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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 2

EM 4 DE MAIO DE 1908

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Antonio de Azevedo Castello Branco

Secretarios — os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
Marquez de Sousa Holstein

SUMMARIO. — Leitura e approvação da acta. — Expediente. — O Digno Par Sr. Teixeira de Sousa envia requerimentos para a mesa. — O Sr. Presidente enumera os Dignos Pares fallecidos durante o interregno parlamentar e propõe um voto de sentimento pela morte d'aquelles Dignos Pares, fazendo-se as respectivas communicações ás suas familias e levantando-se a sessão em signal de dor. O Sr. Presidente do Conselho associa-se ás palavras do Sr. Presidente da Camara e ao voto por S. Exa. proposto, dedicando algumas palavras a cada um dos Dignos Pares fallecidos. O Digno Par Sr. Julio de Vilhena usa da palavra no mesmo sentido e propõe que se cubra de luto a cadeira que foi do Digno Par Hintze Ribeiro. O Digno Par Sr. Antonio Candido faz o elogio do fallecido Digno Par Hintze Ribeiro. O Digno Par Sr. José de Alpoim refere-se com palavras de pesar e elogio aos. Dignos Pares extinctos. O Digno Par Sr. D. João de Alarcão faz, em especial, o elogio do finado Conde da Ribeira Grande. O Digno Par Sr. Pimentel Pinto, refere-se aos votos de condolencia da Camara e, em especial, a Hintze Ribeiro e Dias Ferreira. Tambem commemorou os Dignos Pares fallecidos o Digno Par Sr: João Arroyo. O Sr. Marquez de Pombal une o seu voto pessoal ao dos outros membros da Camara. O Sr. Conde de Arnoso usa da palavra no mesmo sentido e pede a comparencia do Sr. Presidente do Conselho e do Sr. Ministro da Guerra. O Sr. Ministro da Guerra associa-se ao voto proposto pelo Digno Par Sr. Dantas Baracho em commemoração dos militares fallecidos em Africa. O Sr. Conde de Lagoaça junta o seu voto ao dos seus collegas da Camara. O Sr. Arthur Hintze Ribeiro, prestando tambem o seu voto de sentimento pelos Dignos Pares fallecidos, agradece as homenagens da Camara á memoria do seu irmão. O Sr. Presidente considera unanimemente approvada a sua proposta, additando-a para que se vele de crepes por trinta dias a cadeira do Digno Par Hintze Ribeiro, e pede autorização para marcar o dia de quarta feira para a ratificação do juramento de El-Rei. É concedida. — São lidas e approvadas as conclusões da proposta do Digno Par Sr. Sebastião Baracho. — Indicada a ordem do dia para a sessão subsequente, que é designada, encerra-se esta.

Assistiram á sessão os Srs. Presidente do Conselho e Ministros da Fazenda, da Guerra, da Marinha, dos Negocios Estrangeiros e das Obras Publicas.

Sendo 2 horas e 15 minutos da tarde foi aberta a sessão.

Feita a chamada, verificou-se a presença de 34 Dignos Pares.

Foi lida e approvada a acta da anterior sessão.

Leu-se na mesa a Carta, Regia nomeando o Digno Par Sr. Eduardo Serpa Pimentel para exercer as juncções de Vice-Presidente da Camara na actual sessão legislativa.

Officio da Secretaria da Junta do Credito Publico enviando 200 exemplares do Relatorio e contas da gerencia no anno economico de 1906—1907 e exercido de 1905-1906.

Para serem distribuidos.

Officio do Ministerio do Reino remettendo o programma do cerimonial

da abertura das Côrtes, convocadas em 29 de abril.

Para o archivo.

Officio do Exmo. Sr. Anselmo Braamcamp Freire remettendo a Carta Regia da sua nomeação de Par, e declarando renunciar ao mesmo cargo.

Foi enviado á commissão respectiva.

Officio da Camara dos Srs. Deputados remettendo a relação dos membros que compõem a mesa para a actual sessão legislativa.

Para a secretaria.

Officio do Ministerio da Justiça remettendo o autographo relativo á lei de imprensa, já sanccionada.

Para a secretaria.

Requerimento do Exmo. Sr. Carlos Roma du Bocage pedindo que lhe seja permittido tomar assento na Camara por direito hereditario.

Para a commissão respectiva.

Officio do Ministerio do Reino remettendo copia autentica do decreto para o encerramento da sessão de 1907..

Para a secretaria.

Officio do juizo de direito do 2.° districto criminal remettendo copia dos autos do processo relativo ao Digno Par Sr. José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral.

Officio do Ministro da Fazenda remettendo 150 exemplares do Annuario Estatistico de Portugal, referente aos annos de 1893 a 1900, e igual numero do volume i do Annuario relativo aos annos de 1901 a 1903.

Para serem distribuidos.

Officio do Exmo. e Revmo. Bispo de Beja, em que participa desejar tomar assento na Camara.

Officio da Camara Municipal da Horta agradecendo o officio da Camara dos Dignos Pares em que lhe era communicada a commemoração, pela mesma Camara, do primeiro centenario do Duque de Avila e Bolama.

Officio do Ministerio dos Negocios Estrangeiros remettendo um officio do Presidente do Senado Francês com os agradecimentos da manifestação de pé-

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sar da Camara dos Pares por occasião da catastrophe do couraçado lena, e copia das cartas dirigidas ao Ministro Português em Paris, agradecendo, por parte do Presidente da Republica, do Presidente da Camara dos Deputados e do Prefeito Maritimo de Toulon, identicas manifestações de pesar. Para o archivo.

Officio do Presidente do Senado Francês agradecendo o voto de sentimento da Camara pelo mesmo sentido.

Para o archivo.

Officio do Ministerio da Marinha e Ultramar satisfazendo um requerimento do Digno Par Sr. Teixeira de Sousa.

Para a secretaria.

O Sr. Teixeira de Sousa: — Envia para a mesa os seguintes requerimentos:

Requeiro que. pelo Ministerio da Fazenda, seja remettida a esta Camara copia de quaesquer portarias que tenham relação com contratos de emprestimos a fazer entre a Casa Real e o Banco de Portugal, desde 20 de maio de 1906 a 30 de abril de 1908.

Requeiro mais informação sobre o montante do credito, por esses contratos, do Banco sobre a Casa Real.

Requeiro que, pelo Ministerio da Marinha e Ultramar, seja remettida a esta Camara copia de todas as alterações que têem sido feitas no contrato inicial para a construcção do caminho de ferro do Lobito á fronteira leste de Angola.

Requeiro mais: informação do estado em que se encontra o caminho de ferro de Malange, principalmente sobre a extensão de via já explorada, extensão de terraplenagens, quantias despendidas mensalmente, e estado do Fundo ao caminho de ferro de Malange.

Requeiro mais a copia de toda a correspondencia trocada entre o Ministerio da Marinha e Ultramar e o Governador Geral de Moçambique sobre a execução do modus vivendi entre Moçambique e o Transvaal.

Requeiro ainda copia das reclamações feitas perante as autoridades inglesas do sul de Africa sobre a violação do modus vivendi, sob o pretexto da abertura de novas linhas ferreas á exploração.

Requeiro a copia de todos os processos que serviram de base á prorogação dos contratos para a exploração dos diversos prazos da Coroa no Zambeze, entre as datas de 1 de janeiro de 1907 e 30 de abril de 1908.

Requeiro que, pelo Ministerio das Obras Publicas, seja enviada a esta Camara nota da quantidade de vinho licoroso entrado em Gaia, Leixões, Gondomar e Porto, não produzido nem procedente do Porto, a partir de 10 de maio de 1907.

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, sejam remettidas a esta Camara copias dos contratos para divida fluctuante externa, celebrados desde 1 de janeiro de 1907 até a data d’este requerimento.

Requeiro mais a nota da mesma divida referida á data de hoje.

Requeiro que, pelo Ministerio da Guerra, seja remettida a esta Camara uma nota referente ao effectivo da guarda fiscal em 31 de março proximo passado e ao numero de praças julgadas incapazes ou em serviço moderado.

Requeiro que, pelos diversos Ministerios, me sejam enviados os seguintes documentos, referidos de 20 de maio de 1906 a 31 de janeiro de 1908:

1.° Nota das despesas liquidadas e não pagas;

2.° Nota das despesas não liquidadas;

3.° Nota referente ás dividas das provincias ultramarinas;

4.° Nota dos supprimentos feitos ao Ministerio da Marinha e Ultramar;

5.° Nota do saldo do emprestimo que foi contraindo para o caminho de ferro da Swazilandia.

Sala das sessões da Camara dos Pares, 30 de abril de 1908. = Teixeira de Sousa.

O Sr. Presidente : — Durante o interregno parlamentar falleceram os Dignos Pares Antonio Pereira Telles de Vasconcellos, Marquez da Praia (Duarte), Conde de Casal Ribeiro, Hintze Ribeiro, José Dias Ferreira, Barbosa du Bocage e Conde da Ribeira Grande.

Permitta-me a Camara que me abstenha de fazer referencia especial a cada um d'estes Dignos Pares fallecidos, apesar do alto apreço em que eram tidos como membros d'esta Camara.

Muitos Dignos Pares vão certamente occupar-se do assunto e enaltecer os meritos dos fallecidos, dando assim testemunho da saudade que elles deixaram; portanto eu limito-me a propor que na acta da sessão de hoje se lance um voto de profunde sentimento pela morte d'esses Dignos Pares, que esse voto seja communicado ás respectivas familias e, ao mesmo tempo, se encerre a sessão como testemunho de saudade e dê dor pela feita d'aquelles homens publicos que foram distinctos ornamentos d'esta Camara.

S. Exa. não reviu.

(Varios Dignos Pares pedem a palavra sendo lida a sua inscrição.)

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Ferreira do Amaral): — Pedi a palavra para me associar, em nome do Governo, á homenagem de respeito e consideração proposta pelo Sr. Presidente — e tão justamente proposta — em memoria d'aquelles Dignos Pares que a morte arrebatou durante o interregno parlamentar.

Numerosos são os oradores inscritos, e todos com tão alta competencia para fazerem o elogio dos extinctos que eu nem sequer pretendo imitá-los, quanto mais igualares.

Mas a minha situação de chefe do Governo obriga-me a proferir algumas palavras a respeito de cada um dos illustres parlamentares fallecidos, cumprindo porém, não só um dever official e parlamentar, mas pessoalmente um preito de saudade — que os affectos do coração me impõem.

Dos Dignes Pares fallecidos, uns muito se distinguiram pelas qualidades proprias, outros por aquellas que a occasião determinou e proporcionou; portanto, não estranhe a Camara que eu especialize a minha homenagem, sem querer com isso praticar qualquer injustiça, nem pôr em confronto as reciprocas proeminencias de valor ou, pelo menos, a influencia exercida por cada um d'elles na vida social portuguesa, e, especialmente, na politica.

Referir-me-hei, por exemplo, a Telles de Vasconcellos, meu companheiro de Governo, como Ministro da Justiça, no Gabinete presidido por José Dias Ferreira.

Direi simplesmente, para fazer uma justa apreciação d'este illustre parlamentar, que elle representava o typo antigo do cavalheiro de provincia, alliando a respeitabilidade dos principios á fidalguia do coração. Para todos os que se lhe aproximavam tinha sempre palavras cê consolo, de conforto e benevolencia, de estima ou de amizade.

O Conde de Casal Ribeiro foi um trabalhador consummado, um estudioso, um primoroso caracter, affirmando, não obstante a doença que o minava, o que podem a boa vontade e a dedicação postas ao serviço das mais alevantadas intenções.

E, assim, conseguiu perpetuar honrosamente a memoria de quem fôra um dos primeiros estadistas e oradores portugueses.

O Conde da Ribeira Grande e o Marquez da Praia (Duarte) eram dois fidalgos de antigo regimen, mantendo as mais puras tradições aristocraticas, em nome das quaes dispensavam a mesma benevolencia e identica affabilidade de tratamento, tanto aos que pertencessem ás classes menos favorecidas da sorte e da fortuna como aos que vivessem nas altas espheras sociaes.

Para que ninguem me esqueça n’este

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preito de homenagem, passarei agora a referir-me aos tres Dignos Pares fallecidos que mais se distinguiram na politica portuguesa.

Bocage foi um professor notabilissimo, que encontrou um amigo em cada discipulo. Pertencia ao numero d'aquelles com quem a liberdade e o bem-estar da humanidade podiam contar.

Como diplomata, teve occasião de interferir brilhantemente em alguns assuntos importantissimos que a nossa historia politica devidamente regista.

Podiam talvez merecer discussão os diplomas por elle assinados; mas o que ninguem pode é deixar de louvar e applaudir as resoluções que elle foi obrigado a tomar.

Dias Ferreira creio, por mim, que foi pouco conhecido dos contemporaneos; mas era um espirito de eleição e personificava o caracter português na sua realização mais positiva.

Era um talento notavel, um grande patriota, cuja norma de proceder consistia em defender com energia tudo o que se lhe afigurasse conducente ao bem do seu país.

Posto que, por vezes, na apparencia, parecesse um espirito em contradição comsigo mesmo, Dias Ferreira possuia uma notavel firmeza de principios, e nunca perdia o ensejo de protestar contra qualquer acto ou qualquer medida que tivesse por fim a violação dos direitos que a Carta concede aos cidadãos portugueses.

Espirito elevado, o seu coração tinha delicadezas que nem todos facilmente comprehenderiam.

Resta-me falar de Hintze Ribeiro, que occupou um logar eminentissimo na politica portuguesa e que foi, incontestavelmente, um estadista de notaveis merecimentos.

Era, segundo uma frase de Pinheiro Chagas, de velludo por dentro e. de aço por fora.

Tinha pelos seus amigos politicos uma dedicação inigualavel, o que o levava a considerar o seu partido como uma grande familia, a quem muito estremecidamente queria.

A mim, que tive a honra de encetar a minha vida politica no agrupamento a que Hintze Ribeiro tão distinctamente presidia, ,mais de uma vez se me offereceu ensejo de verificar esta verdade.

Á memoria, pois, de Hintze Ribeiro, presto a homenagem da minha mais alta consideração e da minha mais pungente saudade.

Homens d'este quilate e d'esta capacidade engrandecem a patria a que pertencem.

Julgo ter-me referido a todos os Dignos Pares fallecidos no intervallo das sessões parlamentares e, por isso, vou terminar. Não seja tido á conta de heresia que um orador tão modesto, e com uma palavra tão desataviada, pretenda occupar por mais tempo a attenção da Camara.

Termino, pois, Sr. Presidente, affirmando muito solemnemente, em meu nome e em nome do Governo, a saudade deixada por todos esses benemeritos collegas, que tão relevantes serviços prestaram ao país. (Vozes: — Muito bem, muito bem).

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Julio de Vilhena: — (O discurso do Digno Par será publicado na integra e em appendice a esta sessão. S. Exa. concluiu no seu discurso uma proposta para que se resolvesse cobrir de luto a cadeira que, na sala das sessões da Camara, fôra occupada pelo faiado Par do Reino Hintze Ribeiro).

O Sr. Antonio Candido: — (O discurso de S. Exa. A será publicado na integra e em appendice a esta sessão, logo que S. Exa. se digne rever as notas respectivas).

O Sr. José de Alpoim: — Sr. Presidente: falaram tão bem, tão bem, os Dignos Pares, que me precederam, que eu — pobre de mim — não sei qual o effeito das minhas palavras seguindo-me na ordem da inscripção ao meu illustre collega Dr. Antonio Candido, o primeiro orador da Peninsula.

E, decerto, eu não me teria feito inscrever se soubesse que usaria da palavra tão notavel parlamentar, de cuja boca harmoniosa saem as mais puras e raras flores da eloquencia tribunicia!

Mas tenho que falar, e falarei cumprindo um piedoso dever.

Vou referir-me, em poucas palavras, aos Dignos Pares fallecidos.

De Dias Ferreira, direi, Sr. Presidente, que elle teve o raro merito de ser, durante toda a sua vida, semelhante, igual a si proprio: — um filho, sempre, do povo. Foi sempre povo, porque tinha o orgulho da sua condição plebeia: como povo, adorou sempre a liberdade que o ergueu ás altas posições que occupava; como .povo, jamais teve o desvanecimento de frequentar o Paçô e sempre o desprezo das adulações cortesãs; como povo, tinha uma eloquencia desataviada, de uma simplicidade extreme ; como povo, possuia uma irónica, sensata malicia plebeia; como povo, foi sempre soldado da democracia. A sua reputação de jurisconsulto teve o padrão de valiosos trabalhos juridicos. Como homem de Estado, como Presidente do Conselho, exerceu a sua missão em occasiões difficeis e dolorosas da vida nacional.

De Barbosa du Bocage, como homem de sciencia, já o eminente parlamentar

Dr. Antonio Candido traçou o perfil; da sua acção politica bastará dizer que elle fora um notavel companheiro de Fontes, pondo assim conjuntamente em superior relevo as fulgurações luminosas do seu espirito, quer como estadista, quer como sabio respeitavel e respeitado.

A Telles de Vasconcellos, grande amigo de Sampaio, tambem se referiram os oradores que me precederam; mas direi entretanto, Sr. Presidente, que elle foi educado na velha escola liberal, como verdadeiro homem de bem, possuidor das qualidades e virtudes que caracterizam o fundo ethnico das nossas provincias do norte.

O Marquez da Praia (Duarte), roubado á vida em plena mocidade, laboriosa e honesta, merece toda a nossa saudade e condolencia.

O Conde da Ribeira, Sr. Presidente, foi fidalgo com sangue de réis, sem prejuizos de castas, affavel e polido, generoso e bom para os pobres e humildes, bem differente dos aristocratas modernos que fulgem a soberba e o orgulho como sinaes de raça.

Por fim, do Conde de Casal Ribeiro direi que, espirito illustrado e culto, possuia o grande merito, raro hoje nos filhos dos homens eminentes, de sustentar com- brilho o nome que herdara.

Para todos estes Dignos Pares, tenho na minha alma um sentimento de respeito e de saudade: mas o preito enternecido, esse, reservo-o para Hintze Ribeiro, meu adversario politico, porventura mais intransigente dia a dia, mas de quem conservo, por nos encontrarmos unidos numa conjuntura politica, a recordação da maior lealdade como homem publico e do mais enternecido affecto como amigo.

Nunca poderei esquecer Hintze Ribeiro, como nunca esquecerei o dia de radioso sol em que baquearam aquella altissima intelligencia e aquelle grande coração.

Em plena rua eu soube, por alguns amigos, que Hintze Ribeiro havia succumbido inopinadamente. E não quis acreditar! É que á minha razão repugnava admittir que a morte, esse derradeiro incidente da vida, esse unico repouso da existencia, ceifasse tão cruelmente um homem de tão poderosa envergadura intellectual, precisamente quando o sol radioso fazia cair sobre a cidade a sua fina, faiscante poeira de ouro.

É que em taes circumstancias não se acceita a morte; é que, num dia tal como aquelle, não se comprehende facilmente como deixe de resplandecer um cerebro rutilante da mais intensa luz!

Corri logo a casa de Hintze Ribeiro; e hoje rememoro a impressão pro-

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funda que essa visita me deixou. Ali, entrando á sala onde Hintze trabalhava, os meus olhos, logo ao transpor a porta, o viram morto. Não pude descrever a dor que me causou o vê-lo estendido sobre o sofá onde o haviam encostado, os braços pendentes, as mãos ainda não cruzadas sobre o peito; serena a sua fronte; semi-cerrados os olhos como ali, na Camara, em horas de cansaço; no rosto, a pallidez que já em vida era penumbra da morte. Tudo nelle era vivo: tudo, menos o sorrir. Esse, não lh'o vi nunca assim nos seus labios: era um sorriso de mocidade, de ternura — quasi um sorriso de criança. Elle parecia dizer á doce companheira da sua vida, abraçada amorosamente ao seu cadaver, cobrindo-lhe de beijos o coração e as mãos, soltando gritos marticulados, que são como os soluços desgrenhados de uma alma dolorida, elle parecia dizer-lhe : «Não chores! Sou feliz! Vê como sorrio! Acabou a vida: acabou a dor». Julguei por instantes que Hintze Ribeiro se erguia e que eu lhe escutava a vou. Era uma illusão: os seus labios sorriam, mas só os mortos sorriem assim.

A eloquencia parlamentar de Hintze Ribeiro, as suas palavras ponderadas e reflectidas, as suas orações sempre prudentes e graves, o seu correcto aprumo, dominavam-nos e venciam nos pela força do seu bem disciplinado cerebro, pela indomabilidade da sua vontade ; e pela convicção sincera e profunda, filha de uma fé ardente — a fé dos francos e dos fortes — da sua fé monarchica, que o fazia convencer de que as instituições dynasticas se confundiam com os destinos da patria.

Hintze Ribeiro foi, como disse o Dr. Antonio Candido, o maior dos parlamentares portugueses, sabendo esgrimir com rara habilidade a sua palavra segura, empregando sempre frases do mais puro laconismo.

Como nenhum, elle cansava o adversario pela attitude nobre e altiva, atacando, como os melhores esgrimistas, só quando o perigo lhe estivesse imminente.

A palavra, nos seus labios, era o vestido da ideia, e a ideia o fruto do trabalho. A maior consolação da sua vida era combater e falar. E a palavra era mais do que a ideia, porque era o seu caracter e era a sua alma.

Hintze Ribeiro desappareceu da vida na hora em que a patria atravessava fundas agonias. Sumiu-se na morte quando todos os homens publicos, com todas as suas energias, são poucos para fazer de uma criança um grande Rei. A essa criança, pelo seu nome e pela sua desgraça, ainda a felicidade pode illuminar o labio triste e o rosto grave e melancolico como o do Rei que a sua missão chamou o duro officio de reinar. Esse officio era arduo sempre: mas, agora, dificilimo, nestes tempos em que o principio da autoridade carece de rejuvenescer se e a vi gorar-se, mas conciliando-o sempre com os principios da moral austera, da fraternidade humana da solidariedade social, do respeito pelos direitos e reclamações que eram, até ha pouco, considerados como douradas utopias e paixões revolucionarias.

Os homens publicos, os estadistas, os conselheiros do novo Rei, devem dizer-lhe as frases de Goethe : «Enchei o vosso cerebro e o vosso coração das cousas e ideias do vosso tempo». E não só das cousas e ideias, como das recordações das pessoas que contribuirem para o seu triunfo.

Os conselheiros do novo Rei deviam lembrar-lhe que Elle era o representante da dynastia de Bragança, cujo fundador dissera no seu testamento que os Reis, mais do que ninguem, deviam dar ao povo a razão dos seus actos; que Elle era descendente de Luiz Filipe, Duque de Orleans, que se sentara na Montanha; d'aquelle outro Duque de Orleans que a seu filho recommendou que fosse sempre um servidor apaixonado e exclusivo da França, e da Revolução; e de Victor Manuel, o unificador da Italia.

O novo Rei foi ferido pela desgraça: e, a este respeito, direi que, tendo os illustres oradores que me precederam falado no attentado de 1 de fevereiro, queria deixar accentuado aqui que o condemnava, porque a minha fé ardente, apaixonada de liberal, não podia olhar sem reprovação um regicidio, como todos os assassinios politicos. O meu coração de democrata revolta-se contra esse acto.

Mas essa criança, como o seu predecessor D. Manuel, que symbolizava a alma da patria na paixão da descoberta e da navegação, pode ter a felicidade de a symbolizar agora, se quiser identificar-se com as reivindicações sociaes e politicas que são a condição da vida dos povos e dos principes.

A Corôa foi-lhe dada pela morte, á semelhança do Rei Venturoso, que a recebeu caida já da cabeça loira da gentil criança que nas margens do Tejo, por uma tragica desgraça, perdeu a vida.

Hintze Ribeiro faz falta, muita falta, porque todos são agora poucos para esta grande tarefa, que é preciso levar a bom termo.

