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CAMARA DOS DIGNOS PARES

SESSÃO PREPARATORIA DE 3 DE JANEIRO DE 1867

PRESIDENCIA DO EX.MO SR. CONDE DE LAVRADIO

Pelas duas horas da tarde subiu á cadeira o ex.mo sr. presidente, e convidou, na conformidade do regimento, os dignos pares marquez de Vallada e visconde de Algés a servirem de secretarios.

Feita a chamada, verificou-se estarem presentes 36 dignos pares, e o sr. presidente declarou aberta a sessão.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: — V. ex.ª, sr. presidente, permitte-me uma observação?

O sr. Presidente: — Póde usar da palavra o digno par.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Sr. presidente, parece que estamos nos gelos da Siberia. Eu não quero que

... a calma da officina

A fresca viração as azas creste;

mas o que desejo, sr. presidente, é que possamos estar aqui commodamente; realmente sinto muito frio, a muitos outros dignos pares tenho ouvido queixar do mesmo; desejo pois que V. ex.ª dê as providencias necessarias para que os caloriferos, que devem estar em alguma parte, posto que os não vejo, se accendam; isto é tanto mais preciso, quanto se deve attender a que esta casa, sendo nova, esta ainda muito humida, e como tal é evidente que precisava ter sido aquecida alguns dias antes, para se tornar mais confortavel na presente estação, de maneira que não haja o risco de se comprometter a saude de quem precisa aqui estar, e demorar-se por muito tempo.

O sr. Marquez de Niza: — Disse que a commissão das obras não se julgára auctorisada a comprar um calorífero, ignorando-se ainda se a camara quereria que continuassem as obras até se concluir os arranjos da secretaria e das commissões, porque só então é que poderia convir n'um systema de calorificação como se usa n'outros paizes; e desejou que a camara se pronunciasse n'este sentido como julgasse mais conveniente.

O orador entende que poderiam desde já fechar-se os ventiladores ou alguns d'elles; e que, se a camara conviesse, poderiam collocar-se em local apropriado alguns fogões de gaz, para servirem emquanto se não accommodarem os caloriferos.

O sr. Presidente: — Segundo creio esta terminado este incidente; vamos portanto, em virtude do que dispõe o nosso regimento, passar á eleição de secretarios.

(Fez-se a votação.)

O sr. Presidente: — Convido a servirem de escrutinadores os dignos pares conde de Fonte Nova e visconde de Chancelleiros.

Contadas as listas, viu-se terem entrado na urna 32; e feito o escrutinio, saíram eleitos os dignos pares:

Marquez de Sousa Holstein, com........... 31 votos

Marquez de Vallada....................... 29 »

Obtiveram votos os dignos pares conde de Peniche, Jayme Larcher, duque de Palmella, e marquezes de Ficalho, de Niza e de Sabugosa.

O sr. Presidente: — Vae proceder-se á eleição de vice-secretarios.

Feita a votação e contadas as listas verificou-se terem entrado na urna 48, e feito o escrutinio sairam eleitos vice-secretarios os dignos pares:

Jayme Larcher, com....................... 40 votos

Conde d'Alva.................................. 34 »

O sr. Presidente: — Vae ler-se a acta da sessão preparatoria.

O sr. secretario visconde de Algés leu a acta, que foi approvada.

O sr. Presidente: — Convido os dignos pares, que acabam de ser eleitos secretarios, a tomarem os seus logares.

A mesa da camara dos dignos pares do reino esta organisada para a sessão do anno de 1867; vou portanto nomear a deputação que deve communicar a Sua Magestade que a camara se acha installada.

Foi composta dos ill.mos e ex.mos srs.:

Presidente

Marquez de Sousa Holstein, 1.° secretario

Antonio de Sousa Silva Costa Lobo

Custodio Rebello de Carvalho

Felix Pereira de Magalhães

Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão

Francisco Simões Margiochi.

