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N.º 5

SESSÃO DE 15 DE JANEIRO DE 1897

Presidencia do ex.mo sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os dignos pares

Jeronymo da Cunha Pimentel
Visconde de Athouguia

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Expediente. - Teve segunda leitura, foi admittida e em seguida approvada a proposta do digno par o sr. D. Luiz da Camara Leme. - O sr. presidente nomeia a commissão a que se refere a alludida proposta. - O sr. arcebispo-bispo de Portalegre pede a revisão da lei do sêllo em vigor. Responde-lhe o sr. presidente do conselho, bem como ao sr. arcebispo bispo do Algarve, que tambem falla. - O sr. presidente do conselho manda para a mesa uma proposta de accumulação relativa ao sr. Augusto Ferreira Novaes. - Falla ainda sobre a lei do sêllo o sr. arcebispo de Evora, respondendo o sr. presidente do conselho. - O digno par o sr. conde de Bertiandos deseja saber do governo que providencias toma ácerca dos ultimos acontecimentos do Alemtejo e da cobrança cumulativa das contribuições do estado e locaes. Satisfaz o desejo do digno par o sr. presidente do conselho. - O digno par o sr. Antonio de Serpa manda para a mesa o projecto de resposta ao discurso da coroa. Foi a imprimir. - O digno par o sr. Julio de Vilhena manda para a mesa um requerimento, pedindo documentos. - O digno par o sr. Jeronymo Pimentel apresenta um projecto de lei, que é considerado urgente e enviado ás commissões de legislação e fazenda. - O er. conde de Lagoaça pede o comparecimento do sr. ministro da marinha. - O sr. presidente do conselho incumbe-se de transmittir ao seu collega os desejos do digno par. - O digno par o sr. marquez de Pombal faz declarações politicas. - Usam ainda da palavra os srs. arcebispo de Évora e conde de Thomar. - O sr. presidente encerra a sessão, depois de aprasar a subsequente e designar a respectiva ordem do dia.

(Estiveram presentes a sessão os srs. presidente do conselho e ministro da justiça.)

As duas horas e vinte minutos da tarde, achando-se presentes 27 dignos pares, foi aberta a sessão.

Foi lida e approvada a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se a seguinte correspondencia:

Cartas regias

Augusto Cesar Cau da Costa, do meu conselho, par do reino, amigo. Eu El-Rei vos envio muito saudar, como aquelle que anno.

Tomando em consideração o vosso distincto merecimento e consummada experiencia que tendes dos negocios publicos: hei por bem nomear-vos para presidir á camara dos dignos pares do reino, nos termos da carta de lei de 15 de setembro de 1842. O que me pareceu participar-vos para vossa intelligencia e effeitos legaes.

Escripta no paço das Necessidades, em 11 de janeiro de 1897. = EL-REI. = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco.

Francisco Joaquim da Costa e Silva, do meu conselho, par do reino, amigo. Eu El-Rei vos envio muito saudar, como aquelle que amo.

Tomando em consideração o vosso distincto merecimento e consummada experiencia que tendes dos negocios publicos: hei por bem nomear-vos para presidir á camara dos dignos pares do reino, nos termos da carta de lei de 15 de setembro de 1842. 5 que me pareceu participar-vos para vossa intelligencia e effeitos legaes.

Escripta no paço das Necessidades, em 11 de janeiro de 1897. = EL-REI. = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco.

Para a secretaria para serem registadas.

Officio do sr. ministro do reino, datado de 7 de janeiro de 1897, accusando a recepção do officio do sr. presidenta d'esta camara, no qual s. exa. participava achar-se installada a mesa da camara dos dignos pares do reino.

Para o archivo.

Officio do sr. presidente da camara dos senhores deputados, datado de 9 de janeiro de 1897, participando que já se acha constituida aquella camara.

Para o archivo.

Officio da sr. condessa do Casal Ribeiro, agradecendo á camara dos dignos pares do reino as manifestações de sentimento pela morte de seu esposo o sr. conde do Casal Ribeiro.

Para o archivo.

Officio do sr. ministro dos negocios estrangeiros, participando que não póde enviar os documentos pedidos pelo digno par D. Luiz da Camara Leme, referentes ao incidente com o cônsul allemão em Lourenço Marques, porque não houve negociações escriptas a esse respeito.

Para o archivo.

Teve segunda leitura e foi admittida e em seguida approvada a proposta apresentada na sessão anterior pelo digno par D. Luiz da Camara Leme, proposta que se refere ao seguinte:

PARECER N.° 130

Senhores. - No dia 12 de março de 1888 foi apresentado n'esta camara um projecto de lei sobre incompatibilidades politicas. Era assignado pelos dignos pares D. Luiz da Camara Leme, Manuel Vaz Preto Geraldes e Joaquim Coelho de Carvalho.

Esse projecto, relativo a ministros d'estado, pares e deputados, designava funcções que devem ser inhibidos de exercer conjunctamente com os seus respectivos cardos de legisladores e de membros do poder executivo.

As propostas incompatibilidades referem-se aos logares de governadores, administradores, gerentes e membros dos conselhos fiscaes de bancos, de companhias commerciaes ou mercantis, de sociedades anonymas de qualquer especie. Fundamenta-se a proposição em que: não basta aos altos poderes do estado serem austeros e immaculados carecem de ser insuspeitos; em que as companhias de qualquer natureza são sempre solicitas em obterem dos poderes publicos favores e isenções incompativeis com os interesses da nação e do thesouro; em que nos ultimos tempos tem sido, infelizmente, consagrado pelo uso entrarem, mi-

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nistros e legisladores nas direcções das companhias e dos bancos.

Extractámos do texto.

Outro projecto, assignado pelo digno par sr. Candido de Moraes, addicionava ás propostas incompatibilidades outras, cem respeito ao funccionalisino.

Ha pois quatro annos que uma lei de incompatibilidades foi proposta, e ha quatro annos que a camara dos pares reconheceu e votou a urgencia do seu decretamento, e elegeu para o seu estudo uma commissão que a formulasse.

D'essa commissão nasceram dois pareceres; o da maioria, subscripto por oito dignos pares, declarando o projecto inconstitucional no que respeitava aos ministros d'estado e talvez aos pares vitalicios; inopportuno, quanto aos pares electivos e aos deputados da nação, por ter o governo promettido, no discurso da coroa, uma reforma da lei eleitoral.

Alem disto manifestava que preferia, quanto aos abusos dos ministros, castigal-os por vir de uma lei de responsabilidades, a prevenil-os, decretando incompatibilidades.

O parecer da minoria, assignado por seis membros da commissão, declarava constitucional o projecto e, portanto, dentro das faculdades de uma legislatura ordinaria; registava a distincção, suscitada pela maioria, entre pares electivos e vitalicios; tinha por opportuno assentar e definir determinadas incompatibilidades politicas: no proprio interesse dos homens publicos, cortando cerce as rasões de suspeição que todos os dias se levantam j e propunha: que fossem incompativeis as funcções de par do reino ou deputado da nação com as da administração ou fiscalisação de emprezas ou sociedades industriaes ou mercantis, que tenham contrato com o governo, concessões, privilegios, subsidios ou garantias especiaes do estado.

Propunha tambem que fossem incompativeis as funcções de ministro com as da administração ou fiscalisação de qualquer sociedade mercantil, empreza ou sociedade industrial.

O projecto original não fazia esta distincção; requeria incompatibilidades iguaes a respeito de ministros e de legisladores.

O parecer da minoria acceitava tambem da primitiva proposição que se elevassem a 6 contos de réis os vencimentos annuaes dos ministros d'estado.

O projecto do sr. Candido de Moraes fora posto de parte; antes como adiamento do que por motivo de rejeição.

Leis de incompatibilidades, senhores, são, a todos os povos, essenciaes.

As circumstancias particulares em que se encontra cada nação no que respeita aos seus negocios politicos e administrativos, determinam sempre a cada uma as providencias, cautelas ou remedios que se lhe tornam de urgencia ou de conveniencia. Assim, considerando todas necessidade impreterivel determinar incompatibilidades para os seus poderes politicos, diversamente as decretam, segundo as suas peculiares circumstancias.

Os altos poderes do estado são, naturalmente, os pontos culminantes para onde convergem as attenções dos povos; estão ali concentrados os seus direitos, os seus legitimos interesses, a sua honra, o seu preseute, o seu futuro.

As attribuições dos poderes publicos e a sua suprema auctoridade são direitos delegados de que, por isso, elles não são senhores, mas depositarios; e, como taes, podem ser-fieis ou infieis.

A espectativa, pois, com que a nação attenta nos seus actos, ou com que tenta prevel-os ou julgal-os, póde significar esperança ou satisfação, mas póde tambem denunciar receio ou desconfiança.

É, pois, não só conveniencia, mas dever dos proprios poderes politicos, desviar de si, já pela sua austeridade, nem sempre ostensiva, já pelo decretamento e exacção de preceitos claros, precisos, efficazes, todo o motivo de suspeita ou plausibilidade de desconfiança.

Aguardar que lhes venham exigir essas garantias é um erro, que póde trazer um perigo.

Se ha quatro annos uma lei de incompatibilidades era julgada urgente pela camara dos dignos pares, ninguem dirá, de boa fé e com a mão na consciencia, que no dia de hoje essa urgencia tenha afrouxado de tensão.

Quarenta annos de paz temos gosado sobre o regimen liberal; quarenta annos de paz e de trabalho quasi todo urgente e proficuo; trabalho que emprehendemos com a febre patriotica de quem deseja chegar ao ponto distante onde já vão outros povos que antes de nós accordaram, ou a quem mais felizes circumstancias favoreceram. Lançámo-nos, pois, no caminho aventuroso do credito, unico motor que nos podia levar depressa e longe. Contrahimos grandes e progressivos encargos porque nos era urgente vencer grandes distancias com grandes dificuldades; nem tinha-mos instrumentos, nem sufficiente numero de empreiteiros, de obreiros e dirigentes, educados praticamente para a lucta, nem tinhamos o inventario dos nossos haveres, nem o balanço dos nossos recursos, nem a precisão approxi-rnada dos redditos a auferir dos multiplices trabalhos que íamos emprehender; tinhamos fé e tiveram fé em nós, nos recursos do reino, inexplorados, na ousadia honradamente aventurosa que nobilitou sempre a nossa historia. É certo que da abençoada sementeira nós vimos, dia a dia, multiplicarem-se os fructos.

Em presença do notavel e progressivo augmento das receitas publicas, e principalmente da quasi instantanea elevação excepcional que attingiu o nosso credito, chegou o deslumbramento; e como todos os povos têem os seus dias de imprudencia, imprudentes fomos, talvez, não attendendo na retracção, no refluxo da prosperidade que ia temporariamente, ou podia, distanciar-se da Europa e arrastar-nos na corrente.

O dia de hoje é de provações e sacrificios, mas não é, nem póde ser para desesperos. Surgiremos mais uma vez das. nossas difficuldades, principalmente se as encararmos com a serenidade dos fortes, sondando-as com mão firme e com animo calmo.

Ha provações que, sendo molestas no momento, são garantias de futuro, no aviso que dão do perigo proximo.

E obrigação dos poderes publicos serenar o espirito da nação, o que se não consegue por gritos de alarme, por ameaças de vindicta, ou por lamentações doloridas; sim pelo exemplo, pela rectidão do procedimento, pela serenidade da coragem, pela verdade da exposição e pela firmeza da justiça.

É principalmente n'estas occasiões excepcionaes que devem responder á anarchia do medo, ou da especulação facciosa, medidas promptas, mas serenamente meditadas e discutidas, que offereçam garantias de escrupulosa fiscalisação aos povos, que as esperam, as desejam e, com direito incontestavel, as aguardam.

Os poderes publicos, mais em evidencia agora que nos dias de esperanças venturosas ou de promessas douradas, devem olhar para si e retemperar-se, a quererem ganhar e manter a auctoridade que lhes é precisa.

Entre as medidas urgentes e que devem ser salutares, póde e deve contar-se uma lei de incompatibilidades.

Não vae n'ella todo o remedio preciso e urgente, bem sabemos, e talvez que uma reforma eleitoral onde a lei que vamos propor podia caber, em parte ao menos, reforma que vise á possivel genuinidade da representação nacional nas condições em que é reclamada e precisa, que não permitta a sophismação do systema liberal e, por desventura, alguma vez, a contradicção das necessidades do paiz esteja em breve urgentemente recommendada. Talvez tambem uma lei sobre responsabilidades, lei preconisada desde a nossa primeira revolução liberal, e ainda até hoje não promulgada., fosse bem vinda,

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Comtudo, como quasi sempre, nos emprehendimentos humanos, o optimo é inimigo do bom, pare ce-nos opportuno começar pelo decretamento de incompatibilidades; parece-nos até o mais urgente.

É indispensavel que o legislador seja só promotor, regulador, juiz, dos interesses nacionaes; nunca advogado privativo de negocios particulares, por muito que sejam valiosos. E desgraçadamente é facto conhecido e reconhecido que esses interesses procuram solicitadores especiaes no parlamento; e, se não affirmamos, não temos dados para negar que lá os tenham levado ou encontrado.

É preciso que o ministro d'estado seja, como executor das leis, liberto da suspeita de as sophismar, ou de as promover, propondo-as ou modificando-as em beneficio de interesses particulares, muita vez em desaccordo com os do estado.

Queremos acreditar que não ha, nem tem havido em Portugal ministros que posterguem o seu dever em favor de negocios privados, seus e de seus consocios ou administrados; mas é preciso, por honra sua e até por decoro da nação, pol-os ao abrigo da suspeita, e para isso é mister que se mostrem inhibidos de associar-se a taes interesses ou de se manterem na sua dependencia.

Fica sempre ao Rei a liberrima escolha dos ministros, é tambem liberrima, como sempre foi, a acceitação dos seus escolhidos.

