seu orgão da imprensa.

Vae terminar; não quer tomar mais tempo á Camara com as suas reflexões, mas em todo o caso não deixará nunca de pedir responsabilidades ao Sr. Presidente do Conselho, responsabilidades que sobre elle impendem, em absoluto, como chefe do Governo.

Vae lembrar um aphorismo muito vulgarisado: mens sana in corpore sane. A formula é de Juvenal, mas popularisou se em todo o mundo.

Elle, orador, deseja o completo restabelecimento do Sr. Presidente do Conselho, porque é insustentavel esta situação de S. Exa.

Como póde S. Exa. estar a dirigir um gabinete quando S. Exa. não frequenta o Parlamento ? Os exemplos, os mais elementares, aconselham a S. Exa. a orientação que deve tomar.

O Sr. Ministro do Reino, em seis mezes, desdiz por completo os principios e affirmações de toda a sua vida.

Com respeito ao Sr. Ministro do Reina, lembra lhe a conveniencia de S. Exa. regressar aos seus antigos preceitos, que o tornam tão respeitado perante. os seus adversarios, preceitos que q tinham como modelar perante os principios liberaes"

Quando S. Exa. se apresentou aqui no Parlamento, elle orador, appellou para que S. Exa. nos trouxesse reformas, a fim de nos livrar d'este ambiente denso em que nos encontramos; pois estamos n'uma situação insustentavel e vergonhosa para um paiz digno.

(S. Exa. A não reviu).

Foram lidos e mandados expedir dois requerimentos do Digno Par, um pedindo ao Ministerio da Marinha copia do manifesto na Alfandega de Mossamedes das mercadorias despachadas pelas missões dos frades do Espirito Santo, no anno de 1904, e outro ao Ministerio da Fazenda, pedindo copia da acta da assembleia geral da Companhia dos Tabacos, dando poderes ao seu conselho de administração para assignar o eventual e respectivo contrato com o Governo.

O Sr. Presidente : - Já deram cinco horas; vae consultar a Camara sobre se consente que falem os oradores que estão inscriptos para antes de se encerrar a sessão.

CA Camara consentiu).

O Sr. Ministro do Reino (Pereira de Miranda): - Tem as mais fundadas esperanças de que o Sr. Presidente do Conselho possa em breve comparecer nesta Camara, porque, como o Digno Par sabe, S. Exa. não é homem que fuja ás suas responsabilidades.

O Sr. Sebastião Baracho: - Peço a palavra.

O Orador: - Pelo que diz respeito a elle proprio, orador, dirá ao Digno Par que está hoje onde esteve sempre, cumprindo o seu dever, como entende dever cumpril-o.

Referiu-se o Digno Par ao procedimento que houve em relação a um jornal que se publica em Lisboa.

Esse jornal, no dia 24 do mez passado, publicava um artigo, que era um incentivo ao odio contra o chefe de uma grande nação, que em breve nos fazia a honra de nos visitar.

Este procedimento, que elle, orador, assim como a maior parte das pessoas que d'elle tiveram conhecimento, julgara inqualificavel, destoava' por completo da tradicional fidalguia e proverbial hospitalidade portugueza. (Apoiados).

Seria um grave erro, seria mesmo um crime perante a Nação, se se consentisse que o nosso hospede fosse recebido por uma forma tão deprimente.

O que nesse artigo se escrevia estava comprehendido no § 2.°, do artigo 3.°, da carta de lei de julho de 1898, e era-lhe tambem applicavel a disposição do artigo 160.° do Codigo Penal.

Como a apprehensão do jornal na rua seria irrisoria, tambem se não estabeleceu a censura previa.

O que se fez foi prevenir o jornal de que eram inconvenientes certas referencias, emquanto entre nós se encontrasse o nosso Augusto Hospede, isto é, fez-se-lhe ver que era inconveniente que nos dias em que essa alta

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personagem estivesse em Lisboa, se escrevesse mais n'aquelle sentido.

Elle, orador, levou tão longe a sua consideração pelo jornal, que fez quanto poude para que elle não fosse prejudicado nos seus interesses, e a verdade é que não deixou de sair a tempo de aproveitar o primeiro comboio da manhã.

Pergunta, quem é que, tendo as responsabilidades do poder, poderia permittir que se escrevesse d'aquella forma contra um Soberano que nos dava uma demonstração tão clara da sua amisade para comnosco, como era a sua visita pela primeira vez a Lisboa ?

Foi isto o que se fez, foi isto o que fizeram os empregados dependentes do seu Ministerio, e d'isso toma elle, orador, inteira e completa responsabilidade.

Aqui tinha o Digno Par o que podia dizer em relação ao assumpto para que chamou a sua attenção.

Referiu-se tambem o Digno Par a outro procedimento, em relação a outro jornal, mas d'esse, elle orador, não tem conhecimento.

(8. Exa. não reviu).

O Sr. Sebastião Baracho: - Não tem?

O Orador: - Não tem conhecimento, ,mas vae informar-se.

É o que pode dizer em resposta ao Digno Par.

O Sr. Presidente: - Consulta a Camara sobre se permitte que o Digno Par o Sr. Dantas Baracho use da palavra para responder immediatamente ao Sr. Ministro do Reino.

Vozes: - Falle, falle.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Digno Par o Sr. Dantas Baracho.

O Sr. Sebastião Baracho: - Dizia o Sr. Ministro do Reino, ha pouco, ser um crime perante a nação, se se consentisse que os jornaes injuriassem os nossos augustos hospedes. Pois quem o duvida ?

Elle, orador, fora o primeiro a di-zê-lo.

Mas por ser um crime perante a nação, deixar circular a injuria nos jornaes, que elle, orador, aliás, não viu em parte alguma, não é um crime ainda mais grave postergar as leis, praticar violencias e commetter actos como os do Sr. Ministro do Reino?

Elle, orador, tem appellado para o liberalismo de. S. Exa. affirmado platonicamente, fora das cadeiras do poder. A camara acaba de ouvir como S. Exa. se desdiz. O Sr. Ministro do Reino aberrou por completo das suas antigas doutrinas.

Disse S. Exa. que está onde esteve sempre!

Tanto não está, que ainda da ultima vez que elle, orador, se dirigiu a S. Exa. n'esta Camara, quando tomou a gerencia da pasta do Reino, pedindo-lhe uma reforma que nos livre da situação deprimente em que, sob o ponto de vista politico, nos encontramos, S. Exa. fazia as mais fagueiras promessas de levar a effeito tal reforma.

Agora, passados seis meses, se tanto, apparece revirado, podia mesmo expressar-se - voltado do avesso - e vem aqui jactar-se e affirmar galhardamente que está onde esteve sempre, cumprindo o seu dever.

Se ao menos S. Exa. cumprisse o seu dever! Seria isso uma attenuante.

Não cumpre S. Exa. o seu dever quando calca a constituição, quando despreza o artigo 2.° da lei de 7 de junho de 1898, lei progressista que não admitte por principio algum a censura previa.

Acha irrisoria a apprehensão.

Pois se é irrisoria, modifique a lei. Então para que a praticaram hoje só bre o jornal o Progresso?