SESSÃO ORDINARIA

Leu-se a acta da ultima sessão, 15 de junho, contra a qual não houve reclamação. Leu-se na mesa a seguinte

CARTA REGIA

Conde de Lavradio, conselheiro d'estado effectivo, ministro e secretario d'estado honorario, meu enviado extraordinario e ministro plenipotenciario na côrte de Londres, presidente da camara dos dignos pares do reino. Amigo. Eu El-Rei vos envio muito saudar como áquelle que amo. Em execução da carta de lei de 15 de setembro de 1842 houve por bem nomear na data de hoje aos dignos pares do reino duque de Loulé e visconde de Seabra para presidirem á mesma camara no caso, previsto pela citada lei, do eventual e simultaneo impedimento do presidente e vice-presidente respectivos.

O que me pareceu participar-vos para vossa intelligencia e effeitos legaes.

Escripta no paço de Ajuda, aos 3 de janeiro de 1867. = REI. = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens.

Para o conde de Lavradio, conselheiro d'estado effectivo, ministro e secretario d'estado honorario, meu enviado extraordinario e ministro plenipotenciario na côrte de Londres, presidente da camara dos dignos pares do reino.

Mandou-se registar e archivar.

O sr. Secretario (Marquez de Sousa Holstein) mencionou a seguinte

CORRESPONDENCIA

Um officio do ministerio da justiça, remettendo o autographo, já convertido em lei, do decreto das côrtes geraes de 15 de junho ultimo.

Outro officio do mesmo ministerio, remettendo para o archivo da camara o autographo, já convertido em lei, do decreto das côrtes geraes de 11 de junho preterito.

Um officio do ministerio da marinha, remettendo os autographos, já convertidos em leis, dos decretos das côrtes geraes datados de 6, 11 e 15 de junho ultimo.

Outro officio do mesmo ministerio, remettendo para o archivo da camara dois autographos de decretos das côrtes geraes de 11 e 15 de junho ultimo.

Um officio do ministerio das obras publicas, remettendo os autographos de decretos das côrtes geraes de 11 e 15 de junho de 1866.

Para o archivo.

Um officio do digno par Vellez Caldeira, participando á, camara que por incommodo de saude não póde comparecer ás sessões da mesma camara.

Inteirada.

O sr. Marquez de Niza: — Disse que as ordens da camara estavam cumpridas, e terminadas as obras da sala das suas sessões, e que por isso pedia ao sr. presidente se dignasse declarar a quem deveria a commissão fazer entrega assim da parte concluida, como da mobilia, e haver o competente recibo e declaração do estado em que foi feita a entrega da casa; visto que, passando a outras mãos o cuidado e policia do edificio, era necessario eximir a commissão de qualquer responsabilidade.

O Sr. Silva Cabral: — Sr. presidente, pedi a palavra para desempenhar uma missão de que fui encarregado. O digno par e meu amigo o sr. Sequeira Pinto pediu-me para communicar á camara que, pelo seu mau estado de saude, não póde por agora comparecer na camara, o que fará logo que o seu estado de saude lh'o permitta.

O sr. Conde d'Avila: — Acabando de trocar algumas palavras com o meu amigo, o sr. conde de Thomar, em relação ao incidente levantado pelo sr. marquez de Niza, pareceu-nos que seria mais regular, visto haver uma commissão nomeada para dirigir os trabalhos das obras, que ella fizesse uma communicação por escripto á camara, declarando o que acaba de expor o digno par, a fim de se resolver o que fosse conveniente.

Por esta occasião não posso deixar de felicitar o digno par pela conclusão d'este trabalho, e pelo zêlo e intelligencia com que s. ex.ª o dirigiu, e creiu que a camara não poderá tambem deixar de estar satisfeita (apoiados.)

O objecto para que pedi a palavra foi para mandar para a mesa uma representação, que recebi da camara municipal da cidade da Horta na ilha do Faial, minha patria: esta representação é acompanhada das assignaturas de muitos cidadãos d'aquelle concelho, que annuem inteiramente ao pedido da camara.

Annunciaram alguns jornaes d'esta capital, que o governo pretende apresentar ao parlamento algumas propostas de lei, entre as quaes ha uma para a suppressão do districto da Horta. É contra esta suppressão que a camara representa, mostrando que não ha vantagem alguma na sua execução.