Hintze Ribeiro, embora não tivesse, como Gladstone, que era tambem convictamente monarchico, a sua acção subordinada a um ideal que rasgasse grandes horizontes em prol da humanidade e das reivindicações sociaes, conhecia no entanto profundamente as cousas e os homens e era um espirito forte e reflectido ao serviço de um cerebro bem equilibrado e conciliador.

Por isso, terminando, Sr. Presidente, direi que é minha crença que Hintze Ribeiro contribuiria poderosamente para a grande obra que é preciso encetar desde já, levando o Senhor D. Manuel II a identificar-se com as mais instantes aspirações da alma collectiva da Nação. (Vozes: — Muito bem, muito bem).

(O Digno Par não reviu).

O Sr. D. João de Alarcão: — Sr. Presidente: permitta-me V. Exa. que eu tambem use da palavra, embora pareça audacia fazê-lo depois dos brilhantes discursos proferidos.

Quero associar-me á homenagem presta da aos homens publicos que foram meus collegas, que deixaram na historia o inapagavel brilho das suas virtudes e o fulgido clarão dos seus talentos. Todos foram justamente engrandecidos pela palavra eloquente dos oradores que me precederam, e sê-lo-hão ainda pelos que se succederem, nem a minha palavra pobre poderia dar maior relevo ás altas qualidades d'aquelles cuja memoria se celebra nesta sessão.

Mas não foi para isso que eu pedi a palavra, eu que não represento ninguem nesta casa do Parlamento e que falo apenas em nome da minha saudade, cuja expansão podia permittir-se e perdoar-se pelo respeito que sempre merece a magna de quem a chora.

Entre os homens illustres cujos nomes foram e estão sendo glorificados, pela Camara, ha um que não affirmou a sua modesta individualidade nem nas fulgurações scintillantes do genio, nem nos trabalhos e freimas da actividade politica; e comtudo o seu nome perdura e vive no respeito de todos, num carinhoso affecto geral e n’aquella amoravel sympathia que constitue o maior elogio que pode fazer-se á momoria de um morto.

Refiro-me, Sr. Presidente, ao Conde da Ribeira Grande, aquella singular figura de um fidalgo de raça, tão nobre pelo lustre heraldico da sua familia, como pelas altas qualidades que formavam o seu caracter. Talvez eu devesse limitar as minhas palavras a agradecer em meu nome e da minha familia as referencias elogiosas que justamente me foram feitas; e assim parecerá estranho que seja eu, tão proximo d'elle, que lhe enalteça a memoria numa homenagem quasi pretenciosa e immodesta.

Perdoe-me a Camara, mas trasborda-me do coração o desabafo da minha saudade, e é sempre allivio dos que choram deixar que lhes sangre a pena. O Conde da Ribeira Grande foi para mim

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como um irmão e doer-me-hia na consciencia a pusillanimidade do silencio pelo respeito ás regras de um convencionalismo formal.

Posso e devo dizer d'elle com justiça e verdade, sem offender a modestia, que vivi na intimidade do seu affecto e pude ajuizar o que havia de generoso e bom no seu grande coração; e se procuro inspirar a minha palavra nas lagrimas da minha saudade e se peço á dor da minha angustia que rediviva o morto querido para lhe desenhar o contorno, sinto que lhe, empallideço as formas, sem lhe aumentar a estatura.

O Conde da Ribeira era um bom, d'esta bondade que se sente, se admira e de que se goza. Não tinha um inimigo, nem deixou uma malquerença, porque cerrava a sua boca ás fezes do murmurio e abria a sua bolsa ás bençãos da esmola. Ouvi-o rir e chorar, rir os raros jubilos da sua alegria calma, chorar os muitos soluços da sua amargura dolorosa, pacientemente gemidos, longamente chorados, e era sempre o mesmo homem bom, de olhar affectuoso e meigo, que nem a. dor mais funda velava de sombra.

Um dia, na maior das suas angustias, quando a alma se lhe esfacelava e o coração .lhe ia em pedaços envolvido no mesmo sudario onde se amortalhava o maior affecto da sua vida, o Conde da Ribeira teve palavras de consolação para a dor de um estranho, que padecia pena igual; e elle, o mal consolado, tão ferido no que havia de mais sensivel na ternura do seu amor, póde não só dominar os soluços da sua magua pelo respeito da magua alheia, mas até desentranhar da amargura das suas lagrimas palavras de conforto e frases de piedade.

Este traço de per si pode bem definir a grandeza de uma alma.

Era um amigo leal e dedicado do Rei, mas era tambem um cidadão zeloso dos seus direitos e dos seus deveres. Herdara dos seus maiores o amor da liberdade, que elles tinham aprendido a venerar nos fortes da Junqueira e nas perseguições do despotismo. Assim o vimos nós exercer a sua augusta funcção de legislador com a mais nobre independencia, sempre leal á fé politica que professara.

Na impeccavel gentileza das suas maneiras e na aprimorada correcção do seu porte lia-se o lustre da sua nobreza, que a todos se impunha sem supervias nem orgulhos, mas o que sobretudo reçumava da sua pessoa, do seu olhar franco, do seu riso leal, da sua palavra affectuosa, era aquella bondade infinita do seu coração, capaz das mais heroicas generosidades.

E a bondade vale como o talento para as glorificações da apotheose, porque ella é tambem capaz de caracterizar uma vida.

Essa formosa feição do seu espirito, que todos lhe reconheciam e ninguem lhe contestava, ficará como o traço dominante da sua physionomia moral.

D'elle se pode dizer que tinha o Evangelho bem escrito no coração; e, se no desconforto do tumulo podem as lagrimas dos vivos aguentar ainda os regelos dos mortos, este teria a aconchegá-lo a caricia d'essa ternura, pelo muito que o choraram aquelles que tanto lhe quiseram.

Perdoe me a sua memoria a pobreza d'esta homenagem; e á Camara, que me ouviu, peço desculpa do meu desabafo. (Vozes: — Muito bem, muito bem).

(S. Exa. não reviu este discurso).

O Sr. Pimentel Pinto: — Sr. Presidente: ouvidas as vozes mais eloquentes da Camara, ouvidos os nossos mais brilhantes oradores, aquelles que, como João Arrojo, constituem as mais lidimas glorias do Parlamento Português, imperdoavel seria que depois d'elles eu tomasse a palavra, se essa não fosse a minha obrigação.

E, porem, no cumprimento de um dever, que venho prestar a homenagem do meu mais profundo respeito á memoria dos Dignos Pares fallecidos no intervallo das sessões parlamentares.

Se todos, pelas qualidades primorosas por que se distinguiram, honraram a Camara, a que pertenceram, pelos altos e relevantes serviços que tiveram a boa fortuna de prestar ao seu país, com razão e justiça se pode dizer que bem mereceram da patria.

Contando o numero de cadeiras vagas na Camara, recordando as virtudes e merecimentos d'aquelles que as occupavam e lembrando-se de que todos elles nos foram arrebatados pela morte no curto prazo de um anno, eu, Sr. Presidente, mais uma vez penso que o anno de 1907, qualquer que seja o ponto de vista, por que o queiramos considerar, em tudo foi para nós um anno que só por desgraças se assinalou ; foi um anno maldito.

São sete as cadeiras que estão vagas.

É a de Telles de Vasconcellos, o velho e honrado fidalgo beirão que, pela sua constante bonhomia e pela gentileza do seu trato, a todos captava.

É a do Marquez da Praia (Duarte), esse excellente rapaz tão bondoso, na força da vida, a quem ella tanto concedera e tanto promettia ainda, victimado em pouco tempo por uma doença atroz que d'elle fez um verdadeiro marty;

É a do Conde de Casal Ribeiro, bella intelligencia, caracter formoso, modelo de correcção na familia, no Parlamento, no desempenho de todos os cargos publicos que exerceu, em tudo emfim, até na morte, pela coragem extraordinaria com que da vida se despediu.

É a do Conde da Ribeira Grande, meu velho amigo e antigo condiscipulo, e que já então, aos dezoito ou dezanove annos, era o que sempre foi, um coração de ouro, sempre pronto a fazer o bem, incapaz absolutamente de pensar ou de praticar o mal.

Se ha santos na terra, o Conde da Ribeira foi um d'elles.

É a cadeira de Dias Ferreira, Presidente de Conselho em 1892, o grande lutador, o ardente patriota, o liberal convicto, o jurisconsulto eminente.

É a cadeira de Barbosa du Bocage, o venerando estadista a quem coube a espinhosa missão de negociar com a Inglaterra o tratado de 1891, o sabio naturalista de renome europeu, o academico que debutou na vida publica envergando a farda de soldado para combater em prol da liberdade.

É, finalmente, Sr. Presidente, a de Hintze Ribeiro, o meu saudoso chefe, o mais querido dos meus amigos.

É d'elle que venho hoje falar.

Não me proponho fazer a sua apologia; está ella feita, eloquentemente feita pelos oradores que me precederam; está feita por todos nós, quando, falando d'esse anno nefasto que com mão tão prodiga semeou desgraças no nosso país, nos lembramos — e sempre nos lembraremos — do golpe fatal que nos feriu no primeiro de agosto; está feita na pungente saudade e no côro unanime de louvores com que hoje se pronuncia sempre o seu nome; está feita até pelos seus adversarios mais intransigentes, e que hoje todos lamentam, como nós, a perda de Hintze Ribeiro, reconhecendo e confessando a falta enorme, irreparavel que elle faz na vida politica da patria portuguesa.

Não venho recordar os seus triunfos nos bancos da Universidade, onde na defesa das theses finaes tão brilhantemente affirmou o seu talento privilegiado.

Não venho lembrar os seus triunfos no Parlamento, seu campo de batalha predilecto, onde se alguns, raros, o teem igualado, ninguem ainda o excedeu no estudo profundo das questões, na estructura admiravel do discurso, na subtileza e lógica da argumentação, na replica pronta, na gentileza e na cortesia para os adversarios, que nenhum lhe ficava querendo mal, embora tantos e por tantas vezes sentissem entrar-lhes bem fundo no peito a fina lamina da sua espada sempre leal e nunca vencida.

Não venho pôr em relevo todas as superioridades que o distinguiam, como estadista, como jurisconsulto, como economista e como financeiro; tantas e tão grandes, que as suas primeiras pu-

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6 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

blicações lho abriram logo as portas da Academia Real das Sciencias: que logo no seu primeiro discurso na Camara dos Senhores Deputados marcou para si na tribuna parlamentar um logar primacial, que ninguem depois ousou disputar-lhe; que nos seus primeiros actos como Ministro conquistou, logo, entre as figuras mais elevadas da nossa politica, prestigio tão grande que desde então nunca mais houve questão grave de Estado, assunto importante da administração publica em que a sua opinião não fosse ouvida.

Em toda a parte e sempre, em todas as manifestações do seu talento, do seu saber e do seu caracter, Hintze Ribeiro revelou-se sempre um homem superior, um d'esses poucos homens que parecem fadados por Deus para guiarem e conduzirem os outros, impondo-se, pela sua acção e pela influencia que nelles exercem, ao seu respeito, á sua admiração e á sua estima.

Mas de nada d'isto, Sr. Presidente, quero falar, tudo está recordado e enaltecido por vozes bem mais autorizadas do que a minha.

Quem eu desejo aqui recovar, com a mais sentida e profunda saudade, é o Presidente do Conselho ideal — nunca o houve mais completo e insinuante — é o homem que, no conjunto das suas qualidades de espirito, de coração e de caracter, foi a individualidade de Governo mais perfeita que eu tenho conhecido e venerado.

O modo por que em Conselho de Ministros elle sabia ouvir as opiniões diversas, tirar d'ellas o melhor conceito, conciliá-las, harmonizá-las e determinar-lhes a resultante; a clareza com que expunha as questões, ainda as mais difficeis, limando-lhes desde logo as arestas mais vivas; a habilidade com que evitava ou attenuava attritos, aproveitava e valorizava todas as opiniões uteis, todos os impulsos bons, tudo isto representava manifestações de talento e de bom criterio tão completas e tão perfeitas que d'ellas só podem fazer ideia exacta aquelles que tiveram a fortuna de ser Ministros com Hintze Ribeiro.

Do homem, onde ha palavras com que bem se possa definir o que nelle havia de nobre, de elevado, de superior, de primoroso? Quem conheceu caracter mais leal, coração mais dedicado, alma mais bella? Quem viu amigo mais fiel aos seus amigos? Marido que o igualasse no affecto, na ternura, na, veneração que elle tinha pela virtuosa senhora que foi sua companheira na vida ? Quem viu chefe de partido mais firme e que mais querido fosse dos seus correligionarios? Quem viu servidor das instituições que mais devotado fosse por ellas? Por nosso mal foi esse o homem que desappareceu de entre nós, deixando no Parlamento, no seu partido e no país um logar que dificilmente se prencherá e legando a sua familia e aos eus amigos a saudade mais pungente. Eu fui um d'estes:, Sr. Presidente; eu fui seu amigo dedicado, amigo que tanto lhe devia, e que portanto deveras grato á sua memoria, não podia deixar de individualmente me associar ao voto de sentimento proposto pelo Sr. Presidente. Não quis deixar de manifestar publicamente o meu sincero e profundo pesar pela morte do grande homem que foi Hintze Ribeiro.

Que morreu de uma syncope cardiaca, diz a sciencia e creio que diz bem. Foi o coração que o matou, mas quem sabe? Morreu talvez quando, para seu bem, devia morrer: seis meses, contados dia a dia, antes d'esse terrivel acontecimento que, enlutando a patria portuguesa, nos encheu a todos de horror; seis meses antes d'esse infame attentado que lhe esmagaria a alma e o coração, se elle ainda vivesse.

Hoje o seu nome pertence á Historia; ella dirá o que Portugal perdeu perdendo Hintze Ribeiro.

Sr. Presidente: se queremos prestar o culto devido á sua memoria, não devemos limitar nos a approvar as propostas do Sr. Presidente e ainda a que fez o Digno Par Sr. Julio de Vilhena, para que se cubra de luto a cadeira do grande orador; devemos apprová-las, sim, mas devemos fazer mais alguma cousa; devemos unir-nos todos no sagrado empenho de tornar a sua falta o menos sensivel que puder ser ao torrão onde todos nascemos e que elle tanto amou. Se onde hoje elle está, Hintze Ribeiro se interessa ainda pelas cousas da nossa terra, nenhuma homenagem lhe poderá ser mais agradavel áquelle sublime espirito do que essa.

Tenho dito. (Vozes: — Muito bem, muito bem).

(O Digno Par não reviu este discurso}.

O Sr. José de Azevedo Castello Branco: — Requeiro ao Sr. Presidente se digne consultar a Camara sobre se permitte que a sessão seja prorograda até se esgotar a inscrição.

Consultada a Camara resolveu affirmativamente.

O Sr. João Arroyo: — Se dos Dignos Pares presentes na sessão de hoje a alguem competia o dever de tomar parte nesta manifestação solemne, esse alguem era eu.

Escusado será dizer á Camara que é com profundo respeito e sentida admiração que me inclino perante as figuras de todos esses illustres mortos, cuja verdadeira apotheose foi eloquentemente prestada pelo Sr. Presidente,

é secundada pelos oradores que já usaram da palavra.

Não posso deixar de fazer o elogio sentido e sincero do grande homem que foi um illustre cathedratico e que se chamou José Dias Ferreira, mas seja-me permittido referir-me de preferencia á memoria de Hintze Ribeiro, d'aquelle de quem fui amigo politico durante um largo espaço de tempo, e de quem, por desintelligencias e successos politicos de momento, tive dê me afastar nos ultimos quatro annos da sua existencia, sem que, mesmo durante esse periodo, em que combatemos parlamentarmente, eu houvesse vez alguma faltado á profunda veneração que me impunha a personalidade de Hintze Ribeiro.

Confesso que, voltando os olhos para o passado e lembrando-me da transformação que se tem operado nó Parlamento português nestes ultimos vinte e quatro annos, sinto uma impressão que não é só de admiração: ao traçar essa chronica singela de uma vida publica de apenas um quarto de seculo, parece-me caminhar através de um grande cemiterio politico, onde successivamente tem desapparecido uma serie enorme de intellectuaes e de patriotas de grande valor. E Andrade Corvo, é Sampaio, é Lopo Vaz, é Chagas, é Lobo de Avila, é Marianno de Carvalho, é Emygdio Navarro, é Oliveira Martins, é Dias Ferreira, é Barbosa du Bocage, é finalmente Hintze Ribeiro.

É uma sensação, mixto de frio e de saudade, per amigos, camaradas e companheiros de todo esse tempo, e que tão alto levantaram o prestigio dos seus nomes.

Neste momento solemne, aquillo que eu. considero uma verdadeira apotheose parlamentar é fazer no seio de meu espirito e do meu coração o parallelo entre o tributo da grande homenagem que a Hintze Ribeiro prestei emquanto vivo, e áquelle que lhe presto agora, depois da sua morte.

Não irei analysar pormenorizadamente a vicia politica de Hintze Ribeiro, porque está isso feito no discurso brilhante do Digno Par Sr. Julio de Vilhena.

Nem quereria fazê-lo numa sessão publica já tão adeantada, antes de narrar e exprimir á Camara o que ha de verdadeiramente pungente na morte de Hintze Ribeiro e de deixar bem esculpida a primacial figura de estadista e de parlamentar que elle foi.

Do academico não falarei, porque, encarando Hintze Ribeiro sob essa feição, já desenvolvidamente a elle se referiu nos mais alevantados termos o Sr. Julio de Vilhena; mas quero que nos annaes da nossa historia parlamentar fique ao menos uma esteira de luz que

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SESSÃO N.° 2 DE 4 DE MAIO DE 1908 7

mais tarde possa illuminar a personalidade politica d'esse grande estadista.

Para mim, o Hintze Ribeiro de 1900, foi muito superior ao de 1890.

Quando na primeira d'aquellas datas voltei a ser companheiro de Hintze Ribeiro nos Conselhos da Corôa comprehendi que um tal estadista difficilmente seria igualado em qualquer país europeu, tão lato era o conhecimento que elle tinha dos seus deveres de homem de Estado, e tão completo o seu estudo de todos os problemas administrativos, mas principalmente das questões economicas e. financeiras, que Hintze Ribeiro aprofundava no exame minucioso dos seus antecedentes e da sua acção social. Hintze Ribeiro podia então ser definido como um estadista para quem não havia primeiros nem segundos planos, para quem não havia acontecimentos primarios nem secundarios, talento para o qual nenhum facto prescrevia, mas onde a perfeição era sempre a mesma, quer se tratasse de conhecer os homens ou os mais simples incidentes.

Considerando Hintze Ribeiro como parlamentar direi, no momento em que, graças a uma propaganda vilmente feita, se está espalhando, pelos países europeus, que Portugal não tem antecedentes, parlamentares, que melhor cousa não havia a fazer do que arrojar á face d'esses maldizentes a figura de Hintze Ribeiro, tão grande, que maiores as não ha na oratoria parlamentar mundial.

Portugal não tem antecedentes parlamentares?!

Pinheiro Chagas dizia que Fontes parecia um espirito á espera de raciocinios, e que a eloquencia de José Estevão lembrava um carga de couraceiros em Waterloo.-

Oradores parlamentares temo-los ainda hoje e condignos de comparação com esses que a morte já levou.

O Sr. Antonio Candido lembra-me a mim uma correctissima figura hellenica, arrancada á belleza dos tempos athenicos e lançada na hodierna esthetica europeia, admiravelmente adaptada á funcção de traduzir a ideia mais bella por uma frase, e o Sr. Alpoim apparece-me como um maravilhoso cavalleiro de soberana galhardia, destro e intangivel.

Mas, voltando a Hintze Ribeiro: elle era na tribuna parlamentar o domador de todos os assuntos. Não que procurasse a victoria ladeando o assunto, produzindo apenas uma impressão secundaria que não descesse ao amago da materia.

Hintze considerava o assunto como um inimigo que tivesse de vencer; entrava dentro d'elle; descarnava-o, dissecava-o, tornava-o absolutamente simples, e quando acabava uma das suas

esplendidas orações, tinhamos a impressão de que triunfara um grande philosopho, de que a sciencia alcançara uma valiosa conquista.

O assunto morrera, e apenas ficava para a scena parlamentar a grandeza do orador, a sua belleza, vistas em plena luz.

E por isso que Hintze Ribeiro fica na historia parlamentar como um homem deante de quem o assunto tinha de curvar-se, de subjugar-se, porque elle atacava-o, dominava-o? amordaçava-o, reduzia o ao seu elemento substancial, de tal sorte que, no fim, não que via senão uma ruina através de uma esplendida claridade!

Mas é tempo de passar ao que se me offerece dizer acêrca da ultima phase da vida de Hintze Ribeiro.

Não irei, Sr. Presidente, neste momento, criticar o reinado que findou: impus voluntariamente á minha palavra, nesta sessão parlamentar, o fim exclusivo de falar de Hintze Ribeiro, e de mais nada.

As considerações que vou ainda fazer não revestem o aproveitamento do instante para falar de alguem; revestem, sim, o cuidado maximo que eu proprio impus á minha palavra para, neste momento de uma celebração funeraria, nada mais fazer do que a apotheose do illustre morto.

Foi depois de um banquete na Sala do Risco que Hintze Ribeiro, conversando commigo, e, se não me engana, com o illustre chefe do partido progressista, teve o primeiro rebate da doença que mais tarde o devia prostrar.

Repentinamente, no decorrer da conversação, Hintze Ribeiro fita-me, o charuto cae-lhe dos labios, empallidece, curva-se, e eu tenho de ampará-lo nos braços. Ainda assim, decorridos alguns instantes, Hintze Ribeiro quis voltar á sala. Era a primeira crise cardiaca.

Durante a sessão parlamentar d'essa epoca vi pari passu que as forças de Hintze iam diminuindo. Aconselhei-o a que fosse tratar-se numa casa de saude estrangeira.

Foi nessa sessão parlamentar que para a discussão fiquei eu, creio que tambem o Sr. Luciano Monteiro e mais alguns dos illustres Deputados regeneradores de então.

Tempos volveram. Um dia, desintelligencias politicas separaram-nos e confesso ter pensado não voltar mais á arena parlamentar.

Não pude manter o meu proposito; e voltei ao Parlamento. Hintze Ribeiro continuava a não ter a consciencia plena da sua doença.

Quaesquer que fossem as razões que me levaram a afastar-me politicamente de Hintze Ribeiro, ao vê-lo lançado fora do poder em maio de 1906, sem que para isso houvesse um motivo sufficiente, formei a tenção de mostrar a madade d'aquelle procedimento.

Para isso, obriguei Hintze Ribeiro a trazer a esta Camara o documento que o afastara do poder e que mais e mais o levantava, tanta era a insufficiencia das razões allegadas como determinantes d'aquelle acto. Esta foi a minha vingança.

Depois seguiram-se os soffrimentos, é aggravamento progressivo da doença, a morte.

No seu funeral faltou talvez alguma figura principesca; mas não faltei eu e que tambem me não esqueci de pedir licença á viuva de Hintze Ribeiro para respeitosamente lhe beijar a mão como homenagem do meu sentimento.

Devo acrescentar que o pobre Hintze Ribeiro, atacado pelo soffrimento moral, atacado, como todos os homens publicos portugueses, nos predicados moraes da sua conducta politica, ha de ser arrancado por mim, dos escombros da tragedia de 1 de fevereiro e trazido a plena luz nesta scena, como o prototypo do estadista, do patriota e do parlamentar. Hintze Ribeiro fazia o Parlamento na sala das sessões e não nos corredores: encarava acima de tudo a sua obrigação parlamentar; por isso só deixou de falar quando a morte lhe fechou os- labios.

A minha homenagem é, pois, sincera, como sincero foi o apoio que em vida concedi a Hintze Ribeiro. (Vozes: — Muito bem, muito bem).