Não pareça que a vossa commissão tenha em menos conta a necessidade de serem devidamente apreciados e protegidos, no parlamento e no governo, quaesquer interesses legitimos da nação. A agricultura, as industrias, o commercio, as artes, as companhias, que representam esforços de actividade fomentadora da riqueza nacional, todo o capital que se aventura em emprezas uteis no paiz, todo o trabalho proficuo, individual ou collectivo, têem direito incontestavel a serem ouvidos e attendidos nos conselhos da nação; o que é preciso é que esses interesses sejam considerados e protegidos respectivamente na proporção da sua justiça, e nenhum se torne dominador ou se faça preponderante á custa e em detrimento dos demais interesses a que se devem identicos respeitos e cuidados; o que é essencial é que não tentem e menos consigam sobrepor-se ao interesse geral, somma, conjuncto de todos elles, que ao estado cumpre favorecer e promover, harmonisando-os.

O projecto de lei que offerecemos ao vosso esclarecido criterio não visa á prescripção de nenhum, pleito legitimo entre os poderes legislativo ou executivo; intenta só proscrever d'este superior tribunal da administração o patronato e a clientella. Quer a discussão entre juizes e quer juizes sem suspeição.

Mas não basta a decisão.

Cabe aos ministros a guarda, a execução das leis; cumpre não só evitar-lhes a tentação de violarem o deposito sagrado que se lhes confia, mas dar garantias á nação da sua fidelidade.

Alem de que, os ministros hoje, entre nós, são legisladores tambem; pertence-lhes, como aos deputados e pares, a iniciativa das leis; têem voz na respectiva discussão, e; voz que se tem tornado prepoderante, e têem voto na deliberação.

E cumpre não esquecer que muita vez tomam para si sós o direito de fazer leis; quer entrando no caminho das dictaduras, quer obtendo, em prodigas auctorisações, amplissimas faculdades legislativas.

Não entraremos agora na questão de saber se as côrtes podem delegar direitos que lhes são delegados, sem vir expresso nas respectivas procurações poderes de substabelecer. Apontamos o facto, e o costume que tem creado lei. Consentir-lhes, pois, com a administração dos supremos negocios a direcção ou administração de valiosos interesses que procuram, de industria, influencias politicas para, á sua sombra, poderem alastrar-se, é demasiado confiar que os ministros não são homens, e, como taes, sujeitos a tentações.

Uma lei de incompatibilidades não deve considerar-se como correcção, mas para cautela. E uma lei de garantias para o paiz e para os poderes publicos.

Nem é novidade entre nós.

As successivas constituições portuguezas, a começar na de 1822, têem estabelecido incompatibilidades; todas as leis eleitoraes as têem decretado.

Sem fallarmos das nossas primeiras côrtes constituintes, que nem consentiam que fossem ao paço os deputados sem sua expressa ordem ou licença, e que punham acima de todos os graus e diplomas para a escolha de membros do conselho d'estado, a reputação de virtude, que nem permittiam que o Rei fosse áquelle conselho procurar os seus ministros, que faziam exonerar os secretarios d'estado para tomarem, quando eleitos, assento no congresso, sem percorrermos a longa serie de leis liberaes em que muitas incompatibilidades foram decretadas, attentemos na carta constitucional, e ali, nos artigos 31.°, 32.° e 33.°; nos artigos 10.° § unico, 12.°, 13.°, 17.° e 19.° do decreto de 30 de setembro de 1852; na lei de 23 de novembro de 1859, artigo 5.°; e no artigo 41.° da lei de 21 de maio de 1884. N'esta serie de disposições legislativas se nota o alargamento successivo das faculdades electivas e a restricção nas condições da elegibilidade.

Incompatibilidades todos os paizes as têem adoptado e as estão multiplicando.

Algumas leis radicalmente excluiram do parlamento, desde os ministros, todos os funccionarios; ao menos os que ainda aguardam promoções ou melhorias na sua carreira, e desde os empregados publicos até os jornalistas.

Não pareça que vamos citar disposições oriundas de parlamentos suspeitos aos mais avançados liberaes; lembremos só um decreto promulgado em França pela convenção nacional; tem a data de 9 de março de 1793. Depois, no mesmo sentido, podiamos citar as leis de 27 de junho de 1849 e de 11 de maio de 1868, leis que foram ali buscar o preceito.

Só nos referimos, e perfunctoriamente, a disposições legislativas de epochas liberaes; podiamos citar preceitos salutares, embora com applicação mais restricta e de menos alcance, da historia da antiga legislação portugueza, que muitas ha sobre accumulações de empregos e de ordenados. Seria longo, e dispensa esse trabalho a vossa illustração.

No projecto de lei que submettemos ao vosso illustrado conceito deveriamos ajuntar as incompatibilidades politicas a que se refere, aquellas, algumas ao menos, das que propunha o digno par o sr. Candido de Moraes? Talvez e pela sua conveniencia se decidia a commissão.

Agora mesmo, na Italia se está modificando a lei de incompatibilidades parlamentares de 23 de maio de 1877, no intento de excluir da camara dos deputados os funccionarios publicos estipendiados, com excepção: dos ministros, sub-secretarios d'estado e conselheiros d'estado, presidentes dos tribunaes superiores de justiça, officiaes superiores de terra e mar, membros dos conselhos superiores de instrucção publica, de saude, de obras publicas e minas, professores das universidades. D'estas mesmas categorias só até quarenta deputados poderão ser recebidos; approximadamente uma oitava parte da camara, não podendo entrar n'esses quarenta mais de dez professores.

Não deve passar sem reparo o confronto d'estes preceitos com o que se vê no parlamento portuguez. É facto, senhores, que superabundam aqui os funccionarios publicos, e certamente não póde fazer-se esperar muito uma lei que regule tambem neste ponto as incompatibilidades parlamentares.

É forçoso que os grandes interesses da nação venham tomar no parlamento o seu logar, na proporção que lhes é devida,

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Pareceu á vossa commissão dever tornar extensivos ao conselho d'estado, que não é de obrigação, nem porventura de grande conveniencia, ser só composto de ministros, pares e deputados, as incompatibilidades propostas para ministros e legisladores. O mais alto corpo consultivo, aquelle que o chefe do estado tem de ouvir nos negocios de maior transcendencia, e sempre para a sancção das leis, não pôde, com desculpa justificada, ficar fóra da acção d'esta lei.

Propunha o projecto inicial, com a maxima justiça, que se augmentasse a remuneraçcão dos ministros d'estado, que mal podem, se podem, fazer face ás suas impreteriveis despezas com a exiguidade quasi spartana dos seus actuaes vencimentos; cortamos pelos seus interesses; e nem ordinariamente são ricos os nossos homens publicos nem a pobreza costuma ser das mais moralisadoras conselheiras; mas n'este momento, em que se pedem ao paiz sacrificios maximos, para remissão dos seus pesadissimos encargos e compromissos, não ousa a, vossa commissão trazer-vos aquella proposta nem os seus auctores a pretendem sustentar.

Por todas estas considerações assentou a vossa commissão, de accordo com o governo, propor o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° São incompativeis as funcções de conselheiros d'estado, de ministro e secretario d'estado, de par do reino, de deputado da nação, com os cargos de governador, vice-governador, administrador, membro do conselho de administração ou direcção, de conselho fiscal de sociedade anonyma, empreza bancaria, mercantil, industrial ou de obras publicas.

§ 1.° Dos incluidos n'estas incompatibilidades aquelles cujas funcções politicas forem temporarias, só passados dois annos depois de terminadas, poderão acceitar quaesquer dos cargos cuja incompatibilidade é decretada.

§ 2.° A transgressão do disposto no paragrapho antecedente, alem de tornar ipso facto mulos os actos que os eleitos ou nomeados praticarem em virtude da respectiva investidura ou posse, será punida com a pena de suspensão por um anno do exercicio dos direitos politicos.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Salada commissão, 15 de fevereiro de 1892. = José Luciano de Castro (com declarações) = Conde de Thomar (com declarações) = Marçal Pacheco = José Ferraz Tavares de Pontes (com declarações) = Camara Leme = J. V. Barbosa du Bocage (com declarações) = Basilio Cabral Teixeira de Queiroz = A. A. de Moraes Carvalho (com declarações) = Manuel Vaz Preto Geraldes = Joaquim José Coelho de Carvalho = Conde de Lagoaça = Conde d'Avila (com declarações) = Thomaz Ribeiro, relator.

N.° 1

Artigo 1.° Os ministros d'estado effectivo, os pares do reino e os deputados da nação, não podem exercer nem acceitar os cargos de governadores, directores, administradores, gerentes, nem os de membro do conselho fiscal de bancos, companhias commerciaes ou mercantis e sociedades anonymas de qualquer natureza que seja.

Art. 2.° Aquelles que ao tempo da publicação d'esta lei já tiverem sido nomeados para alguns dos cargos de que trata o artigo antecedente, serão obrigados a optar no praso de um mez entre o cargo adquirido e a posição de ministro, par ou deputado.

Art. 3.° Os ministros d'estado effectivos receberão de ordenado mensal 500$000 réis.

§ unico. O ministro dos negocios estrangeiros, alem do seu ordenado, receberá annualmente mais 1:000$000 réis para despezas de representação.

Art. 4.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da camara, 9 de maio de 1890. = O par do reino, D. Luiz da Camara Leme = Vaz Preto = Coelho de Carvalho.

PARECER N.° 184

Senhores. - A commissão especial que encarregastes de examinar o projecto de lei de incompatibilidades ministeriaes e parlamentares, apresentado pelos dignos pares D. Luiz da camara Leme, Vaz Preto e Coelho de Carvalho, com o additamento do digno par Candido de Moraes;

Considerando que no artigo 74.° § 5.° a carta constitucional dá ao Rei a faculdade de nome e demittir livremente os ministros d'estado, e que o estabelecimento de incompatibilidades ministeriaes n'uma lei ordinaria importaria uma limitação inconstitucional do direito de os nomear, e uma usurpação, pelo poder legislativo, do direito de os demittir;

Considerando que não é esta a camara, mas sim a dos senhores deputados, aquella a quem pelos artigos 140.° e 141.ª da carta pertence a iniciativa da reforma da lei fundamental;

Considerando que os abusos que os ministros possam commetter, melhor se previnem n'uma lei de responsabilidade ministerial, que, sobre ter maior esphera de acção, póde ser promulgada com o caracter de uma lei ordinaria;

Considerando que pelo primeiro acto addicional, artigo 9.° n.° 2.° as incompatibilidades dos srs. deputados são reguladas na lei eleitoral, cuja reforma foi promettida no discurso da coroa, sendo essa a occasião de se tratar do assumpto, não havendo rasão especial para o desviar do logar que lhe marcou o citado acto addicional;

Considerando que as incompatibilidades dos pares electivos, quando sejam admissiveis, não podem deixar de tomar por ponto de partida as que forem estabelecidas para os deputados, visto que pela lei de 24 de julho de 1880 são communs aquelles e a estes os casos em que perdem os seus logares;

Considerando que o estabelecer incompatibilidades para os pares vitalicios, quando não seja inconstitucional fazel-o por uma lei ordinaria, o que para muitos é ponto duvidoso, contraria pelo menos a indole da instituição;

Considerando que; rejeitadas as incompatibilidades ministeriaes, cessa o fundamento com que os auctores do projecto justificavam o augmento do ordenado dos ministros:

É de parecer que os referidos projectos de lei não merecem a vossa approvação. = Barros e Sá = A. C. Barjona de Freitas (vencido) = José Joaquim de Castro = Conde de Valbom = Fernando Pereira Palha Osorio Cabral - Augusto José da Cunha = José Bandeira Coelho de Mello = Antonio Maria de Senna = Thomaz Ribeiro (vencido) = Joaquim Coelho de Carvalho (vencido) = D. Luiz da Camara Leme (Vencido) = M. Vaz Preto Geraldes (vencido) = A. de Serpa Pimentel (vencido) = E. Hintze Ribeiro (vencido) = Adriano de Abreu Cardoso Machado (relator).

Senhores. - Os altos poderes do estado, a quem entre as suas eminentes obrigações incumbe, como uma das principaes, o zelar a moral publica, esteio e fundamento da ordem social, é necessario que sejam não sómente immaculados, mas immunes da menor sombra de suspeição.

Os cidadãos chamados pelo suffragio popular, ou pela regia prerogativa, a exercer os cargos de que depende a feitora das leis e o governo e administração, precisam de que a sua respeitabilidade pessoal não padeça a minima quebra no conceito publico, e convem ao decoro do poder que desempenhem as suas funcções em circunstancias que inhibem a calumnia de interpretar desfavoravelmente as suas acções.

Por mais austeros que no exercicio das suas funcções se manifestem, os membros da assembléa legislativa ou os agentes responsaveis do poder executivo, poderão perder na reputação politica, dando margem a

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menos justas apreciações, se juntamente com os seus altos cargos de ministros ou legisladores accumularem a direcção de companhias mercantis ou industriaes, mais ou menos directamente dependentes do estado e sempre solicitas em alcançar dos poderes publicos favores e isenções incompativeis com os interesses da nação e do thesouro.

Durante largos tempos em Portugal não houve por ventura exemplo de que os ministros se envolvessem em negocios commerciaes. E na antiga legislação se prohibia expressamente que os governadores das diversas possessões ultramarinas podessem negociar. Tal era então o receio de que os funccionarios, impostos á administração, podessem antepor as proprias conveniencias ao dever e á justiça no desempenho dos seus cargos.

N'estes ultimos annos tem sido infelizmente consagrado como uso o entrarem ministros e legisladores na direcção das companhias e dos bancos. A opinião publica não tem visto com olhos complacentes esta lamentavel innovação nos costumes politicos do paiz.

É tempo de prover de remedio a uma situação que póde auctorisar em muitos casos uma menos lisonjeira e justa apreciação, tanto mais facil de aventurar, quanto não é temeraria a supposição de que o interesse dos bancos e companhias possa alguma vez achar-se em conflicto com as do estado, e a favor de influencias officiaes e politicas.

