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Em virtude de resolução da Camara dos Dignos Pares do Reino, tomada em sessão de hoje, se publica, o seguinte projecto de lei, apresentado pelo Digno Par do Reino, Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão, o qual foi remettido com urgencia á commissão de fazenda:

Dignos Pares do Reino — Pela primeira vez tenho a distincta honra de apresentar á vossa consideração um projecto de lei.

Grave, summamente grave, é o seu objecto! É a derogação, e uma substituição do Decreto de 3 de Dezembro do anno proximo(findo.

Cumpro assim com um dever de consciencia, em relação á sociedade, e em relação ao actual Gabinete, presidido pelo sobre Duque de Saldanha.

A sociedade, porque desejo por este modo affastar della os grandes males que se m,q afigurara provir necessariamente daquelle Decreto.

Ao actual Gabinete, porque estou muito longe de querer fazer-lhe opposição, e antes ambiciono sinceramente proporcionar-lhe, tanto quanto de mim dependam, os meios de que carece, para conduzir a porto de salvamento a nau do Estado. Em toda e qualquer occasião, ou conjunctura, darei provas decisivas, e directas, do que affirmo.

Se ora impugno o Decreto de 3 de Dezembro, é porque intendo que elle não póde sustentar-se em presença dos immutaveis principios da moral e da justiça, e menos ainda em presença dos preceitos consignados na Carta constitucional da Monarchia, que todos nós jurámos, e que, ainda ha pouco, neste augusto recinto, jurei, como membro desta Camara, guardar e fazer guardar; e eu saberei sempre cumprir fielmente o meu dever na defeza destes preceitos, na sustentação daquelles principios, até onde cheguem as minhas forças. Além disso

O Decreto de 3 de Dezembro impõe sacrificios, enormes sacrificios, não só a muitas corporações e estabelecimentos pios, aliàs isentos das mesmas contribuições de guerra, como foi, em tempos bem calamitosos e difficeis, a do subsidio militar da decima, e isto em attenção aos filantrópicos e eminentemente uteis fins dessas, quasi divinas, instituições, mas tambem a muitos milhares de familias, e de individuos, a quem os principes, a lei, a sociedade teem prestado sempre uma especial protecção, em razão da viuvez, da orfandade, da invalidez, e do desvalimento; e por tanto, alem do damno que lhes causa o Decreto de 3 de Dezembro, como sobranceiramente deshumano, escandalisa os cidadãos, que hoje sollicitam por isso do Parlamento, que hoje esperam da honra e pureza de intenções dos proprios Ministros da Corôa um prompto remedio.

O Decreto de 3 de Dezembro tem apenas um fim transitorio, e sem outros resultados mais que poderem os Ministros da Corôa gerir os negocios do Estado por mais seis mezes, sem maiores cuidados a respeito de finanças no resto do corrente anno econômico. Mas para um resultado tão mesquinho não é justificavel, nem desculpavel, mesmo na politica sem peas moraes, a violencia que esse Decreto faz sobre o preterito, sobre o presente, e sobre o futuro. A par da grandeza dos sacrificios só encontro aquella pequenissima vantagem.

O Decreto de 3 de Dezembro não póde merecer confirmação, se considerarmos ainda, que os sacrificios que impõem, tendo por objecto libertar as rendas publicas das antecipações no segundo semestre do corrente anno econômico, as quaes os Ministros da Corôa calculam em mil e seiscentos contos de réis, vem a produzir o effeito proximo, ainda que indirecto e não primario seja, do pagamento, real e integral, aos credores dessas antecipações, manifestando-se assim a grande injustiça de se pagar a uns á custa de outros credores, Ficam uns opprimidos e prejudicados, e outros protegidos e favorecidos.