Pelo que vê, e em presença do que foi declarado pelo Sr. Ministro do Reino, o inquilino da bastilha da Calçada da Estrella, d'esta vez nem sequer deu parte a S. Exa. do que fez.

Se é assim que o Sr. Ministro do Reino afirma a sua auctoridade, a Camara apreciará.

O que é certo é que n'estes poucos mezes do Governo, chamado progressista, tem havido a censura previa, tem havido a apprehensão, tem havido todos os abusos, todas as violencias que só se praticam em paizes não cultos.

Antes do jornal circular ia uma prova ao Juizo de Instrucção Criminal para o douto magistrado, que trocou a toga de juiz pela encadernação que todos nós lhe conhecemos, fazer a censura.

Isto é triste; é lastimavel que seja um Governo, que se diz progressista, que proceda por esta forma.

Esta maneira de cultivar as liberdades, da qual ha pouco se lisongeava o Sr. Ministro do Reino, não é sincera. Faz-lhe lembrar um sujeito de bom gosto que classificava os agiotas e onzeneiros como pães dos pobres, porque os faziam.

Este parallelo, ou simile, tambem pode assentar perfeitamente em S. Exa.

Parece-lhe que na sua resposta não ha legar para qualquer replica. Affir-mou6 bem as violencias que se tinham praticado, e com manifesto desrespeito á lei.

O Sr. Ministro invocou artigos sem os ler, e elle, orador, invocou artigos que leu á Camara, e que se contrapõem manifestamente ao que S. Exa. disse.
Nem uma palavra ouviu ao Sr. Ministro do Reino sobre a maneira de proceder do orgão ministerial, quando trouxe para a imprensa o nome do nosso Augusto Hospede.

Põe termo ás suas considerações, tornando a protestar contra os actos de violencia e marcando na sua vida mais uma decepção, que foi a de ver o Sr. Pereira de Miranda, que elle, orador, conheceu liberal, essencialmente pacato, como convem a quem, como S. Exa., exerce honradamente a sua profissão, arvorado agora em ferrabraz e em tyranno da liberdade de pensamento.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - A Camara comprehende com que interesse o orador seguiu esta discussão travada entre o Digno Par Sr. Dantas Baracho e o nobre Ministro do Reino, porque no exercicio das funcções d'elle orador, quando occupava essa pasta, teve de adoptar providencias no tocante á imprensa e por effeito d'ellas foi violentamente arguido, sustentando, uns sobre outros, debates acessos e apaixonados, não só n'esta como na outra casa do Parlamento, debates em que o Governo era seria e severamente profligado, não já por exercer a censura previa, mas por mandar apprehender jornaes e não dar logo as contas que se entendia que elle era obrigado a dar d'esse acto. Isso então era um attentado, e quanto o orador pudesse allegar em abono da acção do Governo, quanto pudesse adduzir em justificação sua, baseado n'uma lei, no artigo 2õl.° n.º 2.º do Codigo Administrativo, era considerado como uma heresia politica e como um attentado contrario á liberdade de imprensa, que só um homem como o orador, tão despido de boas praxes constitucionaes e liberaes, podia produzir.

Agora com quanta satisfação propria o orador viu o Sr. Ministro do Reino, membro de una partido liberal, o Sr. Ministro do Reino, liberal convicto em toda a sua vida, ao achar-se pela primeira vez investido nas funcções d'esse cargo e obrigado pelas circumstancias, tomar uma attitude e iniciar uma acção politica em que faz peor do que elle, orador, nunca fez. (Apoiados).

E, note-se, com todas as aggravantes, porque o orador ao menos, como era proprio do seu caracter, procedia franca e abertamente, não tinha ambages nem hesitações, vinha perante o Parlamento e assumia precipuas todas as responsabilidades; não chamava a terreno as auctoridades que lhe eram subordinadas. De tudo quanto se praticava e fazia era sua a responsabilidade e só sua.

O Sr. Pereira de Miranda, o liberal

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dos velhos tempos, até nascido de um partido politico que passara por ser o mais liberal, o partido reformista, o Sr. Pereira de Miranda, actual Ministro do Reino, em presença de factos que se apresentaram á sua consideração, esquece Codigo Administrativo, lei de imprensa, põe absolutamente de parte o seu passado para attender tão só ao que S. Exa. julga o cumprimento de um dever ; mas n'esse procedimento é dez vezes mais tyranno do que elle, orador. (Riso).

Não pode deixar de estranhar ver sentado ao lado do Sr. Ministro do Reino, o Sr. Ministro da Justiça, que foi exactamente um dos que mais flageladoramente o verberaram a elle, orador, pelos seus ataques contra a liberdade de imprensa.

Para em todo o ponto ser coherente com as suas antigas opiniões, um dos primeiros actos de S. Exa., ao entrar nos Conselhos da Coroa, foi fazer uma affirmação solemne dos seus principios, e assim, não sabe como S. Exa. não estremeceu de horror, ha pouco, lembrando-se do que escreveu n'esse decreto sobre liberdade de imprensa.

O Sr. Ministro da Justiça, totalmente intransigente em materia de liberdade de imprensa, dizia isto:

(Leu).

E o Sr. Ministro do Reino, como estava proximo a visita do Imperador da Allemanha, não recorreu á censura previa, e fez uma cousa differente.

Mandou prevenir o redactor de que não podia continuar na sua propaganda, e por cautela exigiu que todas as manhãs fosse levado o jornal a uma auctoridade sua, para o examinar, e ver se elle continha qualquer cousa de desagradavel para o nosso augusto hospede. Mas isto, veja a Camara... não foi censura previa! (Riso).

Era assim que o Sr. Ministro do Reino entendia que cumpria o seu dever politico.

O Sr. Ministro da Justiça sustentara que era necessario tirar todo o arbitrio á auctoridade, e o Sr. Ministro do Reino entendia que em materia de liberdade de imprensa, o preceito do seu collega se cifrava em pôr ao lado de cada jornal um agente da auctoridade, para o não deixar circular sem sua licença.

Não quer prolongar este incidente, e será até natural que tenha de voltar ao assumpto, porque o Governo, certamente, não fica n'esta primeira investida contra a liberdade de imprensa.

Ainda não ha muito, no Funchal, as auctoridades prenderam os typographos para não deixar circular um jornal. Em Sever do Vouga, intimou o administrador do concelho um jornal a que não sahisse a publico sem primeiro o ver, não por que elle injuriasse o imperador da Allemanha, mas. .. por que se referira menos agradavelmente a elle, administrador do concelho!

Limita aqui as suas observações, manda para a mesa uns requerimentos pedindo documentos, e... à La longue.

Lidos na mesa foram expedidos, e são do teor seguinte:

Requeiro que, pelos Ministerios da Marinha e das Obras Publicas, respectivamente, me sejam enviados, com urgencia, os seguintes esclarecimentos,:

1.º Quaes os representantes do Governo (commissarios regios, fiscaes ou delegados nos conselhos fiscaes ou de administração), não comprehendidos no decreto de 17 de novembro de 1904, com a designação dos seus nomes e vencimentos, e das datas dos decretos ou despachos das suas nomeações ;

2.º Quaes as companhias, empresas ou sociedades anonymas, junto das quaes, ou nas quaes, funccionam, discriminadamente, esses representantes do Governo;

3.º Quaes os diplomas (leis, cartas regias, decretos ou alvarás) que regem essas companhias, emprezas ou sociedades anonymas;

4.º Quaes as attribuições e obrigações que por esses diplomas ou por especiaes determinações ou instrucções do Governo competem ou impendem a esses seus representantes;

5.º Se essas attribuições e obrigações teem sido sempre e em tudo devidamente exercidas e cumpridas pelos diversos representantes do Governo, separadamente;

6.º Menção especificada dos relatorios, informações, communicações, participações, etc., que no desempenho dos seus deveres hajam sido enviados ao Governo, por cada um d'esses seus especiaes representantes.