Se estes principies estão consignados na lei das sociedades anonymas, de 22 de junho de 1867, e claramente no novo codigo administrativo de 17 de julho de 1886, decretado pelo actual governo, com quanto maior fundamento não devem ser applicados aos altos funccionarios da nação?

Mas se por uma lei são estabelecidas taes incompatibilidades e adoptados taes preceitos, parece justo que se elevem os parcos ordenados dos ministros, a fim de poderem exercer com independencia e condignamente os elevados cargos que lhes foram conferidos, sem que a menor: sombra possa denegrir ou offuscar o esplendor do poder.

Pelas rasões expostas, temos a honra de submetter á; vossa illustração e sabedoria o seguinte projecto de lei.

Artigo 1.° Os ministros de estado effectivo, os pares do reino e os deputados da nação, não podem exercer nem acceitar os cargos de governadores, directores, administradores, gerentes, nem os de membro do conselho fiscal de1 bancos, companhias commerciaes ou mercantis e sociedades anonymas, de qualquer natureza que sejam.

Art. 2.° Aquelles que ao tempo da publicação d'esta lei já tiverem sido nomeados para alguns dos cargos de que trata o artigo antecedente, serão obrigados a optar no praso de um mez entre o cargo adquirido e a posição de ministro, par ou deputado.

Art. 3.° Os ministros de estado effectivos receberão de ordenado mensal 500$000 réis.

§ unico. O ministro dos negocios estrangeiros, alem do seu ordenado, recebera annualmente mais 1:000$000 réis para despezas de representação.

Art. 4.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da camara, 12 de março de 1888. = O par do reino, D. Luiz da Camara Leme = Vaz Preto = Coelho de Carvalho.

Artigo addicional á proposta do digno par o sr. Camara Leme

São incompativeis com as funcções de ministro de estado, par do reino ou deputado da nação quaesquer cargos publicos.

§ unico. Fica demittido do cargo que exercer o empregado que acceitar qualquer dos designados no presente artigo.

Sala das sessões, 17 de março de 1888. = Candido de Moraes.

Parecer n.º 184-A

Senhores. - Membros da commissão encarregada de dar parecer ácerca dos projectos, que sobre incompatibilidades politicas foram apresentados n'esta camara, tendo-nos afastado das conclusões a que chegou a maioria dos nossos collegas, entendemos dever expor os motivos por que o fazemos, e formular as proposições cuja acceitação temos por conveniente.

O parecer da maioria nenhumas incompatibilidades define; abrigando-se nas formalidades constitucionais, rejeita-as todas em relação aos ministros e aos pares vitalicios; e com respeito aos deputados e pares electivos adia a resolução sobre o assumpto para quando se levar a effeito a reforma eleitoral que o governo annunciou no discurso da corôa.

Rejeição quanto a uns, adiamento quanto a outros - tal é o parecer da maioria da commissão.

Muito diversa é a nossa opinião.

Opportuno julgamos assentar e definir determinadas incompatibilidades politicas.

No proprio interesse dos nossos homens publicos, convem cortar cerce rasões de suspeição que todos os dias se alevantam. Melhor é que se lhe tire o fundamento, do que se deixe aggravar com a repetição de factos, que, á parte a intenção que os determina, são mal recebidos na opinião geral. A ninguem particularmente nos referimos. Expomos uma verdade que a observação nos suggere; nada

mais.

É necessario que a medida seja geral, para que todos a ella se sujeitem; restricções d'esta natureza, ou a todos obrigam, ou a ninguem.

Incompatibilidades, em todos os paizes as ha. De uns para outros variam, porque não representam principios absolutos; regulam-se pelas circumstancias do meio politico a que se apropriam.

Porque as nossas leis não teem estabelecido até aqui incompatilidades para os ministros e pares vitalicios, não é rasão para que se não estabeleçam.

Não ferem nem offendem as prorogativas constitucionaes; não atacam nem desvirtuam o systema representativo; são antes uma garantia do seu regular funccionamento.

É livre a corôa na nomeação dos seus ministros, livre continua sendo; a incompatibilidade apenas faz cessar, para o que é nomeado, o desempenho de funcções alheias ao alto cargo que se lhe confia.

Livre era a corôa na nomeação dos membros d'esta camara, e a lei de 1878, designando as categorias, traçou para essa nomeação os limites que houve por convenientes.

É para alguns vitalicio o exercicio do pariato, o que não quer dizer que á lei não caiba a faculdade de marcar as condições d'esse exercicio, especificando com que outros elle se torna incompativel.

Rejeitar quaesquer incompatibilidades para os pares vitalicios, e admittil-as para os de eleição, é firmar para os que, na mesma camara, exercem funcções iguaes, com direitos e deveres perfeitamente identicos, uma desigualdade que nada justifica. Porque não é pela duração do mandato que a incompatibilidade se afere; é a coexistencia de funcções diversas que a incompatibilidade condemna.

E, pois, toda a rasão de incompatibilidade, que para os pares electivos se adopte, durante o tempo em que funccionam, applicavel é tambem aos pares vitalicios. Desde que para uns se admitta, forçoso é admittil-a para os outros.

Por outro lado, reconhecer, em principio, a conveniencia de, para os deputados e pares de eleição, preceituar incompatibilidades differentes das que estão na lei em vigor, e adiar o conhecimento e decisão d'esse assumpto para quando se levar a effeito uma reforma eleitoral, que, apesar do adiantado da sessão, nem apresentada ainda foi, - é, porventura, levar demasiado longe os escrupulos de de-

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26 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

ferencia para com a iniciativa do governo, num assumpto qu.8 a camara reconheceu ser de urgencia tratar.

Tanto mais, que o governo começou por declarar que, em materia de incompatibilidades, só manifestaria a sua opinião depois de saber qual a da commissão, que a camara nomeara.

Que é urgente a questão, affirma-o uma votação parlamentar; que uma vez alevantada se deve resolver, pondera-o o governo nas primeiras declarações que faz.

Depois disto, mal se comprehende que a commissão aguarde á proposta do governo, - quando o governo aguardava a proposta da commissão.

Eis, succintamente, os motivos por que não podemos acceitar as conclusões da maioria.

Agora as proposições que sujeitamos ao vosso esclarecido bom senso.

Quanto aos ministros: propomos a completa incompatibilidade das suas funcções com as da administração ou fiscalisação de qualquer sociedade ou empreza mercantil ou industrial.

Os ministros devem ser só ministros. Ao entrar para o governo, bom é que ponham de parte o desempenho e a retribuição dos cargos, que até então hajam exercido. Não porque a dualidade das suas funcções faça calar os dictames de uma consciencia honesta. Tal injuria não fazemos a tantos, que tão dedicadamente teem servido o seu paiz. Mas porque, nos tempos que vão correndo, salutar principio é que só aos altos interesses da governação publica se entreguem, a fim de que a accumulação de funcções estranhas não possa inquinar de suspeita os seus actos e as suas intenções.

É claro que a incompatibilidade não evita o erro ou o delicto; mas para os que errarem a responsabilidade politica, para os que delinquirem a responsabilidade criminal. Que, por uma lei especial se tornem effectivas estas responsabilidades, achamos bem. Mas isso não contraria, antes completa, o pensamento em que se inspiram as incompatibidades.

D'estas deriva, porém, um corollario: num paiz como o nosso, em que os mais eminentes homens d'estado de poucos recursos seus dispõem em geral, desde que se lhes exige que só sejam ministros, necessario é que, como ministros, se possam manter dignamente. Peiores seriam ainda os expedientes occultos do que as retribuições conhecidas. D'ahi a fixação dos seus vencimentos nós limites de uma sustentação decorosa. É logico, e é justo.

Quanto aos pares e deputados, não vamos tão longe. Nem a rasão de decidir é a mesma, nem a possibilidade de execução se dá por igual.

O ministro não obriga só o seu voto; obriga todo o governo, em que é solidario com os seus collegas; em seu nome, obriga o poder executivo, e com elle o paiz. O par ou o deputado só tem a sua responsabilidade individual.

Não vemos inconveniente em que no parlamente se achem representados os interesses que mais se prendem com as forças vivas do paiz, a propriedade e a agricultura, a industria e o commercio. As categorias da lei de 1878 sobre essas bases se determinaram tambem.

Demais, os deputados só teem um subsidio limitado; os pares nenhum. Para os ministros, facil é, sem em muito aggravar o thesouro, compensar a restricção que se lhes impõe; o mesmo não acontece com Os pares é deputados; pesado encargo resultaria para o estado de uma medida similhante, que de modo algum nos abalançamos a recommendar.

Mas vamos até ao ponto de acceitar o preceito, uma vez que a lei para todos o decreto, - de tornar incompativeis as suas funcções com. as da administração ou fiscalisação de sociedades ou emprezas que tenham contratos com o governo, concessões, privilegios, subsidios ou garantias do estado.

E temos para nós que a adopção d'este preceito sobremaneira contribuirá para alevantar o prestigio das nossas instituições politicas, arredando suspeições que, embora injustas, ferem e desconceituam o systema parlamentar.

Por isso concluimos, propondo as seguintes disposições a que a discussão nos trouxe:

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° São incompativeis as funcções de ministro e secretario d'estado com as da administração ou fiscalisação de qualquer empreza ou sociedade, mercantil ou industrial.

§ unico. Os ministros e secretarios d'estado terão o vencimento annual de 6:000$000 réis.

Art. 2.° São incompativeis as funcções de par do reino ou deputado da nação com as da administração ou fiscalisação de emprezas ou sociedades, industriaes ou mercantis, que tenham contratos com o governo, concessões, privilegios, subsidios ou garantias especiaes do estado.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão, em 3 de maio de 1888. = A. de Serpa Pimentel = D. Luiz da Camara Leme = Thomaz Ribeiro = Joaquim Coelho de Carvalho = Manuel Vaz Preto Geraldes = Hintze Ribeiro.

Actas das sessões da commissão especial, nomeada pela mesa da camara dos dignos pares, em sua sessão de 14 de março de 1888, para dar parecer sobre o projecto de lei das "incompatibilidades parlamentares", apresentado pelo digno par D. Luiz da Camara Leme

Primeira sessão em 19 de março de 1888

Pela uma hora da tarde, estando presentes os dignos pares conde de Valbom, Barros e Sá, Camara Leme, Adriano Machado; Antonio de Serpa, José Joaquim de Castro, Barjona de Freitas, Augusto Cunha, Thomaz Ribeiro, Hintze Ribeiro, Fernando Palha, Vaz Preto, Coelho de Carvalho, Bandeira Coelho e Antonio Maria de Senna, na sala das sessões declarou o digno par Barros e Sá que a commissão fôra reunida a pedido do exmo. sr. presidente da camara João Chrysostomo de Abreu e Sousa, que elle, declarante, estava substituindo; e convidou os dignos pares presentes a constituir em a commissão.

O digno par Adriano Machado propoz para presidente, o digno par Barros e Sá, e para secretario o dr. Antonio Maria de Senna; foi approvada esta proposta, ficando assim constituida a mesa e installada á commissão.

Deliberou em seguida a commissão: 1.°, reservar para mais tarde a nomeação do relator; 2.°, convidar o sr. presidente do conselho para assistir, querendo, ás sessões, resolução tomada por proposta do digno par Hintze Ribeiro; e 3.°, reunir-se no dia 22 do corrente ao meio dia. Depois d'estas resoluções, o sr. presidente encerrou a sessão, era hora e meia da tarde.

E eu, secretario, Antonio Maria de Senna, par eleito pelo districto de Vianna do Castello, lavrei a presente acta.

Segunda sessão em 22 de março de 1888

Pela uma hora da tarde e sob a presidencia do digno par, o ex.mo sr. conselheiro Antonio José de Barros e Sá, reuniu a commissão, a que compareceram os dignos pares Camara Leme, Fernando Palha, Bandeira Coelho, Antonio de Serpa, Augusto Cunha, Adriano Machado, Hintze Ribeiro. Castro, Vaz Preto, conde de Valbom, Barjona, Thomaz Ribeiro, e eu secretario; o digno par Vaz Preto participou que o digno par Coelho de Carvalho faltava por doença.

Foi lida e approvada a acta da sessão precedente.

O sr. presidente participou que tinha mandado officiar ao sr. presidente do conselho, dando-lhe parte da hora a que se reunia a commissão e do desejo manifestado por ella, de que s. exa. fosse convidado a assistir ás suas sessões; que o sr. presidente do conselho lhe fizera saber que viria assistir á sessão.

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O sr. presidente disse em seguida que estavam submettidos á consideração da commissão dois projectos de lei sobre incompatibilidades - o apresentado pelos dignos pares Vaz Preto, D. Luiz da Camara Leme e Coelho de Carvalho, e outro, como additamento a. este, apresentado pelo digno par Candido de Moraes; e convidou a commissão a indicar a ordem por que desejava discutil-os.

Levantou-se discussão a este respeito, parecendo aos dignos pares Vaz Preto e Camara Leme que a apresentação de um projecto de lei como additamento a outro era contra as praxes parlamentares, alem de que tal addittamento podia ter por effeito embaraçar a discussão do seu projecto, cuja urgencia foi votada pela camara.

O digno par Vaz Preto disse que o seu projecto era um projecto de occasião, que urgia discutir com brevidade, para não se encerrar a camara sem se ter submettido á sua consideração.

Depois de larga discussão n'esta questão previa, em que tomaram parte os dignos pares Hintze Ribeiro, Adriano Machado, Fernando Palha, conde de Valbom e Barjona de Freitas, resolveu-se encetar a questão pelo primeiro projecto.

Entrou-se na discussão da generalidade do projecto.

Abriu o debate o digno par Fernando Palha.