O Decreto de 3 de Dezembro não deve ser tolerado, por isso que importa uma declaração de quebra da parte do Estado, e a confissão, deploravel confissão, que fazem os Ministros da Corôa, da absoluta carencia de recursos, para de outra fórma, sem violencia, nem offensa dos bons principios, se prover a gerencia dos negocios da Fazenda, e ás necessidades da publica administração, nos restantes seis mezes do corrente anno econômico; quando nessa confissão entendo, na minha humilde opinião, se dá um erro notavel, em vista do importantissimo haver da mesma Fazenda, e dos recursos, immensos recursos, que um moderado, e bem regrado uso do credito, baseado nesse haver, póde subministrar ao Thesouro.

O Decreto de 3 de Dezembro não póde ser confirmado, porque é fundado na exaggeração, ainda que involuntaria, dos encargos, que pesam sobre o Thesouro, com vencimento nos ditos seis mezes. Uma boa parte dos credores das antecipações se acha garantida com entrega de penhor, sendo facil portanto a reforma ou o distracte, como fim mais conveniente; e a outra parte não póde queixar-se de qualquer demora de pagamento, uma vez que se lhe de alguma quantia por conta, lhe sejam reformadas as respectivas obrigações a prazo de vencimento determinado, e se indemnise previamente com o juro commercial em relação á quota deferida.

A simples fallencia, sem alevantamento de alheio cabedal, com reconhecimento do debito, com designação ou adjudicação de meios, não e banca-rota. É, sim, um acto de pungente necessidade, mas tambem de moralidade e de boa fé, que honra o devedor; e a moratoria da parte do credor, não é nesse caso uma graça, nem um favor, é um acto de justiça e de humanidade. Na hypothese sujeita, o favor, devido á causa publica, amplia sempre as dimensões desta doutrina em relação aos credores do estado.

Ó Decreto de 3 de Dezembro não póde ser confirmado, porque envolve, na imposição dos sacrificios, a divida consolidada, tanto interna, como externa; e por este modo importa a perda do nosso credito, dentro e fóra do paiz, quando hoje é geralmente sentido e demonstrado, que as nações não podem viver ricas, poderosas e respeitadas pelo descredito, e muito mais quando já não somos, não podemos tornar a ser o que fôramos em tempos mais prósperos.

O Decreto de 3 de Dezembro, em fim, não deve, nem póde ser confirmado, porque, abstrahindo das considerações de justiça, de moralidade, de observancia da Carta, de beneficencia, de honra e credito nacional, de verdade e utilidade publica, não era necessario para se conseguir o fim a que elle se propoz.

Pelas providencias, que vou offerecer-vos, estou convencido de que o Governo ficaria sufficientemente habilitado para continuar a gerencia dos negocios do Estado, sem violencia, sem injustiça, sem ferir nenhum principio, respeitando todas as obrigações, guardando as suas reiteradas promessas, e sem prejudicar a questão essencial, a questão vital, da definitiva organisação da Fazenda, a que mais de espaço, mas impreterivelmente terá de attender o Parlamento na presente sessão.

Muitas outras razoes poderia eu, desde já, Dignos Pares do Reino, ponderar-vos, para motivar, tanto a conveniencia, como a urgencia, da derogação e substituição nos termos que submetto ao vosso exame, patriotico e illustrado; mas reservo-as para a discussão nesta casa, se vos merecer chegar a essa altura o seguinte

projecto de lei n.º 1. Artigo 1.° São deferidos, por metade e a seis mezes, quaesquer pagamentos aos credores dó Estado, por antecipação, geral ou especial, sobre as rendas publicas, com vencimento no corrente semestre do anno econômico de 1851 a 1852.

unico. Estes credores, no acto de pagamento de metade de seus creditos, serão desde logo indemnisados com o juro de 6 por cento, em relação á metade deferida, que terá vencimento preciso no ultimo dia dos referidos seis mezes, contados do dia em que se fizer este pagamento.