Sala das sessões, em 12 de abril de 1905.= O Par do Reino, Hintze Ribeiro.

Requeiro que, pelos Ministerios da Fazenda e da Marinha, respectivamente, me sejam enviados, com urgencia, copias de todos os documentos, actos do Governo, propostas, correspondencia, etc., referentes ao concurso, adjudicação e emissão de obrigações para as obras do porto de Lourenço Marques, e caminho de ferro da Swazilandia.

Sala das sessões, em 12 de abril de 1905.= O Par do Reino, Hintze Ribeiro.

Requeiro. que, pelo Ministerio da Fazenda, me sejam enviados, com urgencia, os seguintes documentos e esclarecimentos :

1.º Relação completa e discriminada de ÉOCÍOS os empregados da Inspecção
Geral dos Impostos, comprehendidos nas disposições dos n.ºs 1 e 3 do decreto de 9 de novembro de 1904, designando-se os seus nomes, categorias, vencimentos, datas de nomeação e promoção, e situação que tinham, á publicação d'aquelle decreto;

2.º Propostas e informações que fundamentaram essas nomeações e promoções;

3.º Como foram cumpridas as disposições dos n.ºs l, 2, 3 e 4 d'esse decreto, especificadamente, em relação aos empregados n'ellas comprehendidos;

4.º Qual a situação actual d'esses empregados, e que vencimento percebem;

5. º Se, ulteriormente, se abriu concursos para promoções ou nomeações, nos termos do decreto n.º 3 de 24 de dezembro de 1901, que o referido decreto de 9 de novembro mandou executar;

6.º Relações especializadas, das nomeações, transferencias e promoções de empregados da Inspecção Geral dos Impostos, effeituadas depois da publicação do decreto de 9 de novembro de 1904;

7.º Se, depois d'essa publicação, teem sido dadas a esses empregados quaesquer gratificações ou remunerações extraordinarias, e quaes;

8.° Propostas e informações que motivaram essas nomeações, transferencias, promoções e gratificações ou remunerações extraordinarias.

Sala das sessões, em 12 de abril de 1905.== O Par do Reino, Hintze Ri beiro.

O Sr. Campos Henriques: - Pediu a palavra para chamar a attenção do Sr. Ministro do Reino para um assumpto que se prende com a ordem publica, em risco de ser alterada.

Queria pedir a S. Exa. que desse providencias immediatas e energicas para que na proximo eleição municipal de Paredes se não pratiquem arbitrariedades e violoncias, nem se commettam fraudes como as que se teem dado n'aquelle concelho e em quasi todos os concelhos do districto do Porto.

Essas graves irregularidades estão consignadas nos accordãos do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal de Verificação de Poderes, tribunaes que teem competencia legal e moral para tomar decisões n'esta materia.

Em novembro do anno findo procedeu-se ás eleições geraes das camaras municipaes do paiz, e no districto do Porto, nos concelhos de Bouças, Maia e Paredes, foram taes as illegalidades e as fraudes comettidas, que nos tribunaes superiores essas eleições foram annulladas.

Não quer cançar a attenção da Camara, demorando-se muito na exposi-

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cão dos factos, mas não póde deixar de ler alguns considerandos do accordão do Supremo Tribunal Administrativo, relativo ao concelho da Maia. N'este e no de Bouças as eleições já se repetiram.

Diz aquelle documento:

Accordão do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de fevereiro de 1905:

Considerando que o processo labora, entre outras, em uma irregularidade essencial e nullidade insanavel, qual é a illegal constituição das mesas das assembleias eleitoraes, em resultado do attentado praticado contra os cidadãos legalmente designados para presidirem aos actos da eleição;

Considerando que esse attentado simultaneamente praticado nas duas assembleias do Castello e Barreiros, foi filho de um plano previamente concertado para inutilizar esses presidentes e lhes subtrahir os cadernos e papeis destinados á eleição;

Considerando que a existencia do referido attentado e sua responsabilidade estão provadas no processo, nomeadamente pelo documento de fl. 42 e seguintes, que conteem o despacho de pronuncia lançado a requerimento do Ministerio Publico, n'um processo de querela contra o administrador do concelho de Mira e outros seus partidarios ;

Considerando que este attentado é offensivo dos preceitos da lei e dos direitos dos cidadãos que d'elle foram victimas;

Considerando que a legalização pelos tribunaes, das consequencias eleitoraes de taes factos seria a postergação dos principios de justiça e a subversão das garantias sociaes e do respeito pelos direitos dos cidadãos;

Accordam em conferencia os do Supremo Tribunal Administrativo, por este fundamento capital e por outros em que se baseia a sentença recorrida, em a confirmar, negando provimento no recurso para se proceder a nova eleição em todo o concelho.

Nota o orador que, subscrevendo este accordão não ha um só voto de vencido.

As violencias praticadas n'aquelles concelhos, não obstante as reclamações que se fizeram, não obstante todos os esforços, redobraram de intensidade nas eleições repetidas, apesar das reclamações feitas pelo illustre chefe do partido regenerador junto do Sr. Ministro do Reino e pelo seu amigo e collega Wenceslau de Lima perante o Sr. Governador Civil do Porto.

Pede ao Sr. Ministro do Reino que dê as providencias que as circumstancias tão urgentemente reclamam.

Agora, vae proceder-se pela segunda vez á eleição da Camara Municipal do concelho de Paredes.

O que essa eleição será, nem o orador o pode dizer; o que pode porem dizer é que nó ultimo domingo se procedeu ali á eleição de uma junta de parochia, .e o que se passou n'essa eleito é de molde a deixar prever o que succederá no proximo domingo, se o Sr. Ministro do Reino não tomar energicas providencias, para evitar desmandos, abusos e crimes.

Effectivamente, por occasião da eleição da junta de parochia da freguesia de Rebordosa, do concelho de Paredes, a mesa foi cercada pela força policial, o presidente preso e varios e leitores espancados e expulsos.

Para estes factos chama, pois, a attenção, muito especial, do Sr. Ministro do Reino, para que, repete, S. Exa. tome medidas energicas, e taes factos se não repitam.

Nada lhe aconselha; faça S. Exa. o que entender, mas faça cumprir a lei.

Insiste n'estas considerações porque o que se está passando no districto do Porto é verdadeiramente anormal.

N'esse districto predomina o partido regenerador, mas, desde que este partido não disputava as maiorias nas eleições geraes de deputados que ultima mente se realisaram, era fora de duvida que a maioria pertencia aos candidatos progressistas e a minoria aos regeneradores. Apesar d'isso, porem, foram taes as arbitrariedades e as violencias ali praticadas, em materia eleitoral, foram de tal ordem que o Tribunal de Verificação de Poderes não teve duvida em annullar muitas eleições e em mandar proceder criminalmente contra muitos dos que são responsaveis por taes desmandos e abusos.