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Sebastião Baracho: —- Formulou o Digno Par o Sr. Arroyo a pretenção de que todos nos unissemos na ara da Patria, para engrandecimento do Pais. Não passa de uma chimera semelhante aspiração. De longa data se pede e se fazem protestos de vida nova, para se aggravarem, se é possivel ainda, os achaques da vida velha. Se não, vejamos. Faz hoje precisamente dois annos, no ,4 de maio, que se deram os tumultos do Rocio, após a chegada a Lisboa do cidadão Bernardino Machado. A policia, militar e civil, exorbitou e delinquiu; e, todavia, a sua impunidade ainda se mantem. No dia 1 de dezembro de 1906, no Porto, novos tumultos se dão, de que resultou a morte de um operario honesto, estranho á contenda que se ferira.

A policia militar e civil, que não soube manter a ordem dentro dos limites da lei, e que praticou as violencias de todos conhecidas, ainda tambem não foi punida pelos seus desmandos e crimes.

Com respeito, tanto ao 4 de maio, como ao 1 de dezembro, eu, nesta Casa, neste1 mesmo logar, pedi estrie-tas contas ao Governo, que tortuosa-

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mente, appellando para evasivas varias, não corrigiu, como lhe cumpria, as exorbitancias dos seus agentes.

Este procedimento conduziu naturalmente ás selvajarias, patenteadas no anno terrivel de 1907, em que, a começar de 10 de maio, data fatidica do iniciamento da ditatura que nos opprimiu e vexou, mais se accentuaram os desregramentos policiaes.

Resvalando por esta pendente, chegou-se ao 28 de janeiro e 1 de fevereiro, sem se obter, com a sequente mudança de Ministerio, o acalmamento promettido, e o ingresso na engrenagem legalista.

Pelo contrario, a situação não melhorou em muitos pontos, attingindo-se até ao cumulo do 5 de abril, ensopado com o sangue da cruel matança eleitoral, que não tem desculpa, nem attemiante de especie alguma.

Das crueldades commettidas, nesse dia, e dos crimes praticados nos dias ulteriores, pedirei, na proximo sessão d'esta Camara, estreitas contas ao Governo, e nomeadamente ao Sr. Presidente do Conselho. Á matança de 5 de abril succederam os tumultos praticados pela vil escoria social, com a complacencia affixada da policia. No proprio dia dos morticinios, o Governo lançou a publico uma nota officiosa, em que procurava irresponsabilizar os criminosos assassinos policiaes, militares e civis, patenteando por esta forma a sua cumplicidade em tão nefandas façanhas. Accentuando ainda os seus processos reaccionarios, o Governo deu a lume o abominavel decreto de 23 de abril, referendado pelo Srs. Presidente do Conselho e Ministro da Fazenda, e em que, a titulo de se formarem em Lisboa cadastros de habitações e de habitantes, se procura generalizar a todos os funccionarios publicos o baixo uso da suspeição, da delação e da espionagem. Tão improprio dos preceitos liberaes, e do acatamento pelos direitos dos cidadãos, só existe equivalente no acelerado decreto de 19 de setembro de 1902, que elevou a Bastilha, com todas as suas torturas e torpezas, a instrumento inquisitorial, operando sobre toda a Nação.

Não ha desgraçadamente emenda. Reincide-se nos degenerados expedientes que arrastaram á liquidação, que durante cinco annos eu apontava como fatal, que no anno passado, em 7 e em 8 de janeiro, capitulei como para muito proximo. Em 7 d'esse mês conclui as minhas considerações, por estas precisas palavras: os fados hão de cumprir-se. Em 8 o fecho da minha oração foi este: «.hontem terminei em português, hoje faço-o em latim. «Quos vult perdere Jupiter dementai prius».

Reconhecendo que o Pais não aproveitava com a minha permanencia na Camara, d'ella me ausentei.

Perante o conluio que aqui prevalecia, não eram susceptiveis de fiscalização os actos do Governo, cuja omnipotencia era completa, com o esmagamento completo das praxes parlamentares. Durante esse funesto periodo, em que o absolutismo bastardo se ostentou em toda a sua pujança, foram votadas por esta Camara nem menos de dezaseis propostas de lei. Pela minha parte, mando para a mesa a seguinte declaração, explicativa da minha attitude perante esses dezeseis projectos:

DECLARAÇÃO

Declaro que. desde o dia 8 de janeiro de 1907, não assisto ás sessões d'esta. Camara, pelos motivos constantes dos discursos que nesse dia, e no anterior, aqui proferi.

Se a ellas tivesse assistido, teria rejeitado os doze pareceres que vão designados:

Autorizando um emprestimo de 100 contos de réis á Camara Municipal de Coimbra;

Tornando definitivo o contrato provisorio para amarração de cabos telepraphicos:

Reformando a lei de contabilidade publica;

Autorizando o Governo a desistir da competencia attribuida aos consules portugueses em Zanzibar;

Acêrca da resposta ao Discurso da Corôa;

Sobre a liberdade de associação:

Relativo á garantia administrativa;

Concernente aos duodecimos orçamentaes;

Respeitante ao porto de Lisboa;

Abrindo um credito extraordinario de 38 contos de réis, para occorrer ás despesas com a recepção do Rei da Saxonia e do principe de Hohenzollern;

Sobre a lei de imprensa;

Referente aos passaportes.

Mais declaro que teria approvado es quatro pareceres seguintes:

Mandando fundir, por conta do Estado, a estatua do Bispo de Viseu;

Concedendo uma pensão a Manuel A Costa, engraxador no Porto;

Pensionando Gabriel Anca, maritimo em Ilhavo;

Mandando fundir, á custa do Estado, a estatua ao Duque de Avila e Bolama. = Sebastião Baracho.

Mando igualmente para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos pelos diversos Ministerios e pela Junta do Credito Publico, e cuja leitura dispenso para não tomar tempo á Camara.

(O requerimento vae publicado na devida altura}.

Na elaboração d'esse requerimento, tenho em attenção o § 5.° do artigo 15.° da Carta Constitucional, o qual estatue que, por morte do Rei ou vagancia do Throno, se instituirá exame á administração correspondente, a fim de reparar as irregularidades que tenham sido praticadas. No intuito de proporcionar integro cumprimento' á legislação citada, varias propostas me proponho apresentar, no decurso dos trabalhos parlamentares.

Posto isto, vou transpores Lumbraes da grande necropole em que hoje está constituida esta Camara, recordando simultaneamente o que dizia Chamfort: a Se correres atrás de uma mulher, alia fugir-te-ha ; se fugires d'ella, ella correrá atrás de ti».

Mais caprichosa ainda do que a mulher é seguramente a oratoria, elevada ao pinaculo refulgente que seduz e attrae.

Commigo tem ella sido sempre essencialmente esquiva, forçando-me a expressar-me em linguagem desataviada, comquanto me seja licito jactar-me de ser em todo o ponto sincera.

Na decadencia que nos acabrunha, sobresae, como lenitivo, a pleiade de oradores eloquentes, que ainda hoje se manifestaram nesta Casa.

A rhetorica foi em todos os tempos o adorno e o enlevo dos povos cultos e illustrados.

Prestada, por esta forma, a homenagem que lhe devo, começarei por notar que alguns oradores se referiram á tragedia de 1 de fevereiro por modo a não poder acompanha-los no caminho que trilharam.

Nem proximo nem remotamente, nem directa nem indirectamente tenho responsabilidades nesse macabro successo.

Debalde pus durante annos, em relevo, a senda escabrosa por que se enveredava. Os perigosos processos, egoista e defeituosamente preferidos, haviam inevitavelmente de ter por epilogo a fraudulenta fallencia politica do transacto reinado.

Nestas circumstancias, a minha situação de neutralidade, acentuada de resto pelo meu isolamento politico, autorizam-me a assegurar que tão melindroso assunto não pode ser apreciado apenas por um dos seus aspectos. É indispensavel ponderá-lo em cada um dos seus factores, para que a Historia não tenha que corrigir, liberta das paixões de occasião, as injustiças dos contemporaneos.

Não é este momento asado para sair fora d'esta norma, cujo cultivo se recommenda aos espiritos imparciaes, prudentes e rectos.

Consignado, por este modo preciso, o meu parecer acêrca de tão escabroso assunto, traçarei perfunctoriamente o perfil de alguns dos pares fallecidos.

Barbosa du Bocage honrou os coevos, honrando a sciencia. O Conde da Ribeira foi tão fidalgo pelo sangue, como o era pelos seus actos. O Conde de Casal Ribeiro póde com as responsabilidades de ser filho de tal pae, cuja eloquencia primorosa retumbou, por vezes, no recinto d'esta sala, a todos arrebatando. O Marquez da Praia, colhido pela morte era plena mocidade, quasi não tinha historia naturalmente. Dias Ferreira foi um jurisconsulto eminente, a que davam indiscutivel relevo os seus commentarios ao Codigo Civil.

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Telles de Vasconcellos, regenerador da velha guarda, abandonou o partido, com a morte de Fontes. Com elle me irmanei, em bons tempos, na camaradagem jornalistica.

E que direi de Hinze Ribeiro?

Em 17 de outubro de 1901, saí do partido regenerador com as relações pessoaes e politicas cortadas com Hintze, e nunca mais reatadas. Estou, por consequencia, nos melhores termos de imparcialidade para d'elle me occupar.

Nos annos que decorreram depois ao nosso rompimento, apreciei-lhe os actos, criticando-os acerbamente. Não retiro sequer uma virgula do que então disse e certifiquei. Nem o meu caracter o permittia, nem a memoria de Hinze lucraria com tal palinodia. Elle foi um gigante da tribuna, em que pese aos seus detractores, que os teve e numerosos. No trato intimo era de gentileza encantadora, e foi um trabalhador indefesso e infatigavel.

Nos ultimos tempos da sua vida, passou por desillusões esmagadoras.

É de Machievel este asserto:

«Mais ingrato do que o principe,, o vassalo; mais ingrato do que todos, a mulher».

A mulher nada tem que ver no caso sujeito, e evidentemente o sagaz e astuto florentino foi desprimorosamente injusto para com ella. Dos outros dois termos da afirmação, o primeiro teria quiçá cabimento na sessão transacta d'esta Camara. A Hintze Ribeiro deve-se applicar a excepção que, de resto, confirma a regra.

O povo, essencialmente cioso dos seus idolos, só teve para elle cumplacencias, quando o viu abandonado por quem muito lhe devia. A cidade de Lisboa nunca para com elle tivera afagos de popularidade, com exteriorização enthusiastica. Exclusivamente no seu passamento, Hintze disfructou, sem que a solidão da morte lh'o consentisse apreciar, a reparação com que o povo, severo, mas equitativo, o rehabilitava no seu conceito justiceiro.

O Digno Par Avellar Machado, amigo dedicado de Hintze Ribeiro, e cuja convalescença não lhe permittiu assistir á sessão de hoje, pediu-me que o associasse na manifestação com que celebrasse a memoria do seu extincto chefe. Fica feita a declaração da sua compartilha.

Mas, Sr. Presidente, outros mortos ha ainda a commemorar, e esses arriscaram denodadamente a vida pela patria. Ha cêrca de cincoenta annos estudava eu logica, pelo Genuense, e d'ella retenho ainda este exemplo de silogismo:

« Quem arrisca a vida para salvar a patria é digno de admiracão Scaevola arriscou a vida para salvar a patria, logo Scaevola é digno de admiração».

E como arriscou Scaevola a vida? Porsenna, rei dos Etruscos, pretendia restabelecer em Roma a tyrania de Tarquinio, o Soberbo. Para evitar a regressão do déspota, Scaevola introduziu-se subrepticiamente no campo dos etruscos, no intuito de lhes assassinar o rei. Por equivoco deu a morte ao secretario de Porsenna.

No dia immediato, apresentou-se no acampamento declarando ao rei etrusco que, simplesmente por engano, lhe matara o secretario, porque o que pretendia era matá-lo a elle, e d'esse decidido proposito se não arrependia.

O seu deploravel equivoco levava-o a sacrificar a mão que erradamente assassinara um innocente; e, para esse fim, queimou a corajosamente num braseiro, ficando maneta — do que lhe resultou o apôdo de Scaevola.

Porsenna poupou-lhe a vida, e a historia faz-lhe a merecida justiça. O facto deu se seiscentos annos antes de Christo Vinte e quatro seculos decorridos, Antonio Genovesi vulgarizava o ousado emprehendimento, nos seus compêndios de philosophia, e gerações sobre gerações puderam, pelos respectivos estudantes, apreciar o feito glorioso e patriotico do intrépido cidadão romano.

Os mortos, porém, que me proponho celebrar não só arriscaram, mas deram a vida pela patria, honrando a bandeira das quinas e engrandecendo os creditos nacionaes. A proposta que vou ler melhor exprime o objectivo que tenho em vista. É ella d'este teor:

A Camara, reconhecendo:

Que ao exercito cabe a elevada missão de se identificar com as patrioticas aspirações conciliantes. ordeiras e progressivas.

Que, na metropole, elle tem, nos ultimos tempos, em extraordinario serviço policial sustentado a ordem publica, por moldes sua ves e suasorios, humanitariamente imprescindiveis para quem dispõe da força, com associado acatamento da lei;

Que, no ultramar, elle tem invariavelmente pugnado pela affirmação civilizadora dos direitos nacionaes, evidenciando nas correspondentes pugnas que se teem ferido no campo das armas, com esse nobre objectivo, qualidades profissionaes e civicas que lhe exaltam o credito e penhoram a patria;

Que, no desempenho de tão honrosa, missão, a morte implacavel algumas preciosas existencias ceifou, com doloroso sentir de todos os bons portugueses;

Que, neste pungente transe, é igualmente attingida a armada, por cujos serviços ao Pais ella merece tambem geral encarecimento e estimulo.

Pelos motivos exarados, cuja ponderação se me afigura indubitavelmente intuitiva, a Camara resolve:

1.° Lançar na acta um voto de reconhecido sentimento pelos mortos, sem distincção de hierarchia, das derradeiras campanhas coloniaes, que ainda, até hoje, não tiveram comemoração parlamentar;

2.° Encerrar seguidamente os seus trabalhos dando por este acto, maior realce a tão justa quanto apropriada manifestação. = Sebastião Baracho.

Na quadra indubitavelmente dolorosa que atravessamos, coube effectivamente ao exercito a extraordinaria missão de attenuar os males da Patria. Na metropole, a policia, militar e civil, que devia ser um factor da ordem e amparo dos cidadãos, é desordeira e turbulenta, provocadora e criminosa. Ao exercito tem competido restabelecer o sccego que ella perturba, e d'esse encargo se tem desempenhado suasoria e suavemente, por maneira a despertar os applausos populares.

Nas provincias ultramarinas, em lutas successivas, tem restabelecido o predominio do nome português, tem sido o principal esteio do nosso credito de colonizadores.

No regresso á Patria, os seus graduados são acolhidos delirantemente pela multidão, a qual com elles confraterniza, celebrando-lhes os meritos e exaltando-lhes os serviços.

É consolador registar estes factos, que denotam quanto o exercito se apresenta identificado com a vida nacional.

E mal, muito mal iria se assim não succedesse. A Historia o attesta em numerosos e expressivos acontecimentos.

Para não tomar tempo demasiado á Camara, recordarei apenas um facto confirmativo da minha asserção. Em 1832, a grande massa do exercito servia o absolutismo, autocratico e esmagador. Fizeram-lhe frente os destemidos 7:500, desembarcados no Mindello. Mais do que as armas os sustentaram, na peleja homerica em que andaram empenhados, os principios liberaes, que firmavam o credo redemptor, para fruição de um povo escravizado. Em 24 de julho de 1833, Lisboa era libertada pelo punhado de expedicionarios, que nella deram entrada nessa data immorredoura. Pouco tempo depois, as hostes numerosas, ao serviço da tyrannia, convencionavam em Evora Monte, para não mais terem representação na vida militar e official portuguesa.

Convem não esquecer estas caracteristicas occorrencias, de que resaltam lição e ensino.

Felizmente, em pleno seculo XX, a reacção só pode alimentar doentias preterições. A Liberdade, porem, esmagá-las-ha, com a força potente da crença fortificante, arraigada em todo o coração de verdadeiro português. A identificação do povo com o exercito garante a manutenção do quadro que fica traçado, e que exprime as aspirações nacionaes, no que ellas possuem demais intensamente respeitaveis, no que ellas ostentam de mais garantidamente sadias.

(S. Exa. não reviu).

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10 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

é lida mi mesa a proposta do Digno Par e approvados seguidamente os dois artigos por que concilie.

É expedido o requerimento em que o Digno Par pede documentos por diversas estacões officiaes. É do teor seguinte.

Requeiro que, pelas estacões officiaes seguidamente designadas, me sejam fornecidos os esclarecimentos que vão especificados:

PELO MINISTERIO DO REINO

1.° (Documento requerido em 1 de outubro de 1906, repetido em 1 de janeiro de 1901 ainda não satisfeito, e amoldado agora ás circunstancias occorrentes).— Nota das associações religiosas no continente do reino e nas ilhas adjacentes, e cuja existencia lhes é permittida pelo decreto de 18 de abril de 1901 Esta nota deve obedecer aos seguintes preceitos:

a) Designação do numero de associações, sem distincção de sexo dos regrantes, e da ordem a que pertence cada uma d'ellas.

b) Especificação dos estabelecimentos e suas succursaes respeitantes a cada ordem, com indicação das localidades onde estão installados.

c) Numero dos religiosos, ou religiosas, e demais pessoal, accessorio em cada estabelecimento principal, e em cada uma das succursaes.

d) Designação da naturalidade, sexo, idade, estado e nacionalidade de cada associado.

e) Enumeração das associações que exercem o ensino; que materias este abrange; quantos os alumnos frequentantes em cada estabelecimento, e qual o seu sexo.

f) Indicação, desde a fundação de cada associação, e por annos vulgares, das visitas de inspecção que lhe tenham feito as autoridades civis, mormente as que fiscalizam os ser viços escolares.

2.º (Documento requerido em 11 de dezembro de 1906, repetido em 7 de janeiro de 1907, e ainda não satisfeito). — Que, pelo archivo da Torro do Tombo, me seja fornecida, com urgencia, copia do inventario dos bens da Corôa, ao qual se referem o artigo 8.º da carta do lei de 10 de julho de 1855, o artigo 5.° da lei de 23 de maio de 1859 e o § unico do artigo 1.° da lei de 25 de junho de 1889.

3.º (Documento requerido em 29 de outubro de 1906, repetido em 7 de janeiro de 1907, ainda não satisfeito, e amoldado agora ás circumstancias occorrentes). — Por officio do Ministerio do Reino, de 20 de outubro de 1896, fui informado de que em policia preventiva, não só, gastou mais, nos ultimos annos, pelo Juizo de Instrucção Criminal, do que averba orçamental auctorizada pelo decreto de 19 de setembro de 1902, isto é, 1:800$000 réis em cada anno. Sendo, porem, a verba geral inscrita no orçamento destinada a retribuir ete serviço, de 30:600$000 réis, requeiro, com urgencia, pelo mesmo Ministerio:

Que me seja indicada, por annos economicos, a distribuição dos restantes 34:200$000 réis, pelas auctoridades que os despenderam, no periodo que decorre de 1901 até 1907 inclusive, e ainda no segundo semestre de 1907.

4.º Nota circumstanciada de quaesquer adeantamentos illegaes, feitos a homens publico i e a funccionarios do Estado, devendo este arrolamento ser acompanhado dos seguintes esclarecimentos:

a) Relação nominal, por annos civis, dos contemplados; copia do respectivo expediente, concernente a cada um; importancia de cada adeantamento; e totalidade das verbas consumidas em tão caracteristicos esbanjamentos.

b) Especificação das providencias de ordem administrativa, adoptada" até a presente data, a fim de o Erario ser reembolsado integralmente das sommas d'elle desviadas abusivamente.

c) Designação das medidas empregadas até hoje, para punição, consoante é de justiça dos autores e de seus participes, de tão criminosos feitos.

(Identicas informações peço por cada um dos outros seis Ministerios).

5.° (Documento requerido em 1 de outubro de 1906, repetido em 7 de janeiro de 1907, e não satisfeito). — Relação nominal de todos os em pregados civis e militares que, em contravenção dos §§ 5.°, 6.° e 7.° do artigo 1.° da lei de salvação publica de 26 de fevereiro de 1892 accumulam funcções ou serviços num ou em varios Ministerios, havendo nesta enumera cão a considerar o seguinte :

a) Designação de todos os logares exerci dos por cada accumulador desde quando ca da um d'estes exercita cada logar ou serviço data e fundamento dos respectivos despachos e se todos estes tinham, segundo o disposto no § 33.° do artigo 1.º da lei de meios de 30 de junho de 1891, o visto do Tribunal de Con tas.

b) Menção dos nomes dos despachantes.

c) Indicação do que produz, em moeda corrente, cada serviço ou commissão; e totalidade do que aufere cada accumulante.

(Identicas informações peco por cada um dos outros seis Ministerios).

6.° O negocio dos sanatorios madeirenses foi consoante e sabido, estrondosamente ventilado nos tribunaes allemães. Entre nós o cidadão José Barbosa Colen, ao tempo director das Novidades, deu baldamente participação, em 25 de fevereiro de 1907, ao Juizo de Instrucção Criminal, a £m de que o pleito a que o escandaloso assunto tem dado margem, fosse liquidado pelas justiças do reino Em taes circumstancias, pergunto:

a) Quaes os motivos determinantes do retrahimento do Juizo de Instrucção, não dando andamento a legitima e razoavel participação do Sr. Barbosa Colen?

b) Que considerações obstaram e obstam que falem os tribunaes portugueses, quando os da Allemanha se expressaram pela fórma mais significativa.

c) Em que estado se encontra a presente data, a questão?

7.° — Copia do auto ou autos levantados pelo governo civil do Porto, ou pela policia militar e pela policia civil, suas dependentes, em virtude das occorrencias que se deram em 17 e 18 de junho de 1907, per occasião da ida áquella cidade do Sr. Conselheiro João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, como presidente do conselho e ministro do reino. Concomitantemente com estes acontecimentos, requeiro mais:

a) Copia das instrucções ali dadas á policia civil para o desempenho do seu serviço nesses dois dias.

b) Nota dos castigos applicados na guarda municipal e na policia civil, em seus differentes ramos, em consequencia dos desmandos commettidos nos dois dias supra-alladidos.

c) Nomes, postos e tempo de serviço de cada castigado.

d) Indicação da culpa.

e) Designação do castigo.

8.° — Identicos esclarecimentos solicito, relativamente aos successos que se deram em Lisboa, nos dias 18 e 19 do retro mencionado mês de junho, e originados pelo regresso do Porto, do Sr. João Franco.

9.° — Nestes dois dias, tanto a guarda municipal, como a outra policia, fizeram uso das suas armas de fogo, sem o aviso previo regulamentar, resultando d'esta selvajaria numerosas victimas. Assim, desejo saber:

a) Houve ordens superiores para se proceder por esse modo?

b) Em tal caso. careço de copia d’esses documentos.

c) Procederam, por iniciativa propria, as forças policiaes militar e civil?

d) Se assim succedeu, preciso conhecer quaes os nomes, postos e tempo de serviço dos delinquentes, e as punições que lhes foram infligidas.

e) Effectuaram-se inqueritos para apuramento de tão graves responsabilidades?

f) D'elles peço copia, se effectivamente se realizaram.

10.° Em observancia do § 34.° do artigo 145.º da Carta Constitucional, reclamo relação nominal dos presos, em consequencia dos tumultos de 17 e 18 de junho de 1907, no Porto, havendo a attender, na sua elaboração, ás seguintes circunstancias:

a) Indicação do local, dia e hora em que se deram as prisões, e por quem foram effectuadas.

b) Designação do nome, idade, naturalidade, estado e profissão de cada detido.

c) Menção do destino que tiveram, com a nota da culpa dos que foram enviados aos tribunaes.

d) Especificação dos dias de prisão preventiva que experimentou cada um, e onde.