Eu peço que esta representação fique na secretaria para ser tomada em consideração, se por acaso tal projecto vier á discussão, o que não creio, porque confio muito da illustração do sr. ministro do reino, e por isso estou certo de que s. ex. quando estudar este assumpto ha de reconhecer, como todos os ministros tem reconhecido desde 1835 até hoje, e já as côrtes de 1822 o haviam reconhecido, que a unica divisão conveniente do archipelago dos Açores é a actual, o que espero poder provar quando for necessario. Desempenhando portanto a commissão de que os meus concidadãos me encarregaram, mando para a mesa esta representação, pedindo a v. ex.ª que a mande para a secretaria, a fim de ter, na occasião opportuna, o destino competente.

O sr. Presidente: — A representação terá o destino conveniente para se tomar em consideração em occasião mais opportuna, como pede o digno par.

O sr. Conde d'Avila: — Eu agradeço muito a v. ex.ª e pedia-lhe o favor de consultar a camara sobre se acede ao pedido que lhe faço, de ordenar que esta representação seja publicada no Diario de Lisboa.

Consultada a camara, assim se resolveu.

O sr. Conde de Thomar: — Sr. presidente, eu já fui prevenido, no que tinha a dizer, pelo digno par, o sr. conde d'Avila, e por isso mais nada tenho a acrescentar, salvo se as idéas de s. ex.ª forem combatidas. Effectivamente eu tambem sou de opinião que se deve fazer uma exposição á camara a respeito do assumpto a que se referiu o digno par, o sr. marquez de Niza, a fim de que ella tome uma resolução, como s. ex.ª mesmo ha pouco acabou de pedir. Este negocio é urgente e importantissimo para haver de ser tratado em conversa parlamentar.

O sr. Marquez de Niza: — Disse que, estando a sala concluida e cumpridas as ordens da camara, entendia do seu dever pedir ao sr. presidente que declarasse a pessoa a quem elle, sr. marquez, devia fazer entrega da parte do edificio que esta acabada, e da mobilia e mais pertenças, a fim de que essa pessoa, que tinha de ficar com a responsabilidade de tudo, lhe passasse uma declaração que salvasse a dos membros da commissão das obras.

O orador pede com instancia esta decisão da camara, porque não é conveniente que haja duas entidades que têem as mesmas ou quasi identicas attribuições policiaes sobre o edificio e suas pertenças, que podem contrariar-se nas suas determinações com detrimento do serviço.

O sr. Presidente: — Esta entendido que este objecto fica para se tratar em outra occasião (apoiados).

O sr. Miguel Osorio: — Pareceu que censurava a grande despeza que se fez com esta sala, despeza que não esta em relação com o nosso estado financeiro; mas como a despeza esta feita, entende que chegou a occasião, e não ha outra mais opportuna, de tomar conhecimento da proposta do sr. marquez de Niza, e vota-la.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Sr. presidente, eu não ouvi nada do que V. ex.ª disse, nem era possivel ouvir em consequencia do pouco silencio que n'este momento tem havido na sala.

Direi algumas palavras sobre o que disse o sr. marquez de Niza. S. ex.ª disse que a commissão nomeada pela camara, para tratar das obras, tinha delegado os seus poderes em outra de menor numero de membros; que esta tinha nomeado tres dignos pares, em que entrava o sr. marquez, outro par, e o sr. José Maria Eugenio; e que finalmente este senhor tinha delegado os seus poderes no sr. marquez e em outro digno par.

Eu tenho toda a duvida na legalidade d'estas delegações, e que a primeira commissão podesse delegar os seus

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poderes concedidos pela camara em outra; os delegados não pódem delegar os seus poderes sem que sejam auctorisados para isso; e não sei que a camara auctorisasse a primeira commissão para delegar os seus poderes em outra commissão de menor numero de membros. Isto é irregular.

Quanto á entrega do que esta a cargo dos dois pares que restam deve ella ser feita á mesa.

O sr. Marquez de Vallada: — Impugna a proposta do sr. marquez de Niza, porque se oppõe ao regimento que defere á mesa a inspecção do edificio e sua policia, a qual o exerce pelo official maior e director geral da secretaria.

