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SECRETARIA DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Em virtude de resolução da camara dos dignos pares do reino se publicam os seguintes documentos:

Coube-me a honra na sessão passada de apresentar á camara a representação da associação commercial do Porto sobre o novo projecto de lei dos vinhos: cabe-me hoje a de apresentar uma petição dos lavradores do Douro sobre o mesmo objecto. Creio que a camara quererá ouvir ambas as partes.

A do anno passado mandou-se imprimir no Diario, e parece regular se faça outro tanto com esta, menos no que respeita ás assignaturas, se a camara assim o julgar, pois, sendo 5:064 os signatarios, entendo que a redacção da folha official não comporta tão extensa publicação.

Mando pois a petição para a mesa, e peço que seja remettida ás commissões reunidas de fazenda e agricultura, e impressa nos termos propostos.

Sala das sessões da camara dos dignos pares, 11 de janeiro de 1861. = Visconde de Castro.

Dignos pares do reino. — Os lavradores da freguezia do Peso da Regua, da demarcação do Alto Douro, abaixo assignados, seguidos da grande maioria, ou totalidade de seus irmãos, vem perante vós offerecer-vos a mais respeitosa gratidão, pelo grande beneficio, que todos recebemos da sabia e prudente resolução, que a vossa camara tomou de adiar a discussão da lei, que expoliava os povos do Douro dos seus mais caros direitos e interesses, sem elles serem ouvidos em negocio de tanta importancia.

Suspendestes, senhores, o golpe que nos estava imminente e que já tinha produzido effeito na grande baixa do preço de nossos vinhos, e este reanimou-se, eis o beneficio immediato que nos fizestes, e eis uma prova contra as allegações dos nossos inimigos.

Permitti agora, dignos pares do reino, que chamemos a vossa particular attenção para o modo como a nossa causa tem sido tratada no presente debate.

Desprezou-se a longa experiencia de um seculo, desfigurando-se para esse fim a historia da legislação do Douro, rio seu primeiro e brilhante periodo de oitenta e sete annos de prosperidade, attribuindo-se esta, não á citada legislação, mas a outras causas, que aliás se deram sómente em certas epochas d'aquelle periodo.

Occultaram-se os terriveis e bem sabidos effeitos d'essas theorias da chamada liberdade, já postas em pratica, tanto antes de 1756, como depois de 1834, effeitos tão fortes, que estiveram a ponto de absorver na voragem do abysmo a nossa lavoura e commercio, que sómente foram salvos pelas restricções.

Fecharam-se tambem os olhos a tantas demonstrações theoricas da necessidade da existencia de uma legislação protectora e forte no Douro, documentos que se acham já nos impressos publicados, já nas sessões do parlamento, principalmente nas das camaras de 1821, 1822 e 1843, em que a nossa questão, soffrendo um minucioso exame e longo debate, saíu alfim vencedora.

Por meio da carregada descripção dos abusos, fraudes, infracções da lei vigente, se formou um sofistico argumento contra a bondade e conveniencia da mesma lei.

Culpou-se esta, que quando forte, e bem cumprida, produziu innegaveis beneficios, dos males que são sómente provenientes das infracções de suas disposições, e estas infracções da falta de força, de que a lei tem sido ha annos despojada. Tirou-se daqui, por falsa consequencia, a necessidade da revogação da nossa legislação, como se tudo o de que se abusa devesse ser abolido, e como se não se abusasse até das cousas mais santas.

Pintou-se a industria do Douro algemada por terriveis peias, como se a historia não mostrasse que não podem ser peias umas leis, que, começadas a executar em 1756, deram em resultado o augmento espantoso d'essa industria, no roteamento de pedregosos montes, no immenso acrescimo do seu producto, no subido valor d'este, no grande movimento do seu commercio, e até no beneficio causado aos outros paizes, principalmente aos mais visinhos ao nosso.

Clamou-se então pela liberdade d'essa industria, nome que se deu á licença, que a fatal proposta estabelece, e clamou-se no meio de hymnos, incensos á liberdade, como se nós vivêssemos na escravidão, como se a nossa verdadeira liberdade não consistisse na protecção que as nossas leis nos prestam contra os monopólios, e contra os roubos da especialidade do nosso genero, constituindo-nos assim senhores d'essa garantia, que nos rouba a tão elogiada franquia, tornando-nos na realidade escravos. Allegou-se o damno que as nossas leis causam aos paizes limitrophes ao nosso, quando todos vemos, elles sentem, e são de ha muito reconhecidos os beneficios que elles recebem da prosperidade do Douro, que a não póde ter, senão com suas leis protectoras.

Invocaram-se os principios e regras da sciencia, como se houvesse regra que não tivesse excepção, como se a nossa industria fosse commum com as outras, embora do mesmo genero, e como se o Douro devesse ser sacrificado em holocausto á sciencia.