Sem o desejo de alongar as suas considerações, o orador lerá apenas dois trechos de accordãos d'aquelle tribunal; dizem elles:

"Accordão do Tribunal de Verificação de Poderes de 20 de março de 1905.

Attendendo a que dos referidos inqueritos se mostra que nas assembleias de Campanhã, Paranhos, Terço, S. Cos-me, Paredes e Frazão se praticaram irregularidade" e graves infracções da lei, todas puniveis, algumas das quaes são causas de nullidade do acto eleitoral.

E em observancia do artigo 895.º da Novissima Reforma Judiciaria mandam que se dê conhecimento ao Ministerio Publico para os effeitos legaes"

"Accordão do Tribunal de Verificado de Poderes de 30 de março de 1905.

Considerando que em tudo isto e no mais que dos autos consta se mostra que nas assembleias do Carmo, S. Nicolau e Foz, do circulo do Porto, occidental, se praticaram irregularidades e graves infracções á lei, como violencias e falsidades, todas puniveis

que são causa de nullidade do acto eleitoral".

Não basta dar as providencias: É tambem necessario que sejam executadas.

Substitua, pois, S. Exa. o administrador do concelho de Paredes, ou não. O que é preciso é que nomeie agentes da auctoridade em que S. Exa. plenamente confie, e dê-lhes ordens terminantes para que façam cumprir a lei e os eleitores não sejam presos ou expulsos das assembleias, como já foram.

Se S. Exa. assim proceder, o orador lh'o agradecerá; mas, se não, o estado de exaltação em que ali se acham os espiritos póde trazer desagradabilissimas consequencias cuja responsabilidade pertence exclusivamente ao Sr. Ministro do Reino.

O Sr. Ministro do Reino (Pereira de Miranda): - Em resposta ao Digno Par dirá que, e S. Exa. por certo não o ignora, já deu as mais terminantes instrucções ao Sr. governador civil do districto do Porto, acêrca do assumpto para que S. S. Exa. acaba de chamar a attenção d'elle, orador; mas não tem duvida em repetir essas instrucções, recommendando novamente que se adoptem as mais rigorosas providencias para que o acto eleitoral decorra com toda a regularidade e ordem.

O Sr. João Arrotyo: - Desejava chamar a attenção do Governo para um assumpto que corre pelo Ministerio dos Negocios Estrangeiros; como o titular d'esta pasta não está presente, pedia que se fizesse a S. Exa. a communicação de que o orador necessitava da comparencia do Sr. Ministro nesta Camara.

E já que está com a palavra, ainda que pouco, alguma cousa dirá acêrca do assumpto que hoje preencheu o final da sessão.

Três pessoas havia na Camara que iam para casa n'aquelle dia muito contentes e satisfeitas; uma era o Sr. Dantas Baracho, que teve occasião n'um incidente que tão distinctamente tratou, de occupar-se de um assumpto que é sempre ouvido com agrado em todos os auditorios, como é o de defender a liberdade de pensamento. O segundo era o Sr.. Ministro do Reino, por ter tido

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SESSÃO N.º 2 DE 12 DE ABRIL DE 1905 21

ensejo de fazer uma affirmação de força e poder, e o terceiro era o Digno Par, que preside aos destinos do partido regenerador, e que naturalmente se estava banhando em aguas de rosas, emquanto o Sr. Pereira de Miranda respondia ao Sr. Dantas Baracho.

O orador está um pouco cançado de ver expor com mais ou menos habilidade estas doutrinas de liberdade de imprensa.

Quando o Digno Par, que preside ao partido regenerador, occupava a cadeira do Ministro do Reino, o partido progressista, ardendo em furias, accusava S. Exa. da má interpretação dada á lei de liberdade de imprensa, e agora elle, orador, via o Sr. Ministro do Reino, ao querer defender-se das accusações do Sr. Baracho, enredar-se em taes explicações, que, se para outra cousa não serviam, demonstravam ao menos que os textos da lei não são claros.

Como conservador que é, guia-se pelos dois seguintes principios: entende que o poder deve ser cercado de todas as garantias necessarias, não só para a manutenção da ordem interna, como tambem para a previsão de todas as eventualidades que se podem dar com as chancellarias estrangeiras; ao mesmo tempo entende, porem, que a todo o cidadão cabe o inauferivel direito de saber quaes são as leis que o regem.

Não é sua intenção atacar o Governo, nem alongar-se agora na analyse dos factos incriminados, mas lembra a todos os que sobraçaram, que actualmente sobraçam, ou que venham a sobraçar as responsabilidades do poder, que tragam á discussão uma lei de imprensa capaz de satisfazer não exclusivamente ás indicações theoricas dos principios, mas clara e peremptoriamente ás exigencias da sua applicação a todos os casos e com todos os Governos.

Se é preciso cercar o poder com mais garantias do que as que tem, votem-se essas garantias; se é preciso rever artigos da nossa legislação constitucional, revejam-se; se é preciso arcar com maiores responsabilidades, não se entibie o animo de ninguem, mas dê-se ao paiz uma lei clara, acabe-se com estas tergiversações de todos os homens do Governo, tanto os de hontem, como os de hoje, como os de amanhã, e parallelamente com isto, respeite-se o direito que pertence a todo o cidadão, de saber nitidamente as leis que o regem.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Moraes Carvalho : -Por motivo justificado não póde comparecer á primeira sessão d'esta Camara, o que o impediu de agradecer immediatamente as palavras amabilissimas que S. Exa. o Sr. Presidente lhe dirigiu e que suppõe inspiradas, menos pela justiça, que pela amizade com que S. Exa. o honra.

A sua falta á sessão a que alludiu privou o ainda do prazer de felicitar a Exa. pela sua nomeação para Presidente d'esta Camara, que a esta devia antes felicitar por ver sentado na cadeira presidencial um estadista eminente, que é honra e gloria d a tribuna portugueza.

Cumprido este duplo dever, seja-lhe permittido dirigir um pedido ao Sr. Ministro do Reino.

No concelho de Vouzella ha uma freguesia - Alcofra , cujos habitantes parecem ter um grande defeito : - o não seguirem o credo progressista.

O administrador do concelho, querendo mostrar para com elles e para com o parocho a sua pouca sympathia, lembrou-se de um expediente verdadeiramente original: fazer enterrar os mortos junto da residencia parochial.

Para este fim lembrou-se de fazer um cemiterio junto da morada do parocho. Arranjou uma commissão para proceder a uma vistoria, a fim de se declarar que o terreno era apto para esse fim, embora existisse já na administra cão do concelho um parecer technico diametralmente opposto.

O abuso, porem, do administrador não para aqui.

Esse funccionario, sem se ter procedido á construcção do cemiterio, sem a precisa expropriação do terreno, sem formalidade alguma, ordenou que os enterramentos se fizessem junto da residencia do parocho.

Comprehende bem a Camara quanto ha de inconveniente n'este modo de proceder do administrador de Vouzella.