Parece-lhe que o projecto, pelas circumstancias em que foi apresentado, é um modo a mais de affirmar a suspeição em que as opposições parlamentares têem collocado o ministerio que está no poder que por esse facto só o rejeitava, vendo n'elle uma arma de combate politico, circumstancia que o determina a pôr-se ao lado do governo. Mais disse que, dado mesmo que o projecto não tivesse caracter politico, e fosse discutido na esphera serena dos principios, ainda assim o rejeitaria, porque elle orador é contrario a qualquer idéa de incompatibilidades parlamentares ou ministeriaes.

Desenvolveu largamente este pensamento, e terminou pedindo a rejeição do projecto, concordando, porém, em que na parte em que se refere ao augmento de vencimentos dos ministros merecia a sua approvação, mas não n'este momento. Acrescentou ainda que o caracter politico do projecto se deduzia das palavras do digno par Vaz Preto, denominando-o "projecto de occasião".

O digno par Hintze Ribeiro tomou a palavra para pedir que o projecto em discussão fosse considerado fóra do campo politico; que no desempenho do mandato da camara devia-mos, sobretudo, preoccuparmo-nos das responsabilidades legislativas.

O digno par Vaz Preto concorda com o digno par Hintze Ribeiro e diz que o digno par Fernando Palha confundira questão politica com questão de occasião. Para elle não ha questão politica, mas ha questão de occasião. Coroo explicação1 do seu pensamento diz que elle fôra um dos que approvaram a revogação da lei que estabelecia incompatibilidades parlamentares aos deputados, porque lhe repugnava que essas incompatibilidades existissem para os deputados e não para os pares, que com o seu voto quizera concorrer para que se fizesse um ensaio, mas que a experiencia o convencera de que era mister voltar á legislação anterior e alargal-a mais, para acabar com a suspeição de que estavam sendo objecto os homens publicos de todos os partidos politicos.

O digno par Camara Leme expoz os seus intuitos com a apresentação do projecto; não acceita o caracter politico da questão; lembrou que a doutrina do digno par Fernando Palha está em divergencia com o procedimento dos seus amigos, bastando citar-lhe a moção acre assignada pelo sr. Marianno de Carvalho e outros cavalheiros do seu partido, em que censuravam o sr. Fontes e Antonio de Serpa por serem directores da companhia dos caminhos de ferro, sendo ministros. Que a doutrina do projecto está em quasi todas as constituições, e que até ultimamente se estabeleceu na Russia.

O digno par Fernando Palha insiste pelo caracter politico da questão, dizendo que a circumstancia de ser apresentado o projecto depois de ter sido reclamado pelo sr. Consigliere Pedroso na camara dos senhores deputados, e de por essa occasião serem aggredidos o sr. ministro do reino e dos negocios estrangeiros, não podia deixar de dar valor politico ao projecto presente, e que por isso insistia pela rejeição do projecto.

O digno par Antonio de Serpa combateu a opinião do, digno par Fernando Palha, como exagerada; concorda em que as incompatibilidades se não appliquem a todas as companhias, muitas das quaes têem tanto direito a serem representadas no parlamento como os agricultores, proprietarios, etc.; mas acceita que se estabeleçam incompatibilidades parlamentares para os representantes de sociedades anonymas que tenham contratos com o governo.

Entende que estas incompatibilidades não devem ter por fundamento a possibilidade de prevaricação por parte dos representantes das companhias, quando funccionam como parlamentares ou como membros do poder executivo, mas para evitar-se que o publico possa suspeitar da rectidão d'elles.

O digno par Adriano Machado reconhece a necessidade de se estabelecerem algumas incompatibilidades. A intenção é boa, a occasião foi mal escolhida, diz o digno par. Parece-lhe que este assumpto não póde ser resolvido com a1 brevidade que pedem os auctores do projecto, e por isso é seu parecer que a commissão deverá indicar á camara a necessidade de se estudar demoradamente este assumpto, devendo rejeitar o projecto proposto por ter importancia politica partidaria no momento actual.

O digno par Barjona disse que a questão está mal posta; pensam uns que a questão é politica, opinam outros que ella não tem similhante caracter. Em taes condições não se acha disposto a discutir; Entende que o projecto em questão deve ser approvado ou rejeitado em harmonia com os interesses publicos, e por isso não acceita o debate no campo politico. Liga muito maior importancia a uma lei de responsabilidade ministerial do que a qualquer lei de incompatibilidades. Pede a comparencia ás sessões do sr. presidente do conselho, para se saber a opinião do governo a tal respeito, opinião que de resto não póde deixar de manifestar quando lhe seja pedida na camara.

O digno par Fernando Palha lamenta que a questão esteja no campo politico, mas parece-lhe que não póde actualmente collocar-se fóra d'elle; acha inutil que o governo se pronuncie, e declara que qualquer que seja a declaração do governo vota- contra qualquer projecto de incompatibilidades.

O digno par conde de Valbom diz que a sua opinião é . independente da do presidente do conselho acceita uma lei de incompatibilidades, mas não esta, que tem feição partidaria e é inopportuna pelas circumstancias em que foi posta. Diz que as incompatibilidades variam com os paizes; na França é contra os funccionarios e não contra as companhias, cujos interesses devem ser representados nas camaras como os de outras classes - proprietarios, agricultores, etc.; indica a necessidade de se estudar uma lei de incompatibilidades, devendo esperar-se o momento opportuno para propol-a.

O digno par Hintze Ribeiro combate a opinião do digno par Adriano Machado, quando diz que ã commissão é incompetente para formular um projecto de lei sobre incompatibilidades. Pede a comparencia do governo. Insiste por que a commissão formule um projecto de lei, devendo afastar-se em tudo das questões politicas.

O digno par Adriano Machado sustenta que a commissão não é competente para elaborar um projecto por causa da urgencia votada pela camara; o estudo de um projecto sobre incompatibilidades demanda muito trabalho e tempo, e estas circumstancias não se compadecem com a urgencia

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votada. Rejeita o projecto em discussão, para afastar suspeições.

O digno par Thomaz Ribeiro diz que não foi auctor do projecto, que elle vem dos seus amigos e que os ápplaude por isso. Vota o projecto integralmente, bem como o projecto apresentado, como additamento, pelo digno par Candido de Moraes.

O digno par Barjona de Freitas diz que se teem discutido apenas incidentes. Insiste na inconveniencia de se dar caracter politico a esta discussão. Aguarda as declarações do governo para dar a sua opinião definitiva.

O digno par Hintze Ribeiro requer que a commissão declare se julga a questão opportuna.

Eu, secretario, fui de opinião que, votado este requerimento, em qualquer sentido, se dava ao debate a feição politica que queriam tirar-lhe; requeri por isso que não se votasse tal requerimento.

O digno par Hintze Ribeiro insiste.

O sr. presidente levanta a sessão pelas quatro horas da tarde. E eu, secretario, Antonio Maria de Senna, par eleito pelo districto de Vianna do Castello, lavrei a presente acta.

Terceira sessão em 5 de abril do 1888

Pela uma hora da tarde e sob a presidencia do digno par o exmo. sr. conselheiro Antonio José de Barros e Sá reuniu a commissão, estando presentes os dignos pare Hintze Ribeiro, Vaz Preto, Bandeira Coelho, Camara Leme, Fernando Palha, Thomaz Ribeiro, Castro, Adriano Machado, Cunha, Coelho de Carvalho, e Senna, secretario.

Assistiu á sessão o sr. presidente do conselho de ministros, José Luciano de Castro.

Foi lida e approvada a acta da sessão precedente, depois de rectificada na parte que se refere ao extracto da opinião do digno par Hintze Ribeiro, que nota faltar na acta uma declaração que fizera, nos termos seguintes:

"Declarou que, para afastar do assumpto em discussão todo o caracter politico partidario, ou de aggressão pessoal, havia um meio muito simples e muito categorico, era consignar-se n'esse sentido uma formal declaração da commissão no parecer que haja de dar; e que por sua parte desde já se louvava nos que mais partidarios fossem do actual governo, pois que as palavras que mais explicitas julgassem para essa affirmação as subscreveria, a fim de que todos podessem desassombradamente pronunciar-se sobre esta questão, sem preoccupação partidaria, e sem melindres ou contemplações pessoaes."

Em seguida o sr. presidente do conselho agradeceu o convite que lhe fôra feito pela commissão para assistir ás sessões, explicou o motivo por que não viera na sessão anterior, e sobre o assumpto em discussão fez as declarações seguintes:

"Que as circumstancias em que foi apresentado o projecto, as discussões que o tinham precedido, e as opiniões politicas dos seus auctores obrigavam o governo a abster-se de emittir opinião sobre as suas disposições, para que senão podesse suppor que, por considerações pessoaes, desejava influir nas deliberações da commissão. Que por isso se reservava para dar a sua opinião depois de conhecer as resoluções da commissão.

"Que, todavia, não duvidava declarar desde já que não só se não oppunha a que se estudasse o assumpto, mas que até julgava conveniente que, uma vez levantada esta questão, fosse resolvida de um modo digno para todos."

O digno par Hintze Ribeiro pede ao sr. presidente do conselho declarações mais explicitas, e em especial a resposta do governo ás perguntas seguintes:

l.ª Está o governo disposto a cooperar com a commissão na discussão do projecto, ou leva a sua reserva ao ponto do sr. presidente do conselho não voltar ás sessões, da commissão emquanto ella não ultimar os seus trabalhos?

2.ª Entende o governo que é opportuno tomar uma resolução sobre incompatibilidades?

3.ª Acceita o principio fundamental das incompatibilidades?

O1 sr. presidente do conselho respondeu:

1.° Que o governo promette a sua cooperação nos termos da declaração feita, isto é, depois da commissão ter concluido o seu exame e ter resolvido, então dirá francamente a sua opinião;

2.° Que, desde que esta questão se levantou no parlamento, julga necessario tomar-se uma deliberação digna para todos;

3.º Que não póde pronunciar-se sobre as incompatibilidades do projecto sem contradizer a sua primeira declaração;

4.° Que quanto ao principio geral de incompatibilidades não póde deixar de dizer que o acceita, visto estar consignado na legislação, e elle não ter ainda proposto a sua derogação.

Depois de largo debate sobre o sentido das declarações do sr. presidente do conselho, no qual tomaram parte os dignos pares Fernando Palha, Adriano Machado, Thomaz Ribeiro, Vaz Preto, Hintze Ribeiro e Camara Leme, o digno par Hintze Ribeiro insistiu pela discussão da sua proposta já apresentada na sessão passada nos termos seguintes:

"A commissão julga opportuno tomar uma resolução ácerca das incompatibilidades? = Hintze Ribeiro."

Eu, secretario, combati a admissão á discussão d'esta proposta, julgando-a desnecessaria e perigosa. Pronunciaram-se no mesmo sentido os dignos pares Cunha e Bandeira Coelho. O digno par Hintze Ribeiro defende a sua proposta e insta pela votação. O digno par Adriano Machado propoz que a proposta do digno par Hintze Ribeiro se não admitta á discussão; porem, depois de .algumas reflexões do digno par Hintze Ribeiro, retira a sua proposta, substituindo-a por outra nos termos seguintes:

"Proponho que se discutam na especialidade os dois projectos enviados pela camara a esta commissão e se de parecer sobre ambos. = Adriano Machado."

O digno par Fernando Palha declarou que votava a proposta do digno par Hintze Ribeiro com a declaração seguinte:

"Declaro que, votando a opportunidade, o faço porque não me posso recusar a dar parecer sobre um projecto que a camara admittiu á discussão, não importando por fórma alguma o meu voto o reconhecimento da necessidade de se introduzir na lei estas ou outras incompatibilidades. = Fernando Palha."

Adheriram a esta declaração os dignos pares Adriano Machado, Cunha, Castro e Bandeira Coelho.

Posta á votação a proposta do digno par Hintze Ribeiro Foi approvada por todos, excepto por mim, secretario, que me abstive de votar.

O digno par Adriano Machado pediu para retirar a sua proposta, que, depois de retirada, foi apresentada pelo digno par Hintze Ribeiro.

O digno par Adriano Machado declarou prejudicada esta proposta e pede votação sobre esta questão; a commissão, por maioria, julga prejudicada a proposta, votando este sentido Adriano Machado, Barros e Sá, Bandeira Coelho, Castro, Fernando Palha e Senna.

O digno par o sr. Fernando Palha pediu para ser lançada na acta a declaração seguinte:

"Declaro que, não tendo dado attenção á leitura da acta na parte que diz respeito á discussão dos dois projectos, não reclamei em tempo por se ter omittido que a commissão resolvera que se d'esse um só parecer sobre ambos s projectos, discutindo primeiro o do digno par Camara Leme."

Pelas cinco horas da tarde, o sr. presidente encerrou a sessão, de que eu, secretario, Antonio Maria de Senna,

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par eleito pelo districto de Vianna do Castello, lavrei a presente acta.

Quarta sessão em 9 de abril de 188S

Pela uma hora da tarde, e sob a presidencia do digno par o exmo. conselheiro Antonio José de Barros e Sá, reuniu a commissão, estando presentes os dignos pares Castro, Bandeira Coelho, Coelho de Carvalho, Barjona, Cunha, Fernando Palha, Camara Leme, Vaz Preto, Antonio de Serpa, Adriano Machado, Hintze Ribeiro, e Senna; e faltaram os dignos pares Thomaz Ribeiro e conde de Valbom.

O digno par Vaz Preto disse que a acta era omissa e inexacta na parte em que se refere á declaração do sr. presidente do conselho.

Respondi eu, secretario, ao digno par Vaz Preto, que a declaração do sr. presidente do conselho, exarada na acta, fôra escripta por s. exa., e que, pelo que me dizia respeito, me parecia que a declaração estava em perfeita harmonia com o que o sr. presidente do conselho disse na sessão passada.

O digno par Fernando Palha foi tambem de opinião que a declaração da acta estava exacta.

O digno par Vaz Preto disse mais que na acta faltava uma declaração que fizera, e que pedia que fosse inserida na acta d'esta sessão.

A commissão resolveu admittil-a.