Art. 2.º Não são comprehendidos nas disposições do artigo antecedente aquelles dos ditos credores, cujos creditos se acharem garantidos com entrega de penhor sobre notas do banco de Lisboa, papel-moeda, bonds, inscripções, letras de arrematantes de contractos, bilhetes do Thesouro, creados por Decreto de G de Agosto de 1831, e o banco de Portugal pela quantia de cem contos de réis, nos termos da authorisação permanente do seu regulamento.

. unico. O Governo, quanto a estes credores, fica authorisado a pagar, reformar, distractar no todo ou em parte, as respectivas obrigações, como poder convencionar, e fôr mais conveniente á Fazenda publica.

Art. 3.° O Governo representará os rendimentos publicos, vencidos e não cobrados no fim do Junho de 1851, até á somma de mil e duzentos contos em bilhetes, com o mesmo juro dos creados pelo referido Decreto de 6 de Agosto do mesmo anno.

1.° Estes bilhetes se denominarão de credito, e serão admissiveis na totalidade dos pagamentos, nos referidos rendimentos, e por elles amortisados no acto dos mesmos pagamentos.

2.º Em quanto se não completar a amortisação de mais de metade destes bilhetes, terão circulação, como moeda metalica, tanto activa, como passivamente, por metade em quaesquer outros pagamentos do Thesouro, comprehendidos os direitos e obrigações sobre quaesquer rendimentos ou exclusivos contractados.

3.° Exceptuam-se os direitos que se cobram nas alfandegas de Lisboa, Porto, e Sete-casas, em quanto se não acharem amortisados os bilhetes creados pelo Decreto de seis de Agosto de 1851.

Art. 4.° O Governo mandará continuar por metade o pagamento dos vencimentos das classes activas e inactivas desde a ultima interrupção anterior ao mez de Agosto de 1851, pelo modo que for compativel com as forças do Thesouro, e em concorrencia com o pagamento dos mezes correntes.

1.º A metade deferida destes vencimentos será paga, pela mesma ordem, depois de ultimado o pagamento da primeira metade relativa ao mez de Julho de 1851.

2.° Para auxiliar este pagamento ficam em vigor, com relação ao segundo semestre do corrente anno econômico, as disposições do Decreto de 3 de Dezembro de 1851 no artigo 5.°, 6.°, e n.º 5 do artigo 7.°

3.º Não são comprehendidos na disposição deste artigo os soldos aos officiaes arregimentados, cujos recibos estiverem em poder da companhia dos descontos, ao embolso da qual o Governo proverá nos termos do unico do artigo 2.º

Art. 5.° A Junta do credito publico continuará o pagamento dos juros a seu cargo, sem interrupção, e na mesma ordem em que se achavam ao tempo da publicação do Decreto de 3 de Dezembro de 1851.

§. unico. O Governo auxiliará a Junta do credito publico com a quantia de quatrocentos contos de réis nos bilhetes mandados crear por esta lei.

Art. 6.º O Governo poderá levantar até á quantia de quinhentos contos de réis um supprimento, entrando uma parte em cédulas ou recibos dos vencimentos contemplados no artigo 4.° desta lei, recebendo os mutuantes, para seu embolso, os referidos bilhetes, ao par, e sem mais algum outro juro, ou commissão, abrindo-se, porém, a publica concorrencia, por espaço de vinte dias, para que sejam preferidas as propostas, em que maior somma de metal fôr offerecida.

Art. 7.° O Governo proporá ás Côrtes, quanto antes, os meios e as medidas mais convenientes de successiva e permanente amortisação de toda a divida fluctuante do Estado.

Art. 8.° Ficam, por esta fórma, derogadas e substituidas as disposições do Decreto de 3 de Dezembro de 1851, com a excepção e declaração feita no 2.° do artigo 4.º desta lei. e revogada toda a legislação em contrario. Sala dos Dignos Pares do Reino, 7 de Janeiro de 1852. = = O Par do Reino, Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão.

Secretaria da Camara dos Dignos Pares do Reino, em 7 de Janeiro de 1852. = Diogo Augusto de Castro Constancio.