11.° — Em observancia ainda do § 34.º do artigo 145.° retro-mencionado, insto por informações identicas ás do n.° antecedente e referentemente aos detidos em Lisboa, em virtude das desordens de 18 e 19 de junho e das rusgas realizadas em 20 do mesmo mês. e dias subsequentes; e bem assim com referencia a todos os presos politicos, cuja detenção se iniciou, em Lisboa, com a dos cidadãos França Borges e João Chagas, no dia 21 de janeiro do corrente anno, e se prolongou na sua acção terrorista e terrorizadora, até a queda do nefasto ministerio dictatorial; e, por ultimo, com relação aos comparticipes, se es houve, no regicidio de 1 de fevereiro.

12.° — Durante o supra-citado periodo, os desmandos e crimes policiaes succederam-se com frequencia, e designadamente na noite de 28 do janeiro e em 1 de fevereiro. Concernentemente ao procedimento havido com os seus autores, requeiro informações similares ás que são pautadas pelos n.os 7 e 9 do articulado respeitante a este Ministerio.

13.º — Em virtude do decreto dictatorial de 20 de junho de 1907, foi suspenso por trinta dias, em 22 do mesmo mês, o jornal O Mundo, cujo edificio proprio foi trancado e sellado por ordem do governador civil do districto, com escandaloso apoio da guarda municipal e da policia civil, sob o commando do coronel Moraes Sarmento. A despeito das instancias officiaes, constantes de varios requerimento?, feitos pelo competente fiel depositario, para que lhe fossem entregues os haveres, cuja conservação lhe fôra confiada, só em 6 de julho, á noite, se effectuou essa operação, com o associado levantamento official dos sellos. Terminados os trinta dias de suspensão, e tendo reapparecido O Mundo em 23-7-907, o seu proprietario, o prestante cidadão Antonio França Borges, não entrou na plena posse do jornal, porque nem o governador civil nem o juiz- de instrucção criminal despacharam a petição que, nesse sentido, lhes foi feita. Preferiram chicanar acêrca das suas respectivas attribuições, reconhecendo-se ambos idóneos para sequestrar, conforme os factos demonstraram, mas considerando-se igualmente ambos incompetentes para ordenar ao fiel depositario a entrega da propriedade ao seu legitimo dono.

Em presença de semelhantes factos, careço de saber:

a) A disposição legal, determinante d'estes actos, revogando o preceito elementar, inherente a todos os países cultos, do respeito pela propriedade alheia, e demais, consignado no § 21.° do artigo 145° da Carta Constitucional.

b) Como corollario da sequestração policial d'esses haveres, e em presença do preceituado

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SESSÃO N.º 2 DE 4 DE MAIO DE 1908 11

no supra-citado § 21.°, qual a indemnização dada ao proprietario do jornal, pelas perdas e damnos experimentados.

c) A quanto montou, em numerario, essa indemnização.

14.° — Não obstante as prohibições policiaes, realizou-se no dia 28 de julho de 1907, uma imponente manifestação ao Dr. Bernardino Machado. Em presença da violencia levada a effeito com o acto prohibitivo, requeiro os seguintes esclarecimentos:

a) Quaes os motivos originarios da prohibição.

b) Que disposição legal a fundamentou.

c) Nota circunstanciada, incluindo a sua distribuição, das forças militares do exercito, municipaes, policiaes, de segurança publica e preventivas que nesse dia se mobilizaram e fizeram o serviço das das no bairro da Estrella e adjacencias.

d) Copia das instrucções dadas ás alludidas forças por esse serviço especial, cuja duração desejo que seja especificada tambem.

e) Copia de todo o expediente concernente á prohibição determinada, ou o que é equivalente, de toda a correspondencia trocada, acêrca do assunto, entre o Governo Civil do districto de Lisboa e a commissão promotora da manifestação.

15.° — No começo de agosto de 1907 houve uma forte explosão num predio da Rua de Santo Antonio á Estrella. Por intervenção policial determinou-se á imprensa que esta não se occupasse do assunto, por este ser um dos comprehendidos nas disposições da lei de 13 de fevereiro contra os anarchistas. Em presença d'esta tão grave medida preventiva, e amoldando-me pelo disposto no § 31.° do artigo 145.° da Carta Constitucional, requeiro:

a) Relação nominal dos individuos a cuja detenção serviu de motivo a explosão supra alludida.

b) Designação do nome, idade, naturalidade, estado e profissão de cada um.

c) Indicação do local, dia e hora em que foi preso cada um, e á ordem de quem.

d) Menção do destino que teve cada um, com a nota de culpa dos que não foram postos em liberdade.

e) Especificação dos dias de detenção preventiva que experimentou cada um, e aonde.

f) Relacionamento das bombas e de material explosivo ainda não fabricado, aprehendidos, na qual se pormenorize: — alem do numero d'ellas, o local onde foram encontradas, e em posse de quem. E, pelo que respeita ao material explosivo, não fabricado: — a sua especificação; e qual a porção d'elle.

16.° — Em agosto de 1907, o tenente-coronel reformado Zeferino de Moraes, foi, conforme noticiou a imprensa, chamado ao Juizo de Instrucção Criminal, e ali advertido por um graduado policial e sequentemente vigiado pela policia preventiva, derivando este procedimento de contra elle haver queixa de quem receava que elle se desforçasse de prepotencias officiaes de que foi alvo na provincia de Angola.

Perante os estranhos factos que ficam narrados, careço de saber:

a) Desde quando se permitte o arbitrio de serem chamados áquelle juizo officiaes do exercito, cujo fôro os devia pôr ao abrigo de exautorações d'esse mez, para serem advertidos e admoestados pelos deprimentes graduados da policia preventiva?

b) Desde quando estão submettidos ao regime de affixada vigilancia policial os officiaes do exercito, como se de malfeitores, com cadastro judiciario, se tratasse?

e) Na questão sujeita, foi corrigido devidamente p autor do enxovalho de que foi victima o tenente-coronel Zeferino, ou ficou sem a merecida punição quem tão flagrantemente abusou da sua situação de funccionario desprezivel, com menoscabo das regalias que legitimamente usufruem os officiaes do exercito?

17.° — Os jornaes de Lisboa correspondentes a 18 de novembro do 1907 noticiaram com significativo laconismo, imposto pela autoridade, que na vespera, pelas 3 horas da tarde, e na Rua do Carriao, quando tres ou quatro individuos preparavam explosivos, houve uma detonação que produziu duas ou tres mortes, sendo preso por essa occasião Aquilino Gomes Ribeiro. Perante tão grave acontecimento, e amoldando me pelo que preceitua o § 34.° do artigo 145.° da Carta Constitucional, requeiro, no caso sujeito, esclarecimentos identicos aos mencionados no n.º 15.° do articulado referente a este Ministerio.

18.° — Nota dos pedidos feitos, no districto de Lisboa, durante o tempo que vigorou o decreto de 20 de junho de 1907, para a publicação de periodicos, havendo nessa informação a attender ao seguinte:

a) Nomes dos solicitantes e titulos das publicações requeridas, com designação das terras em que deveriam aparecer a lume, da sua indole, e da sua feição temporal, isto é, se diarias, se hebdomadarias, se quinzenaes, etc.

b) Enumeração das que foram autorizadas a publicar-se, das que, sendo-o, lhes foi cassada a licença antes de aparecerem a lume; e bem assim, d’aquellas cuja autorização não foi concedida, devendo nos dois ultimos casos serem indicados os motivos determinantes das resoluções tomadas, e em todos elles, especificadas as datas das petições, as das suas entradas nas estações officiaes, e as dos respectivos despachos.

19.° — Em virtude do decreto draconiano de 20 de junho de 1907, foi o Mundo suspenso por 30 dias, a começar de 2 de dezembro de 1907. Não declarando o Diario do Governo, n.° 273 de 3 de dezembro de 1907, de resto, como de costume, qual a prosa incriminada, e não me sendo possivel descortiná-la, requeiro que ella me seja indicada, para apreciar devidamente o acto suspensivo.

20.° — Noticiou a imprensa que na noite de 11 pura 12 de janeiro de 1908, conseguiu evadir-se da esquadra do Caminho Novo um individuo que desde a explosão da Rua do Carrião em 17 de novembro de 1907, se achava detido. Nestes termos, e orientando-me pelo preceituado no § 34.° do artigo 145.° da Carta Constitucional, requeiro as seguintes informações:

a) O nome, a naturalidade, a idade, o estado e a profissão do fugitivo.

b) Iguaes indicações solicito, acêrca dos individuos presos ulteriormente á evasão a pretexto de nella serem participes, ou de terem com ella outra qualquer concomitancia.

c) Especificação do loca1, dia e hora o m que foi detido cada um, e á ordem de quem.

d) Menção do destino que teve cada um d'elles, com a nota de culpa dos que não foram postos em liberdade.

e) Consignação dos dias de detenção preventiva que experimentou cada um, e aonde. , 21.° — Em 16 de janeiro do corrente anno, doze agentes da policia preventiva passaram busca a differentes casas na Foz do Arelho, sob pretexto de nessa povoação, onde tem residencia o prestante cidadão Francisco Grandella, ser dada guarida ao evadido, em 12 do mesmo mês, da esquadra do Caminho Novo. Em presença de tão propositado vexame, attentatorio das immunidades individuaes, careço de que me sejam fornecidos os seguintes informes :

a) Pormenorização do que officialmente conste acêrca da realização da diligencia, do seu resultado e de quem nella tomou iniciativa, ordenando-a; e bem assim, copia de toda a correspondencia e de outros quaesquer documentos respeitantes ao assunto.

b) Designação da reparação official dada aos vexados cidadãos d'aquella localidade, se, consoante é notorio, nada se apurou da diligencia que pudesse sequer desculpar a violencia praticada.

22.° — Segundo noticiaram os jornaes de fim de fevereiro e do começo de março derradeiros, foram dadas ordens pelos poderes publicos, prohibitivas da venda e da circulação de armas de fogo, designadamente em Lisboa e no Porto. Em presença de tão estranho facto e não obstante a portaria de 28 de março de 1908, roqueiro:

a) Copia de todo o expediente official, havido entre este Ministerio e os governadores civis districtaes, acêrca d'esse assunto, nas suas differentes fases.

b) Nota especializada das armas apprehendidas, por districtos do reino, com adstricta enumeração das localidades, dia, mês e anno em que se effectuaram as apprehensões.

c) Esclarecimentos similares solicito com respeito ás medidas prohibitivas, attingindo as casas de penhores os estabelecimentos da venda.

d) Designação nos dois casos anteriores, constantes das alineas b) e c), dos estabelecimentos e das pessoas, por essa medida alvejadas, e cuja identidade, com referencia a pessoas, igualmente peço.

e) Especificação das indemnizações dadas, com motivo das aprehensões, impedimento de circulação e prohibição de venda, cuja illegalidade não offerece duvidas.

23.º — No mês de fevereiro preterito, na vigencia já do actual Ministerio, os jornaes portugueses noticiaram, com echo retumbante nos do estrangeiro, que o Governo adoptara excepcionaes e rigorosas medidas de prevenção, mormente nos quarteis, em virtude de uma intentona favoravel ao restabelecimento dos criminosos processos da derrubada dictadura, e cujos componentes, civis e militares, eram mais ou menos explicitamente apontados. Em marco, novas tentativas se produziram, motivando o emprego de identicas medidas preventivas ás adoptadas em fevereiro. Perante a anormalissima situação criada por estes factos, a qual se prolongou por bastantes dias, com acentuado prejuizo da nação e indubitavel detrimento do exercito, careço de saber:

a) Foram sobre os dois casos feitas quaesquer investigações e levantados quaesquer autos por parte do Juizo de Instrucção Criminal, ou de outra qualquer dependencia policial?

b) Se foram, de uns e outros reclamo copia.

c) Se não foram, requeiro que me sejam designadas as causas determinantes de tão entranha abstenção.

24.° — Caída a ditadura, noticiaram os jornaes portuenses, com reflexo em outros orgãos da opinião, tanto nacionaes como estrangeiros, que, por denuncia de dois policias, se mallograra no Porto uma pavorosa em preparo e cujos effeitos se traduziriam no desterro do cidadãos ali conhecidos — uns pelas suas ideias republicanas e outros pela sua filiação na dessidencia progressista. Foram mencionados até os nomes dos auctores das respectivas listas de prescripção; e, pouco depois, outros relatos appareceram e lume, de feitos similares, tendo por theatra differentes terras do reino. Acêrca do que succintamente fica narrado, reclamo informa-mações identicas ás do n.° 23.º anterior.

25.° — Copia do parecer da Procuradoria Geral da Corôa, referentemente á ratificação do juramento do Chefe do Estado perante as Côrtes.

26.° — O Diario de Noticias de 23 de marco de 1908 trouxe a lume, em correspondencia de Evora de 21, a singular occorencia de o reverendo arcebispo d'aquella diocese ter prohibido que, nas igrejas, se fizessem as eleições, consoante era de uso tradicional.

Não tendo áquelle prelado idoneidade legal para determinar semelhante prohibição,

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12 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

attentas as expressas disposições do artigo.42.° e seus paragraphos do decreto eleitoral de 8 de agosto de 1901, reclamo os seguinte s esclarecimentos:

a) Designação das providencias adoptadas, por este Ministerio, para que a exorbitancia archi-episcopal fosse devidamente corrigida.

b) Copia de toda a correspondencia trocada a tal respeito.

c) E, se correspondencia não houve, indicação, pelo menos, sobre se, a arbitraria prahibição aludida, incidiu apenas sobre as parochias urbanas, ou se attingiu tambem as parochias ruraes.

(Identicas informações requeira pelo Ministerio da Justiça}.

27.º — Copia da consulta da Procuradoria Geral da Coroa sobre se o Chefe do Estado tinha de ratificar o seu juramento perante a Camara dos Senhores Deputados, dissolvida em 27 de fevereiro de 1908, ou perante a que foi eleita em 5 de abril de 1908.

28.° — Copia das investigações, dos inqueritos ou dos autos levantados, por occasião das eleições geraes de Deputados, em 5 de abril e dias ulteriores, e de que resultaram mortes, prisões, rusgas e outros actos policiaes extraordinarios. Correlativamente, e em conformidade com o preceituado no § 34.° do artigo 145.° da Carta Constitucional, requeiro identicas informações ás que constam da n.os 7.°, 9.º e 10.° do articulado concernente a este Ministerio; e, bem assim, mais os seguintes esclarecimentos:

a) Enumeração dos mortos e dos feridos, incluindo os agentes policiaes, civis e militares; de qual a identidade de cada um da sua procedencia, repetimos, militar ou civil, e da arma empregada na aggressão de que foram victimas.

b) Com relação aos mortos, designação: — do local: do dia; da causa; do systema dos mortiferos projecteis empregados; da arma que produziu a morte; e se esta foi immediata, ou que tempo mediou entre ella e a aggressão.

c) Com respeito aos feridos, especialização: — do local; do dia; da causal; da arma que produziu os ferimentos; e dos dias de tratamento que teve cada ferido, e onde.

d) Indicação das armas que foram encontradas aos mortos e aos feridos, no dia e na noite de 5 de abril.

29.° — Na eleição geral realizada em 5 de abril ultimo, interveio a forca publica, nos circulos oriental e occidental, em algumas assembleias urbanas de Lisboa, com violação do artigo 60.º e seus paragraphos, e dos §§ 1.° e 2.° do artigo 13'2.° do decreto eleitoral de 8 de acosto de 1901. Em taes circunstancias, reclamo os seguintes dados elucidativos:

a) Enumeração das assembleias em que interveio a força armada durante as operações eleitoraes, com destrinça de urnas das outras, isto é, em que. se cumpriu, ou não, o estatuido na legislação retro-invocada.

b) Designação, tanto das assembleias em que foi acatado esse preceito, como das que o transgrediram ; e, ainda, da nomes e da posição official; tanto dos respeitadores como dos infractores da lei, que fizeram, uns e outros, as respectivas requisições por escripto ou vocaes, com ou sem a previa approvação dos mesarios.

c) Especificação do correctivo, traduzido por procedimento criminal ou outro qualquer, para com os violadores da citada lei.

30.° — Com patente cumplicidade; policial, ou antes, official, esteve a cidade de Lisboa sujeita ao enxovalho da manifestação aggressiva de garotos e de outros arruaceiros, a qual se prolongou por todo o dia 6, seguinte ao da eleição geral. No dia 9 á tarde, nova falcatrua policial se praticou. Foram assaltados, revistados e vexados pela. policia preventiva o Gremio Republicano de Alcantara, e o Centro Bernardino Machado. Era presença d'esses actos licenciosos e contrarios á boa ordem, reclamo os seguintes esclarecimentos:

a) Indicação dos motivos determinantes da escandalosa abstenção da policia, civil e militar, durante as vinte, e quatro horas, ou pouco menos, em que a capital do reino esteve sob o dominio da escoria arruaceira, a qual impunemente póde desacatar e maltratar a quem lhe aprouve.

b) Especificação dos castigos infligidos aos agentes da policia, militar e civil, e do procedimento havido por outras quaesquer entidades, a cuja sombra protectora a garotada arruaceira operou a seu falante.

c) Designação das causas que imperaram para que se effectuassem as vexatorias buscas nos dois centros republicanos supramencionados, e quaes os resultados obtidos por essa tão arbitaria quanto violenta medida, caracteristica do absolutismo bastardo subsistente.

PELO MINISTERIO DA JUSTIÇA

1.° — Copia das instrucções dadas pelos procuradores regios, junte das relações de Lisboa e Porto, aos agentes do Ministerio Publico, afim de que estes promovessem, perante os respectivos districtos criminaes, para que fossem instaurados, e seguissem seus tramites, processos motivados pelas desordens occorridas nos dias 17 e 18 de julho de 1907 no Porto, e nos dias 18 e 19 em Lisboa, por occasião da ida do Sr. Conselheiro João Franco áquella cidade, e do seu regresso d'ali.

2.°— Copia do requerimento em que o Sr. Cardeal José Netto solicitou do poder civil a sua resignação ou renuncia ; e, bem assim, de toda a correspondencia trocada, respeitantemente á resignação d’esse exprelado de Lisboa e á nomeação do seu successor; e, ainda, da referente ao restante movimento episcopal, concernente ás outras dioceses, providas pela mesma epoca.

3.° — Segundo nota official que ma foi communicada, deu entrada, em 4 de setembro de 1900, na Direcção Geral dos Negocios Ecclesiasticos, um orneio do director da Associação Missionaria dos Padres do Espirito Santo, cuja copia me foi tambem fornecida, e nella se affirma: — «que tendo sido contemplados com varios legados no testamento da Condessa de Camarido os tres membros da asso fiação, Padre José G. Eigenmam, Felix Girollet e Ambrosio Umbaldo Silvand, d'esses legados desistiam os mesmos padres, cujas procurações, para legalização do repudio, seriam em breve enviadas per elles; ausentes de Lisboa». Perante estas terminantes declarações, autenticadas com a assignatura do Padre José Maria Antunes, director da Associação dos Frades do Espirito Santo, desejo saber:

a) Tornou-se effectivo esse compromisso?

b) Em tal caso, solicito copia da desistencia e de outro qualquer documente concernente ao assunto, e ainda de toda a correspondencia trocada sobre a materia.

4.° — A lei de 16 de julho de 1855 manda proceder, no seu artigo 8.° a inventario judicial rios bens da Corôa immoveis e moveis. Por iniciativa de Rodrigues de Freitas, a Camara electiva approvou por unanimidade de votos, na sua sessão de 25 de abril de 1879, a seguinte moção:

«A Camara dos Deputados da Nação Portuguesa confia em que será immediatamente cumprido, em toda a sua extensão, o artigo 8.° da lei de 16 de julho de 1855 acêrca do inventario judicial dos bens da Corôa de Portugal.»

Na sessão da citada Camara, de 9 de abril de 1885, e discutindo-se o pagamento das dividas á Casa Real, o Sr. Consiglieri Pedroso exbibiu um officio do administrador da mesma casa, em que se affirma que. depois de formulado parecer pelo procurador geral da Corôa, o mencionado administrador requereu, em 1880. ao juiz da 6.ª vara de Lisboa para começar o inventario. Nestas condições, careço dos seguintes esclarecimentos:

a) Está já ultimado o inventario? Se está, d'elle peço copia.

b) Se não está, quaes as determinantes de tão prolongada demora?

c) Chegou, de facto, a iniciar-se a elaboração d'elle?

d) Se chegou, quando e porque foi interrompido?

e) Em que altura precisa se encontram, na actualidade, as operações de inventariação?

5.º — Lista, referente, a 30 de abril do anno corrente, dos juizes da Relação dos Açores, cujo quadro é de um presidente, um vice-presidente e seis simples vogaes. Nesse informe deve mencionar-se:

a) Quaes os juizes que se encontram em Ponta Delgada, no desempenho do seu cargo.

b) Quaes os que de ali estão ausentes, e desde quando; e bem assim se desempenham ou não funcções publicas, isto é, qual a situação em que se acha cada um, e em virtude de que disposição legal.

6.° — Por decreto de 20 de janeiro de 1908, com o visto do Tribunal de Contas, foi mandado exercer illegal e interinamente o logar de auditor do Tribunal Superior do Contencioso Fiscal, o Sr. Conselheiro João José da Silva, juiz da Relação de Lisboa, substituindo no exercicio do mesmo cargo o Sr. Conselheiro Neves e Sousa, juiz de segunda instancia, que não menos interina e illegalmente o occupava, no impedimento do competente titular, o Sr. Conselheiro João Franco, cuja illimitada licença não é tambem menos illegal. Attento o sudario que ficou exposto, requeiro os esclarecimentos seguintes:

a) Copia dos expedientes de secretaria, respeitantes ás nomeações dos Srs. Conselheiros Neves e Sousa e João José da Silva para a auditoria fiscal.

b) Declaração sobre se o Sr. Conselheiro João José da Silva accumula as funcções de juiz da Relação de Lisboa, com as de auditor interino; e, dado o caso de no accumular, se conserva o seu logar no quadro da mesma Relação.

c) Especificação dos vencimentos que elle mensalmente cobra por este Ministerio, desde a sua nomeação para a auditoria fiscal, até a presente data.

7.° — Pormenorização, não esquecendo a identidade dos accusados, dos actos de justiça, nos varios tribunaes, e devidos ás ocorrencias que se deram desde 1 de junho de 1907 até a presente data e abrangendo:

a) Os acontecimentos promovidos pela ida ao Porto, e regresso a Lisboa, do Sr. Conselheiro João Franco, no n és e anno supramencionados.

b) As explosões da Rua de Santo Antonio, á Estrella, e do Carrião.

c) As numerosas prisões realizadas, mormente nos ultimos tempos da despotica dictadura.

d) Os sucessos que antecederam, acompanharam e succederam ao regicidio, merecendo entre elles, alem do proprio regicidio, menção especial, a projectada pavorosa do Porto, denunciada por dois policias, e cuja organização e cujos intuitos foram patenteados pela imprensa que chegou mesmo a publicar os nomes dos organizadores das listas de republicanos e dissidentes d'aquella cidade, indigitados para o desterro; as listas de prescripção, elaboradas em varias localidades do reino; e as duas intentonas, de fevereiro e de março derradeiros, e cuja attribuição a determinados elementos civis e militares appareceu claramente em jornaes portugueses e estrangeiros, tendo por fim tão insanos commetimentos restaurar es criminosos processos da obnoxia e funesta dictadura, esmagada em 1 de fevereiro.

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SESSÃO N.° 2 DE 4 DE MAIO DE 1908 13

8.° — Nota especializada da despesa feita por este Ministerio, no processo Djalme, com o pagamento aos juizes de direito de Lousada e de Penafiel, os quaes com o juiz de Paredes, constituiram o tribunal collectivo, perante o qual compareceu aquelle official do exercito.