A declaração do digno par Vaz Preto, redigida por s. exa., ao nos termos seguintes:

Tinha-me parecido que da declaração do sr. presidente do conselho se deduzia que s. exa. entendia que a questão levantada pelos auctores do projecto de incompatibilidades era uma questão politica; contra essa idéa protestava, porque não fôra esse o seu intento, nem o dos dignos pares que com elle assignaram o projecto; e que, para de uma fórma clara o demonstrar, não tinha duvida em retirar do projecto o artigo que se refere aos ministros."

O digno par Adriano Machado disse que tambem lhe parecia haver alguma inexactidão na redacção da sua primeira proposta, que depois fôra retirada; que não tinha proposto que não se admittisse á discussão a proposta do digno par Hintze Ribeiro, mas sim que não se procedesse á votação sobre essa proposta.

Depois d'esta rectificação, que a commissão admittiu, foi approvada a acta.

O sr. presidente annunciou que ia entrar-se na discussão da generalidade do projecto.

O digno par Barjona de Freitas pediu a palavra para uma questão previa. Parecia-lhe que, para regularidade e brevidade da discussão, seria conveniente que se nomeasse desde já um relator que se incumbisse de estudar os dois projectos e de apresentar um parecer que servisse de base á discussão; que com a nomeação do relator se não protelaria a discussão, pois lhe parecia que em quarenta e oito horas o relator poderia apresentar o seu parecer.

O digno par Fernando Palha disse que talvez o digno par Barjona não tivesse conhecimento de que a commissão resolveu na primeira sessão reservar para mais tarde a nomeação do relator, mas que a elle, orador, não repugnava nomeal-o desde já.

O digno par Barjona declarou que tem faltado a algumas das sessões precedentes por motivo de doença e que por isso não tinha presente essa resolução da commissão; mas que ainda assim lhe parecia que a nomeação de um relator abreviaria a discussão, insiste por isso na sua proposta.

Levantou-se a este proposito largo debate, em que tomaram parte os dignos pares Castro, Camara Leme, Vaz Preto, Fernando Palha, Hintze Ribeiro, Adriano Machado, Serpa, e Senna: acceitam a nomeação do relator, com o pensamento do digno par Barjona, os dignos pares Adriano Machado, Fernando Palha, e Senna; combatem-na os dignos pares Hintze Ribeiro, Antonio de Serpa e Camara Leme.

O digno par Vaz Preto julga indifferente resolver-se a commissão num ou noutro sentido; o que desejava era que se acabasse com esta questão, para se entrar na discussão da generalidade do primeiro projecto.

O digno par Hintze Ribeiro tambem pediu que se pozesse termo ao incidente levantado pelo digno par Barjona, por lhe parecer que as questões previas tinham por effeito retardar a discussão; declarou-se prompto a discutir desde já o projecto e a dar a sua opinião francamente, e mostrou a conveniencia de dar prompta resolução a este assumpto.

O digno par Barjona respondeu que era a primeira proposta que fazia; que antes d'elle outros dignos pares fizeram outras; que não havia motivo para suppor-se que da sua proposta resultaria demorar-se o debate, quando a sua intenção com a proposta que fizera fôra ordenar e abreviar a discussão.

O digno par Serpa requereu a votação immediata da proposta do digno par Barjona, a commissão assim o resolveu; a proposta do digno par Barjona foi votada, sendo approvada pelos dignos pares Barjona, Castro, Barros e Sá, Fernando Palha, Bandeira Coelho, Adriano Machado, Cunha, e Senna, e rejeitada pelos dignos pares Hintze Ribeiro, Camara Leme, Vaz Preto, Coelho de Carvalho e Serpa.

O sr. presidente annunciou depois que ia proceder-se á nomeação do relator.

O digno par Fernando Palha propoz o escrutinio secreto, o que a commissão approvou.

Procedeu-se á votação e em seguida ao escrutinio, sendo escrutinadores os dignos pares Coelho de Carvalho e Bandeira Coelho. O resultado da votação foi o seguinte: 12 votos ao digno par Barjona e 1 ao digno par Adriano Machado.

O sr. presidente proclamou eleito o digno par Barjona.

O digno par Barjona de Freitas agradece os votos da commissão, mas sente não poder acceitar por incommodo de saude, e acrescenta que, acceitando, contrariava, certamente, o seu pensamento, porque, sendo possivel, attento o seu estado de saude, ter de faltar a algumas sessões, ficaria a discussão suspensa, o que elle não desejava.

Procedendo-se a segunda votação e escrutinio, com os mesmos escrutinadores, appareceram 8 votos ao digno par Hintze Ribeiro, e 5 listas brancas.

O sr. presidente proclamou eleito o digno par Hintze Ribeiro.

O digno par Hintze Ribeiro declarou que não póde acceitar o encargo, por isso que combateu a proposta do digno par Barjona para a nomeação de relator.

Procedeu-se a terceira votação, que deu 7 votos ao digno par Antonio de Serpa, 1 voto ao digno par Adriano Machado, e 5 listas brancas.

O sr. presidente proclamou eleito o digno par Serpa? que declarou não poder acceitar o encargo, por ter sido contrario á proposta do digno par Barjona.

Procedeu-se a quarta votação, que deu 7 listas brancas, 5 votos ao digno par Adriano Machado, e 1 voto ao digno par Vaz Preto. Por não haver maioria absoluta, procedeu-se a quinta votação, que deu 1 voto ao digno par Hintze Ribeiro, 5 listas brancas, 5 votos ao digno par Adriano Machado, que se absteve de votar, e 1 voto ao digno par Vaz Preto.

O sr. presidente proclamou eleito o digno par Adriano Machado, que acceitou.

O digno par Hintze Ribeiro propoz em seguida que fosse convidado o digno par relator a apresentar o seu parecer na proxima quinta feira.

Levantou-se debate a este proposito, no qual tomaram parte os dignos pares Hintze Ribeiro, Barjona, e Senna, terminando pela interferencia do digno par Adriano Ma-

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hado, que disse não tinha duvida em apresentar o parecer na proxima quinta feira, devendo desde já prevenir a commissão de que, tendo elle declarado logo na primeira sessão que o assumpto era complexo, mal podiam esperar um trabalho completo feito em dois dias.

O sr. presidente encerrou á sessão pelas quatro horas e meia da tarde, e marcou a sessão immediata para quinta feira, ás duas e meia horas da tarde. E eu, secretario, Antonio Maria de Senna, par eleito pelo districto de Vianna do Castello, lavrei a presente acta.

Quinta sessão em 12 de abril de 1888

Pela uma hora da tarde, e sob a presidencia do digno par o exmo. sr. conde de Valbom, reuniu a commissão, estando presentes os dignos pares Adriano Machado, conde de Valbom, Antonio de Serpa, Hintze Ribeiro, Camara Leme, Vaz Preto, Augusto Cunha, Fernando Palha, Coelho de Carvalho, Bandeira Coelho, Castro, Barjona e Senna.

Eu, secretario, participei que o sr. presidente communicára que por motivo de doença não podia comparecer á sessão. Por este motivo a commissão elegeu para vice-presidente o digno par conde de Valbom.

Foi lida e approvada a acta da sessão anterior. Em seguida tomou a palavra o digno par Adriano Machado, relator, para expor o seu parecer sobre os projectos em discussão.

S. exa. pediu desculpa por não ter podido reduzir a escripto o trabalho que havia feito desde a ultima sessão.

Expoz oralmente o methodo que seguiu no seu estudo e os principies geraes em que se fundou para chegar ás seguintes conclusões:

"l.ª Quanto aos ministros, não se achando em lei alguma das nações constitucionaes limitada a liberdade da corôa na escolha d'elles, nem sendo justificada pelos factos da nossa historia constitucional a necessidade d'esta limitação; e podendo remediar-se os abusos que os ministros porventura commettam, por meio de uma lei de responsabilidade ministerial, não deve ser approvado o projecto n'este ponto.

"2.ª Quanto aos pares, é necessario distinguir entre os vitalicios e os electivos. Para os primeiros não estabelece a nossa lei constitucional nenhuma incompatibilidade; o creal-a seria alterar a indole da instituição, offendendo a independencia e a inamovibilidade da parte vitalicia da camara, e não tendo a experiencia demonstrado a conveniencia de tal alteração, parece que o projecto não deve ser approvado n'este ponto.

a3.ª Quanto aos pares electivos que, segundo a legislação vigente, perdem o seu logar pelos mesmos motivos por que os deputados perdem o seu, as suas incompatibilidades devem tomar por ponto de partida as que forem estabelecidas para os deputados, sem que por isso sejam tão rigorosas.

"4.ª No que diz respeito aos ordenados dos ministros, não parece opportuna a occasião de os augmentar.

"5.º Quanto á proposta do sr. Candido de Moraes, é certo que em algumas nações são incompativeis as funcções dos deputados e senadores electivos com outras, retribuidas pelo estado, posto que esta não seja a regra adoptada na maior parte das nações constitucionaes.

"Essas incompatibilidades, porém, quando se julgue conveniente admittil-as, devem ser estabelecidas na lei eleitoral, segundo o artigo 9.° do acto addiccional. E tendo-se promettido no discurso da corôa a reforma da lei eleitoral, deve esperar-se por esta reforma para ahi se melhorar esta parte da nossa legislação. = Adriano Machado."

O digno par Hintze Ribeiro cambateu estas conclusões.

Eu secretario, pedindo a palavra sobre a ordem, propuz a seguinte questão previa: o A doutrina sobre incompatibilidades, especialmente com referencia aos pares vitalicios, envolve ou não materia constitucional?" No caso affirmativo é indispensavel discriminar nos projectos em discussão o que póde estatuir-se por meio de leis ordinarias do que só póde ser feito por camaras constituintes; pedi que a commissão se pronunciasse a este respeito antes de apreciar as conclusões do digno par relator.

O digno par Castro julga que é indispensavel resolver este ponto e expõe considerações no sentido de pronunciar-se affirmativamente.

O digno par Adriano Machado, respondendo ao digno par Hintze Ribeiro, defendeu as conclusões que havia apresentado, e a proposito da questão previa acceita que a imposição de incompatibilidade aos pares vitalicios actuaes só póde fazer-se por uma lei constitucional.

O digno par Serpa combateu as conclusões do digno par relator, julga inconveniente que os ministros sejam administradores de companhias, parecendo-lhe que para os pares e deputados só haveria o mesmo inconveniente em relação a companhias que tenham contratos com o governo.

Quanto aos pares vitalicios lembra que poderia consignar-se na lei que se suspendam as suas funcções acceitando qualquer logar em companhias.

O digno par Vaz Preto, em relação á questão previa, proposta por Senna, diz que não ha materia constitucional na doutrina das propostas em discussão, tendo-se já pronunciado o parlamento a esse respeito. Declarou que acceitava, em geral, a doutrina do projecto do digno par Candido de Moraes, e terminou dizendo que o digno par Thomaz Ribeiro o encarregara de declarar que approvava o primeiro projecto e o pensamento do digno par Candido de Moraes.

O digno par Fernando Palha insiste no pensamento politico do projecto e declara que approva as conclusões do digno par relator.

O digno par Hintze Ribeiro propoz que se publiquem successivamente as actas das sessões. Posta esta proposta em discussão, foi combatida pelos dignos pares Adriano Machado, Barjona e Bandeira Coelho; posta á votação foi rejeitada.

O sr. presidente encerrou a sessão pelas cinco e meia horas da tarde, marcando a immediata para quinta feira. 19, pela uma hora. E eu, secretario, Antonio Maria de Senna, par eleito pelo districto de Vianna do Castello, lavrei a presente acta.

Sexta sessão em 19 de abril fie 1888

Pela uma hora da tarde e sob a presidencia do digno par o ex.mo sr. conselheiro Antonio José de Barros e Sá reuniu a commissão, estando presentes os dignos pares Antonio de Serpa, Castro, Adriano Machado, Bandeira Coelho, Augusto Cunha, Coelho de Carvalho, Barjona, conde de Valbom, Camara Leme, Vaz Preto, Hintze Ribeiro, Fernando Palha e Senna.

Foi lida e approvada a acta da sessão precedente.

O digno par Vaz Preto propoz que se esperasse pela vinda do sr.. presidente do conselho, a fim de dar agora a opinião ao governo.

Eu secretario cambati esta proposta.

O digno par Hintze Ribeiro insistiu na necessidade de ser convidado o sr. presidente do conselho a comparecer na primeira sessão. Sobre o assumpto combateu de novo as conclusões do digno par relator e defendeu o seguinte projecto de lei:

"Artigo 1.° São incompativeis, as funcções de ministro e secretario d'estado com as da administração e fiscalisação de qualquer empreza ou sociedade, mercantil ou industrial.

"§ unico. Os ministros e secretarios d'estado terão o vencimento annual de 6:000$000 réis.

"Art. 2.° São incompativeis as funcções de par do reino ou deputado da nação com as da administração ou fiscalisação de emprezas ou sociedades, industriaes ou mercantis,

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que tenham contratos com o governo, concessões, privilegios, subsidios ou garantias especiaes do estado.

"Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario".

O digno par o sr. Fernando Palha combateu o projecto do digno par Hintze Ribeiro.

Em seguida o digno par Barjona de Freitas defendeu largamente o projecto seguinte:

"Artigo 1.° O ministro e secretario d'estado não poderá ser durante o exercicio das suas funcções, nem ainda nos primeiros seis mezes depois da sua demissão, administrador, fiscal ou empregado de qualquer companhia, sociedade anonyma, ou empreza mercantil ou industriai.

"Art. 2.° É revogado o artigo 41.° da lei eleitoral de 21 de maio de 1884.

"Art. 3.° Nenhum par ou deputado poderá propor, discutir ou votar projecto que directamente respeite a companhia, sociedade anonyma ou empreza mercantil ou industrial de que o mesmo par ou deputado seja administrador, fiscal ou empregado superior junto da direcção = Barjona de Freitas."