Confia, pois, em que o Sr. Ministro do Reino fará, como é justo, que as auctoridades suas dependentes sejam obrigadas ao estricto cumprimento da lei. Pede portanto a S. Exa. que trate de minorar o trop de zéle do tal administrador, que tanto trata dos mortos para ser desagradavel aos vivos.

O Sr. Ministro do Reino (Pereira de Miranda): - Não tem conhecimento algum do facto relatado pelo Digno Par. Vae informar- se para dar as providencias necessarias.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Manda para a mesa dois requerimentos em que pede varios esclarecimentos; e previne o Sr. Ministro da Marinha de que precisa na proximo sessão conversar com S. Exa. sobre assumptos que dizem respeito á crise monetaria de Lourenço Marques.

Foram lidos na mesa e deferidos os requerimentos, que são do teor seguinte:

"Requeiro que, pelo Ministerio da Marinha e Ultramar seja enviada a esta Camara copia da representação entregue no mesmo Ministerio por commerciantes portugueses na Guiné e relativa ao commercio de casas estrangeiras nos rios d'aquella provincia".

Sala das sessões da Camara dos Pares, 12 de abril de 1905.= Teixeira de Sousa.

"Requeiro que, pelo Ministerio do Reino, sejam enviados a esta Camara os seguintes documentos :

"Copia do despacho ministerial que exonerou o reitor do lyceu de Chaves, Dr. Barros Nobre;

"Copia de quaesquer queixas ou accusações feitas contra o mesmo funccionario;

"Copia de todos os telegrammas recebidos pelo Sr. Ministro do Reino pedindo a conservação do mesmo reitor ;

"Nota do dia em que o mesmo reitor recebeu ordem para entregar a reitoria ao nomeado para o substituir;

"Copia de quaesquer informações da Direcção Geral da Instrucção Publica acêrca da competencia profissional e zelo do reitor exonerado".

Sala das sessões da Camara dos Pares, 12 de abril de 1905.= Teixeira de Sousa.

"Requeiro que pelo Ministerio do Reino seja remettida a esta Camara copia de todo o processo que serviu de fundamento á dissolução da mesa da Misericordia de Chaves".

Sala das sessões da Camara dos Pa rés, 12 de abril de 1905.= Teixeira de Sousa.

"Requeiro que pelo Ministerio da Fazenda sejam remettidos a esta Camara os seguintes documentos:

"1.º Nota dos titulos da divida publica interna e externa na posse da fazenda nas datas de 28 de fevereiro de 1903, 28 de março de 1904 e 20 de outubro do mesmo anno e 31 de março e 1905;

"2.º Nota dos titulos de divida publica interna emittidos desde 28 de fevereiro de 1903 a 28 de março de 1904; desde esta data a 20 de outubro do mesmo anno, e desde então a 31 de março de 1905;

"3.º Copia de quaesquer contratos para a venda de inscripções immediata ou em opção, realisadas depois de 20 de outubro de 1904".

Sala das sessões da Camara dos Pares, 12 de abril de 1905.= Teixeira de Sousa.

"Requeiro que pelo Ministerio da Fazenda sejam remettidos a esta Camara os seguintes documentos:

"1.º Nota de todas as despesas liqui-

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dadas e não pagas, pagas e não escripturadas, relativas ao Ministerio da Marinha e Ultramar desde 20 de junho de 1900 a 28 de fevereiro de 1903:

"2.º Nota de quaesquer supprimentos feitos pelo Ministerio da Fazenda ao da Marinha e Ultramar durante o mesmo praso e das respectivas entradas em seu pagamento;

"3.º Nota das despesas feitas com a conversão da divida publica externa no periodo que decorreu de 28 d" fevereiro de 1903 a 28 de março de 1904;

"4.º Copia de todos os documentos, comprehendendo o contrato e obrigação geral do emprestimo para o caminho de ferro de Swazilandia;

"5.º Nota de todos os adeantamentos feitos pelo Ministerio da Fazenda aos Ministerios do Reino e das Obras Publicas, desde 21 de outubro de 1904 a 31 de março de 1905".

Sala das Sessões da Camara dos Pares, 12 de abril de 1900. = Teixeira de Sousa.

O Sr. Presidente: - Está encerrada

A proximo reunião da Camara realisa-se no sabbado, 15 do corrente, sendo a ordem do dia: eleição de commissões.

Eram 5 horas e 50 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 12 de abril de 1905

Exmos. Srs.: Antonio Candido Ribeiro da Costa; Marquezes: de Ávila e de Bolama, de Fontes Pereira de Mello, de Gouveia, do Lavradio, de Penafel, de Pombal, da Praia e de Monforte, da Praia e Monforte (Duarte); Bispo Conde de Coimbra; Condes: de Bertiandos, de Castello de Paiva, da Ribeira Grande, de Sabugosa, de Villar Secco; Viscondes: de Asseca, da Athouguia; Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, Antonio Eduardo Villaça, D. Antonio Maria de Lencastre, Costa e Silva, Santos Viegas, Teixeira de Sousa, Telles de Vasconcellos, Campos Henriques, Augusto José Ha Cunha, Palmeirim, Carlos Maria Eugênio de Almeida, Eduardo José Coelho, Serpa Pimentel, Ernesto Hintze Ribeiro, Mattozo Santos, Francisco de Castro Mattoso, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Frederico Ressano Garcia, Almeida Garrett, D. João de Alarcão, João Arroyo, Gusmão, Jorge José de Mello, José de Azevedo, Frederico Laranjo, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Silveira Vianna, José Vaz de Lacerda, Julio de Vilhena, Rebello da Silva, Pimentel Pinto, Pessoa de Amorim, Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, Bandeira Coelho, D. Luiz de Sousa, Marino Franzini, Miguel Dantas, Pedro Maria da Fonseca Araujo, Pedro Victor, Polycarpo Anjos, Sebastião Telles, Sebastião Dantas Baracho, Ornellas Bruges, Wenceslau de Lima.

Os Redactores:

FELIX ALVES PEREIRA.

(De pag. 11, a pag. 14, col. l.ª, e de pag. 18, col. 3.ª, a pag. 22, col. 2.ª

JOÃO SARAIVA.

(De pag. 14, col. 1.ª, a pag. 18, col. 3.ª)

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APPEKDICE Á SESSÃO N.º 2 DE 12 DE ABRIL DE 1905 23

Discurso proferido pelo Digno Par do Reino Bispo Conde de Coimbra, que devia ler-se a pag. 11, col. 3.ª da sessão n.º 2 de 12 de abril de 1905

O Sr. Bispo-Conde: - Sr. Presidente : Cá estou outra vez com as congruas parochiaes. Perdoe me V. Exa., a Camara e o Governo, e não me levem a mal que eu insista n'ellas tantas vezes quantas forem necessarias para que todos, enfadados já de aturarem este importuno, me despeçam, não com um - bem hajas - e com as palavras boas do costume, mas com a esmola do deferimento effectivo das minhas supplicas a favor dos pobres parochos. E ainda que já estou velho, e sem valor, espero que não me ha de acontecer como a um Digno Par, que se tornou lendario pela insistencia com que pedia uma lei de responsabilidade ministerial, e que morreu sem nada conseguir; porque esse Digno Par, que, já de todo curvadinho com o peso dos annos, e a cahir de todo na sepultura, trovejava ainda aqui rijezas de caracter e puritanismos constitucionaes que todos admiravamos, pedia uma medida politica para o governo politico da Nação, que ella podia tomar ou deixar de tomar sem offensa da justiça e sem quebra ou desaire do seu decoro e dignidade; e eu poço o cumprimento de um dever de honra, de justiça, de consciencia e de carilade, que ella não pode adiar por mais tempo sem se aviltar perante o conceito publico, adiamento contra tra que eu não posso deixar de pugnar sem trahir os deveres do meu ministerio, os dictames da minha consciencia e as exigencias do meu coração.

