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8 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

mente, appellando para evasivas varias, não corrigiu, como lhe cumpria, as exorbitancias dos seus agentes.

Este procedimento conduziu naturalmente ás selvajarias, patenteadas no anno terrivel de 1907, em que, a começar de 10 de maio, data fatidica do iniciamento da ditatura que nos opprimiu e vexou, mais se accentuaram os desregramentos policiaes.

Resvalando por esta pendente, chegou-se ao 28 de janeiro e 1 de fevereiro, sem se obter, com a sequente mudança de Ministerio, o acalmamento promettido, e o ingresso na engrenagem legalista.

Pelo contrario, a situação não melhorou em muitos pontos, attingindo-se até ao cumulo do 5 de abril, ensopado com o sangue da cruel matança eleitoral, que não tem desculpa, nem attemiante de especie alguma.

Das crueldades commettidas, nesse dia, e dos crimes praticados nos dias ulteriores, pedirei, na proximo sessão d'esta Camara, estreitas contas ao Governo, e nomeadamente ao Sr. Presidente do Conselho. Á matança de 5 de abril succederam os tumultos praticados pela vil escoria social, com a complacencia affixada da policia. No proprio dia dos morticinios, o Governo lançou a publico uma nota officiosa, em que procurava irresponsabilizar os criminosos assassinos policiaes, militares e civis, patenteando por esta forma a sua cumplicidade em tão nefandas façanhas. Accentuando ainda os seus processos reaccionarios, o Governo deu a lume o abominavel decreto de 23 de abril, referendado pelo Srs. Presidente do Conselho e Ministro da Fazenda, e em que, a titulo de se formarem em Lisboa cadastros de habitações e de habitantes, se procura generalizar a todos os funccionarios publicos o baixo uso da suspeição, da delação e da espionagem. Tão improprio dos preceitos liberaes, e do acatamento pelos direitos dos cidadãos, só existe equivalente no acelerado decreto de 19 de setembro de 1902, que elevou a Bastilha, com todas as suas torturas e torpezas, a instrumento inquisitorial, operando sobre toda a Nação.

Não ha desgraçadamente emenda. Reincide-se nos degenerados expedientes que arrastaram á liquidação, que durante cinco annos eu apontava como fatal, que no anno passado, em 7 e em 8 de janeiro, capitulei como para muito proximo. Em 7 d'esse mês conclui as minhas considerações, por estas precisas palavras: os fados hão de cumprir-se. Em 8 o fecho da minha oração foi este: «.hontem terminei em português, hoje faço-o em latim. «Quos vult perdere Jupiter dementai prius».

Reconhecendo que o Pais não aproveitava com a minha permanencia na Camara, d'ella me ausentei.

Perante o conluio que aqui prevalecia, não eram susceptiveis de fiscalização os actos do Governo, cuja omnipotencia era completa, com o esmagamento completo das praxes parlamentares. Durante esse funesto periodo, em que o absolutismo bastardo se ostentou em toda a sua pujança, foram votadas por esta Camara nem menos de dezaseis propostas de lei. Pela minha parte, mando para a mesa a seguinte declaração, explicativa da minha attitude perante esses dezeseis projectos:

DECLARAÇÃO

Declaro que. desde o dia 8 de janeiro de 1907, não assisto ás sessões d'esta. Camara, pelos motivos constantes dos discursos que nesse dia, e no anterior, aqui proferi.

Se a ellas tivesse assistido, teria rejeitado os doze pareceres que vão designados:

Autorizando um emprestimo de 100 contos de réis á Camara Municipal de Coimbra;

Tornando definitivo o contrato provisorio para amarração de cabos telepraphicos:

Reformando a lei de contabilidade publica;

Autorizando o Governo a desistir da competencia attribuida aos consules portugueses em Zanzibar;

Acêrca da resposta ao Discurso da Corôa;

Sobre a liberdade de associação:

Relativo á garantia administrativa;

Concernente aos duodecimos orçamentaes;

Respeitante ao porto de Lisboa;

Abrindo um credito extraordinario de 38 contos de réis, para occorrer ás despesas com a recepção do Rei da Saxonia e do principe de Hohenzollern;

Sobre a lei de imprensa;

Referente aos passaportes.