Eu secretario insisti de novo na necessidade de discutir-se se nos projectos pendentes ha ou não materia constitucional, e affirmei que, pelo que me dizia respeito, me parecia que a limitação das prerogativas de pares vitalicios actuaes se não póde fazer por uma lei ordinaria, e o mesmo quanto ás incompatibilidades dos ministros.

O digno par Vaz Preto affirma que nos projectos pendentes não ha materia constitucional e em abono da sua opinião cita as leis de 1845 e 1878, que modificaram a nomeação de pares.

Os dignos pares Serpa e Hintze Ribeiro combateram igualmente, no sentido do digno par Vaz Preto, a opinião dos que vêem doutrina constitucional no projecto.

O digno par Barjona de Freitas é de opinião de que no que diz respeito aos pares vitalicios actuaes é duvidoso se póde ou não resolver-se por uma lei ordinaria, parecendo-lhe antes que a limitação das prerogativas dos pares vitalicios actuaes se não podia fazer senão por uma lei constitucional.

Pronunciaram-se ainda no mesmo sentido os dignos pares Bandeira Coelho e Adriano Machado.

O digno par conde de Valbom julga que, ainda que se votassem os projectos em discussão, não conseguiriam os seus auctores o fim a que miravam, isto é, acabar com a suspeição dos homens publicos. Declara que approva as conclusões do relatorio apresentada pelo digno par Adriano Machado.

O digno par Barjona de Freitas requer que se julgue a materia discutida e que se convide o sr. presidente do conselho a comparecer, querendo, dando-lhe parte de que está encerrada a discussão.

Posto este requerimento á votação, foi approvado por maioria.

O sr. presidente encerrou a sessão pelas cinco horas da tarde. E eu, secretario, Antonio Maria de Senna, par eleito pelo districto de Vianna do Castello, lavrei a presente acta.

Setima sessão em 26 de abril de 1896

Pela uma hora da tarde, e sob a presidencia do digno par o ex.mo sr. conselheiro Antonio José de Barros e Sá, reuniu a commissão, estando presentes os dignos pares Castro, Fernando Palha, Augusto Cunha, Hintze Ribeiro, Vaz Preto, Camara Leme, Adriano Machado, Thomaz Ribeiro, Barjona de Freitas, Bandeira Coelho, Coelho de Carvalho, conde de Valbom, e Senna.

Foi lida e approvada a acta da sessão anterior.

O digno par Hintze Ribeiro participou á commissão que havia recebido uma carta do digno par Antonio de Serpa, incumbindo-o de pedir desculpa á commissão por não poder assistir á sessão, e encarregando-o de declarar que votava contra as conclusões do digno par relator.

Levantaram-se duvidas sobre se na ultima sessão se tinha votado, a requerimento do digno par Barjona de Freitas, que fosse expedido aviso ao sr. presidente do conselho para assistir a esta sessão, a fim de s. exa. fazer as declarações promettidas por parte do governo. Depois de varias explicações averiguou-se que, com effeito, se tinha votado que a commissão solicitasse a comparencia do sr. presidente do conselho para o fim indicado; mas por parte de alguns dignos pares foi dito que a vinda do sr. presidente do conselho era extemporanea, por se não terem votado ainda as conclusões finaes, circumstancia necessaria para o sr. presidente do conselho fazer as suas declarações.

Os dignos pares Barjona de Freitas e Hintze Ribeiro quizeram saber se o sr. presidente do conselho havia sido informado da resolução tomada na ultima sessão. O sr. presidente disse que havia informado s. exa. do estado da questão.

Eu, secretario, disse que tambem tinha informado s. exa. da resolução tomada a requerimento do digno par Barjona de Freitas.

Em seguida passou a commissão a votar as conclusões seguintes, que substituem as apresentadas pelo digno par relator:

"l.ª Que no que respeita aos ministros não deve ser approvado o projecto."

Approvaram os dignos pares Adriano Machado, Bandeira Coelho, Augusto Cunha, Castro, conde de Valbom, Barros e Sá, Fernando Palha, e Senna; rejeitaram os dignos pares Vaz Preto, Coelho de Carvalho, Camara Leme, Thomaz Ribeiro, Hintze Ribeiro e Barjona de Freitas. Eu, secretario, declarei que approvava esta conclusão por entender que a imposição de incompatibilidades aos ministros só se podia fazer por uma lei constitucional.

"2.ª Que emquanto aos pares vitalicios igualmente não deve ser approvado o projecto."

Approvaram os dignos pares Adriano Machado, Bandeira Coelho, Augusto Cunha, Castro, conde de Valbom, Barros e Sá, Fernando Palha, e Senna; rejeitaram os dignos pares Vaz Preto, Coelho de Carvalho, Camara Leme, Thomaz Ribeiro, Hintze Ribeiro e Barjona de Freitas.

O digno par Barjona de Freitas declarou que rejeitava esta conclusão no sentido da proposta que apresentou.

"3.ª Que, emquanto aos pares electivos, as suas incompatibilidades, quando sejam admissiveis, devem tomar por ponto de partida as que forem adoptadas para os deputados."

Approvaram os dignos pares Adriano Machado, Bandeira Coelho, Augusto Cunha, Castro, conde de Valbom, Barros e Sá, Fernando Palha, e Senna; rejeitaram os dignos pares Vaz Preto, Coelho de Carvalho, Camara Leme, Thomaz Ribeiro, Hintze Ribeiro e Barjona de Freitas.

O digno par Barjona de Freitas declarou que rejeitou esta conclusão por estar ligada com a immediata.

"4.ª Que, quanto ás incompatibilidades dos deputados devem ser reguladas na lei eleitoral."

Approvaram os dignos pares Adriano Machado, Bandeira Coelho, Augusto Cunha, Castro, conde de Valbom, Barros e Sá, Fernando Palha, e Senna; rejeitaram os dignos pares Vaz Preto, Coelho de Carvalho, Camara Leme, Thomaz Ribeiro, Hintze Ribeiro e Barjona de Freitas.

"5.ª No que respeita ao ordenado dos ministros, julga-se inopportuna a occasião de tratar d'esta materia."

Approvaram os dignos pares: Adriano Machado, Bandeira Coelho, Augusto Cunha, Castro, conde de Valbom, Barros e Sá, Fernando Palha, Barjona de Freitas, e Senna; rejeitaram os dignos pares Vaz Preto, Coelho de Carvalho, Camara Leme, Thomaz Ribeiro e Hintze Ribeiro. Os dignos pares Coelho de Carvalho, Thomaz Ribeiro e Vaz Preto declararam que haviam rejeitado por julgarem esta conclusão prejudicada pela resolução das antecedentes, O digno par Hintze Ribeiro declarou que rejeitava

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por ter rejeitado as conclusões anteriores. O digno par Barjona de Freitas declarou que não julgava prejudicada esta conclusão pela anterior, por ser opinião sua que o augmento dos ordenados dos ministros é justo e independente de qualquer projecto de incompatibilidades. Os dignos pares Palha, Bandeira Coelho, Castro, Cunha, Valbom, e Senna adheriram á declaração do digno par Barjona.

"6.ª Quanto ás incompatibilidades dos funccionarios publicos com os logares de ministros, pares e deputados, julga a commissão que esta materia ficou prejudicada pelas votações anteriores."

Approvada por unanimidade.

O digno par Vaz Preto declarou que acceitava o pensamento da proposta do sr. Candido de Moraes.

O digno par Bandeira Coelho declarou que votou a conclusão referente aos deputados no sentido em que está redigida, em obediencia á lei, mas que pensa que as incompatibilidades dos deputados tambem devem ser estabelecidas n'uma lei constitucional e não n'uma lei ordinaria.

Pelas quatro e meia da tarde, o sr. presidente encerrou a sessão, de que eu, secretario, Antonio Maria de Senna. par eleito pelo districto de Vianna do Castello, lavrei a presente acta.

Oitava sessão em 2 de maio de 1888

Á uma hora da tarde reuniu a commissão, sob a presidencia do digno par o ex.mo sr. conselheiro Antonio José de Barros e Sá, estando presentes os dignos pares Adriano Machado, Castro, Vaz Preto, Fernando Palha, Camara Leme, Hintze Ribeiro, Bandeira Coelho, Augusto Cunha, e Senna.

Assistiu á sessão o ex.mo sr. presidente do conselho de ministros, José Luciano de Castro.

Foi lida e approvada a acta da sessão anterior.

O sr. presidente participou á commissão que o digno par Adriano Machado lhe communicára que se havia reunido com os restantes dignos pares que approvaram as conclusões apresentadas por elle, a fim de elaborarem um parecer em que se expozesse o seu pensamento, e que o mesmo digno par relator trazia já para ser lido o referido parecer.

O digno par Adriano Machado pediu para ler o parecer.

Os dignos pares Hintze Ribeiro e Vaz Preto ponderaram que, visto estar presente o sr. presidente do conselho, e s. exa. conhecer já pela leitura da acta as conclusões votadas, melhor seria que o sr. presidente do conselho d'esse desde já conhecimento á commissão da opinião do governo sobre os projectos em discussão.

O sr. presidente do conselho disse que estava prompto a dar desde já a sua opinião, se a commissão assim o entendesse, mas que lhe parecia melhor fazel-o depois de conhecer o parecer da maioria. O digno par Adriano Machado requereu que a commissão resolvesse se queria que a leitura do parecer antecedesse a declaração do governo; posto este requerimento á votação a commissão resolveu affirmativamente, em virtude do que o digno par relator leu o seu parecer.

Em seguida tomou a palavra o sr. presidente do conselho que começou por declarar que estava de accordo com o parecer da maioria da commissão; julgava que as incompatibilidades dos ministros e pares vitalicios só podiam ser determinadas por uma lei constitucional, e as dos pares electivos só deviam ser reguladas depois de fixadas as dos deputados, o que deveria ter logar na lei eleitoral, segundo o artigo 9.° do acto addicional. Que dito isto, lhe parecia escusado entrar em esplanações, visto estar encerrado o debate, mas que no entretanto sempre diria que, caso houvesse motivos para suspeitar de irregularidades ou abusos no exercicio do poder executivo, o melhor remedio estava na votação de uma lei de responsabilidade ministerial, e que em harmonia com tal pensamento já havia sido renovada pelo governo a iniciativa do projecto de lei sobre este assumpto, que o ministerio progressista havia apresentado em fevereiro de 1880.

O digno par Hintze Ribeiro pede para ser inserida na acta a declaração do sr. presidente do conselho. O digno par Vaz Preto fez igual pedido e declarou, em seu nome e no de seus amigos, que a minoria não assigna o parecer da commissão, porque tenciona apresentar parecer em separado.

Sr. secretario, propuz que fossem publicadas as actas das sessões; a commissão approvou.

O digno par Hintze Ribeiro pede que alem das actas se publiquem todas as propostas.

A commissão resolveu que se publiquem todos os documentos.

O digno par Camara Leme pede para serem lidas de novo as declarações do sr. presidente do conselho feitas na sessão de 5 de abril, a fim de se verificar se estavam em harmonia com as feitas n'esta sessão.

A commissão auctorisou a leitura pedida.

O mesmo digno par requereu que se inserisse na acta este seu pedido.

Em seguida o digno par Hintze Ribeiro pediu para ler o parecer da minoria, assignado por todos os dignos pares que rejeitaram as conclusões do digno par relator, excepto o digno par Barjona de Freitas. A commissão deferiu. S. exa. leu o seu parecer.

O sr. presidente do conselho pediu ao digno par Hintze Ribeiro o favor de explicar-lhe o sentido do artigo 1.° do seu projecto: diz-se n'esse artigo, ponderou s. exa., que as funcções de ministro e secretario d'estado são incompativeis com as da administração ou fiscalisação de qualquer empreza ou sociedade, mercantil ou industrial; pedia ao digno par para lhe explicar se as incompatibilidades estabelecidas no artigo citado eram simplesmente de funcções ou de cargos, isto é, se nomeado ministro, por exemplo, um director de qualquer companhia, este perdia o logar da companhia, caso acceitasse a nomeação de ministro, ou se apenas deixava de exercer as funcções de director.

O digno par Hintze Ribeiro disse que com a melhor vontade respondia a s. exa. que as incompatibilidades no seu projecto eram incompatibilidades de cargo e não de funcção.

O digno par Vaz Preto disse que o pensamento do projecto da minoria é o mesmo do apresentado por elle e pelos dignos pares Camara Leme e Coelho de Carvalho, á parte a pequena modificação referente aos deputados e pares.

O digno par Hintze Ribeiro declarou que não faz questão da redacção, mas unicamente do pensamento do projecto proposto por elle e adoptado pela minoria.

O digno par Adriano Machado pediu que as declarações do digno par Hintze Ribeiro ficassem na acta.

Não havendo mais nada a tratar, o sr. presidente disse que estavam concluidos os trabalhos da commissão, devendo o sr. relator apresentar á camara o parecer approvado pela maioria.

E eu secretario, Antonio Maria de Senna, par eleito pelo districto de Vianna do Castello, lavrei a presente acta, que foi approvada, depois do que o sr. presidente encerrou a sessão.

O sr. Presidente: - A commissão a que se refere a proposta do digno par D. Luiz da Camara Leme será composta dos seguintes dignos pares:

Antonio de Serpa.
Thomaz Ribeiro.
Conde de Thomar.
Moraes Carvalho.
Conde de Lagoaça.
Camara Leme.
Francisco Joaquim da Costa e Silva.
Frederico Arouca.

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José Maria dos Santos.
Conde da Azarujinha.
Conde de Carnide.

O sr. Arcebispo-Bispo de Portalegre: - Sr. presidente, o assumpto para que desejo chamar a attenção d v. exa., da camara e do governo poderá não parecer sympathico a alguem, mas eu não me embaraço com isso porque acima de tudo, primeiro que tudo entendo que está o cumprimento do dever de consciencia que manda dizer a verdade, quer agrade, quer desagrade.