(Suscitou-se uma conversação que não pôde ouvir-se, na qual tomaram parte os srs. marquez de Niza, marquez de Vallada e Miguel Osorio.)

O sr. Presidente: — Eu peço licença aos dignos pares para fazer uma observação, que me parece rasoavel; nós estamos aqui a perder tempo com uma questão que não podemos resolver hoje, e de que só poderemos tratar em alguma das sessões proximas; isto não é querer tolher a palavra ao digno par que esta fallando, porque o não podia fazer, mas é lembrar que nós temos um objecto, do qual nos devemos occupar, que é a eleição de dois dignos pares que, juntos com o presidente da camara, devem redigir o projecto de resposta ao discurso da corôa. Portanto, segundo o que determina o nosso regimento, é d'esta eleição que primeiro nos devemos occupar, deixando para depois a questão que ora se ventila.

O sr. Silva Cabral: — Sr. presidente, parece-me que não é esta a occasião opportuna para a camara pronunciar o seu voto n'esta especie. Aqui ha duas questões a considerar. Em primeiro logar temos o regimento da casa, que devemos guardar e respeitar, segundo cujas prescripções é a mesa a auctoridade competente para resolver estas questões (apoiados).

Quanto á segunda questão, a camara ha de fazer toda a justiça aos dignos membros da commissão; mas, em verdade, não me parece regular estar a exigir que a camara forme o seu juizo a respeito de um assumpto sobre que não recebeu até o presente communicação alguma escripta, e menos ainda parecer sobre que a camara se pronuncie. Irmo-nos já pronunciar sobre este objecto não me parece realmente regular, e nós devemos e de certo desejâmos manter toda a regularidade em nossos trabalhos (apoiados)

E esta a minha opinião franca e sincera, e julgo que d'esta conversa parlamentar, ou como lhe quizerem chamar, não póde haver resultado algum. A camara não póde occupar-se por agora de outros trabalhos senão d'aquelles que acaba de indicar o sr. presidente.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Entende pelo contrario que esta é a occasião mais propria para se tratar da proposta do sr. marquez de Niza, por ser o primeiro dia em que a camara se reuniu na sua nova sala.

Concorda em que a despeza foi mui avultada, mui proxima de 300:000$000 réis, e não lhe parece pouco em harmonia com as apuradas circumstancias da fazenda publica; mas, vendo a magnificencia da sala, reconhece que só o muito zêlo da commissão póde obstar a que não excedesse muito d'este algarismo, e por isso é de opinião que não deve deixar de dar-se-lhe um voto de louvor. N'este sentido mandou uma proposta para a mesa, para ter segunda leitura.

O sr. Marquez de Niza: — Disse que na proxima sessão formularia a sua proposta por escripto, para ser tomada na consideração que merecesse.

O sr. Presidente: — Vae proceder-se á eleição de dois membros que, juntos com o presidente, devem redigir o projecto de resposta ao discurso da corôa.

Vozes: — Não ha numero na sala.

O sr. Secretario (Marquez de Sousa): — Ha numero na sala, por isso que estão presentes 19 dignos pares.

O sr. Presidente: — O nosso regimento manda que haja sessão todos os dias não feriados, e eu hei de executa-lo. Portanto ámanhã haverá sessão, sendo a ordem dia a eleição dos dois dignos pares que, com o presidente, hão de formar a commissão de resposta ao discurso da corôa.

Está levantada a sessão.

Eram mais de quatro horas e meia da tarde.