PELO MINISTERIO DA FAZENDA

1.° (Documento requerido em 19 de novembro He 1906, repetido em 7 de janeiro de 1901, ainda não satisfeito, e pelo qual insto, não obstante o decreto dictatorial de 30 de agosto da 1907 e o que o derogou em 27 de fevereiro de 1908). — Que me seja enviada, com urgencia, nota dos emprestimos feitos á Casa Real, desde 1 de janeiro de 1887 até o presente, devendo nesta informação attender-se ao seguinte:

o) Relação nominal dos contemplados, mo tivo ou pretexto de cada emprestimo ou adeantamento, designação dos funccionarios que os autorizaram e em que termos;

b) Importancia de cada emprestimo ou adeantamento, data em que foi cada um realizado, somma por cada contemplado e totalidade de todos os adeanta mentos ou emprestimos.

c) Especificação do modo como elles foram escripturados e das providencias de ordem criminal que o assunto reclama, tomadas por qualquer Governo, e ainda das attinentes á reintegração no Erario, com os respectivos juros, das quantias d'este desviadas illegalmente.

2.° — Para apuramento das responsabilidades financeiras do Ministerio que foi presidido pelo Sr. Conselheiro João Franco, requeiro o seguinte:

a) Nota de todos os recursos do Thesouro existentes em 19 de maio de 1906, no país e no estrangeiro. (Creditos, depositos, contas correntes, saldos em cofre, papeis de credito do Estado e de companhias particulares, etc.) Idem de mez a mês até 31 de janeiro de 1903.

b) Nota das dividas a fornecedores, nessa data. Idem em 31 de janeiro de 1908.

c) Nota exacta, circunstanciada e desenvolvida do estado da divida fluctuante em 19 de maio de 1906, com todos os esclarecimentos (supprimentos, contratos, letra:», escriptos do Thesouro, etc ) Idem do mês em mês, até 31 de janeiro de 1908.

d) Nota dos recursos extraordinarios de que se lançou mão, desde 19 de maio de 1906 a 31 de janeiro de 1908.

e) Nota dos pagamentos não previstos no orçamento e que se escripturaram em operações de thesouraria. desde 19 de maio de 1906 a 31 de janeiro de 1908.

f) Nota das dividas das provincias ultramarinas em 19 de maio de 1906 a 31 de janeiro de 1908.

g) E, emfim, outros quaesquer esclarecimentos, concernentes ao referido periodo, e que possam avolumar ou diminuir o deficit ordinario, taes como adeantamentos aos caminhos de ferro, agio do ouro, expedições á Africa, etc.

3.º — Nota de toda a divida especificada do Thesouro e dos supprimentos por liquidar em 30 de abril do anno corrente, com designação dos penhores fornecidos em garantia, do nome dos mutuantes e do encargo annual da operação.

4° — Nota, por meses, do fundo interno vendido em Portugal e no estrangeiro, desde 30 de setembro de 1906 até 30 de abril de 1908, com indicação da sua totalidade e do fundamento legal da venda.

5° — Identicos esclarecimentos solicito relativamente ao fundo externo, nas datas supracitadas.

6.° — Nota da receita bruta da exploração, pela empresa Hersenf, do porto de Lisboa, desde 30 de junho de 1906 até 8 de maio, inclusivamente, de 1907.

7.° — Noticiou, em seu tempo, a imprensa que a Companhia dos Tabacos entrara para o Thesouro, no dia 10 ou 12 de junho de 1907, com a quantia de 1:876 contos de réis. Pergunto:

a) Qual a origem da entrada d'esta quantia? Deriva da exploração do exclusivo do tabaco, os de alguma operação de thesouraria?

b) Em qualquer caso, desejo ser esclarecido concementtimente á legalidade d'essa operação, citando-se o diploma ou diplomas que a autorizaram, e a justificam

8.° — Um exemplar do relatorio da direcção da Companhia dos Tabacos, referente ao exercicio de 1906, o outro relativo ao exercicio de 1907 5 e bem assim um exemplar do relatorio da Associação Commercial de Lisboa, concernente a 1907.

9.° — Um exemplar do relatorio do Banco de Portugal, correspondente a 1907; e tambem um exemplar do Memorandum financeiro, expedido em fevereiro ultimo ás legações portuguesas, por este Ministerio.

10 ° — Na assembleia geral em que foi apreciado o relatorio do exercicio de 1906, da Companhia dos Tabacos, resolveu esta fazei uma distribuição supplementar de dividendo, aos accionistas, empregando para isso parte do excesso extra legal dos seus fundos de reserva. Pergunto:

a) Compartilhou, segundo a letra da lei, o Estado, d essa distribuição ? Por tal operação, quanto lhe coube?

b) Em conformidade tambem com os preceitos legaes, tiveram a sua quota parte, na distribuição, o pessoal operario e não operario da Companhia?

c) Se o Estado e o pessoal operario e não operario deixaram de participar da distribuição, que providencias adoptou o Governo para que fosse integralmente cumprido o estatuido no artigo 5.° da lei de 23 de março de 1891, isto é. a que tinha applicado no exercicio de 1906?

11.° — Nota circumstanciada do emprestimo ou supprimento de 1.350:000 libras contratado com a casa Henri Burnay & C.ª em setembro ou outubro do 1907, com designação dos penhores fornecidos em garantia, da autorização legal para a emissão previa d'esses penhores, no todo ou em parte, e do encargo da operação, cujo fundamento legal careço igualmente conhecer, quando ella tenha sido effectivamente um emprestimo e não um supprimento ou simples operação correntia da thesouraria.

12.° — Nota especificada das aclarações feitas ao contrato aos tabacos em vigor, com a menção dos motivos determinantes da sua effectivação e dos textos legaes que as autorizaram, e bem assim com a copia do parecer da Procuradoria Geral da Corôa, se de facto esta foi ouvida anteriormente a realizarem-se taes aclarações.

1-3." — Nota dos despachos effectuados pela alfandega de Lisboa, com isenção de direitos, de quaesquer artigos importados e consignados ao Nuncio Apostolico, Monsenhor Tonti, desde 1 de outubro de 1906 até 31 de março de 1907. A este respeito careço ainda de saber:

a) Algum dos artigos despachados deu margem ulteriormente a apprehensão e instauração de processo aduaneiro?

b) Em tal caso, d'elle peço copia, desde o seu inicio até a sua conclusão.

14.° — Pelo § 5.° do artigo 1.° da lei de salvação publica de 26 de fevereiro de 1892 nenhum funccionario poderá receber par ordena dos emolumentos, incluindo tanto os aduaneiros de qualquer ordem, como os judiciaes, pensões, soldos e quaesquer outras remunerações pagas directamente pelo thesouro, nem por accumulações, somma excedente a 2:000$000 réis annuaes, se estiver em serviço activo.. Pelo artigo 18.° do decreto orçamental de 29 de junho de 1907 promulgado em dictadura, aquella verba foi elevada a 3:000$000 réis. Em taes condições, careço que me sejam fornecidos os seguintes esclarecimentos:

a) Emquanto eram cerceados annualmente, em conformidade com o § 5.° do artigo 1.° supracitado, os vencimentos, na parte relativa aos emolumentos, do Sr. Conselheiro João Franco, como juiz do contencioso fiscal?

b) A indicação requerida deve referir-se aos annos civis que decorrem de 1900 a 1905 inclusivamente.

15.° — Copia do inventario dos bens da Corôa.

16:° — Prevenindo a hypothese de ainda não estar elaborado o inventario dos Léus moveis e immoveis da Corôa, regueiro que me sejam fornecidos: o seu relacionamento, especializando-se n’elle os que ella usufrue na actualidade; e, ainda, a relação d’esses bens em 1 de janeiro de 1885, com especificação dos que foram ulteriormente alienados, do producto metallico das alienações e de como este foi applicado; e, bem assim, citação dos diplomas autorizantes das operações alienatorias.

17.° — Pela alinea a) do § unico do artigo 19.° da carta de lei de 12 de junho de 1901, é auctorizado o Governo a pagar á administração da Casa Real a importancia das rendas dos predios pertencentes á Corôa e que o Estado usufrue para diversos serviços publicos, podendo abrir os creditos especiaes necessarios nos termos d'esta lei, e sendo a disposição d'esta alinea declarada de execução permanente. Nestes termos solicito as seguintes informações:

a) Designação dos predios constantes da alinea invocada e dos nomes dos signatarios em cada despacho e em cada escriptura ou contrato celebrados,' de cujo dispositivo legal, auctorizando-os, peço a citação.

b) A data de cada arrendamento e a sua duração, e, bem assim, a importancia monetaria de cada um.

c) Somma, por annos civis, das rendas cobradas pelo usufrutuario dos bens da Corôa, desde o começo dos arrendamentos até 31 de de dezembro de 1907; e totalidade da cobrança, nesse periodo.

d) Especificação do numero de vezes de que se usou de decretos especiaes para pagamento d'essas rendas; e designação das datas d'esses diplomas e se todos foram publicados no Diario ao Governo, cujos annos, meses e dias desejo, em taes condições, enumerados.

e) Declaração sobre se, nos anteriores reinados do periodo constitucional, houve algum outro contrato, com estipendio á fazenda real, d'este genero ou similar. Se houve, peço a sua pormenorização.

18.° — Nota especificada dos abonos ou adeantamentos illegaes á Casa Real, desde o seu inicio até a presente data, consoante o que integralmente conste da escripturação d'este Ministerio.

19.º — Copia do cadastro da Casa de Bragança, aditado com o rendimento livre produzido por cada predio; e nota circunstanciada de qualquer adeantamento ou emprestimo que a mesma casa tivesse feito á fazenda da Casa Real.

20.° — Nota pormenorizada dos bens particulares immoveis adquiridos pelo fallecido rei D. Carlos, com a correlativa designação da sua importancia sonante e data das acquisições, e do rendimento livre de cada propriedade.

21.° - No relatorio que acompanha o dictatorial decreto liquidatario de 30 de agosto de 1907, revogado pelo decreto de 27 de fevereiro de 1908, menciona-se a circunstancia de, durante a gerencia do Governo transacto, a administração da Casa Real ter contraindo um emprestimo no Banco de Portugal e de ter aumentado as suas outras dividas. Em taes condições, careço de que me sejam fornecidos os seguintes esclarecimentos:

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14 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

a) Nota especificada das dividas da Casa Real a particulares e a estabelecimentos bancarios, no país e no estrangeiro, em 30 de agosto de 1907.

1) Nota igualmente especificada das dividas, em identicas circunstancias, da mesma Casa, em 31 de janeiro de 1903.

22.° — Segundo o relatorio do decreto dictatorial de 30 de agosto de 1907, derogado pelo decreto de 27 de fevereiro de 1908, foram auctorizadas pagamentos pelas leis de 13-5-96 e 12-6-901, a titulo de liquidação de antigas reclamações da Corôa. Quanto aos pagamentos resultantes da lei de 12-6-901, d'elles me occupo no n.° 17 do articulado referente a este Ministerio. Com relação aos outros, careço de ser informado:

a) Da importancia das quantias reclamadas, com a data precisa em que foram formuladas as reclamações, e se estas foram satisfeitas integralmente, ou se experimentaram abatimento.

b) Dos despachos ministeriaes cujo traslado solicito e que mandaram realizar os pagamentos de cuja effectivação desejo igualmente conhecer as datas.

c) De quaes os artigos da lei de 13 de maio de 1896 que consignam as invocadas auctorizações de pagamentos.

et) Desde 1832, deu-se em qualquer epoca, sem ser no reinado transacto, anormalidade identica á que fica registada?

e) Se assim succedeu, reclamo a pormenorização do occorrido.

23° — Com respeito á situação da Familia Real, perante o imposto de rendimento estatuido pela lei de salvação publica de 2(5 de fevereiro de 1892, necessito das seguintes informações:

a) Qual o mês e anno em que a Familia Real, por cada um dos seus membros, deixou de contribuir para as urgencias do Erario, com aquelle tributo; e se depois de 1892, recebeu ou recebe a sua dotação em ouro, devendo, se recebeu ou recebe, mencionar-se desde quando o pagamento se effectuou ou effectua nessas condições.

b) Declaração sobre se em algum periodo, depois de 1892 até a presente data, a Familia Real deixou de concorrer para as necessidades do Estado, quando sobre os funccionarios publicos incidiu qualquer imposto ou medida tributaria, cerceando-lhes os vencimentos.

c) Tendo-se dado essa exclusão, careço de que me sejam indicados os nomes dos excluidos, e a epoca em que taes occorrencias se deram.

d) Igualmente necessito ser instruido sobre se, durante os anteriores reinados do periodo supposto constitucional, houve alguma vez differença de estipendio, em beneficio dos membros da Familia Real, ou se receberam sempre na moeda corrente, em que se realizaram no país os outros pagamentos do Thesouro. No primeiro caso, peco que sejam indicados os nomes e as datas em que se praticaram taes excepções.

24.° — O decreto de 15 de dezembro de 1894 estatue no seu artigo 5.°:

«A nenhum funccionario poderá ser concedida licença para estar ausente do exercicio do seu emprego ou funcção, por mais de tres meses seguidos, ou interpolados, dentro de um anuo.»

Não obstante esta expressa determinação legal, cuja aplicação tem sido uniforme, praticou-se uma odiosa excepção para com o Sr. Conselheiro João Franco, cuja assignatura figura no mencionado decreto, excepção confirmada pelo despacho de 5 de fevereiro ultimo, inserto no Diario do Governo de 5 de março, e assim concebido:

Conselheiro de Estado João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, auditor do Tribunal do Contencioso Fiscal, concedida licença sem vencimento para gozar em país estrangeiro.

Em presença de tão accentuada prova de nepotismo, requeiro:

a) Copia de todo o expediente respeitante á concessão da alludida licença illimitada; e, bem assim, copia na integra, do diploma em que ella foi conferida.

b) Indicação de outras quaesquer circunstancias, identificadas ou correlativas com semelhante despacho.

25.° — Com infracção do estatuido no artigo 66.° do decreto n.° 2 de 24 de setembro de 1894, e com o visto do Tribunal de Contas, foi nomeado por decreto de 20 de janeiro de 1908, o Sr. Conselheiro João José da Silva, juiz da Relação de Lisboa, para exercer interinamente as funcções do Auditor do Tribunal Superior do Contencioso Fiscal, substituindo no exercicio d'este mesmo cargo o Sr. Conselheiro Neves e Sousa, juiz de 2.ª instancia, que não menos interina e illegalmente o occupava, no impedimento do competente titular, o Sr. Conselheiro João Franco, cuja illimitada licença não pode tambem ser mais alheia á legalidade e correcção. Dadas as circunstancias exposta?, careço de que me sejam fornecidas as seguintes informações:

a) Copia dos expedientes de secretaria, respeitantes ás nomeações dos Srs. Conselheiros Neves e Sousa e João José da Silva para a auditoria fiscal.

6) Declaração sobre se o Conselheiro João José da Silva accumula as funções de auditor interino cem as de juiz da Relação de Lisboa.

c) Especificação dos vencimentos que elle mensalmente tem cobrado, por este Ministerio, desde a sua nomeação para a auditoria fiscal até a presente data.

26.º — Um exemplar da lista dos funccionarios da Administração Geral das Alfandegas, ultima edição.

27.° — Nota especializada de como tem sido applicado o producto do emprestimo de 12:000 contos de réis, de 10 de março de 1905, e destinado á construcção do caminho de ferro de Swazilandia e 1.ª secção das obras do porto de Lourenço Marques, isto é, indicação por datas, das quantias realizadas, e d'estas destrinçar a importancia que teve applicação legal da que levou outro destino, cuja pormenorização igualmente reclamo.

(Identicas informações requeira pelo Ministerio da Marinha e do Ultramar).

28.° — Copia das instrucções que, em conformidade com o artigo 2.º do abominavel decreto de 23 de abril derradeiro, foram, ou vão ser expedidas, pelas repartições competentes, para execução do mesmo detestavel decreto.

(Identicos esclarecimentos reclamo pelo Ministerio do Reino).

PELO MJNISTERIO DA GUERRA

1º — Nota da despesa feita com a installação do Supremo Conselho de Defesa Nacional; e bem assim do despendido com as installações derivantes da reforma da Secretaria da Guerra e serviços associados. N'esta especificação haverá a attender ao seguinte:

a) Designação dos varios serviços e sua distribuição pelos differentes edificios publicos.

b) Despesa realizada com cada uma installação.

e) Somma de todo o despendido.

d) Indicação da verba ou verbas das quaes saíram as despesas realizadas.

e) Citação do diploma legal que as autorizou.

2.°—Copia da ordem do Sr. general commandante da 3.ª Divisão Militar ordenando á officialidade da guarnição do Perto a sua comparencia na estação de S. Bento, por occasião da chegada ali, em 17 de junho de 1907, do Sr. Conselheiro João Franco, Presidente do Conselho do Ministros.

3.° — Por portaria de 26 de agosto de 1907, deixou de se effectuar no outono preterito, sob pretexto de excepcional estiagem, a mobilização da 4.ª divisão militar. Em taes circunstancias, requeiro, com referencia ao assunto, e até aquella data, a nota da despesa realizada com a mallograda mobilização, havendo a attender, nos informes que solicito, ás seguintes indicações:

à) Quanto tempo se gastou nos trabalhos preliminares da fallida mobilização, de cuja desconhecida ordem de iniciação pretendo todas as indicações, que não tenham caracter reservado.

b) Especificação das despesas extraordinarias feitas com o pessoal, animal, material, ajudas de custo, gratificações e outras quaesquer, resultantes dos trabalhos preparatorios da mallograda mobilização.

c) Na nota das despesas, desejo que sejam separadas as varias verbas, consoante a sua procedencia: que de cada especialidade se indique a somma do despendido; e que de todas ellas se designe a sua totalidade.

d) Discriminação, pelo que respeita ao material, do que foi adquirido no estrangeiro, e do que se obtevo dos estabelecimentos fabris do Estado, ou da industria particular, devendo, neste ultimo caso, mencionar-se se a acquisição se realizou por concurso publico, ou como.

4.° — Depois da publicação da portaria de 26 de agosto de 1907 continuaram, consoante é notorio, os trabalhos para mobilização especial da 4.ª divisão militar. Com respeito a elles, e desde essa data, requeiro informações, amoldadas pelas alineas exaradas no numero anterior, com a indicação precisa do dia, mês e anno em que foram de novo, e definitivamente postos de parte, como acto isolado n’aquella unidade.

5.° — Relação dos comboios especiaes e dos salões atrelados a comboios ordinarios de que se fez uso nas linhas das companhias ferroviarias e nas do Estado, durante o tempo decorrido desce 30 de setembro de 1906 até 31 de dezembro de 1907. Neste relacionamento, deve ter-se em attenção o seguinte:

a) Designação do dia, mês e anno em que houve comboios ou salões especiaes.

b) Especificação da pessoa ou pessoas a favor de quem foram requisitados os comboios ou os salões especiaes.

c) Motivo da requisição de cada comboio ou salão.

d) Preço de cada transporte.

e) Somma. por annos, do despendido.

f) Indicação do percurso.

8.° — Copia de todo o expediente respeitante á competencia disciplinar attribuida pela Secretaria da Guerra ao director da fabrica da polvora de Barcarena, tendo dado pretexto á resolução então tomada o castigo infligido em 12 de abril de 1907, pelo director, o Sr. major Antonio Augusto Ferreira, a duas praças do destacamento de infantaria 5, aquarteladas nesse estabelecimento fabril.

7.° — Os officiaes em serviço effectivo junto do Rei vencem duas gratificações correspondentes ao posto de cada um, tendo sido, por largos annos, satisfeita uma d'essas gratificações pela Fazenda da Real Casa. Perante o que fica exposto, careço de saber:

a) A data precisa em que o Thesouro Publico passou a satisfazer as duas gratificações; e qual o diploma especial que autorizou esse pagamento.

b) Desde quando figuram essas cummulativas despesas nos orçamentos do Estado.

c) Antes d'isso, de onde saiam ellas ou como eram escripturadas; e quanto tempo durou este expediente, transitorio.

d) A quanto ascenderam essas verbas, nos annos economicos de 1905-1906 e 1906-1907.

e) Desde 1832 deu-se, em qualquer epoca, sem ser no anterior reinado, anormalidade identica á que fica registada?

f) Em caso afirmativo, desejo a pormenorização do succedido.

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SESSÃO N.° 2 DE 4 DE MAIO DE 1908

8.°, — O tenente-coronel reformado, o Sr. Zeferino de Moraes, foi chamado ao Juizo de Instrucção Criminal, em agosto de 1907, e ali admoestado por um dos graduados da policia preventiva e successivamente submettido á vigilancia de agentes policiaes, tendo-se produzido estas estranhas occorrencias em virtude de queixa de terceira pessoa. O tenente-coronel Zeferino representou ao Sr. general commandante da 1.ª divisão militar contra os aggravos que lhe foram feitos, conforme a imprensa noticiou. Attentos os factos expostos, requeiro o seguinte:

a) Copia da exposição do reclamante e do correspondente despacho.

b) Designação das providencias attinentes a que não tornem a repetir-se arbitrios e desacatos, como o que foi commettido em desabono do tenente-coronel Zeferino, com menoscabo dos officiaes do exercito.

c) Indicação das medidas adoptadas para corrigir o autor dos desmandos policiaes, de que foi alvo o mesmo official.

9.° — Pelo decreto dictatorial de 27 de junho de 1907, é facilitada a criação de carreiras de tiro na metropole. Por decreto igualmente ditatorial de 10 de agosto de 1907. são ampliadas ás provincias ultramarinas as facilidades metropolitanas, para a organização de carreiras d'esta indole. Pouco depois de decretadas estas medidas, foi mandada suspender, em setembro, a inscripção de atiradores na carreira de tiro de Pedrouços. Neste termos, requeiro:

a) Copia da ordem suspensiva da inscripção.

b) Designação do numero de inscriptos, data em que foi determinada a suspensão.

c) Indicação dos inscriptos nos seis annos anteriores, em o mez e dia correspondentes aos de 1907, em que foi ordenada a suspensão.

d) Enumeração de qualquer providencia attinente a reparar, ou, pelo menos, a attenuar os prejuizos derivantes do cerceamento adoptado para com a carreira de Pedrouços.

10.° — Nota, ou mappa, do movimento dos coroneis de infantaria, desde 19 de maio de 1906 até 7 de novembro de 1907, devendo essa informação obedecer aos seguintes preceitos:

a) Designação, no periodo indicado, dos coroneis d'aquella arma, que saíram do respectivo quadro, quer por irem servir em Ministerios estranhos áquelle, quer por passagem á inactividade, á reserva, eu serem ré formados,, quer por haverem sido abatidos no effectivo por terem fallecido, ou por outra qualquer circunstancia.

b) Especificação do dia, mês e anno em que cada um d'elles foi separado do quadro da sua arma, com citação do correlativo diploma determinante da separação.

c) Enumeração dos que requereram mudança de destino, e bem assim dos que a tiveram sem a solicitarem, e, neste caso, indicação dos motivos que a produziram.

11.° — No Porto, foi enterrado com a assistencia de um pastor evangelico, em 11 de novembro de 1907, o cabo da guarda fiscal Joaquim Leitão, que professava a religião protestante. Por este motivo, a força que compareceu no cemiterio, não lhe prestou as honras funebres a que tinha direito o fallecido. Em taes condições, careço de saber:

a) Quem deu a ordem para que as honras funebres não fossem prestadas a quem de direito cabiam.

b) Se foi punido o autor da infracção comettida; e, sendo-o, qual o castigo applicado.

12.° — As duas peças Krupp de 25 e desembarcadas do cruzador Vasco da Gama, foram conduzidas para proximo da estação de Oeiras, junto da estrada militar, a fim de serem aproveitadas na defesa do porto de Lisboa. - Tanto as duas peças, como os respectivos reparos e munições, foram examinados por uma commissão presidida pelo capitão de artilharia, o sr. José Nunes Gonçalves, e cujo relatorio foi entregue no Ministerio da Guerra em 14 de novembro de 1907. Em taes circunstancias, requeiro:

a) Copia d'este relatorio.

b) Indicação da despesa feita com a conducção effectuada em dezembro de 1907, do Arsenal da Marinha para o campo entrincheirada, das duas bocas de fogo e seus pertences.

c) Designação do local em que foram mandadas montar, e quando se" ultimou essa operação.