Mais declaro que teria approvado es quatro pareceres seguintes:

Mandando fundir, por conta do Estado, a estatua do Bispo de Viseu;

Concedendo uma pensão a Manuel A Costa, engraxador no Porto;

Pensionando Gabriel Anca, maritimo em Ilhavo;

Mandando fundir, á custa do Estado, a estatua ao Duque de Avila e Bolama. = Sebastião Baracho.

Mando igualmente para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos pelos diversos Ministerios e pela Junta do Credito Publico, e cuja leitura dispenso para não tomar tempo á Camara.

(O requerimento vae publicado na devida altura}.

Na elaboração d'esse requerimento, tenho em attenção o § 5.° do artigo 15.° da Carta Constitucional, o qual estatue que, por morte do Rei ou vagancia do Throno, se instituirá exame á administração correspondente, a fim de reparar as irregularidades que tenham sido praticadas. No intuito de proporcionar integro cumprimento' á legislação citada, varias propostas me proponho apresentar, no decurso dos trabalhos parlamentares.

Posto isto, vou transpores Lumbraes da grande necropole em que hoje está constituida esta Camara, recordando simultaneamente o que dizia Chamfort: a Se correres atrás de uma mulher, alia fugir-te-ha ; se fugires d'ella, ella correrá atrás de ti».

Mais caprichosa ainda do que a mulher é seguramente a oratoria, elevada ao pinaculo refulgente que seduz e attrae.

Commigo tem ella sido sempre essencialmente esquiva, forçando-me a expressar-me em linguagem desataviada, comquanto me seja licito jactar-me de ser em todo o ponto sincera.

Na decadencia que nos acabrunha, sobresae, como lenitivo, a pleiade de oradores eloquentes, que ainda hoje se manifestaram nesta Casa.

A rhetorica foi em todos os tempos o adorno e o enlevo dos povos cultos e illustrados.

Prestada, por esta forma, a homenagem que lhe devo, começarei por notar que alguns oradores se referiram á tragedia de 1 de fevereiro por modo a não poder acompanha-los no caminho que trilharam.

Nem proximo nem remotamente, nem directa nem indirectamente tenho responsabilidades nesse macabro successo.

Debalde pus durante annos, em relevo, a senda escabrosa por que se enveredava. Os perigosos processos, egoista e defeituosamente preferidos, haviam inevitavelmente de ter por epilogo a fraudulenta fallencia politica do transacto reinado.

Nestas circumstancias, a minha situação de neutralidade, acentuada de resto pelo meu isolamento politico, autorizam-me a assegurar que tão melindroso assunto não pode ser apreciado apenas por um dos seus aspectos. É indispensavel ponderá-lo em cada um dos seus factores, para que a Historia não tenha que corrigir, liberta das paixões de occasião, as injustiças dos contemporaneos.

Não é este momento asado para sair fora d'esta norma, cujo cultivo se recommenda aos espiritos imparciaes, prudentes e rectos.

Consignado, por este modo preciso, o meu parecer acêrca de tão escabroso assunto, traçarei perfunctoriamente o perfil de alguns dos pares fallecidos.

Barbosa du Bocage honrou os coevos, honrando a sciencia. O Conde da Ribeira foi tão fidalgo pelo sangue, como o era pelos seus actos. O Conde de Casal Ribeiro póde com as responsabilidades de ser filho de tal pae, cuja eloquencia primorosa retumbou, por vezes, no recinto d'esta sala, a todos arrebatando. O Marquez da Praia, colhido pela morte era plena mocidade, quasi não tinha historia naturalmente. Dias Ferreira foi um jurisconsulto eminente, a que davam indiscutivel relevo os seus commentarios ao Codigo Civil.