SESSÃO N.° 2 DE 4 DE MAIO DE 1908 3
preito de homenagem, passarei agora a referir-me aos tres Dignos Pares fallecidos que mais se distinguiram na politica portuguesa.
Bocage foi um professor notabilissimo, que encontrou um amigo em cada discipulo. Pertencia ao numero d'aquelles com quem a liberdade e o bem-estar da humanidade podiam contar.
Como diplomata, teve occasião de interferir brilhantemente em alguns assuntos importantissimos que a nossa historia politica devidamente regista.
Podiam talvez merecer discussão os diplomas por elle assinados; mas o que ninguem pode é deixar de louvar e applaudir as resoluções que elle foi obrigado a tomar.
Dias Ferreira creio, por mim, que foi pouco conhecido dos contemporaneos; mas era um espirito de eleição e personificava o caracter português na sua realização mais positiva.
Era um talento notavel, um grande patriota, cuja norma de proceder consistia em defender com energia tudo o que se lhe afigurasse conducente ao bem do seu país.
Posto que, por vezes, na apparencia, parecesse um espirito em contradição comsigo mesmo, Dias Ferreira possuia uma notavel firmeza de principios, e nunca perdia o ensejo de protestar contra qualquer acto ou qualquer medida que tivesse por fim a violação dos direitos que a Carta concede aos cidadãos portugueses.
Espirito elevado, o seu coração tinha delicadezas que nem todos facilmente comprehenderiam.
Resta-me falar de Hintze Ribeiro, que occupou um logar eminentissimo na politica portuguesa e que foi, incontestavelmente, um estadista de notaveis merecimentos.
Era, segundo uma frase de Pinheiro Chagas, de velludo por dentro e. de aço por fora.
Tinha pelos seus amigos politicos uma dedicação inigualavel, o que o levava a considerar o seu partido como uma grande familia, a quem muito estremecidamente queria.
A mim, que tive a honra de encetar a minha vida politica no agrupamento a que Hintze Ribeiro tão distinctamente presidia, ,mais de uma vez se me offereceu ensejo de verificar esta verdade.
Á memoria, pois, de Hintze Ribeiro, presto a homenagem da minha mais alta consideração e da minha mais pungente saudade.
Homens d'este quilate e d'esta capacidade engrandecem a patria a que pertencem.
Julgo ter-me referido a todos os Dignos Pares fallecidos no intervallo das sessões parlamentares e, por isso, vou terminar. Não seja tido á conta de heresia que um orador tão modesto, e com uma palavra tão desataviada, pretenda occupar por mais tempo a attenção da Camara.
Termino, pois, Sr. Presidente, affirmando muito solemnemente, em meu nome e em nome do Governo, a saudade deixada por todos esses benemeritos collegas, que tão relevantes serviços prestaram ao país. (Vozes: — Muito bem, muito bem).
(S. Exa. não reviu).
O Sr. Julio de Vilhena: — (O discurso do Digno Par será publicado na integra e em appendice a esta sessão. S. Exa. concluiu no seu discurso uma proposta para que se resolvesse cobrir de luto a cadeira que, na sala das sessões da Camara, fôra occupada pelo faiado Par do Reino Hintze Ribeiro).
O Sr. Antonio Candido: — (O discurso de S. Exa. A será publicado na integra e em appendice a esta sessão, logo que S. Exa. se digne rever as notas respectivas).
O Sr. José de Alpoim: — Sr. Presidente: falaram tão bem, tão bem, os Dignos Pares, que me precederam, que eu — pobre de mim — não sei qual o effeito das minhas palavras seguindo-me na ordem da inscripção ao meu illustre collega Dr. Antonio Candido, o primeiro orador da Peninsula.
E, decerto, eu não me teria feito inscrever se soubesse que usaria da palavra tão notavel parlamentar, de cuja boca harmoniosa saem as mais puras e raras flores da eloquencia tribunicia!
Mas tenho que falar, e falarei cumprindo um piedoso dever.
Vou referir-me, em poucas palavras, aos Dignos Pares fallecidos.
De Dias Ferreira, direi, Sr. Presidente, que elle teve o raro merito de ser, durante toda a sua vida, semelhante, igual a si proprio: — um filho, sempre, do povo. Foi sempre povo, porque tinha o orgulho da sua condição plebeia: como povo, adorou sempre a liberdade que o ergueu ás altas posições que occupava; como .povo, jamais teve o desvanecimento de frequentar o Paçô e sempre o desprezo das adulações cortesãs; como povo, tinha uma eloquencia desataviada, de uma simplicidade extreme ; como povo, possuia uma irónica, sensata malicia plebeia; como povo, foi sempre soldado da democracia. A sua reputação de jurisconsulto teve o padrão de valiosos trabalhos juridicos. Como homem de Estado, como Presidente do Conselho, exerceu a sua missão em occasiões difficeis e dolorosas da vida nacional.
De Barbosa du Bocage, como homem de sciencia, já o eminente parlamentar
Dr. Antonio Candido traçou o perfil; da sua acção politica bastará dizer que elle fora um notavel companheiro de Fontes, pondo assim conjuntamente em superior relevo as fulgurações luminosas do seu espirito, quer como estadista, quer como sabio respeitavel e respeitado.
A Telles de Vasconcellos, grande amigo de Sampaio, tambem se referiram os oradores que me precederam; mas direi entretanto, Sr. Presidente, que elle foi educado na velha escola liberal, como verdadeiro homem de bem, possuidor das qualidades e virtudes que caracterizam o fundo ethnico das nossas provincias do norte.
O Marquez da Praia (Duarte), roubado á vida em plena mocidade, laboriosa e honesta, merece toda a nossa saudade e condolencia.
O Conde da Ribeira, Sr. Presidente, foi fidalgo com sangue de réis, sem prejuizos de castas, affavel e polido, generoso e bom para os pobres e humildes, bem differente dos aristocratas modernos que fulgem a soberba e o orgulho como sinaes de raça.
Por fim, do Conde de Casal Ribeiro direi que, espirito illustrado e culto, possuia o grande merito, raro hoje nos filhos dos homens eminentes, de sustentar com- brilho o nome que herdara.
Para todos estes Dignos Pares, tenho na minha alma um sentimento de respeito e de saudade: mas o preito enternecido, esse, reservo-o para Hintze Ribeiro, meu adversario politico, porventura mais intransigente dia a dia, mas de quem conservo, por nos encontrarmos unidos numa conjuntura politica, a recordação da maior lealdade como homem publico e do mais enternecido affecto como amigo.
Nunca poderei esquecer Hintze Ribeiro, como nunca esquecerei o dia de radioso sol em que baquearam aquella altissima intelligencia e aquelle grande coração.
Em plena rua eu soube, por alguns amigos, que Hintze Ribeiro havia succumbido inopinadamente. E não quis acreditar! É que á minha razão repugnava admittir que a morte, esse derradeiro incidente da vida, esse unico repouso da existencia, ceifasse tão cruelmente um homem de tão poderosa envergadura intellectual, precisamente quando o sol radioso fazia cair sobre a cidade a sua fina, faiscante poeira de ouro.
É que em taes circumstancias não se acceita a morte; é que, num dia tal como aquelle, não se comprehende facilmente como deixe de resplandecer um cerebro rutilante da mais intensa luz!
Corri logo a casa de Hintze Ribeiro; e hoje rememoro a impressão pro-