13.º — Copia das duas circulares da Direcção da Administração Militar, sendo uma de 2 de julho de 1907 e a outra de 20 de julho de 1907, e ambas ellas concernentes ás deducções a effectuar nos soldos dos officiaes do exercito, sujeitos a imposto do rendimento.

14.° — Copias das instrucções ou recommendações especiaes, emanadas do Ministerio da Guerra, para terem execução durante os meses de janeiro e de fevereiro, em que estiveram retido, em alguns fortes do campo entrincheirado de Lisboa, bastantes presos politicos. Referentemente a este assunto, requeiro mais:

a) Designação dos fortes em que houve reclusos; do numero d'estes em cada forte; da natureza da detenção, isto é, se em grupos, se isolados, com incommunicabilidade, ou não externa; e ainda do regime alimentar a que os detidos estavam sujeitos.

b) Indicação do nome, naturalidade, idade estado de cada um.

e) Menção do destino que tiveram e consignação dos dias de prisão que cada um experimentou, e onde.

15.° — Consoante fica consignado no n.° 23 do articulado referente ao Ministerio do Rei no, pouco depois do actual Ministerio subi ao poder, houve uma intentona, com ulterio repetição em março, favoravel, segundo s bosquejava, ao restabelecimento dos crimino sós processos da despota dictadura, e cujo elementos, civis e militares, eram indigna dos. Attentas estas circunstancias, de que resulta indiscutivel desdouro para o exercito requeiro:

a) Indicação das providencias que foram adoptadas para que as duas desordeiras tentativas se mal lograssem.

b) Nota das medidas disciplinares, ou de outra qualquer natureza, empregadas contra os autores de taes intentos.

(Identicos esclarecimentos peço e concernente mente ao Ministerio da Marinha e Ultramar}

16.° — Relacionamento especificado, com indicação de posto ou patente, dos militares transferidos e dos detidos, em virtude dos acontecimentos politicos, cujo inicio data de 10 de maio de 1907 e cujo termo é marcado pela queda da dictadura. Com respeito a todos estes militares, careço das folhas de assento; e relativamente aos detidos, necessito mais que se indique, alem da data da prisão, o destino que teve cada um.

(Identicas informações solicito pelo Ministerio da Marinha e Ultramar).

17.° — Com indubitavel violação do artigo 198.° da reforma do exercito de 7 de setembro de 1899, recolheu da Direcção Geral do Ultramar — onde estava commissionado — ao Ministerio da Guerra, o Sr. coronel do serviço do Estado Maior, Antonio Alfredo Barjona de Freitas. Secamente, sem a minima explicação, é mencionada a transferencia, na Ordem do Exercito n.° 7 (2.ª serie) de 23 de março de 1908. Em presença de semelhante acto, praticado com menoscabo da lei e; demais, com manifesto prejuizo de terceiros, realismo a pormenorização das circunstancias que o determinaram, se alguma circumstancia, houve a attender alem do arbitrio; e designadamente, quanto a este Ministerio, copia da guia ou guias com que ao da Marinha e Ultramar foi mandado apresentar, e com que de lá regressou.

(Identicos esclarecimentos requeiro pelo Ministerio da Marinha e Ultramar).

18.° — Copia de todo o expediente relativo á transferencia do Sr. Coronel Vasconcellos Porto, do Ministerio da Guerra para a Direcção Geral do Ultramar. Esse expediente deve abranger: — a ida primitiva d'aquelle official para essa direcção; a sua situação, com respeito á mesma direcção, durante o tempo em que exerceu as funcções de Ministro da Guerra, isto é, desde 19 de maio de 1906 a 4 de fevereiro de 1908; e a sua conservação ou regressão á designada Direcção Geral, ulteriormente á sua exoneração de Ministro.

19.° — Com respeito á detenção de numerosos individuos em recintos militares, motivada pelas eleições geraes, em 5 de abril ultimo e dias subsequentes, reclamo informações identicas ás consignadas no n.° 14.° do articulado concernente a este Ministerio.

20.° — Copia de quaesquer investigações, autos ou inqueritos, incluindo o elaborado pelo Sr. general Noronha de Gouveia, effectuados em virtude dos tumultos, com intervenção da força publica, derivados estes do acto eleitoral, em 5 de abril, e de occorrencias em dias subsequentes, com perdas de vidas e com inumeras prisões. Independentemente d'estes documentos, requeiro mais:

a) Enumeração dos autos levantados; de quem elaborou cada um; e a que assumpto e caso cada um era referente.

b) Relativamente á intervenção violenta da guarda municipal no templo de Santa Justa, indicação: — de quem deu ordem para a entrada, na igreja, da força armada, cujo relacionamento reclamo, com os nomes e postos dos officiaes e sargentos que d'ella faziam parte; do tempo que ella usou das armas de fogo, isto é, desde quando até quando, precisando, demais, o numero de cartuchos consumidos por cada praça e na sua totalidade, e se o appello para esse meio extremo foi antecedido das intimações e avisos previos regulamentares; de quem introduziu ou franqueou á força publica o coro da igreja, de cujas janelas, ou varanda externa, foram barbara e cobardemente fuzilados os pacificos transeuntes, civis e militares, do largo de S. Domingos e redondezas; e, por ultimo, de quem deu ordem para a municipal ser substituida por tropa de linha, a que hora se effectuou a substituição, a que corpo pertencia a força substituinte, cuja composição desejo tambem mencionada, com especificação dos nomes e graduações dos respectivos officiaes e sargentos.

c) Pormenorização de todo o occorrido, tendo-se para isso presente o que estabelecem os n.os 7, 9, 10 e 28 do articulado correspondente ao Ministerio do Reino.

{Informações similares reclamo pelo Ministerio da Marinha e Ultramar, na parte em que das possam ter cabimento).

21° — Nota especificada do producto das remissões militares e da sua aplicação, nos annos civis de 1905, 1906 e 1907.

PELO MINISTERIO DA MARINHA E ULTRAMAR

1.° — Noticiou a imprensa que, no decorrer do primeiro semestre de 1907, foram aprehendidas, pela alfandega de Benguella, oitocentas e tantas armas finas, que negociantes n'aquella cidade pretendiam introduzir fraudulentamente para negocio com o gentio. Em presença d'isto, desejo saber:

a) Os nomes d'esses negociantes e os dos emettentes ou remettente.

b) Qual o navio que conduziu o contrabando e guerra.

c) As circunstancias em que foi feita a aprehensão.

d} O numero preciso das armas apprehendidas; qual o seu systema; e a que eram desfiadas.

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ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

e) A importancia, em dinheiro, da fraude commettida.

f) As providencias de ordem administrativa, judiciaria e aduaneira, adoptadas contra os infractores, cujos nomes, repito, careço de sabor.

2.° - Nota das espingardas, carabinas e outro qualquer material de guerra que, nos annos civis de 1902. 1903, 1904, 1905, 1906 e 1907, tiveram despacho pelas alfandegas da provincia de Angola, devendo estas informações obedecer mais aos seguintes preceitos:

a) Nomes dos destinatarios.

b) Especificação do material, em cada despacho, e qual a sua applicação ou destino.

c) A sua procedencia.

d) O valor do material submettido a despacho, e a importancia dos direitos cobrados.

3.° — Consoante os documentos officiaes, os frades do Espirito Santo, missionando na provincia de Angola, receberam desde 1887 até 1902 inclusive, subsidios em dinheiro, na importancia de 540:880$000 réis. Identicas informações solicito, concernentemente aos annos civis de 1903, 1904, 1905, 1906 e 1907, havendo acêrca d'ellas a attender ao seguinte:

a) Designação do despendido, em cada anno, com cada missão.

b) Citação dos diplomas que autorizaram as despesas feitas.

c) Somma, por annos civis, do despendido nas varias missões, e indicação da sua totalidade, nos cinco annos especificados.

4.º - Pela 7.ª Repartição da Contabilidade Publica, fui informado, em 14 de novembro de 1906, de que se apurara, até essa data, que a nota das despesas com a mallograda expedição ao sul de Angola, se elevava a réis 1.049:893^331 réis. Para completar a informação que requeri por esta Camara, em 1 de outubro de 1906, peço:

a) Que me sejam dados os esclarecimentos complementares dos que me foram forneci dós.

b) Que nelles se destrincem os gastos com pessoal, animal, material, comestiveis, transportes maritimos ou de outra qualquer especie, e indemnizações.

c) Que seja designada a totalidade da despesa que se, realizou.

5.° — Copia da syndicancia a que se prosedeu em 1907, motivada por um desfalque na Alfandega de Moçambique; e indicação das providencias adoptadas de ordem administrativa e judiciaria, a fim de a Fazenda Publica ser reintegrada do que lhe foi extorquido e de ser devidamente punido o delapidador.

6.° — Segundo noticiou a imprensa, deram-se em 1905, na Alfandega de Lourenço Marques, desfalques cuja importancia é orçada em 2:456$900 réis. e que só foram descobertos em 1907. Desejo saber:

a) Procedeu-se a algum inquerito acêrca do occorrido?

b) Em tal caso, d'elle peço copia; e, bom assim, de outros quaesquer documentos respeitantes ao assunto.

c) Quaes as medidas tomadas de natureza judiciaria e administrativa, no intuito de ser convenientemente castigado o alcançado, e a Fazenda ser indemnizada do roubo que lhe foi feito?

7.° — Por serem essencialmente deficientes as contas officiaes publicadas, requeiro nota discriminada de todo o dispendio com a visita do fallecido Principe D. Luis Filippe e do titular da pasta da Marinha aos dominios ultramarinos, devendo consignar-se:

a) As despesas feitas com o pessoal, animal, material, transportes, subsidios, ajudas de custo, batuque de 22:000 guerreiros em Lourenço Marques, correspondencia telegraphica, etc., etc.

b) Indicação da disposição legal, autorizando essas despesas.

8.° — Com respeito ao duplicado de gratificações dos officiaes que constituem as casas militares do Rei. solicito, por este Ministerio, informações identicas ás que constam do articulado n.° 7, relativo ao Ministerio da guerra.

9.° — O relatorio que precede o decreto dictatorial de 30 de agosto de 1907. derogado por decreto de 27 de fevereiro de 1908, consigna que o hiate Amelia, cujo custo foi de 306:000$000) réis, está encorporado na armada de 27 de abril de Ib99. Por seu turno, o Sr. Conselheiro Eduardo Villaça, ao tempo ministro da Marinha e Ultramar, declarou na camara Alta, em sessão de 17 de março de 1900, que o mesmo hiate fôra doado pelo Rei a marinha de guerra. Dadas estas circumstancias, requeiro:

a) Copia da declaração pela, qual o fallecido Rei D. Carlos doou á armada o hiate em questão, ou de outro qualquer documento que antecedesse ou acompanhasse a sua inscrição na marinha de guerra; e, ainda, indicação dos dizeres constitutivos da sua matricula e registo officiaes.

b) Nota, por annos economicos, desde 1899-900 até o presente, do que se tem gasto com guarnição d'esse barco, com o combustivel que consome, com es reparos e concertos, e mais achegas.

c) Totalidade das despesas feitas, em todo esse periodo.

d) Especificação dos serviços em que tenha sido empregado, estranhos aos que prestava ao reinante; — e bem assim os que presta posteriormente á morte do Rei D. Carlos, e na posse de quem se encontra depois do decreto de 21 de fevereiro de 1908, retractado.

10.° — Em outubro de 1907, realizou-se uma esta maritima em Cascaes em virtude de actos que nella se deram, reclamaram, perante a maioria general da armada, dois segundos tenentes, pouco depois castigados, um em dez dias de prisão disciplinar rigorosa, outro com cinco. Em presença d'estas ocorrencias, cujo apuramento se impõe por todos os motivos, solicito o seguinte:

a) Copia das duas representações dos officiaes reclamantes, e bem assim dos correspondentes despachos e de outros quaesquer documentos associados á applicação dos dois castigos.

b) Especificação das causas determinantes dos dois castigos infrigidos.

11.° — Copia do expediente de secretaria que motivou a demissão constante do Diario do Governo de 7 de dezembro de 1907, dada a seu pedido, do serviço a armada, ao capitão-tenente Alvaro de Oliveira toares de Andréa.

12.° — Nota especificada da applicação que tem tido o emprestimo de 2:000 contos de réis, de 26 de março de 1905 e cujo producto era precisa e exclusivame destinado a custar as despesas com o caminho de ferro da Swazilandia e com a 1.ª secção das obras do porto de Lourenço Marques.

13.° — O coronel de engenharia, Sr. Vasconcellos Porto, tinha logar na Direcção Geral do Ultramar — direcção dos caminhos de ferro ultramarinos — quando foi nomeado Ministro da Guerra, em 19 de maio de 1906. Depois de exonerado de Ministro, em 4 de fevereiro de 1908, voltou á effectividade do serviço n'essa direcção. Em presença d'estes factos, requeiro os seguintes esclarecimentos:

a) Designação da situação que occupou o mencionado official na mesma direcção, durante o tempo que geriu a pasta da guerra.

b) Esteve licenceado? ou apenas substitui do temporariamente por quem lhe desempenhou as funcções technicas? Em qualquer dos casos, houve nomeação, ou o serviço foi desempenhado com o pessoal subsistente a data da elevação a Ministro d’aquelle funccionario?

c) Copia do despacho primitivo da nomeação d'esse official, e do que o reintegrou, se tal reintegração houve, após a sua saída dos Conselhos da Corôa.

d) Pormenorização dos vencimentos mensaes que aufere o mesmo official, no exercicio d'esse emprego.

14.° — Copia do requerimento do Sr. capitão de mar e guerra Xavier de Brito, concernente á saída do quadro do generalato da armada, do Sr. Vice-almirante Ferreira do Amaral, pelo facto d'este official ser Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino; e, bem assim, copia do respectivo parecer da Procuradoria Geral da Corôa — se d'ella houve consulta — e de outros quaesquer documentos relativos ao mesmo assunto.

15.° — Copia da syndicancia ao caminho de ferro de Lourenço Marques, motivada pelos alcancem descobertos quando eram: — director da mesma linha, o engenheiro Carlos Henriques Albers; administrador secretario, o capitão Albano Gonçalves; thesoureiro, o capitão Guilherme Augusto de Oliveira; e fazia serviço, na respectiva pagadoria, o 3.° official Guilherme Victor Just Bruheim, que substituiu, como thesoureiro, o capitão Oliveira, no regresso d'este á metropole. Pela quarta vez reclamo este documento, elaborado, em 1905, por uma commissão, cujo presidente foi o Sr. Dr. Couceiro da Costa, ao empo ali Delegado do Procurador da Corôa e Fazenda.

16.°— Synopse dos decretos publicados ao abrigo do § l3 do artigo 15.° do Primeiro Acto Addicional de 5 de julho de 1852, desde L0 de maio de 1907 até a presente data.

17.° — Um exemplar da Lista Annual de Antiguidades dos Officiaes da Armada, ultima edição.

18.° — Copia do parecer do consultor da marinha, substituto invocado no decreto de 26 de março do corrente anno — Diario do Governo de 28 de março de 1908 — mantando Dassar á situação de commissão especial o commissario de 2.ª classe da administração naval, Virginio José Gomes Braga, encarregado do material do hospital da marinha.

19.° — Nota especificada do producto das remissões militares, e da sua applicação, nos annos civis de 1905. 1906 e 1907.

PELO MINISTERIO DOS NEGOCIOS ESTRANGEIROS

1.° — Por alvará do Sr. governador civil de Lisboa, de 22 de junho de 1907, foi suspensa, por trinta dias. em consequencia do decreto de 20 de junho de 1907, a publicação do Mundo, rujo director, o cidadão Antonio França Borges, se homisiava seguidamente em Badajoz. Quatro dias depois recebia elle ordem do Governo hespanhol para sair, em vinte e quatro horas da fronteiriça cidade estremenha. Em presença d'estes factos, peço copia de toda a correspondencia trocada entre as chancellarias portuguesa e castelhana, acêrca de tão caracteristica expulsão.

No caso, nada provavel, de não ter havido correspondencia, pelo correio ou telegraphicamente, respeitante a esse assunto, e apenas se terem dado instancias vocaes, careço de saber:

a) Onde se effectivaram ellas? Em Madrid? Em Lisboa? Ou cumulativamente?

b) Em que data foram iniciadas, e qual a data em que foram attendidas?

c) Alvejavam ellas á expulsão, de Espanha, de França Borges, ou apenas ao seu internamento?

2.° — Nota especificada, desde que o Governo transacto assumiu a dictadura aberta e patente, em 10 de maio de 1907, até a presente data, das despesas de publicidade no estrangeiro; e, bem assim, indicação do dispositivo autorizante de taes dispendios.

3.° — Nota pormenorizada das despesas que se realizaram com a representação diploma-

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SESSÃO N.° 2 DE 4 DE MAIO DE 1908 17

tica na Conferencia da Paz, verificada na Haya em 1907, havendo a attender nessa enumeração ás seguintes circunstancias :

a) Designação, pelos seus nomes e qualidades, de todos os delegados portugueses á Conferencia.

6) Quaes os vencimentos extraordinarios, gratificações, ajudas de custo e despesas de viagem abonadas a cada um: a sua importancia concernentemente a cada contemplado; e a sua totalidade referentemente a todos.

c) Especificação1 da verba orçamental ou de outra qualquer determinação legal de onde saíu a remuneração dos commissionados.

4.° — Copia das notas ou circulares enviadas, desde 10 de maio de 1907 até a presente data, aos representantes de Portugal no estrangeiro, para que elles dessem publicidade a assuntos de administração interna, em que fossem contraditadas noticias da mesma indole, publicadas por varios orgãos da imprensa europêa e americana.

5.°— Identicas informações solicito por este Ministerio, ás que vão exaradas no n.° 2 do articulado respeitante ao Ministerio da Justiça.

6.°— Copia da correspondencia trocada com o Gabinete Britannico, e com qualquer outra cbancellaria estrangeira, acêrca das accusações insistentes levantadas, mormente em Inglaterra, a começar de setembro de 1907, contra Portugal, apontado á indignação do mundo como cultivando a escravatura nas suas colonias africanas, nomeadamente em S. Thomé e Principe.

7.° — Copia da correspondencia com o Governo da França, acêrca da revolta indigena na Guiné, revolta iniciada num dos ultimos meses de 1907, com prejuizos para alguns subditos d'aquelle país, segundo noticiou a imprensa periodica.

8.°— Copia de toda a correspondencia entre a chancellaria portuguesa e o Vaticano, acêrca da renuncia do Sr. Cardeal Netto ao patriarchado de Lisboa.

9.° — Copia da correspondencia trocada entre o Governo e a curia romana, relativamente á deslocação do padre português Machado, da directoria do hospicio, igualmente português, de Santo Antonio, em Roma.

10.° — Copia da correspondencia com as chancellarias. estrangeiras referente á questão dos sanatorios madeirenses.

11.° — Copia da correspondencia trocada com o Governo Britannico, acêrca da mão de obra, tanto na Africa Occidental- como na Oriental.

12.° — Copia da correspondencia havida com as chancellarias japonesa e chinesa, por causa do aprisionamento, pela China, do navio mercante Tatsu-Maru de nacionalidade niponica.

13.°— Segundo um telegramma dirigido de Londres ao Seculo de 18 de março de 1908, o Standard do dia anterior declarou-se autorizado, por uma alta personagem de Lisboa, a affirmar que o Governo Português procedeu, como é sabido, na questão da amnistia, influenciado pelas representações de alguns diplomatas estrangeiros. Em presença de tão categorica declaração, apparecida a lume num dos orgãos mais cotados da imprensa londrina, careço de saber:

a) Se é ou não exacto que se desse semelhante intervenção.

b) No caso affirmativo, reclamo copia de toda a correspondencia havida a tal respeito.

c) Se não houve correspondencia escripta ou telegraphica, e apenas troca de impressões vocaes, peco a designação: das nações que se pronunciaram em tal assunto, com a respectiva especialização do dia, mês e anno em que se deram tão estranhos acontecimentos; e ainda das localidades onde se realizaram as diligencias, isto é, se em Lisboa, por intermedio do corpo diplomatico estrangeiro, se, no estrangeiro, junto dos representantes de Portugal.

d) Em qualquer dos dois casos, requeiro indicação da resposta dada pela chancellaria portuguesa, ou pelos seus delegados, e dos actos correspondentes pelo Governo praticados.

PELO MINISTERIO DAS OBRAS PUBLICAS

1.° (Documento requerido em 1 de outubro de 1906, repetido em 7 de janeiro de 1907, ainda não satisfeito, e agora devidamente additado) — Relação dos comboios especiaes e dos salões atrelados a comboios ordinarios, de que se fez uso nas linhas nacionaes das companhias ferroviarias e nas do Estado, durante o tempo decorrido desde 1 de janeiro de 1890 até 1 de fevereiro, inclusive, de 1908. Neste relacionamento deve ter-se em attenção o seguinte:

a) Designação do dia, mês e anno em que houve comboios ou salões especiaes.

6) Especificação da pessoa1 ou pessoas a favor de quem foram requisitados os comboios ou os salões especiaes.

o) Motivo da requisição de cada comboio ou salão.

d) Preço de cada transporte.

e) Somma, por anno, do dispêndio.

f) Indicação do percurso.

2.° (Documento requerido em 2$ de novembro de 1906, repetido em 1 de janeiro de 1901, ainda não satisfeito, e agora apropriadamente additado).— Relativamente á maneira como é applicada a verba orçamental em vigor, destinada a melhoramentos em edificios publicos e outras obras, requeiro que me sejam fornecidos, com urgencia, pelo Ministerio das Obras Publicas, os esclarecimentos respeitantes exclusivamente ao districto de Lisboa, nos annos economicos de 1905-1906 e 1906-1907, e meses decorrentes até a presente data — esclarecimentos que seguem formulados:

a) Designação de todas as obras a que se está procedendo e das que findaram, e qual é a dotação de cada uma.

b) Especificação das que se realizam ou realizaram por empreitada, e das que se effectuam ou effectuaram por administração directa do Estado, carecendo de saber, no primeiro caso, os nomes e profissões dos empreiteiros, e se houve adjudicação em concurso, ou hasta publica, ou apenas ajuste directo, ultimado nominalmente por quem.

c) Indicação sobre se aos empreiteiros é ou foi imposta alguma obrigação acêrca da adopção, no trabalho, de operarios indigitados ou recommendados pelo poder central, e em que numero.

d) Qual, por semana, e em cada obra, o numero medio de operarios; as suas profissões e classes, e o salano ou jorna correspondente.

e) Se ha arrolamento ou inscripção official de operarios da construcção civil, para distribuição permanente de trabalho; e, em tal caso, a sua designação numerica, por officios ou especialidades, na actividade.

B.° — Nota dos pagamentos effectuados ao empreiteiro das obras do porto de Lisboa, desde 30 de junho de 1906 até 8 de março, inclusive, de 1907.

4.°— Copia do contrato em virtude do qual foi nomeado director da exploração do porto de Lisboa, o engenheiro Luis Strauss.

5.° — Copia do contrato entre o conselho de administração do porto de Lisboa e os herdeiros do empreiteiro Hersent —contrato pelo qual o conselho comprou a estes todo o material fixo e fluctuante, empregado na exploração do porto da capital do reino. Nesse arrolamento deve ser designado o preço, por p«ça adquirida, e a totalidade do despendido.

G.° — Copia do contrato clandestino, com a Parceria dos Vapores Lisbonenses, do arrendamento para exploração das docas e officinas de reparação de navios, á Rocha do Conde, de Obidos — contrato que foi effectuado com patente infracção do estatuido na base 2.ª da lei de 11 de março de 1907; e, bem assim, copia da consulta da Procuradoria Geral da Corôa, acêrca do mesmo assunto.

7.° — Copia do despacho ministerial e respectivos expedientes, em virtude dos quaes foram distribuidos, sem franquia, pelos carteiros, alguns discursos proferidos pelo Sr. Conselheiro João Franco, em 1907.