Relação dos dignos pares que estavam presentes na sessão de 3 de janeiro de 1867

Os srs.: Conde de Lavradio, conde de Castro, duque de Loulé; marquezes, de Niza, de Pombal, da Ribeira, de Sabugosa, de Sá da Bandeira, de Sousa, de Vallada, de Vianna; condes, das Alcaçovas, d'Alva, d'Avila, da Azinhaga, de Cavalleiros, de Fonte Nova, de Fornos, de Peniche, de Santa Maria, de Rio Maior, de Sobral, de Thomar; viscondes, de Almeidinha, de Algés, de Benegazil, de Chancelleiros, de Condeixa, de Fonte Arcada, de Porto Côvo da Bandeira, de Seabra, de Soares Franco; Barão das Larangeiras; Moraes Carvalho, Mello e Carvalho, D. Antonio José de Mello, Costa Lobo, Rebello de Carvalho, Silva Ferrão, Margiochi, Larcher, Moraes Pessanha, Aguiar, Braamcamp, Silva Cabral, Pinto Bastos, José Izidoro Guedes, Reis e Vasconcellos, Lourenço da Luz, Baldy, Casal Ribeiro, Rebello da Silva, Miguel Osorio, Fernandes Thomás, Almeida e Brito.

Em conformidade da deliberação da camara dos dignos pares do reino, tomada na sessão de 3 do corrente mez, publicam-se as seguintes representações

Dignos pares do reino da nação portugueza. — Tendo sido espalhada n'esta cidade a noticia de que o governo de Sua Magestade pretende, na proxima futura sessão legislativa, apresentar uma proposta de lei para a suppressão de varios districtos, entre os quaes se incluo da Horta, a camara municipal d'esta muito leal cidade da Horta apressa-se em vir respeitosamente expor-vos os motivos que, na sua opinião, e na de todo o povo que representa, combatem uma similhante providencia.

Senhores, a camara municipal da Horta comprehende muito bem os louvaveis intuitos do illustre e incansavel ministro do reino nos seus trabalhos sobre a reforma administrativa. De ha muito se sente a necessidade da reforma, e a conveniencia que ha em modificar muitas disposições do codigo de 1842. O largo periodo que tem decorrido desde aquella epocha não podia passar sem que de dia para dia elle fosse sendo alterado; e felizmente o nosso paiz tem progredido tão visivelmente n'esses ultimos annos, que por toda a parte a administração acha-se apertada e confrangida na sua actual organisação, para cumprir os seus altos deveres nos variados e multiplices ramos que são da sua competencia.

A idéa de districtos e concelhos grandes tem muitos defensores e é, sem a menor duvida, um elemento indispensavel para que na administração predomine o principio descentralisador. A mais larga esphera das attribuições municipaes e districtaes demanda necessariamente maiores arredondamentos, mais acção nos corpos administrativos, e uma maior copia de meios para serem satisfeitas todas as necessidades publicas, tanto moraes como materiaes.

A applicação porém d'estas idéas encontra um natural obstaculo nas relações sociaes, nas tradições historicas, no estado de desenvolvimento das populações, è na topographia do paiz. A boa sciencia da governação não aconselha que se atropelem todas estas differentes condições, a fim de que se estabeleça em toda a parte a harmonia quando esta significa milhares de embaraços e um estorvo permanente ao progresso da prosperidade publica.

O districto da Horta é actualmente composto de quatro ilhas, que são: o Faial, o Pico, as Flores e o Corvo. Do Faial, aonde existe a cidade da Horta, séde do districto, é o Pico separado por um canal que não terá 4 milhas de distancia. As Flores com a ilha do Corvo estão situadas ao oeste do Faial, formando um pequeno grupo sobre si, e distantes da séde do districto umas 120 milhas. As relações do Faial com a parte fronteira da ilha do Pico são diarias e constantes; e é bem sabido que estas duas ilhas se ajudam reciprocamente, trocando entre si os differentes objectos de que carecem para a vida. As maiores relações da ilha das Flores são com esta do Faial, por isso que é a que mais proxima lhe fica, e por cujo porto se communica de ordinario com todas as demais ilhas do archipelago e Portugal.

Esta simples descripção mostra de sobejo que estas quatro ilhas, e especialmente o Faial e o Pico, formam entre si um todo homogéneo em interesses e em relações, e com as condições precisas para constituir uma circumscripção administrativa, que não póde ser menor que a do districto, porque a alarga-la e a faze-la dependente de Angra o centro teria de ser n'aquella cidade, com a qual as nossas relações são pouco extensas, e para onde infelizmente ainda na actualidade não vae a sympathia d'estas populações.