Obedecendo, pois, a este principio, peço a v. exa. e é camara licença para expor algumas, ainda que succintas considerações sobre a necessidade da revisão da lei de 4 de maio ultimo, sobre o imposto do sêllo pelos assentos do registo parochial e actos do culto, que tão vivos clamores levantou por parte de uma classe benemerita, a dos parochos.

Sr. presidente, apenas se publicou a ultima lei sobre imposto do sêllo, e ainda antes de estar em vigor a sui execução, alguns parochos da minha diocese sobresaltados e prevendo as dificuldades que encontrariam na pratica consultaram-me sobre qual devia ser o seu procedimento em face da difficil situação em que a nova lei, em algumas hypotheses, os vinha collocar.

A minha resposta foi simples e clara, disse-lhes: a lei tem suas durezas, porém emquanto não for revogada tem de cumprir-se, porque é lei do paiz, e o unico expediente pratico a. seguir, é representar aos poderes do estado, a fim de remediar o mal como for possivel.

Ora eu creio que se nas discussões parlamentares não tivesse havido tanta facilidade em dispensar as prescripções do regimento, como succedeu na modificação sobre o imposto do sêllo em que se adoptou o systema de alterar as verbas do sêllo, referindo apenas o numero da tabeliã, sem indicar a disposição vigente, a camara estaria convenientemente preparada para os debates, e não teriam passado disposições que na pratica suscitaram reluctancia e levantaram clamores.

Parece-me, porém, que é chegado o momento opportuno de remediar o mal, e digo remediar o mal, porque as providencias que o nobre presidente do conselho e ministro da fazenda louvavelmente adoptou no intuito de attenuar as durezas da lei, não tiraram completamente o mal. Porquanto a lei do imposto do sêllo affectou tambem os actos do culto de um modo altamente gravoso.

E realmente em um paiz catholico que adopta como religião do reino a religião catholica apostolica romana, não causa boa impressão ver que os actos do culto religioso estão sendo de anno para anno sobrecarregados com um imposto que, em alguns casos, equivale á sua suppressão.

O aggravamento d'este imposto veiu dificultar a legitimação de uniões illicitas, e, por conseguinte, a legitima constituição da familia; veiu dificultar o exercicio das funcções parochiaes, e até contrariar os proprios interesses do thesouro.

Bem sei que para justificar o aggravamento do sêllo se costuma invocar as exigencias do thesouro, dizendo-se que os pequenos recursos economicos do paiz aconselham o emprego de meios de augmentar a receita do estado.

Porém, permitta-me v. exa. que diga com toda a franqueza, que me parece que não é com esta fonte de rendimento que se ha de desafogar a situação da fazenda publica.

E por outro lado entendo que os poderes publicos do estado devem olhar com uma certa veneração e favor as cousas sagradas. Porquanto este desfavor com que os governos e os parlamentos, que se têem succedido na publica administração do estado, olham os assumptos religiosos do nosso paiz, ha de trazer á sociedade lamentaveis consequencias, porque a religião é o elemento mais poderoso, mais eficaz e mais proeminente da paz, da ordem e da prosperidade publica, porque é infinitamente mais poderoso do que o imperio da lei.

Eu, sr. presidente, não dou mais desenvolvimento a estas considerações, porque a illustração e profunda sabedoria da camara disso me dispensa.

Não desejo tomar mais tempo á camara, e só me resta agradecer a benévola attenção com que se dignou escutar as minhas humildes palavras.

Disse.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - Ouviu com a devida attenção as ponderações feitas pelo nobre prelado de Portalegre, ponderações certamente dictadas pelo inexcedivel zelo de que s. exa. tem dado provas no governo da sua diocese e pela sua alta dedicação ao bem da religião.

Assegura a s. exa. que, na tributação dos actos religiosos a que s. exa. se referiu, não houve, nem podia haver intenção de menoscabo para com a religião do estado. São actos que têem uma feição religiosa e ao mesmo Atempo produzem effeitos civis, e por isso da mesma maneira que outros actos puramente civis, são objecto de imposto.

Seria, porém, lamentavel que um excesso de tributação podésse afastar os crentes da pratica e do exercicio religioso.

Se o nobre prelado, e com s. exa. todos os que desempenham tão altas funcções do sacerdocio, pelo conhecimento que tem do modo como esses actos se praticam, e dos effeitos que sobre elles possa produzir a tributação, entendem que alguma cousa ha a remodelar na lei do sêllo, não só não encontrarão da parte do orador resistencia ou intransigencia, mas pelo contrario a melhor vontade para se aperfeiçoar a lei de forma que não estorve a pratica dos actos religiosos, nem tão pouco o estado deixe de auferir a receita de que carece.

Aguarda, pois, n'este sentido, quaesquer indicações dos nobres prelados.

(As palavras de s. exa. publicar-se-hão na integra, quando se dignar rever as novas respectivas.

O sr. Arcebispo-Bispo de Portalegre: - Agradeço ao sr. presidente do conselho as benévolas expressões que se dignou dirigir-me, bem como as disposições que s. exa. manifesta a respeito de aperfeiçoar a lei a que acabo de me referir.

O sr. Arcebispo-Bispo do Algarve: - Sr. presidente, pedi a palavra porque, como acaba de fazel-o o meu illustre collega, o sr. arcebispo-bispo de Portalegre, desejo tambem chamar a attenção do nobre presidente do conselho de ministros sobre um assumpto, cuja importancia s. exa. não deixará por certo de reconhecer. Pretendo referir-me a diversas disposições consignadas nas leis de 21 de julho de 1893 e 4 de maio de 1896.

Nas breves considerações que vou ter a honra de apresentar, espera sem duvida v. exa., assim como a camara, que eu, na minha qualidade de ministro da Igreja, hei-de alludir aos preceitos, que nas mencionadas leis se encerram, e que affectam immediata e directamente os exercicios e praticas de piedade, e alguns dos actos mais augustos da religião e do culto catholico, que não só o regimen e administração ecclesiastica.

São muitos esses preceitos, ou, para melhor dizer, são numerosos os actos, mais ou menos intimamente ligados em a vida religiosa dos cidadãos e com as manifestações o culto publico, sobre as quaes incide o imposto do sêllo. Não me proponho especifical-os agora, um por um, nem mostrar, como talvez me fosse facil, o desamor, senão mesmo a manifesta injustiça, com que se levantam estorvos, por vezes, insuperaveis, ao regular funccionamento a Igreja em assumptos que, por sua indole e particular natureza, são da sua exclusiva competencia e pertencem s suas attribuições.

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34 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

É certo, sr. presidente, que em logar do respeito e do acatamento que ella merece, por sua constituição divina e serviços prestados á humanidade, e, nomeadamente, ao nosso paiz, que ao fervor, ao apoio e concurso da religião catholica deve, em grande parte, as suas epochas mais gloriosas e os seus mais heróicos feitos, a Igreja, depositaria e mestra d'essa religião, encontra-se a cada momento enleada em meio da maiores obstaculos, que lhe não consentem a acção desafogada, livre e placida, como convem ao elevado e grandioso fim, que se propõe realisar, e que d'ella é tão proprio.

Como se não bastava, para contrarial-a, essa propaganda audaz e persistente ahi feita por determinada imprensa e pôr certa escola, que, com os principios que defendem, com ás idéas e doutrinas subversivas que vulgarisam, ultrajam não só a Igreja, mas criam tambem uma situação perigosa ao estado e afflictiva aos fieis, cujas consciencias perturbam; como se isto fôra ainda pouco, encontram-se nas leis que nos regem diversas disposições que mais augmentam e fazem avolumaras difficuldades com que a Igreja está luctando entre nós. N'esta occasião referir-me-hei, Como já declarei, sómente ás leis que tratam do imposto do sêllo.

N'essas leis ou nas tabellas que lhes são annexas mostram-se, pelo que pertence a assumptos ecclesiasticos e actos religiosos, disposições de excepcional dureza, de exagerada austeridade, e até, seja-me permittido dizel-o, de effeito contraproducente. Algumas ha que, pela clareza com que estão redigidas, não offerecem duvidas na sua interpretação; tem por isso de observar-se, emquanto não forem competentemente corrigidas e alteradas; tal é, por exemplo, a que elevou de 100 a 300 réis a taxa do sêllo nos assentos dos baptismos e casamentos.

Outras existem, porém, que são diversamente entendidas, e, por isso, talvez, differentemente observados; está n'este caso a disposição consignada na lei de 21 de julho de 1893, tabella l.ª, classe 14.ª, verba 207, que diz o seguinte:

"Alvará de consentimento ou auctorisação de pães, mães, tutores ou do conselho de familia para casamento 1$500 réis."

E á copia textual é exactissima da verba 263, tabella l.ª do regulamento de 26 de novembro de 1880, a qual é, por sua vez, a transcripção fidelissima da verba 6.ª, classe 8.ª, tabella l.ª do regulamento de 18 de setembro de 1873.

Não ha entre as disposições d'estes tres diplomas, na parte de que me occupo, a minima differença, a não ser na taxa que, segundo o regulamento de 1873, era de 1$600 réis.

É clarissinio1 que taes disposições hão de ser interpretadas do mesmo modo; não admittem sentidos diversos.

Ora, o disposto no regulamento de 18 de setembro de 1873 foi sempre entendido por fórma que, sendo dado verbalmente o consentimento para o casamento dos menores, não havia logar a exigir-se o imposto do sêllo, na importancia, então, de 4$600 réis. Esta interpretação foi apoiada e reconhecida como a unica legitima pela portaria de 13 de dezembro de 1877, expedida pelo ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, e firmada por um habil jurisconsulto, que então regia aquella pasta e que, infelizmente, já não existe. Se tal interpretação é verdadeira, legitima é a unica admissivel, essa mesma, e não outra, ha de dar-se á lei de 21 de julho de 1893, visto como ambos esses diplomas, no ponto em questão, dizem a mesma cousa e exprimem-se por modo perfeitamente identico.

E assim, o pagamento do imposto só é exigivel quando é consentimento ou auctorisação for prestado por alvara.

E o que consta dá citada portaria, a qual, em minha humildo opinião, consigna a verdadeira doutrina e a unica acceitavel em face dá letra e do espirito da lei, como vou demonstrar.

E fóra de duvida que o consentimento para o casamento dos menores póde ser dado por seus paes ou avós verbalmente; assim o declaram as portarias de 20 de janeiro e 26 de outubro de 1868, e se encontra determinantemente preceituado no artigo 773.° do codigo do processo civil. N'estas condições, não póde exigir-se o pagamento do imposto do sêllo, sómente obrigatorio quando o consentimento for prestado por alvará.

Para d'isso nos convencermos bastará attender á epigraphe ou titulo da secção l.ª, classe 14.ª, tabella l.ª da lei de 21 de julho de 1893, que se inscreve: papeis sujeitos a sêllo de verba, depois de escriptos, ou ao de estampilha. A simples leitura d'esta epigraphe convence desde logo que o sêllo, a que a verba 207 se refere, ha de recair sobre um papel escripto; mas se o consentimento é prestado verbalmente, qual fica sendo o papel escripto em que haja de pagar-se o imposto pelo sêllo de verba ou pelo de estampilha?

Não existe, nem o vejo. Será o assento? Não é nem póde ser: as leis do sêllo em parte alguma dão o nome de - papel escripto - ao documento lavrado nos livros do registo parochial para constatar e certificar a celebração do matrimonio; chamam-lhe - assento - este lá tem o sêllo especial, proprio é inconfundivel; foi, primeiramente, da taxa de 80 réis, mais tarde de 100 réis, e agora de 300 réis.

Mais ainda: o imposto exigido pelos actos ou documentos, comprehendidos na secção que estou apreciando, póde ser pago, ou pelo sêllo de verba ou pelo de estampilha, como na respectiva epigraphe se declara. Não quer isto dizer que o pagamento se realise pelo sêllo de estampilha, quando o não possa ser pelo de verba, mas sim que o imposto relativo a todos e cada um dos actos, papeis ou documentos, mencionados na secção l.ª, póde ser satisfeito por qualquer d'aquellas fórmas, indiferentemente, pelo sêllo de verba ou de estampilha.

Segundo a lei, ha documentos, actos e papeis em que o imposto é pago só pelo sêllo de estampilha, outros pelo de verba somente, estes por um sêllo especial, e aquelles pelo de verba ou de estampilha. Qual é a conclusão que d'aqui deve logicamente inferir-se?

Não póde ser outra, senão que o imposto designado na tabella l.ª classe 14.a, secção l.ª, da lei de 21 de julho de 1893, póde ser pago, ou pelo sêllo de verba ou pelo de estampilha. Ora eu desejava que alguem me dissesse qual o modo de realisar-se, nos assentos de casamento, o pagamento de imposto pelo sêllo de verba. Deverá o parocho saír da igreja, depois de reunidos n'ella os nubentes, seus pães, parentes e testemunhas, para dirigir-se com os livros do registo á sede do concelho e pagar o imposto pelo sêllo de verba? Impossivel.

Deverá, para esse effeito, confiar os livros a qualquer pessoa, que se incumba de na repartição competente realisar aquelle pagamento?- Mais impossivel ainda.

Os livros de registo, pela sua importancia maxima, estão commettidos á guarda e responsabilidade dos parochos, os quaes, segundo a lei, só podem confial-os á auctoridade encarregada de apreciar e inquirir do modo porque elles desempenham este ponderoso dever do seu ministerio.

Parece-me, sr. presidente, que d'esta rapida exposição se conclue, que o imposto, a que allude a verba 207, que estou apreciando, não póde ser pago, nos assentos do casamento, pelo sêllo de verba. E, porque não é licito suppor que nas leis se empreguem palavras inuteis ou se estabeleçam preceitos inexequiveis, tem de concordar-se em que o imposto da referida verba só é exigivel, quando o consentimento para o casamento dos menores for prestado por alvará, ou, se assim o quizerem, por um documento escripto, que não é nem póde ser o assento do casamento. Ou isto é tido como verdadeiro, ou, então, não sei para que sirvam os principios e regras da hermeneutica juridica.