8.° — Copia da syndicancia a que mandou proceder o Governo, em novembro de 1906, por dois engenheiros, para se apurar o dispendio nas obras dos Paços Reaes, cuja importancia excede, em pouco mais de 5 annos, segundo noticiou a imprensa, 1:200 contos de réis.

9.º — Nota das despesas realizadas, por annos economicos, desde 1890-1891 até a presente data, com obras e demais beneficios nos paços, annexos e noutras quaesquer propriedades reaes, havendo a attender nesse relacionamento:

a) Designação de cada propriedade que tem experimentado reparos, concertos, ou outros beneficios, como mobiliario, etc.

6) Indicação das quantias despendidas, por annos economicos, e somma do gasto feito em todo o largo periodo supramencionado, em cada obra.

c) Especificação de quem autorizou as obras e acquisição de mobiliario, em que data, com que orçamento, e á sombra de que diploma legal; e ainda das obras que se realizaram por empreitada e das que se effectuaram por administração.

d) Somma, por annos economicos, do dispendido com todas as obras e acquisição de mobiliario, e totalidade respeitante tambem a todas ellas, no periodo retro citado, de 1890-1891 até ao presente.

10.° — A lei de salvação publica de 26 de fevereiro de 1892 estatue no seu artigo 14.°, como de execução permanente, que nenhuma despesa de qualquer ordem ou natureza, ordinaria, ou extraordinaria, quer se refira á metropole, quer ás provindas ultramarinas, seja ou não autorizada por lei especial, poderá ser ordenada e paga pelos cofres publicos, sem que esteja incluida no orçamento geral ou na lei annual das receitas e despesas do Estado. A notar ha mais que, desde o exercicio de 1898-1899, inclusive, deixaram de figurar nos orçamentos, sob a rubrica — Obras nos paços reaes, os 6:000$000 réis autorizados, para esse fim, pelo artigo 4.° da lei de 16 de julho de 1855, mantido em vigor pelo artigo 5.° da lei da dotação do fallecido reinante e de sua familia, de 28 de junho de 1890.

Attentas todas estas circumstancias, careço de saber:

a) Qual o diploma originario da eliminação d'aquella verba dos orçamentos do Estado?

b) A despeito da sua suppressão orçamental, continuou ella a ser paga á Casa Real?

c) Se o tem sido, peço que me seja indicado se o pagamento se tem effectuado por annuidades ou por mensalidades.

11.º — O § 2.° do artigo 14.° da lei de 26 de fevereiro de 1892 estabelece que nenhuma verba de despesa pode ser applicada a fim diverso d'aquelle a que for destinada no orçamento.

A par d'isto, as muitas centenas de contos a que, nos ultimos annos, tem ascendido o custo das obras nos Paços Reaes saem da verba orçamental, sob a rubrica — Obras nos edificios publicos. Em taes condições, e tendo presente que a lei retro-indicada de 28 de junho de 1890 determina no seu artigo 6.° que nenhuma outra quantia, alem das de caracter dotal e taxativamente especificadas, qualquer que seja a, sua natureza ou denominação, será abonada para despesas da Casa Real, desejo saber:

a) Se nos varios despachos ministeriaes autorizantes das tão variadas quanto dis-

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18 ANNAES DA CAMRA DOS DIGNOS PARES DO REINO

pendiosas obras e acquisições, realizadas desde 1 de janeiro de 1890 até ao presente, são invocados alguns diplomas legaes para as comprovar.

b) Se assim é, careço de conhecê-los, d'elles pedindo a citação.

12.° — Com infracção do artigo 3.° da lei de 23 de abril de 1896, do decreto de 24 de setembro de 1898, e do artigo 3.° da lei de contabilidade publica de 20 de março de 1907, determinou o decreto dictatorial de 30 de agosto de 1907 que no anno economico de 1907-1908 se iniciassem sem demora quaesquer trabalhos de construcções de estradas, nos concelhos em que houvesse reconhecida crise de trabalho.

Nestas condições, careço de que me sejam fornecidos os seguintes esclarecimentos:

a) Enumeração das estradas, ou de simples lanços de estrada, a que se mandou proceder, em conformidade com o supracitado decreto de 30 de agosto de 1907, com especificação dos fundamentos e dos despachos ministeriaes que auctorizaram a sua construcção, e cujas datas devem ser mencionadas.

b) Designação da dotação de cada uma d'essas estradas, e das localidades que cada uma d'ellas serve.

c) Indicação sobre se durante a vigencia d'esse mesmo decreto de excepção, algumas estradas ou lanços de entradas foram mandados construir com observancia das leis geraes; e, em tal caso, relacionamento de quaes ellas e elles foram.

13.° — Relação nominal por annos civis, até a presente data, dos credores d'este Ministerio, pôr fornecimentos ou por outra qualquer circumstancia, havendo a attender nesse arrolamento ao seguinte:

a) Desde quando existe cada divida e qual a sua importancia.

b) Quaes os fornecimentos ou trabalhos que a cada uma deu origem.

c) Designação das que estão sendo amortizadas, e em que condições.

d) Somma, por annos civis, das dividas existentes, e sua totalidade actualmente.

14.°— Um exemplar do relatorio da Parceria dos Vapores Lisbonenses, relativo a 1906, e outro concernente a 1907; um exemplar do relatorio da Companhia das Aguas, referente a 1906, e outro correspondente a 1907.

PELA JUNTA DO CREDITO PUBLICO

1.° — Nota da importancia da divida publica interna, consolidada e amortizavel em 31 de dezembro de 1885; e, desde então, em cada um dos annos civis subsequentes, até a presente data, com especialização: — das varias emissões que se deram nesse periodo; da cifra a que se elevou cada uma; do seu destino ou collocação ; dos diplomas legaes que as auctorizaram; e da totalidade dos titulos criados, com discriminação dos collocados e alienados, dos que estão na posse da Fazenda e com que applicação.

2.º — Identicas informações requeiro, respeitantes ás datas retro-mencionadas, e concernentes á divida externa.

3.°— Nota especificada, desde 1 de janeiro de 1906 até 30 de abril de 1908. da acquisição de cambiaes para pagamentos dos encargos do Estado no estrangeiro, havendo para a elaboração da mesma nota de se attender ao seguinte:

a) Designação das que foram adquiridas por concurso; e das que foram fornecidas á junta, e por quem.

b) Indicação do preço de umas e de outras; do seu destino, isto é, dos estabelecimentos bancarios a que foram enviadas, e quando ; e da sua precisa applicação. = Sebastião Boracho.

O Sr. Teixeira de Sousa: — Tambem eu, Sr. Presidente, desejo associar-me ás palavras de sentimento com que V. Exa. se referiu á morte dos que foram nossos collegas nesta Camara; tambem desejo prestar á sua memoria a homenagem mais sentida, embora com pobreza e simplicidade de linguagem, que fará um singular e entraste com a eloquencia dos oradores que me precederam. Mas, antes de tudo, e para que não possa ser malsinada a sinceridade do sentimento que me determina, tenho a declarar que uso da palavra no cumprimento de um impreterivel dever, que me é marcado pelo papel, embora modesto, que desempenhei na obra de um dos mortos, do maior de todos os mortos, Hintze Ribeiro, a quem me ligaram as mais estreitas relações de amizade, de quem recebi as mais elevadas provas de consideração publica.

Falou já o illustre chefe do partido regenerador, e, falando em nome do partido, falou em meu nome. A minha inscrição pois não representa cousa alguma para os vivos, mas o cumprimento de uma obrigação sagrada para os mortos.

É-me sempre dolorosa a perda de collegas meus, e a noticia da sua morte fere profundamente sentimentos affectivos, que são fundamentalmente generosos e bons; mas quando a morte, do mesmo golpe, lança para a terra os homens que mais se distinguiram e se impuseram ao respeito e admiração dos seus concidadãos, a dor mais se accentua e a saudade mais domina e avassalla o nosso espirito. Todos os Dignos Pares do Reino, que a morta levou, foram credores de estima em vida, e a sua memoria credora do nosso respeito, agora que desappareceram.

E o Marquez da Praia e os Condes de Casal Ribeiro e da Ribeira, que foram bons e cavalheiros, nobres por convenção e nobres pelo caracter; Telles de Vasconcellos, que foi um honrado estadista e Presidente d’esta Camara; Barbosa du Bocage, que foi o professor illustre, o naturalista notavel, o estadista que, numa hora difficil, ao seu país prestou relevantes serviços: Dias Ferreira, o jurisconsulto de fama mundial, o insigne commentador do Codigo Civil, o homem de Estado nas occasiões difficeis, que nunca voltou: as costas ao perigo e que em 1892 teve a nunca assaz louvada coragem de pôr a questão aos credores da divida publica. Todos esses foram outros tantos homens de valor que a patria perdeu e cuja morte todos sentidamente pranteiam.

Tambem quero associar-me ás palavras de sentimento proferidas pelo Digno Par Sr. Sebastião Baracho, a proposito de outros mortos que, por não fazerem parte da Camara, nem por isso deixaram de merecer da patria:

os que morreram no campo de batalha e os encarregados de manter a ordem publica. O exercito de terra e mar, sempre que é chamado a intervir, cumpre notalissimamente os seus deveres, cobrindo-se de gloria, levantando o nome português e mostrando que nas suas veias corre o sangue dos antigos dominadores. Ainda, recentemente, obstando a tristes acontecimentos em Lisboa, e nas colonias batendo-se em defesa ca patria, soldados de terra e mar bem mereceram. Os que caíram fulminados teem direito ao nosso profundo e sincero respeito.

Ao prestar homenagem aos mortos, ha especializações que se perdoam. Perdoem-me pois especializar Hintze Ribeiro.

Em uma tarde de agosto, agourenta e triste, horas depois de combinar commigo mesmo uma conferencia sobre um importantissimo assunto de interesse publico, Hintze Ribeiro caía fulminado peia morte, na occasião em que cumpria um sagrado dever de piedade para com os restos de um velho amigo seu. Poucos minutos depois de receber a tristissima nova, ia encontrar estendido sobre o soalho, na casa do guarda do cemiterio do Alto de S. João, o cadaver de quem em vida fôra um gigante da politica, por cujas mãos passaram, durante annos, os destinos da sua patria, a que o país e a Corôa deveram os mais relevantes serviços, e que deixara aos seus amigos uma saudade que o tempo não consegue amortecer, nem sequer modificar.

Era uma triste realidade: Hintze Ribeiro, cuja existencia fôra minada por um improbo trabalho e fortissimas emoções e desgostos, em uma vida inteira de amarguras e de difficuldades, que é o apanagio dos homens publicos que chegam á sua situação, separava-se, por toda a eternidade, de sua esposa amantissima e de exemplar virtude, separava-se dos seus amigos, que o estremeciam, da sua patria, que elle tanto amou, deixando no país uma profunda impressão de tristeza e dor e uma forte convicção de que a sua perda, que em todos os tempos seria lamentavel, constituia, neste periodo critico e perigoso da nossa historia, uma verdadeira desgraça nacional.

Triste vaticinio foi esse, mas foi verdadeiro. Haja alguem que diga que Hintze Ribeiro não, fez immensa falta á sua patria, na triste e dolorosa crise em que ella se debate! Ninguem dirá que Hintze Ribeiro não morreu exactamente quando maior falta fazia!

Não tenho a pretensão de fazer a biographia do grande morto, tão vasta ella é em obras de utilidade para o seu país, em demonstrações de patriotismo, de talento e de honestidade. Ainda é cedo para se dizer o que foi, para a

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sua patria, essa grande individualidade, que a morte, na sua implacavel cegueira, precocemente roubou á nossa admiração e ao nosso respeito. Tempo virá em que a Historia, imparcial e justa, ha de reparar os aggravos e injustiças que as paixões, que nada poupam, lhe fizeram, quando pretenderam perturbar a serenidade do seu espirito, sempre calmo e tranquillo, porque só o bem fizera, só o bem o norteara na sua fadigosa peregrinação pela politica ou pela administração do Estado.

Não" conheci Hintze Ribeiro, o academico laureado, o licenceado brilhante que de si deixara a fama de não ter havido outro igual; não sou contemporaneo, no Parlamento, do orador que desde logo conquistara a proeminencia da tribuna. Conheci-o, principalmente, em um dos periodos mais difficeis da sua carreira politica. Conheci-o depois que um lamentavel acontecimento internacional feriu o coração de todos os portugueses. Conheci-o quando, sob uma estrondosa manifestação contra elle effectuada, a sua vontade, firme e inquebrantavel, se não deixou avas sallar pela furia do ataque. Vi então essa figura de destaque, sobranceira a todas as vicissitudes, serena, mas altiva, como quem tem a força que lhe dá a consciencia da lisura e lealdade do seu proceder, resistir até ao momento em que caiu, mas de pé. Vencer dá gloria; cair no campo da luta, em defesa de uma nobre causa, honra quem é vencido.

Cairá com o tratado de 20 de agosto de 1890, relativo á delimitação de Angola e Moçambique. Contra elle levantara-se uma forte corrente no país; viu-se assaltado por uma viva e ardente campanha, facilmente suggestionavel, visto estar bem proximo do dia 11 de janeiro do mesmo anno, que, de momento, cortou as relações politicas e de amizade entre Portugal e a Inglaterra.

Constituiu-se uma situação politica regeneradora, sendo a Hintze Ribeiro destinada a pasta do perigo, a dos Negocios Estrangeiros; depois de porfiados e insistentes trabalhos, conseguiu celebrar o tratado de 20 de agosto, que nos attribuia territorios que não mais obtivemos.

Com a viva agitação do país coincidiu a doença do Rei, o que fez succumbir. o Governo, constituindo-se outro nas melhores condições de receber apoio dos partidos e de realizar o que o Gabinete regenerador não poderia obter: um acceitavel tratado e a confiança do país.

O patriotismo que nessas negociações dominou não ficou aquem do que inspirou Hintze Ribeiro; mas as concessões territoriaes obtidas foram consideravelmente inferiores.

Um litigio resultou entre a Inglaterra e Portugal, resolvido pela arbitragem do Soberano de Italia. Apesar de nos ser immensamente favoravel, reduzindo a proporções minimas as exigencias do Governo Britannico, não chegámos a alcançar o que Portugal perdeu pela rejeição do tratado de 20 de agosto.

Era o tempo, que faz sempre justiça a todos, a rehabilitar perante a nação quem, num Ímpeto de irreflectido ataque, fôra ferido nos seus mais caros sentimentos.

Não eram passados tres annos e já Hintze Ribeiro presidia ao Gabinete regenerador que geriu os negocios publicos até 1897, que, entre outras, encontrou em aberto a gravissima questão com os credores externos, feridos pelas circumstancias financeiras, que haviam feito reduzir a um terço os juros dos seus titulos de credito sobre o Thesouro Português.

Foi então regulada provisoriamente essa magna questão, pondo de momento termo a incidentes diplomaticos desagradaveis, aos perigos emergentes, mas deixando na mão dos portadores os titulos en souffrance, que, por milhares de mãos, attestavam ao mundo inteiro a nossa fallencia.

Mas a Hintze Ribeiro estava ainda reservada a tarefa de definitivamente liquidar tão grave questão, o que, com outro Ministerio, conseguiu pela lei de 14 de maio de 1902.

O que essa negociação representa de trabalho, actividade e desgosto, só o sabe quem, dia a dia, a seguiu.

Foi então que conheci a toda a sua altura o patriotismo de Hintze Ribeiro, como elle prezava as obrigações que tinha para com o seu país, cujo engrandecimento primacialmente o dominava.

Entre numerosos serviços prestados á patria que tanto amou, Hintze Ribeiro conseguiu liquidar, por um acordo honroso com os credores, o passado, que fôra imprevidente, e preparou para o seu país a situação internacional que, durante annos, podia fazer a emulação de nações poderosas.

Aqui recebemos as visitas do Rei de Inglaterra, do Imperador da Allemanha, do Presidente da Republica Francesa, do Rei de Espanha, que attestaram ao mundo a cordialidade das nossas relações com as grandes potencias e demonstraram que este país era tão doce nos seus costumes, tão cavalheiroso no seu proceder, tão nobre na sua hospitalidade, que esses grandes do mundo puderam, sem risco, atravessar alas compactas de povo português.

Que tempos foram esses e que saudade deixaram a quem sentiu exultar a sua alma ao ver a situação privilegiada que a sua patria tinha no con: certo europeu! Feliz foi na sua morte Hintze Ribeiro, que não viveu até este momento, bem difficil e bem triste! O que foi a nossa situação interna e internacional já o disse; o que ella é agora, todos o sabem, todos o sentem, para me dispensar de lançar uma nota politica, por mais ligeira que fosse, nas palavras com que me estou referindo ao que foi meu chefe e meu amigo.

Ahi pelo começo de 1906 uma questão bem grave inquietou e começou a perturbar a sociedade portuguesa — a questão dos tabacos. Ainda foi Hintze Ribeiro quem lhe deu o apoio necessario para poder levar essa questão, que alguns julgaram audaciosa, ao termo feliz que ella teve.

E pouco mais fez.

Poucos dias depois caiu do poder e em pouco mais de um anno caia para sempre, deixando no país um vacuo impreenchivel, a dor e a saudade aos seus antigos companheiros e amigos.

Caiu e para sempre, quando por essa Europa fôra os homens publicos do seu país eram infamados e diffamados.

Elle, que tantos sacrificios fez pela sua patria, parece que ainda quis servir de exemplo contra a calumnia, que pretendia ferir a reputação dos homens politicos de Portugal.

Hintze Ribeiro, que era Par do Reino, Conselheiro de Estado, Grã-Cruz da Torre Espada e de Christo, da Legião de Honra e das mais notaveis ordens do mundo, que era cavalleiro das ordens do Tosão de Ouro e dos Serafins, que fôra Ministro diversas vezes, que durante oito annos presidiu á administração publica em Portugal, que durante largos annos foi senhor absoluto e discrecionario dos destinos da nação, Hintze Ribeiro, que entrara para a politica com uma pequena fortuna, legou a sua esposa, amantissima e exemplar, a par de uma saudade que mortifica essa respeitabilissima senhora, a mais completa miseria.

O Sr. Presidente, como eu proprio, poderia attestar a santidade d'essa miseria.

Digo isto para que se veja a toda a sua altura a grandeza moral de Hintze Ribeiro e, através d'ella, a lisura, a abnegação e honestidade dos homens publicos do seu país.

Se a sombra de Hintze Ribeiro ali apparecesse, elle que tantas vezes me guiou os passos e a palavra, recommendar-me-hia que acompanhasse os oradores que me precederam no seu protesto contra o attentado de que foram victimas o Rei D. Carlos e o Principe D. Luiz Filippe, e nos seus protestos de dedicação pela causa monarchica.

Faço minhas as palavras, tão eloquentemente pronunciadas pelo Sr. Julio de

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Vilhena, de protesto contra o odioso crime, que abriu no país uma crise temerosa, de admiração pela grandeza heroica da Rainha que, com a sua vida, pretendeu cobrir a de seu marido e a de seus filhos, e de dedicação pela causa monarchica.

Junto á minha a confiança de que Portugal, que foi grande, que; levou a civilização a todas as partes, do mundo, que tem, para gloria de nacionaes e inveja de estranhos, as mais brilhantes paginas da sua historia, ha de voltar a ser grande com D. Manuel II, como o foi com D. Manuel, o Venturoso. (Vozes: — Muito bem, muito bem).

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Patriarcha (D. Antonio Mendes Bello): — Pedi a palavra para ter a honra de declarar ao Sr. Presidente e á Camara que, do mesmo modo que os eloquentes oradores que me precederam, tambem dou a minha approvação e me associo ao voto de sentida magua que, em frase tão alevantada e em termos tão justos, o Sr. Presidente acaba de propor em homenagem á memoria dos Dignos Pares fallecidos no interregno parlamentar, merecedores, uns e outros, d'aquella lutuosa commemoração. pelos singulares dotes que os exornavam e pelos relevantes serviços prestados á patria rio desempenho das mais altas funcções publicas.

De quasi todos os saudosos extinctos recebi repetidas demonstrações da mais extremada benevolencia e affectuosa estima, especialmente, porem, dos Conselheiros Telles de Vasconcellos e Hintze Ribeiro, aos quaes, por isso mesmo, farei particular referencia.

O ultimo a fallecer fôra Hintze Ribeiro, parlamentar distinctissimo e eminente estadista, cujos superiores meritos o tornaram vantajosamente conhecido e apreciado no país e fora d'elle. Trabalhador infatigavel, evidenciara durante longos annos, e em subido grau, a sua enorme envergadura intellectual, a nobreza indiscutivel do seu caracter e o seu devotado amor ás prosperidades do país, que tão apaixonadamente promovera e com o mais alto empenho advogara, á custa, ainda, do repouso instantemente reclamado pelos melindres da sua depauperada saude. Elevado ás culminancias do poder, incumbido do preenchimento das funcções inherentes aos mais honrosos cargos, nos quaes dera incontestavel e incontestado testemunho do seu peregrino talento, da sua vastissima illustração, e, sobretudo, da sua abnegação e desinteresse, tão raro nestes tempos em que o egoismo é, para não poucos, o principal móbil de seu proceder e da sua actividade, Hintze Ribeiro attingira a meta da existencia numa idade que tão promettedora se afigurava dada de longa duração. Cansado e gasto pelo trabalho, em que era teracissimo, Hintze Ribeiro baixou á sepultura, deixando após de si inapagaveis vestigios de cordura, bom senso, delicado sentimento patriotico e entranhado amor aos legitimes progressos do país; e de todos estes predicados, que não são vulgares, alliados a sua inexcedivel affabilidade de trato e gentileza de maneiras, entreteceu-lhe a opinião publica uma corôa de sympathias e de respeitos, cuja sinceridade e justiça bem se revelaram na dor profunda que em todos causou a noticia do seu inesperado passamento, e nas lagrimas amarissimas vertidas por quantos souberam apreciar o quilate finissimo dos preexcellentes dotes que o dignificavam.

Essa tristissima nova não abalou nem commoveu somente a desolada e respeitavel senhora a quem, por sagrados vinculos, ligara os seus destinos sobre a terra, nem só os irmãos e demais familia que elle estremecia, mas tambem todos os amigos, que eram numerosissimos e, pode dizer-se, o país inteiro, que nelle tinha um fervorosissimo promotor dos seus mais a dos interesses e dos seus mais valiosos melhoramentos.

Lamenta se, e lamentar-se-ha ainda por muito tempo a morte do insigne estadista e do lutador talentoso, que no estudo dos problemas os mais complicados, no exame e discussão dos mais graves assuntos da administração pu blica, que elle versava com uma competencia e superior criterio, que em todos causava verdadeiro assombro, tinha sempre em mim as grardezas da patria.

Não deixarei de a Deus fazer humildes preces pelo eterno descanso da alma do nobilissimo estadista e de demais Dignos Pares cujo fallecimento deploro com profunda saudade.

Já que estou com a palavra, aproveitarei o ensejo para dedicar alguns momentos a um outro assunto lutuosissimo a que os illustres oradores se teem referido na presente sessão, em frases repassadas, de commoventissima dor e magua. Alludo ao attentado que, pouco ha, veio cobrir de pesados crepes a cidade de Lisboa, o país inteire e, pode affirmar-se com verdade, todo o mundo culto. Lisboa, que é a capital do reino, é tambem a sede da diocese de que sou pastor, embora indigno; não posso nem devo, por isso, guardar silencio em conjuntura tão lastimavel. Confrange-se-me o coração, e da mais profunda tristeza me deixo possuir ao pensar no criminosissimo attestado que fez tombar na sepultura um dos Monarchas mais inteligentes, mais trabalhadores e mais queridos dos tempos

hodiernos, e um Principe que, pelas excepcionaes prendas que o superiorizavam, soubera inspirar a nacionaes e estrangeiros as mais arraigadas sympathias; um Monarcha que por saber que o sceptro real, mais do que os esplendores da posição, symboliza e recorda a elevação dos predicados de que deve mostrar-se exornado quem o empunha, se houvera sempre no espinhosissimo officio de reinante, com fervoroso zêlo e accendrado patriotismo; um Monarcha que com rara bondade rendia e cativava quantos d'elle se acercavam, e com offertas e abundantes donativos vinha em auxilio de tudo o que representava um melhoramento, ou pudesse contribuir para o allivio de miserias, privações ou alheias desventuras; um Rei em cuja grande alma não tinham acolhida os sentimentos de malquerença, de odio ou de vingança, quando mesmo, uma ou outra vez, a affronta o molestasse ou a injustiça o ferisse.