A historia, que não póde ser esquecida, e é uma mestra excellente para todos; a historia é quem primeiro se revolta contra uma similhante idéa. Ainda hoje vivem muitos homens que viram a expansão de alegria a que se entregou o povo faialense em 1822, quando esta ilha do Faial obteve a sua emancipação da tutela de Angra do Heroismo: aos seus ouvidos ainda resoam os hymnos festivaes d'essa epocha; e estes hymnos, que chegaram até nós, não podem com facilidade riscar se da memoria da actual geração, porque elles significam o termo da oppressão e da tyrannia, sob que viveram os nossos antepassados.

Posteriormente quando Sua Magestade Imperial, o Senhor D. Pedro, Duque de Bragança, de saudosa memoria, Regente em nome de sua augusta filha, a Senhora D. Maria II, lançou as bases do nosso systema administrativo, a lição da historia não foi esquecida: as quatro ilhas, que hoje compõem o districto da Horta, ficaram constituindo uma sub-prefeitura, uma larga circumscripção com interesses e vida especial, mas que a final ainda se reconheceu que não podia deixar de formar um districto, perfeitamente separado e independente.

Recordar o passado não é com o intento de despertar antigas rivalidades, mas é simplesmente lembrar os factos, para que n'esses factos se apure a verdade, e se evidencie a pouca exequibilidade de um projecto que é condemnado pelos sentimentos populares. Similhante pensamento esta bem longe da camara municipal da muito leal cidade da Horta, que deseja a melhor harmonia entre os açorianos, e vê com satisfação o amortecimento dos mesquinhos odios que antigamente reinavam entre as principaes ilhas do archipelago.

E não é sem rasão, senhores, que os povos d'estas ilhas desejam tão ardentemente essa sua autonomia. Em 1822 disseram os membros da junta provisoria ao seu deputado no congresso: «A nossa independencia, essa carta de alforria, esse dom, o mais precioso que os sabios preclaros regeneradores da nação podiam prodigalisar-nos, abriu os diques da nossa perenne satisfação e alegria, e fez raiar n'essa opaca atmosphera a brilhante e suspirada aurora da nossa futura felicidade». E assim foi. Que immenso abysmo nos não separa hoje de 1822! E este immenso abysmo não teria certamente sido traspassado, se como outr'ora a Horta dependesse de Angra, se como outrora na Horta não tivesse raiado a brilhante aurora da independencia e da liberdade!

A prova ahi esta no augmento da riqueza particular, no desenvolvimento do commercio, no movimento do porto da Horta, e na elevação progressiva da receita publica. A prova ahi esta nas ardentes aspirações de melhoramento que excitam a população, na sensivel transformação d'esta cidade, que de dia para dia se vae aformoseando e alargando a sua area, e que sem duvida se tornará o porto mais importante do archipelago açoriano, logo que a sua doca estiver concluida.

A suppressão do districto, se não for a morte absoluta de tão grandes interesses, ha de comtudo estorvar o seu rapido desenvolvimento, e prejudicará assim muitissimo a sua diligente e laboriosa população.

Demais, os motivos que aconselham no continente a suppressão de alguns districtos, não actuam nos Açôres. Aqui o mar separa umas ilhas das outras; lá a estrada ordinaria, o caminho de ferro e o telegrapho electrico liga as differentes povoações do districto. Tem-se dito que os vapores têem estabelecido communicações regulares, e representam o mesmo papel que os caminhos de ferro. Mas, senhores, quem não vê a immensa differença que vae da communicação diaria por um caminho de ferro ou uma estrada ordinaria, a uma viagem mensal por um navio de vapor! Se a facilidade de communicações é um dos mais valiosos argumentos para a suppressão dos districtos, essa infelizmente não se dá nos Açores, nem é possivel, e muito principalmente no inverno.

As difficuldades para o serviço publico seriam muito maiores do que hoje são. Se o districto da Horta fosse annexado ao de Angra do Heroismo, ficaria este composto de sete ilhas, entre as quaes durante a estação invernosa nem sempre ha communicações. A auctoridade central encontraria summos embaraços para fazer chegar as suas ordens a todas as differentes ilhas, e todos os negocios que dependessem da capital do districto levariam mais tempo a decidir-se. N'estas circumstancias o dom de mais largas attribuições municipaes e districtaes seria sensivelmente prejudicado pela centralisação inevitavel em Angra. Em similhante organisação a cidade da Horta perderia a sua importancia, e as populações, em cujo beneficio deve ser feita toda a reforma, teria de lastimar as consequencias prejudiciaes, provenientes de uma providencia adoptada sem verdadeiro conhecimento do paiz.