Pois que, Sr. Presidente, um Bispo que em toda a sua carreira publica, já de mais de 50 annos, tem pregado sempre a justiça em tudo e para todos, e que não teme ser arguido de ter faltado a ella conscientemente, no que faz consistir a maior recompensa dos seus trabalhos, e a maior satisfação da sua vida; um Bispo que tf m assento n'esta casa por direito proprio, e não por favor dos Governos e dos partidos, e que, sendo estranho a todos, embora sempre a todos respeitando muito, não tem peias nem compromissos partidarios e politicos que o embaracem de dizer a verdade a todos, e de advogar o bem da Igreja e do Estado desafogadamente e como o entender na sua consciencia ; um Bispo, que sabe quanto se deve aos parochos, e quanto sem elles seria impossivel realizar qualquer bem religioso e moral nas parochias e dioceses do paiz, e que por outro lado não ignora o que elles tem soffrido e estão soffrendo para proverem á sua subsistencia e ás necessidades mais indispensaveis da sua vida, pode porventura tolerar e ver a sangue frio e impassivel a indifferença, se não quasi desprezo, a que estão sendo votados ha mais de 70 annos estes seus irmãos e cooperadores?

E como cidadão portuguez que tanto ama a sua patria e o seu bom nome, pode deixar de vir aqui insurgir-se contra o descredito e vergonha que lhe vem de um semelhante desprezo, tanto mais que, sendo Portugal uma nação catholica, tem decretada na sua constituição politica a religião catholica como religião do Estado?

Sr. Presidente: Como já tive a honra de aqui dizer por mais de uma vez, na nossa transformação politica em 1834 estabeleceram-se ordenados para os differentes servidores do Estado, ordenados que se teem augmentado depois com o fundamento justissimo de maior carestia da vida, e maiores exigencias da civilização.

Alem d'isso tem-se concedido a não poucos empregados civis accumulações, gratificações, ajudas de custo e commissões retribuidas, e até a alguns, por sua morte, pensões ás suas familias.

Ainda mais. Como pela nossa forma de Governo não se pode governar sem maiorias, todos sabem como para as obterem sanem muitas vezes do Thesouro para alguns, algumas quantias a titulos de serviços a mais que prestam ao Estado. Não digo isto com espirito de censura, e com animo offensivo para ninguem. Digo-o porque a verdade e a justiça impõem deveres que se não podem preterir.

E o que se fez e o que se estabeleceu em 1834 para os parochos, que são tambem servidores do Estado pelos serviços importantes que lhe prestam? Nada, absolutamente nada.

Aboliram-lhes os direitos e privilegios de que viviam em parte, levaram-lhes para o Estado os bens e riquezas da Igreja, e não lhes deram cousa alguma.

Foi necessario que os politicos mais importantes d'esse tempo dissessem em documentos officiaes que os parochos tinham chegado á ultima indigencia, e que não convinha ao serviço da Igreja ê do Estado prolongar este escandalo por muito tempo, para se lhes arbitrarem provisoriamente as miserrimas congruas de 1841.

O grande politico liberal Antonio Manoel Lopes Vieira de Castro, Ministro da Justiça em 1836, enviando a um seu amigo um projecto de lei sobre a reforma da Igreja, para dar o seu parecer acêrca d'elle, dizia-lhe em carta de 11 de dezembro do mesmo anno, o seguinte: "Para que a classe respeitavel dos parochos possa exercer sobre os povos util influencia é necessario que elles não vivam como teem vivido até agora, expostos á abjecção dos mendigos".

Que diria elle hoje, Sr. Presidente, se visse que elles estavam ainda vivendo com as pobres migalhas que elles arbitraram provisoriamente ha 70 annos, e que insufficientes então, para manterem a dignidade do seu ministerio, os estão convertendo agora na propria abjecção dos mendigos que elle tanto condemnava!

Brada isto aos céus, Sr. Presidente, e tanto mais que, tendo as nossas receitas subido em algumas dezenas de annos de 10:000 para 60:000 contos de réis, com que se tem desenvolvido o fomento nacional, beneficiado os serviços publicos, e melhorado as condições de alguns servidores do Estado, nenhum beneficio, absolutamente nenhum, tem vindo para os parochos d'esta subida e augmento.

Disse-se no discurso da Coroa, ainda ha poucos dias, que iam ser melhorados os ordenados dos empregados civis, alliviando-os dos ónus que lhes foram impostos em 1892 a titulo de salvação publica. Cabe para todos o orvalho consolador e refrigerante do céu, só os pobres parochos ficam sempre nas seccuras do estio, e na esterilidade e na fome. Com muita magua de todos nem n'elles se falou no mesmo discurso; e todavia ha parochos por esse pai z fora que nem sequer fazem de côngrua parochial, contando tudo, 80$000 réis, muito menos do que ganha hoje um cavador de enxada e um criado de servir de não superior condição.

E isto depois de tantos estudos e sacrificios para se ordenarem! A um pobre missionario, depois de ter perdido a saude e arruinado a vida, trabalhando para Deus e para os homens nas adustas e inhospitas possessões da Africa e da Ásia, quando volta para o

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24 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PAEES DO REINO

continente sem nada, sem saude e sem poder trabalhar, dá-lhe o Estado, apenas, em alguns casos, 7$5l0 réis por mez, como já aqui disse.

Por honra e credito do nosso querido Portugal envergonho-me até de falar n'estas miserias no seio do Parlamento, miserias tanto mais vergonhosas e crueis que, para as remediarem em relação aos parochos, não são precisos por agora sacrificios grandes e directos do Thesouro; e, quando o fossem, bastava para este fim uma parte dos juros dos bens e riquezas que foram da Igreja para o Estado, se em parte d'esses bens não tivesse dado o mal de Labão como diz o nosso povo, estropiando o proverbio latino mala parta de labuntur.

Bem sei, Sr. Presidente, que se pretendeu desculpar e justificar em tempo este ostracismo a que foram votados os parochos e ministros da Igreja com o facto d'elles terem entrado na questão dynastica de 1834 a favor de um dos partidos na sua grande maioria, mas sendo livre, liberrimo a cada um conceber e ter qualquer ideal politico, a exteriorização d'elle, no caso de que se trata, tanto foi um erro ou um crime para os que luctaram pelo Sr. D. Miguel vencendo o Sr. D. Pedro, como seria erro ou crime para os que luctaram pelo Sr. D. Pedro se vencesse o Sr. D. Miguel. São assim os azares da guerra.