Houve entre portugueses quem esqueceu tudo isso, quem, em momento de crudelissima allucinação, olvidasse a desvelada solicitude com que El-Rei o Senhor D. Carlos, no preenchimento da sua missão altissima de supremo Chefe do Estado, promovera o progressivo alargamento das sciencias e das letras, a prosperidade das artes e da industria nacional, e a dedicação com que, privando-se do repouso, dos commodos e confortos dos Paços Reaes, visitava, a meude, as differentes provincias, para, inteirando-se das suas necessidades mais instantes, lhes prover de remedio, quanto em si coubesse, ou percorria as nossas costas maritimas, para, como verdadeiro homem de sciencia, fazer nellas observações e dragagens, entregando se a estudos de subidissimo valor, como o evidencia a toda a luz um livro por Sua Majestade publicado, padrão gloriosissimo não só do talento brilhante que o illustrara, mas tambem do affecto por Elle consagrado ao engrandecimento do povo português. E, comtudo, o Senhor D. Carlos, que tão entusiasticamente amara a sua e nossa patria, é precipitado no sepulcro em. circumstancias horrendamente tragicas, como se, em vez de ter-se patenteado una Monarcha esclarecido e exemplarmente solicito pelo bem de seus subditos, fosse um algoz a temer, um déspota a evitar! Houve quem, na execução de tão repugnante attentado, não trepidasse ante a dor vehemeutissima que havia de rasgar, fibra a fibra, o coração de duas venerandissimas Senhoras, modelos de Esposa e Mãe, e ás quaes o país, especialmente os que nelle mais padecem e soffrem, deve beneficios innumeros; e o de um Filho e dois Irmãos, merecedores ambos de geral respeito, cingindo hoje um d'El-

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lês a Corôa herdada na mais deploravel conjuntura.

E mais avulta e sobresae ainda o horror do attentado, se não esquecermos que foi commettido na presença, face a face de uma d'Aquellas respeitabilissimas Senhoras, que não duvidou expor-se, resolutamente, heroicamente, á morte para salvar a vida do Esposo que estremecia e a do Filho que ternamente amava.

As duas Senhoras que, sendo as Primeiras na jerarchia social, são tambem hoje as Primeiras no infortunio e no soffrimento, não ficaram abandonadas, não estão sós porque d'Ellas se teem acercado as affeições de um povo inteiro e as sympathias do mundo civilizado. Nada mais justo, nem mais natural. Não ha quem ignore que as duas nobilissimas Senhoras se notabilizam pelas virtudes que as enaltecem, especialmente pela virtude da caridade, que é a mais preciosa joia engastada na sua Corôa de Rainhas: sabem todos que a Sua Majestade a Rainha Senhora D. Amélia se devem os Dispensarios, onde por suas proprias mãos, como se fôra a mais desvelada das enfermeiras ou a mais carinhosa das Mães, distribue ás criancinhas, filhas de pães desventurados e pobres, o alimento e o remedio que lhes mantem e prolonga a vida; a Ella se deve, em grande parte, o Instituto de Soccorros a Náufragos, que tem por fim salvar os que, acossados no alto mar pelos vendavaes, correm o risco de ficarem sepultados nas profundidades do abysmo; deve-se-lhe ainda, em quinhão avultadissimo, a formosissima instituição da Assistencia Nacional aos Tuberculoso, para valer e acudir aos nossos irmãos em luta com a mais cruel e devastadora das enfermidades.

Ha apenas alguns instantes que ouvi ao Digno Par Sr. general Dantas Baracho uma referencia ao estado decadente do país. É certo que sé denuncia profunda essa decadencia.

Causam-nos vehemente dor os males agudissimos de que enferma a sociedade hodierna desde que principiou de esquecer, se não mesmo de repellir, tudo o que em passadas epocas recebera de nossos maiores a mais accentuada veneração; enorme é o sobresalto que nos abala ao abeirarmo-nos d'essa voragem tetrica e medonha em que parece ruirem, precipites, esphacelando-se e diluindo-se, os regramentos e normas a que, em tempos idos, obedecia, tenacissimo, o povo português, que chegara, por isso mesmo, a tornar-se o assombro do mundo, com o prestigio do seu nome, com a fama de suas gloriosas empresas e sublimadas façanhas. O confronto entre o que hoje somos e o que fomos hontem enche nos de tristeza, mas não devemos desalentar-nos, porque, alem de outros meios a que podemos recorrer, um existe, e potentissimo, para impedir o aggravamento da decadencia: consiste elle em promover e avigorar o sentimento religioso, apostolizar e gravar bem fundo no espirito e no coração do homem o amor de Deus, o respeito e a obediencia ás leis divinas, visto como, desde que se não preste intimo e amoroso culto ao Criador, não pode esperar-se que seja acatada a criatura; desde que se offendam e menosprezem as leis divinas, não é para surprehender .que sejam transgredidas e desrespeitadas as leis humanas.

Procuremos, pois, todos os que amamos sinceramente a patria, o seu engrandecimento e legitimos progressos, a ordem publica e a paz social, fazer dos homens bons christãos, se os queremos bons cidadãos. Para a realização d'este intuito, que é eminentemente civilizador, necessario se torna a união de esforços e a collaboração dedicada de todos — governantes e governados. A lutuosissima tragedia, que tanto lastimamos, fez sentar no Throno um joven em cujo rosto transparece nitidamente a bondade da sua alma.

Elle, que jamais pensara em que teria, um dia, de trocar pelos espinhos do supremo poder, inherentes á suprema magistratura, os commodos e o repouso do seu viver tranquillo, apenas cinge a corôa real, e em meio das amarguras e dos tormentos, que lhe despedaçam o coração de Filho e de Irmão, profere palavras e pratica actos que para logo lhe conciliam a mais dedicada sympathia por parte do povo português.

Ajudemo-lo a preencher com o acerto, por Elle e por todos nós desejado, a missão elevada mas espinhosissima de que está incumbido.

Prestemos ao joven Monarcha as mais firmes e decididas demonstrações de fidelidade, dedicação e lealdade, como é proprio de bons subditos, e como o reclama a prosperidade da sua e nossa patria.

Vou terminar, pedindo desculpa ao Sr. Presidente e á Camara do tempo que lhes tomei, mormente em sessão prorogada, e na qual se acham ainda inscritos distinctos e eloquentes oradores. (Vozes: — Muito bem, muito bem).

(O Digno Par não reviu este discurso).

O Sr. Jacinto Candido: — Sr. Presidente: Na altura da sessão em que me chega a palavra, não posso deixar de ser breve, tanto mais que a minha voz, ainda fraca e rouca, me não permittirá falar muito.

Não quero ser censor de ninguem: tenho sempre primado na maior cortesia com os meus collegas; e respeitarei os direitos de todos, como sei exigir que me respeitem os meus; todavia, noto que, sendo a ordem do dia dada pelo Sr. Presidente a commemoração dos Dignos Pares fallecidos, outros assuntos de maior magnitude teem já sido tratados, como o do selvatico attentado do dia 1 de fevereiro, o da commemoração dos mortos nas campanhas de Africa, e ainda o de aconselhar o novo Rei sobre a sua orientação como chefe do Estado.

Não posso seguir por tal caminho. Na resposta ao Discurso da Corôa — o debate politico por excellencia — tratarei largamente do horroroso attentado, que manchou de sangue e de vergonha a historia portuguesa, e contra o qual protesto energicamente, com toda a energia da minha alma; e direi, do alto d'esta tribuna, como sempre o tenho feito, com toda a lealdade e desassombro, embora com o respeito devido ao Chefe do Estado, o que penso e sinto sobre o passado e sobre o futuro da acção governativa, nesta hora critica da nossa vida publica.

Quanto ao sentimento pelos mortos nos campos de batalha africanos, e a respeito do louvor á nobre, honrosa, e patriotica attitude do exercito, perfilho-os tambem, embora sinta ver estes assuntos de maior monta tratados incidentalmente.

Desejaria que fossem objecto de uma inscrição especial, e a elles voltarei a referir-me no uso do meu direito.

Feitos estes reparos, nascidos do debate havido, associo-me ás honrosas manifestações feitas por todos os lados da Camara á memoria dos Dignos Pares fallecidos. De todos fui amigo pessoal dedicado, de todos recebi penhorantes demonstrações de estima e de apreço.

Telles de Vasconcellos era meu velho amigo e meu parente, antigo Presidente da Camara dos Pares, antigo Ministro, divergente, porém, em politica, nos ultimos tempos.

Certo que nunca soffreram por isso o menor abalo as nossas relações pessoaes, de boa e intima amizade.

Com o Marquez da Praia (Duarte), meu amigo desde Coimbra, sempre mantive a mais cordial estima. Era um novo cheio de vida e de força, portador de um nome todo benemerencia, coberto de bênçãos por tantissimos açoreanos, que do seu venerando pae, e nosso illustre collega o Sr: Marquez da Praia, teem recebido os meios de satifazerern as suas aspirações.

O Conde de Casal Ribeiro, coração de ouro, caracter de elite, que tanto realçava uma sincera modestia, e que de ha muito tempo já a doença o afastara do seu convivio e dos trabalhos da Camara.

O Conde da Ribeira, primoroso typo

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do velho e autentico fidalgo português, cheio de bondade, que a todos prendia e encantava.

Barbosa du Bocage e Dias Ferreira, dois homens de sciencia, cada um no seu ramo especial, e ambos figuras proeminentes do mundo politico português, mas que, pelos seus talentos e trabalhos, já pertenciam tambem á Europa.

E Hintze Ribeiro, que reservei para o fim, porque a morte d'elle, mais do que a de nenhum outro, a sinto eu.

Por si, pelo coração; porque fui sempre sincero amigo d’elle; pelo país, pelo seu patriotismo; porque me diz a consciencia que a falta de Hintze Ribeiro foi uma desgraça nacional.

Quando entrei na vida publica, militando no partido regenerador, a Hintze Ribeiro me liguei desde logo.

Mais tarde divergencias politicas, tão somente politicas, nos afastaram; mas, se estavamos em diversos campos partidarios, não deixou de manter-se a mesma mutua estima.

E tive a consolação de ver que Hintze Ribeiro, a final, se convenceu de que, fundando o partido nacionalista, prestei um bom serviço ao país e aos interesses conservadores.

E d'esse convencimento veio a alliança eleitoral que o grande chefe regenerador não desdenhou solicitar, porque, sabendo-se o mais forte, com a delicadeza do seu sentimento viu bem que a elle cabia essa iniciativa. São factos publicos. Não houve nunca segredos, nem conjuras. Mas rememoro-os porque falo tambem aqui em nome do partido nacionalista, e esse partido sentiu bem profundamente a falta do grande homem de Estado, do grande chefe conservador da politica portuguesa.

Hintze Ribeiro era tão aprumado no seu porte moral como na sua estatura physica. Era um conservador leal e fiel ao seu credo, o que não queria dizer um improgressivo; bem ao contrario, porque o verdadeiro progresso só dentro da ordem pode fazer-se, assim como ser conservador não quer dizer mantenedor de tudo quanto existe, e sim selleccionador intelligente, para manter o bem e eliminar o mal.

E Hintze Ribeiro sabia-o ser, e tinha a altivez das suas convicções, sendo superior aos preconceitos e sabendo vencer os prejuizos, que assediam, nesta hora má, todos, ou quasi todos, os homens publicos.

Que falta faz este grande vulto da politica portuguesa!

Houve um orador que chamou á união, em volta do novo Rei, todas as legiões monarchicas.

Tambem eu quero a união e a concordia nessa acção commum de salvação nacional; mas d'esse ponto tratarei noutra occasião. Não quero tomar mais tempo á Camara, e por aqui me fico. (Vozes: — Muito bem, muito bem).

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Luciano Monteiro: — Em nome dos meus amigos politicos sinceramente me associo ás homenagens de condolencia dedicadas á memoria dos Dignos Pares do Reino falle eidos durante o interregno parlamentar, cujo elogio acaba de ser feito por forma tão brilhante, em orações tão bellos assim na forma como na verdade da substancia e, sobretudo, na sinceridade do sentimento.

Não terei eu a ousadia, nem a loucura de pretender tomar logar ao lado dos brilhantes oradores que me precederam, não porque me falte a saudade dos illustres extinctos, mas porque careço de autoridade para falar desenvolvidamente, sem apoucar ou aumentar as virtudes de individualidades em cuja vida se encontram proveitosas lições para aquelles que queiram bem servir o seu país. Por isso em nome dos meus amigos politicos lanço sobre a sepultura dos illustres extinctos sentidas saudades.

Por mim, individualmente, devo uma referencia especial a Hintze Ribeiro.

É o cumprimento de um dever de gratidão. Fui sempre amigo de Hintze Ribeiro; as cordas mais delicadas da minha sentimentalidade vibraram sempre por Hintze Ribeiro e, mais fortemente, depois do meu afastamento partidario.

Devo esta homenagem á memoria de Hintze Ribeiro e orgulho-me de que a politica, esse veneno subtil que é capaz de transformar as mentes mais fortes e lê vá-as até á pratica dos mais graves attentados, não haja tido em mim a força sufficiente para que a minha deslocação partidaria fosse acompanhada pela terminação da amizade pessoal.

Ha pouco, o illustre parlamentar Sr. Teixeira de Sousa significou, por uma forma brilhante, que muitas vezes succede aos homens do nosso país só serem alvejados pela justiça quando descem ao tumulo, mormente se occuparam na politica logares primaciaes. Isso aconteceu com Hintze Ribeiro mais do que com nenhum outro.

É bom commemorar os mortos, porque ainda assim se manifesta o triunfo da verdade; basta uma commemoração funebre para fazer calar a maledicencia traiçoeira, para pôr termo aos enredos da intriga, para dar remedio a essas apoplexias e congestões da infamia e do murmurio.

Hintze, mais que nenhum outro, foi victima d'essas congestões.

Eu tenho a minha consciencia socegada; hoje, que Hintze Ribeiro é morto, como hontem, quando elle era vivo, ca presença como na ausencia, perto ou longe, prestei sempre sincera homenagem ás suas brilhantes qualidades de orador parlamentar, ao seu patriotismo, e áquella fé monarchica de Hintze Ribeiro, a que ha pouco se referiu o Sr. Julio de Vilhena.

A fé monarchica de Hintze Ribeiro era immensa, e nenhum d'aquelles que se teem aproximado do poder, ainda a teve maior. A par d'isso, elle tinha um conhecimento profundo, firmado na lógica das comparações, de todas as individualidades de que a familia social portuguesa se compõe.

Com essa alta comprehensão de que era dotada a intelligencia de Hintze Ribeiro, nunca a sua boca soltou uma palavra, nem a sua figura esboçou em gesto que pudessem significar o mais ligeiro desprimor para os seus adversarios politicos.

A sua extraordinaria envergadura parlamentar aceitava-se profundamente a todas as questões, como o seu alto espirito de estadista comprehendia que este ou aquelle caso podiam produzir a ruina de todo um edificio social.

Cotações espirituaes d'esta natureza são difficeis de encontrar, porque o são com certeza a força e a energia necessarias para dominar e vencer.

Essa caracteristica dos verdadeiros homens de Estado tinha-a Hintze Ribeiro.

Com a sinceridade que me caracteriza, relembrarei da vida politica de Hintze Ribeiro um acto que em magnitude sobreleva a todos os outros que eu poderia citar: refiro-me ás operações internacionaes de que resultou o convenio com os credores externos.

José Dias Ferreira deu um passo ousadissimo nesse assunto e, perdoando-se-me a liberdade do termo em assembleia tão respeitavel, direi mesmo que foi um passo brutal: a reducção no juro da divida publica interna e depois na externa.

Mas era necessaria, por assim dizer, a chancella internacional a essa resolução do Governo Português.

Obtê-la — foi o grande trabalho "de Hintze Ribeiro.

E só quem haja passado pelo Ministerio dos Negocios Estrangeiros pode avaliar todas as amarguras, trabalhos e angustias que Hintze Ribeiro deveria ter experimentado para chegar a esse resultado verdadeiramente glorioso da sancção internacional á reducção do juro da divida publica externa.

Foi certamente esse o acto mais brilhante e proveitoso da carreira politica de Hintze Ribeiro, a quem eu, repito, nunca recusei o preito da minha profunda admiração, em vida como na morte. (Vozes: — Muito bem, muito bem).

(O Digno Par não reviu).

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O Sr. Marquez de Pombal:—Associo-me ao voto de sentimento proposto pelo Sr. Presidente em memoria dos Dignos Pares fallecidos durante o interregno parlamentar, cujo elogio foi tão altamente feito por S. Exa. e pelos Dignos Pares que me precederam.

Presto esta homenagem não em nome de nenhum partido, attenta a minha situação nesta Camara, mas em meu nome pessoal.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Conde de Arnoso: — Serei breve. Muitissimo breve. Assim m'o indica o adeantado da hora. Associo-me commovidamente á justissima homenagem prestada pela Camara á memoria dos illustres collegas fallecidos durante o interregno parlamentar. De todos recebi immerecidas provas de sympathia, de estima, de amizade e de consideração.

Se neste momento me permitto especializar um — sem desrespeito para nenhum dos outros — a Camara não m'o poderá levar a mal.

Educados juntos, no abrigo do mesmo carinhoso lar, sempre a mais estreita amizade de irmãos nos uniu.

Refiro-me ao Digno Par Conde do Casal Ribeiro, que a doença nos roubou muitos annos antes que a morte para sempre o tivesse arrebatado, impedindo-o assim de continuar a prestar ao país os eminentes serviços que havia a esperar da sua grande intelligencia e do seu grande coração.

Cumprido este dolorosissimo dever de amigo fiel e devotado, só me resta acrescentar: — Felizes os mortos que sobrevivem no respeito e gratidão d'aquelles a quem amaram e serviram em vida! E este o caso? inutil seria dizê-lo, para todos a quem se prestava esta tão saudosa e tão merecida homenagem.

Felizes tambem por terem descido á eterna e sagrada paz do tumulo, na ignorancia de crimes que, como terriveis pesadelos, nos opprimem, roubando á nossa já encetada velhice toda a sua calma doçura. (Apoiados).

Aproveito a occasião de ver presentes S. Exa. o Sr. Presidente do Conselho e S. Exa. o Sr. Ministro da Guerra para lhes pedir instantemente a honra de comparecerem numa das proximos sessões d'esta Camara, que algumas inadiaveis palavras desejo dirigir a S. Exas..

Não lhes tomarei muito tempo.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles): — Referir-me-hei apenas á proposta do Digno Par Sr. Sebastião Baracho, á qual me associo em nome do Governo, para que se lançasse na acta um voto de sentimento pela morte dos soldados e marinheiros que ficaram

em Africa, nas nossas campanhas coloniaes.

Em Lisboa, não ha muito tempo, prestaram-se homenagens aos vencedores- do Cuarnato. E justo, pois, que tambem se preste hemenagem aos que lá ficaram, combatendo pela patria.

Tambem o Digno Par se referiu aos serviços prestados pelo exercito em Lisboa, recentemente: ainda S. Exa. foi profundamente justo.

Por isso associo-me á proposta do Digno Par.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Conde de Lagoaça: — Duas palavras apenas, pois a hora vae adeantada, e mesmo porque, depois de terem falado tão primorosos oradores da tribuna parlamentar portuguesa, não era necessario que eu viesse com a minha palavra descolorida manchar aquella pagina brilhante da eloquencia tribunicia. A sessão que breve vae findar ficará gravada em letras de ouro nos annaes parlamentares.

Associo-me ao voto de sentimento proposto pelo Sr. Presidente em memoria dos nossos collegas fallecidos no interregno parlamentar.

Seguindo o exemplo do meu illustre amigo Sr. Conde de Arnoso, especializo tambem o nome do Marquez da Praia (Duarte), meu amigo querido desde as lides universitarias. Não posso deixar de lhe prestar homenagem, lançando aquellas pobres flores da minha verdadeira saudade sobre o seu tumulo.

Antes, porem, de concluir, seja-me permittido dizer á Camara dos Dignos Pares que, chorando os seus mortos queridos, ella acaba de dar uma alta prova de isenção politica, e de coragem das suas opiniões, mostrando assim não estar de acordo com o Governo, estarrecido, compromettido, perante os injustificados ataques da jacobinagem. Em melhor ensejo, terei occasião de analysar essa triste conducta do Governo.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Arthur Hintze Ribeiro: — Tratando se de uma homenagem a meu irmão, meu companheiro constante no convivio familiar, nos estudos da Universidade e durante toda a sua longa e brilhante carreira politica, cumpre-me agradecer aos meus illustres collegas, em nome de minha cunhada, no meu proprio nome, e em nome da minha familia, que represento nesta casa do Parlamento, essa homenagem de consideração e estima prestada á memoria do meu irmão querido.

Não me occuparei das qualidades intellectuaes e moraes que ornavam aquelle esclarecido espirito e que outros tão elogiosamente apreciaram. E isto porque me domina a natural commoção que me é despertada pela memoria de um tão triste acontecimento, que nos encheu de luto e consternação, pela perda irreparavel que representou.

Associo-me ao sentimento da Camara pelo fallecimento dos restantes homens politicos, reunidos na mesma commemoração funebre.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente: — Creio que posso considerar unanimemente approvada a minha proposta, que vou agora additar, propondo mais que a cadeira que nesta casa occupava o fallecido Hintze Ribeiro seja coberta de crepes por espaço de trinta dias (Apoiados) como se tem feito noutras occasiões.

Antes de encerrar a sessão peço á Camara que me autorize a, de harmonia com o Sr. Presidente da Outra Camara, marcar o dia de quarta feira para, em sessão conjunta das duas Camaras, se realizar a ratificação do juramento de El-Rei o Senhor D. Manuel.

Os Dignos Pares que concedem a autorização pedida tenham a bondade de se deixar ficar sentados.

(Pausa, e depois de verificar a votação).

Está concedida.

A seguinte sessão será no sabbado e a ordem do dia a mesma que vinha para hoje.

Está levantada a sessão.

Dignos Pares presentes na sessão dê 4 de maio de 1908

Exmos. Srs.: Antonio de Azevedo Castello Branco, Eduardo de Serpa Pimentel; Cardeal Patriarcha de Lisboa; Marquezes: Barão de Alvito, de Avila e de Bolama, de Gouveia, de Penafiel, de Pombal, de Sousa Holstein; Arcebispo de Evora; Bispo-Conde de Coimbra; Condes: de Arnoso, de Bertiandos, do Bomfim, de Figueiró, de Lagoaça, de Paraty, de Sabugosa, Villar Seco; Viscondes: de Athouguia, de Soares Franco; Moraes Carvalho, Alexandre Cabral, Antonio Candido, Eduardo Villaça, Costa e Silva, Teixeira de Sousa, Hintze Ribeiro, Barjona de Freitas, Bernardo de Aguilar, Eduardo José Coelho, Fernando Larcher, Dias Costa, Ferreira do Amaral, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Francisco Maria da Cunha, Baptista de Andrade, Jacinto Candido, D. João de Alarcão, João Arrojo, Teixeira de vasconcellos, Gusmão, José de Azevedo, José de Alpoim, Silveira Vianna, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Rebello da Silva, Pimentel Pinto, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Sebastião Telles, Sebastião Dantas Baracho, Gama Barros e Wenceslau de Lima.

O Redactor,

FELIX ALVES PEREIRA

Página 24

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