Alem dos incommodos e embaraços que uma tal agglomeração traria para a auctoridade e para os povos, brevemente se conheceria que o legislador não tinha alcançado o seu fim. Nada mais salutar do que o principio da iniciativa local. Mas os nossos costumes e o estado de civilisação do nosso paiz não nos deixam acreditar que essa iniciativa possa desenvolver-se por si só e sem a ajuda da auctoridade central. Os factos estão infelizmente mostrando esta triste verdade, e principalmente nos concelhos aonde a illustração ainda não derramou toda a sua luz benefica. Afastar n'estas circumstancias a auctoridade central, que em muitos casos substitue essa iniciativa; avolumar as difficuldades que ainda hoje existem ao estreitamento das relações entre essa auctoridade e os povos, é um erro fatal, que a experiencia se encarregará de patentear cabalmente.

D'esta sorte a reforma será um mal e não um beneficio. A centralisação recommenda-se pela rapidez das providencias e sua prompta execução: esse fim ficará compromettido, annexando-se os dois districtos de Angra do Heroismo e da Horta. A descentralisação aconselha-se pela iniciativa que permitte aos povos; esta vantagem será cada vez menos sensivel á proporção que d'elles se afastar do poder central.

Estas considerações são de tal peso, que não basta simplesmente para as destruir a idéa das economias na despeza publica. As economias são necessarias e inevitaveis, mas esta camara não considera que seja justo sacrificar a este principio todos os interesses, e que elle seja antes a morte do que a vida. Extinguir o governo civil, a repartição de fazenda, o lyceu e a direcção das obras publicas seria despojar esta cidade de grandes elementos, e isto quando ella se desenvolve a olhos vistos, e quando no seu porto deve começar uma das obras mais importantes dos Açores, e na qual se devem consumir centos de contos de réis. Quando se abrem mais largos horisontes diante d'esta cidade, quando os seus interesses vão crescendo em importancia e gravidade, quando estes factos se patenteiam evidentemente no progressivo augmento dos rendimentos publicos, quando a esperança anima os faialenses de que a bahia da Horta se tornará em breves annos o porto mais importante de todo o archipelago, quando todas estas e outras muitas circumstancias elevavam e íam engrandecendo a cidade da Horta, com vantagem do proprio thesouro, é que se pensa em despoja la da sua administração superior, no mesmo instante em que ella lhe era mais precisa, e mais conveniente ao povo e ao estado.

Senhores, a camara municipal da muito leal cidade da Horta, sujeitando estas considerações ao vosso estudo e exame, confia tranquilla de que as attendereis na vossa sabedoria, pois que as pesareis como ellas realmente merecem; mas quando desgraçadamente as suas esperanças sejam illudidas e a proposta do governo de Sua Magestade seja convertida em lei do paiz, esta, camara tem a plena convicção de que poucos annos decorrerão para ser restaurado o districto.

Nada, senhores, nada ha de salutar em similhante providencia. Contraria as tradições da nossa historia, sacrifica os sentimentos populares, prejudica todos os interesses e relações, desattende á topographia do paiz, e em cousa alguma beneficia os povos. Esta é a verdade que a camara municipal da Horta, com toda a franqueza e lealdade propria de homens livres, vem apresentar-vos.

Cidade da Horta, em vereação de 7 de novembro de 1866. = O presidente da camara, Sérgio Augusto Ribeiro = O vice-presidente, Joaquim Pereira de Lacerda = O vereador, Francisco Ignacio de Athaide = O vereador, Antonio Ferreira G. de Andrade = O vereador, José Cypriano da Silveira Nobriga = O vereador, Rufino Borges da Costa = O vereador procurador fiscal, José Joaquim de Azevedo.

(Continua.)

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