Mas erro ou crime por uma parte ou por outra, não ha nem deve haver crime, odio, represalia ou vingança que resista a uma prescripção de 70 anannos, porque só o peccado de Adão e Eva é que se transmitte eternamente de pães para filhos; e porque os parochos actuaes, filhos já do actual regimen, e muitos até paladinos d'elle, não devem ser castigados pelo que fizeram seus antecessores já ha mais de duas gerações, porque não ha penas hereditarias.

É, pois, já mais que tempo, Sr. Presidente, de que o Estado seja para todos, quaesquer que sejam as procedencias de que venham para as luctas da vida social e politica, não o espectro da tyrannia e do despotismo, mas a arvore benéfica da paz e da liberdade, a cuja sombra se acolham do mesmo modo, conforme as condições de cada um, todos aquelles que tiverem insculpido nas bandeiras da sua politica o honroso e glorioso nome de Portugal.

Sr. Presidente, n'estes tempos de tanta insubordinação e anarchia, nas vontades e nos espiritos, e de tanto adormecimento nas consciencias e de tanto egoismo e ambição nos corações:

N'estes tempos em que a falta de crenças religiosas e moraes vae tornando cada vez mais difficil o governo da sociedade, e mais vertiginoso o caminhar das ideias revolucionarias e anarchicas, que ameaçam subverter a paz e a ordem social:

N'estes tempos em que até as mulheres portuguesas, pelo menos algumas, segundo dizem os jornaes, parecem já querer deixar a modestia, o recato, a piedade e as virtudes christãs do seu sexo para, sem razão alguma, em vista da liberdade que gosamos, se alistarem em clubs secretos e avançados, que certamente não teem por fins promover e salvaguardar a honra, pureza e santidade do lar domestico, a educação religiosa e christã da familia, a fé, o pudor, a castidade e a candura das das zellas, que são o seu ornato mais precioso, o seu dote mais rico e a condição mais essencial para merecerem o respeito e consideração d'este mundo, o que é tanto verdade que atravessa as gerações, e por todos abençoada, a memoria d'aquellas em que se tornaram mais resplandecentes e brilhantes estas virtudes, emquanto que não passa alem da campa, e pelo menos com iguaes bênçãos, a das que se distinguiram somente pelo seu espirito desenvolto, avançado e revolucionario, porque não é este, mas o do centro e governo da sua familia, o campo da sua gloria:

N'estes tempos de tão apregoada civilização, mas de tão grande negação d'ella, como prova, entre outros, o facto egoista, brutal e selvagem de se deixarem irmãos nossos despedaçarem-se e chacinarem-se uns aos outros como feras bravas, sem que ninguem lhes acuda, não obstante empoçar-se já o chão e tingir-se o mar de sangue humano:

N'estes tempos, em que até na ordem ecclesiastica se vêem casos, infelizmente, como o do Seminario de Bragança, que eu não posso deixar de lamentar como Bispo catholico, e como administrador tambem de um seminario, cuja disciplina e governo, na conformidade das leis ecclesiasticas e civis, tenho mantido, e espero em Deus que hei de manter sempre livre, justo, integro e desassombrado de todas as pressões e ousadias que, depois de crimes tão graves, agora se deram, tanto a favor como contra os seminaristas e o seu Bispo, ousadias e casos que oxalá não se repitam mais:

N'estes tempos, emfim, de tantos riscos e perigos para a Igreja e para o Estado, e para o individuo, para a familia e para a sociedade, alem de injustiça flagrante, seria gravissimo erro politico votar ao desprezo e levar ao desespero uma das classes sociaes mais conservadora, e que, pelas doutrinas que prega e ensina, de paz, de caridade e de amor do próximo, mais serviços pode prestar, em conjunturas difficeis, á ordem publica, ás instituições e ao paiz.

Felizmente eu sei com muita satisfação que o Sr. Ministro da Justiça assim o entende pela resposta que se dignou dar ao meu discurso aqui proferido sobre este assumpto na sessão de 3 de novembro ultimo, resposta cheia de benevolencia e de esperança, e para agradecer a qual pedi agora tambem a palavra, por não ter havido tempo de o fazer então.

Mas tantas vezes, Sr. Presidente, tem ficado frustradas estas esperanças, tantas vezes os pobres parochos as teem visto passar por deante d'elles como fumo, ficando sempre na mesma pobreza e abjecção dos mendigos, como dizia Vieira de Castro, que alguns parecem já querer cortejar o imprevisto e o futuro, porque difficilmente será para elles mais cruel do que tem sido o passado e do que está sendo o presente.

Sr. Presidente : Ainda que me desalentou muito na minha esperança de que d'esta vez não succederia o mesmo, o facto de nem sequer se falar no Discurso da Coroa das congruas parochiaes, depois do que se tem passado a este respeito, desalento que se apoderou tambem da classe parochial como vejo de alguns jornaes, pode ser que tal facto obedeça a alguma razão que eu não alcance, e que não prejudique as promessas de um Conselheiro da Coroa, e o cumprimento da palavra honrada de um transmontano que não ha de querer esta sombra de faltar a ella, a offuscar o sol brilhante da sua carreira politica; e assim como S. Exa., segundo dizem os jornaes, vae attender as instancias de um Digno Par fallecido sobre a responsabilidade ministerial, eu espero que se dignará de attender tambem as de outro Par ainda vivo, embora muito humilde, sobre as congruas parochiaes, porque não tem paridade a necessidade d'aquella com a d'estas.

Senhor Presidente: Desde 1860, em que superintendo no governo da Santa Igreja de Coimbra, tenho procurado sempre, tambem com o exemplo e com a palavra, afastar o clero, principalmente o parochial, das luctas eleitoraes, chegando até, por causa .de excessos n'este ponto, a suspender uns do uso das suas ordens, e a afastar outros dos beneficios parochiaes, porque, alem das inconveniencias e até indignidades a que descem muitas vezes por este motivo, as inimizidades, odios e vinganças que se levantam entre elles e os seus fregueses por causa d'ellas, compromettem e prejudicam os fructos do seu ministerio, que é todo, não de luctas e paixões politicas, noas de conciliação, de paz e de caridade para todos.

Tambem não tenho aconselhado os parochos da minha diocese a irem para os partidos ou a formarem-nos de novo,

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APPENDICE Á SESSÃO N.° 2 DE 12 DE ABRIL DE 1905 25

embora n'este ponto os tenha deixado sempre muito livres, por me parecer tambem que a religião, que é de todos e para todos, deve pairar n'uma esphera mais alta, sem descer para os odios e paixões da politica, e sem se ligar nem aos partidos como bandeira d'elles, para, quando estes cairem, ella ficar de pé, nem ás republicas e aos thronos para, quando umas e outros desabarem, ella ficar firme e invulneravel, e sempre no seu posto, e sempre com a mesma caridade, repartindo as bênçãos de Deus para todos, vencidos e vencedores.

Mas a religião, Sr. Presidente, não vive no espaço, vive na terra e precisa das condições da terra para viver, e por isso, se estas lhe forem recusadas, e se o Estado, segundo o nosso systema e regimen concordatario, não prover á subsistencia dos seus Ministros, não se leve a mal que elles procurem obtel-a pelos mesmos meios com que os partidos procuram garantir a sua existencia, que são as urnas e os votos.