Rebaixou-se o valor da nossa causa, como se a nossa industria não tivesse a preeminencia entre todas as outras, pelos immensos valores empregados, dentro da sua pequena area, em montes inhabeis para outra cultura remuneradora, em depositos de vinhos de subido preço, e no estabelecimento de umas poucas de mil familias, que do unico producto d'estes serros hão de tirar tudo o de que precisam para a vida.

Argumentou-se com a reforma da legislação aduaneira ingleza, dando-se como certas magnificas vantagens d'ella resultantes, como se ella já estivesse experimentada, como se os successos devessem estar sujeitos aos calculos dos utopistas, como se essas, vantagens se devessem obter pela permissão de todas as fraudes, e como se se não podesse accommodar a nossa legislação á nova ordem de cousas.

Chegou-se até a apresentar a nossa legislação incompativel com o nosso actual systema politico, como se este systema fosse protector da licença e anarchia commercial, que se pretende estabelecer na ominosa proposta, e como se este systema não regulasse o uso de todas as outras liberdades, quando taes regulamentos se fazem necessarios.

Com tão mal cabidas rasões, com taes sofismas habilmente embellezados, e com pinturas primorosamente coloridas, foi illudida a camara electiva, que, não avaliando devidamente a questão, passou rapidamente por ella, quasi sem a discutir, e approvou a proposta expoliadora.

Os clamores de tantas mil familias, levados áquella camara em varias representações, subscriptas pela totalidade dos cultivadores do Douro, foram desattendidos, e tiveram sómente despacho os pedidos da volúvel associação commercial do Porto, e da junta geral do mesmo districto.

Que direito terão essas ou outras corporações, ou quaesquer individuos, para nos impor suas vontades?

Pois a totalidade dos cultivadores, dos que se acham ligados ao producto, que é o principal objecto da questão, dos donos d'elle em fim, não terão mil vezes melhor direito sobre o regulamento da sua extracção do que os estranhos?

Já por ventura nos fomos nós intrometter no regimen d'aquella associação, ou na resolução dos negocios concernentes ao districto do Porto?

Já nos queixámos das que falsamente são chamadas nossas algemas, nós, sobre quem ellas empregam toda a sua acção?

Quem deu aos estranhos o direito de se constituirem nossos protectores, querendo fazer-nos felizes á força, contra nossa vontade e a seu modo?

Ora, vindo essa protecção das mãos de quem tem interesses encontrados aos nossos, não trará ella comsigo o cunho da hypocrisia, e a sentença da nossa escravidão?

Dignos pares do reino, respeitosa mas firmemente vimos clamar na vossa presença, que queremos ser livres na verdadeira liberdade, e que queremos usar livremente do producto do nosso trabalho, porém que para isto nos é indispensavel uma legislação protectora, que nos preserve do dominio monetario, que é o nosso mais intoleravel senhor.

Intenta-se a derogação da nossa legislação, e que se nos dá em troca, que se lhe substitua? Uma lei de marcas, uma providencia sem força, uma inutilidade?!...

Confessa-se a necessidade da conservação da genuidade de nossos vinhos, e que meios se empregam para conseguir esse fim? Permitte-se que seja marcado o casco que contenha o vinho!!!... Como se esta illusoria providencia possa evitar que o genero seja mil vezes mudado e adulterado.

Dignos pares do reino, este modo de olhar a nossa questão provém em grande parte da ignorancia d'ella, embora se clamasse que ella estava estudada. Está, é verdade, ha muito estudada, e avaliada por altas intelligencias que sobre ella escreveram largas demonstrações, e em sentido bem opposto á decisão da camara electiva; mas de certo não o estava pelos juizes d'esta camara, que a julgaram, por se acharem illudidos. Os membros d'esta camara que mais a trataram, e que pretenderam dar explicações da materia, foram os mesmos que deram inequivocas provas de estarem bem alheios d'ella.

A nossa questão é bastante complicada e especial, e sobretudo é toda pratica; demanda portanto um estudo especial, o pratico, e muito mais agora com a reforma ingleza.

É este estudo que nós desejâmos; e nada mais rasoavel e prudente.

Os abaixo assignados, pois, e com elles a lavoura do Douro, recorrem e pedem a vós, dignos pares do reino, que, continuando a olhar-nos benignamente, vos digneis mandar que uma commissão de probas intelligencias venha estudar attenta e minuciosamente a nossa questão, para vos informar da verdade que vos allegamos, e da sobeja rasão com que defendemos o principio da protecção efficaz de que não podemos prescindir. = E R. M.ce

Peso da Regua, 15 de outubro de 1860. (Seguem-se 5:064 assignaturas.)

Secretaria da camara dos dignos pares do reino, 12 de janeiro de 1861. = Diogo Augusto de Castro Constancio.

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