Pois segundo a experiencia de todos os dias, e nos governos de todos os partidos, os votos são a vara de condão e o elixir milagroso para conseguir o o que de outro modo não se conseguiria nunca. Perdoem-me e não me tenham como ingrato os differentes Governos do meu paiz por dizer isto, porque, sem eu ter votos nem dar votos, teem deferido por muitas vezes os meus pedidos; mas este deferimento, que muito agradeço, não invalida o meu asserto, comprovado constantemente com factos que ninguem ignora e todos vêem.

Basta citar o seguinte:

Dos parochos do norte, antes de se unirem para irem á uma num certo sentido, ninguem fazia caso, e agora já os procuram, e já fazem accordos eleitoraes com elles, como de igual para igual.

Se os do sul e os do resto do paiz os imitarem, conseguirão mais facilmente o melhoramento da sua sorte, se não como partido autónomo, como partido auxiliar de quem os attender, tanto mais que para este fim não é necessario nenhum patronato e nenhum favor de costa acima; mas unicamente cumprir um dever de justiça e de consciencia, que já ha muito se deveria ter cumprido.

Cumpra, pois, o Sr. Ministro da Justiça este dever espontaneamente para que todos lhe fiquem agradecidos, e acabe com mais um pretexto para maiores perturbações no nosso viver religioso, moral, civil e politico.

Disse S. Exa. que esta questão é muito difficil e complicada, e na verdade assim é se se quizer fazer uma reforma radical e promulgar uma lei geral da dotação do culto e clero, com arredondamentos parochiaes seguidos de classificações de parochias, mas não vamos agora tão longe, senão, pelas razões que tive a honra de aqui expor por mais de uma vez morreriam os parochos actuaes e os seus successores sem nada se conseguir.

Contentamo nos com que se revejam os orçamentos parochiaes de 1841 pelo modo que já aqui expuz, ou por outro qualquer, para se remediarem n'elles os males de origem, e os que nos mesmos tem operado a differença dos tempos no decurso de mais de 70 annos.

Por causa d'esta differença estamos sempre a rever e alterar a nossa legislação em todos os seus ramos, e até a nossa constituição politica não tem escapado a esta alteração.

Como se quer pois que permaneçam eternamente e sempre inalteraveis uns orçamentos provisorios que se fizeram de afogadilho para outras gerações, e haja sete dezenas de annos?

Sr. Presidente: De tantos membros, e todos tão respeitaveis, d'esta casa, parece-me que não haverá um só, quaesquer que sejam as suas ideias religiosas e politicas, que defenda e queira o absurdo d'esta perpetuidade só para os parochos, e muito menos poderá querel-a um Governo que se intitula progressista, e um Ministro dos Negocios Ecclesiastieos que tem a nobre ambição de querer honrar a sua pasta com o seu talento e com a sua iniciativa rasgada e fecunda.

No meio de tantos titulares d'ella, que nunca tiveram para os pobres parochos senão boas palavras, levante-se V. Exa. como redemptor d'elles com boas obras.

Vae nisto o interesse politico do Governo, e até o proprio de V. Exa., porque, vindo tambem de clerigos e parochos seus correligionarios e patricios a grande influencia que V. Exa. tem no norte, não se compadece com a sua generosidade e fidalguia tanta ingratidão para estes, e tanta injustiça e desprezo para todos.

Sr. Presidente: Agradeço muito a V. Exa. e á Camara a paciencia com que se tem dignado de ouvir-me, e, comquanto não deva abusar d'ella, peço licença para fazer apenas uma rapida observação, e vou terminar já.

Tenho ouvido dizer que, estando uma das nações catholicas da Europa, e das mais civilizadas, a tratar da separação da Igreja do Estado, não é occasião de se tratar de congruas de parochos em Portugal.

Sr. Presidente: Não tem nada o nosso paiz com o que se faz nos outros, porque, mercê de Deus, somos ainda uma Nação livre e independente, e ainda ha pouco cortejada e honrada com a visita dos mais poderosos soberanos do mundo; e é tão contraria á razão, á justiça, ao bom senso, e ao conhecimento do paiz e das suas tradições, a exequibilidade de uma semelhante separação em terras portuguesas, que eu até peço desculpa de referir aqui tal dito.

Pois não posso crer que o nosso Augusto Soberano, e que os nossos Estadistas, ou no Governo ou fora d'elle, todos religiosos e catholicos, e todos bem conhecedores da fé e do sentimento religioso e catholico do paiz, se lembrem de o affrontar, por espirito de imitação, com novidades avançadas e revolucionarias, que, sem trazerem bem algum para o nosso viver economico, moral e social, iriam lançar a nossa querida patria nos horrores de uma lucta religiosa que, para ella e para nós todos, seria a maior de todas as desgraças.

E não posso crel-o principalmente depois que viram aqui a fé e a confiança que põe em Deus um dos Soberanos mais ^poderosos da Europa, e que nos tempos modernos mais tem levantado ao apogeu da gloria o seu nome e o da sua nação.

Sr. Presidente: Sem faltar nunca aos meus deveres de Bispo catholico, tenho obedecido, como me cumpre, ao Imperante Civil e ás leis do Estado, e tenho advogado e proclamado constantemente a necessidade da harmonia entre elle e a Igreja pelo modo que todos sabem.

Todavia, se o Governo de qualquer partido, sem fundamento algum, e por seu unico alvedrio, quizer destruir esta harmonia, e romper com a religião catholica, tão entranhada na consciencia publica e nos sentimentos e costumes do paiz, eu, que não sou, nem nunca fui de ameaças nem de rompantes quixotescos, principalmente na minha idade, não posso deixar de dizer que seriam tremendos os conflictos e enormissima a perturbação religiosa e politica se os Bispos acompanhados dos seus parochos, sem faltarem ao cumprimento das leis civis, mas desprendidos já de todas as peias e considerações para com o Estado, fossem para o meio dos povos com a sua cruz e o seu baculo, com a sua mitra e com a sua auctoridade, pregar a fé e a Igreja catholica, e combater no campo legal, e sem offensa de ninguem e para ninguem, a guerra que se levantasse contra uma e outra.

Mas, Sr. Presidente, Deus Nosso Senhor ha-de livrar de semelhante desgraça o reino fidelissimo, sempre tão abençoado e favorecido pela Providencia Divina; e jamais permittirá que n'elle se separe a bandeira das quinas da bandeira da cruz, que tem sido o instrumento da nossa gloria no passado, e que pode vir a ser ainda o instru-

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26 ANNAES DA CAMABA DOS DIGNOS PARES DO REINO

mento da nossa salvação no futuro, e que é e ha de ser sempre ã consolação e o refugio das almas e das consciencias nas prosperidades e infortunios da vida. E confio que governantes e governados hão de caminhar sempre unidos á sombra d'esta bandeira e á sombra da fé e da liberdade para as conquistas da civilização, para o reinado da paz e da justiça, e para o engrandecimento e prosperidade do nosso querido Portugal; e confio igualmente que o Sr. Ministro da Justiça, de vistas largas e de criterio proprio e judicioso, não se intimidará nem com os maus exemplos de fora, nem com as más politicas de dentro, para deixar de prover á subsistencia dos ministros da Igreja, e de respeitar e honrar as tradições religiosas da sua familia, da sua provincia e do seu paiz.

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