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Mas,- na hypothese mesmo de não dever admittir-se sem reparos esta minha interpretação, parece-me, apesar de tudo, que não haverá quem deixe de notar na lei uma redacção demasiado obscura, suscitando a sua intelligencia não poucas duvidas, dadas as quaes, tem de acceitar-se ainda como justificada a isenção do imposto. As leis tributarias, como é a do sêllo, não podem ampliar-se, devem antes restringir-se, em conformidade com o axioma de1 direito - odia restringenda.

Entendo, pois, sr. presidente, que nenhuma rasão ha para multar ou vexar os parochos, que deixarem de collar nos assentos do casamento de menores o sêllo de l$500 réis, sómente exigivel quando o consentimento for prestado por alvará, como é expresso na lei, cuja interpretação não póde entregar-se á mercê dos empregados fiscaes, que não são juizes competentes para decidirem questões de similhante natureza.

Não obstante ser esta a minha opinião, devo declarar que, uma e muitas vezes, tenho aconselhado o clero parochial da diocese, a meu cargo, a que empregue todos os esforços e, com prudencia e discreto zêlo, procure convencer os seus parochiahos de que muito convem, para se evitarem futuros dissabores e contrariedades, satisfazer o imposto do sêllo, mesmo quando o consentimento for prestado verbalmente. Assim tem procedido, mas não sem haverem de luctar, em uma ou outra occasião, com a má vontade e opposição da parte de muitos, que por essa fórma se vão, infelizmente, habituando a ver no parocho, não o pastor de almas, mas um agente do fisco, não o seu mestre, conselheiro e guia, mas um exactor da fazenda publica. Isto representa, sr. presidente, uma grande desgraça, cujas funestas consequencias vem reflectir-se, a um tempo, sobre a Igreja e sobre o estado, porque contribue para o desprestigio da auctoridade parochial, para a frouxidão e tibieza da fé, para o esmorecimento do sentimento religioso; e é certo que quanto mais decadente for esse sentimento, tanto mais necessario se torna para o governo da sociedade o recurso ás leis energicas e repressivas. Será isso um bem? Que responda a consciencia de cada um.

E dominado ainda por estas idéas, que eu não posso deixar de agora me referir aos grandissimos inconvenientes derivados da exagerada taxa do imposto do sêllo, elevada de 100 a 300 réis, e que, segundo a lei de 4 de maio ultimo, vem incidir nos assentos de baptismos e casamentos.

Sabe v. exa., sr. presidente, e sabe a camara, quantos e quão justificados clamores similhante medida, apenas publicada, fez levantar em todo o paiz, e como foi geral a opposição que ella encontrou na imprensa periodica, sem distincção de cores partidarias. Era natural que assim acontecesse.

Obrigar o homem ao pagamento de um imposto, na occasião e por motivo da recepção dos sacramentos, é já de si muito para lastimar, porque não se compadece tal exigencia nem com o respeito devido á santidade e sublime grandeza da religião, nem com os fructos benéficos e salutares que a mesma é destinada a produzir na ordem social.

E, pois, justo, justissimo, que nenhum imposto haja de pagar-se, quer ao receber-se o sacramento do baptismo, quer o do matrimonio. Mas, se para acudir ás urgencias do thesouro, se julga mister tributar estes actos augustos da nossa religião, haja, pelo menos, alguma caridade com os cidadãos, não lhes impondo sacrificios incomportaveis para a grande maioria d'elles, como são os que recebem aquelles sacramentos.

Sr. presidente, não pretendo fazer sobre este assumpto importantissimo as largas considerações a que, aliás, elle fie presta; limitar-me-hei a declarar que eu, assim como os meus collegas no episcopado, empenhados sempre em que os nossos diocesanos se mostrem obedientes á lei e respeitadores da auctoridade, envidámos toda a diligencia e esforços para que a observancia da lei de 4 de maio, no ponto em questão, não provocasse alarmes nem agitações no espirito publico, e para que cessasse a reluctancia que lhe era opposta por parte dos fieis.

Alguma cousa se conseguiu na fundada esperança que se lhes fez conceber de que, reaberto o parlamento, seria a lei convenientemente modificada. Não se conseguiu, porém, tudo, porque, desgraçadamente, muitos pães têem deixado de levar á fonte baptismal os seus filhos, allegando, como pretexto, a exagerada taxa do imposto do sêllo. Nem se diga, como que para afastar de sobre a lei a nota de rigorosa austeridade que a caracterisa, que os pobres não são obrigados ao pagamento de tal imposto. Pois quem é que para esse effeito deve ser considerado como pobre?

Qual a regra; ou norma que n'este ponto deve orientar os parochos, infelizmente arvorados em cobradores de tributos e fiscaes do sêllo?

O artista, o pequeno industrial, o arrendatario, o simples trabalhador e jornaleiro pagavam, embora muitas vezes com grande sacrificio, o sêllo da taxa de 80 ou 100 réis; hão de ser obrigados agora ao pagamento de 300 réis? Ha de o parocho exigir do trabalhador, cujo jornal não excede a 200 réis, um sêllo da taxa de 300 réis? Seria isso cruel, iniquo e deshumano. (Apoiados.)

Mas, se estes forem como tem de ser, dispensados de pagar o imposto do sêllo, na importancia de 300 réis, a conclusão a tirar é que, visto pertencerem a essa classe muitissimos dos que recebem os sacramentos do baptismo e do matrimonio, constituindo mesmo a maioria dos cidadãos, o rendimento total do imposto do sêllo, mantendo-se a taxa actualmente em vigor, não attingirá, talvez, a somma realisada no tempo em que a taxa era menor.

Vou concluir, pedindo ao nobre presidente do conselho de ministros que, no caso de ter por justas as considerações que acabo de apresentar e de submetter ao seu elevado criterio, se digne de expedir as providencias e instrucções que lhe pareçam conveniente, para que a verba 207 da tabella l.ª, annexa á lei de 21 de julho de 1893, seja executada por fórma que não se exija o pagamento do imposto do sêllo, na importancia de 1$500 réis, quando o consentimento para o casamento dos menores for prestado verbalmente por quem para isso tenha competencia; e que apresente uma proposta para que o sêllo da taxa de 300 réis que, segundo a lei de 4 de maio de 1896, tem de collar-se nos assentos de baptismos e casamentos dos livros do registo parochial, ou seja completamente eliminada, ou, pelo menos, modificada e reduzida.

Convenço-me de que o nobre presidente do conselho de ministros, que tantas demonstrações tem dado do seu talento, do seu activo e esclarecido zelo a bem dos interesses geraes do paiz e de seu respeito e acatamento pelos direitos dá Igreja é assumptos religiosos, attenderá este meu pedido.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Sempre disposto a attender da melhor vontade ás observações do nobre prelado, folga de ter este ensejo para prestar à merecida homenagem á maneira alevantada, briosa, dedicada até, com que os prelados das differentes dioceses, se bem que não concordassem com o augmento da taxa tributaria dos assentos parochiaes, contribuiram com o seu conselho, pela larga influencia que exercem, para que ã lei fosse executada sem maiores resistencias, com o acatamento devido a um documento d'aquella natureza.

A esse respeito observará, porém, que do pagamento do sêllo ficaram isentos os que fossem pobres, e embora por vezes possa ser difficil na pratica, como disse o illustre prelado, avaliar o estado de pobreza, a verdade é que ninguem, como os parochos, está mais habilitado a ser juiz n'estes casos com igual isenção e competencia; seria difficil estabelecer regras para tal materia, e portanto com-

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metter aos parochos essa apreciação, fazel-os juizes n'esses casos e juizes sem recurso, é dar-lhes um testemunho de confiança e á lei uma garantia de boa execução. De resto, desde que a lei estabeleceu aquella excepção, isentando as que não estivessem nas circumstancias de supportar o imposto, não se póde dizer que a lei seja dura ou vexatoria.

Alem d'isto, em seguida á publicação da lei, o governo fez todo o possivel para no regulamento fazer desapparecer todo o caracter de vexame ou de violencia que ella podesse ter na sua execução.

Novamente declara, pois, que o governo está nas melhores intenções quanto a expurgar da lei qualquer dureza que porventura ella ainda possa ter.

Não dirá que seja possivel abolir por completo o imposto nos assentos de registo de nascimento, porque ha muito que esse imposto existe; mas o governo fará o que poder de accordo com o desejo manifestado pelos illustres prelados, resalvando, todavia, as rasões pelas quaes no anno passado se propoz augmento de receita do estado.

Quanto ao segundo ponto a que o illustre prelado se referiu, o orador não nega que as rasões expostas façam certo peso na sua consciencia, mas é certo que outros inconvenientes ha com a interpretação que s. exa. reclama, e portanto outras considerações a oppor ás de s. exa.

O que o orador póde assegurar é que procurará examinar o assumpto, para que sobre elle se dêem as melhores providencias, e se consiga uniformisar a maneira de cumprir as disposições da lei a que s. exa. se referiu.

(O discurso será publicado na integra, em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)

O digno par mandou para a mesa a seguinte

Proposta

Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do acto addicional da carta constitucional da monarchia, o governo de Sua Magestade pede á camara dos dignos pares do reino a permissão necessaria para que o digno par Augusto Ferreira Novaes possa accumular, querendo, as funcções legislativas com as de secretario geral interino do governo civil do districto de Lisboa.

Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 14 de janeiro de 1897. = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco.

Submettida á votação, foi esta proposta approvada.

O sr. Arcebispo-Bispo do Algarve: - É só para agradecer ao nobre presidente do conselho as explicações que acaba de dar-me, e exprimir, mais uma vez, a muita confiança que tenho em que s. exa. ha de attender o meu pedido.

O sr. Arcebispo de Evora: - Sr. presidente, tomando a palavra n'esta altura da sessão, assalta-me o receio de que pareçam superfluas e quiçá enfadonhas as considerações que vou fazer. Relevem-me v. exa. e a camara, e eu procurarei ser breve.

Quando pedi a palavra tencionava exactamente referir-me ao mesmo assumpto de que já fallaram tão proficientemente os meus illustres e dignos collegas que regem as dioceses de Portalegre e do Algarve.

Estando presente o nobre presidente do conselho, ministro da fazenda, desejava, como já fizeram estes collegas, chamar a sua attenção para os inconvenientes do aggravamento do imposto do sêllo, resultante da carta de lei de 4 de maio de 1896, referindo-me em especial ao sêllo dos assentos de registo parochial de baptismos e matrimonios.

O projecto d'esta lei foi votado, como de certo a camara se lembra, em uma das ultimas sessões do anno proximo findo, na sessão de 30 de abril.

Foram muitos, nada menos de onze, os projectos que n'esse dia foram apresentados n'esta casa do parlamento, e foram votados, não porém discutidos, porque apenas se fizeram breves considerações sobre um d'elles, passando todos os outros sem discussão.

O facto de ter sido apresentado com dispensa do regimento, sem ter sido previamente marcado para a ordem do dia, este projecto, que tem o n.° 59; a desprevenção completa em que se estava, pois que, tendo já sido approvado na camara dos senhores deputados, não apparecêra na imprensa referencia alguma que para elle chamasse a attenção; e, emfim, a fórma demasiadamente obscura, demasiadamente concisa, por que estava redigido, explicam sufficientemente que elle passasse desapercebido, sem a menor duvida, sem a menor emenda, ou ao menos protesto, o que de certo não succederia a não se darem as circumstancias que deixo apontadas.

Corno quer que fosse, o projecto passou, e foi convertido na lei de 4 de maio.

Lendo-se desprevenidamente o parecer do illustradissimo relator do projecto, pareceria á primeira vista que a unica modificação que se fazia á lei anterior com relação a assumptos ecclesiasticos, era a respeitante a certos breves impetrados da Santa Só (verbas 79 a 88), determinando-se o pagamento de tantas taxas quantos forem os impetrantes; e pareceria assim, porque, depois de alludir a esta disposição, acrescentava o digno relator:

"Bem andou o projecto em não aggravar nenhuma das outras taxas da classe 7.ª d'esta tabella, porque muitas já são exageradas."

Isto é perfeitamente verdadeiro a respeito da classe 7.ª; mas pouco adiante, na classe 13.ª, vem o seguinte: "Verba 170 - Elevar a taxa de 100 a 300 réis."

Que verba é esta? É justamente a do sêllo do registo parochial, a que já alludiram com toda a justiça e proficiencia os meus illustres collegas, e para a qual eu peço tambem a attenção de s. exa. o sr. presidente do conselho e da camara, pedindo novamente desculpa, se parecerem rudundantes e fastidiosas as minhas ponderações.

Sr. presidente, logo que se tornou conhecida esta disposição da lei, surgiram de toda a parte clamores e protestos.

Os prelados, obtemperando aos deveres da sua missão, empregaram toda a sua auctoridade e influencia, - e muito folgo de que o sr. presidente do conselho assim o tenha reconhecido e declarado, - para vencerem essa geral reluctancia, para desfazerem esses attrictos e promoverem a obediencia á lei, embora dura.

E conseguiram-n'o.

Todavia, é justo que se diga em boa verdade que não eram infundadas as reclamações.

Poderá afigurar-se a alguem que não foi de grande monta o augmento de 200 réis em um imposto que só tem de se pagar por actos que occorrem raras vezes na vida. Mas, em primeiro logar, note-se que em tal augmento não houve uma progressão lenta, mas um verdadeiro salto. Este imposto tinha acompanhado parallelamente o valor do papel sellado: quando este era de 60 róis, era de igual taxa o sêllo dos assentos do registo parochial; quando o papel passou a 80 réis, passou o mesmo sêllo a 80 róis; quando o papel subiu a 100 réis, tambem ascendeu a 100 réis o sêllo referido; mas agora, ficando o papel sellado com a mesma taxa, o sêllo dos assentos de baptismo e matrimonios de repente triplicou de valor, e passou de 100 a 300 reis!

Alem d'isso, só quem conhece de perto as agruras e difficuldades da vida parochial póde bem comprehender quanto este aggravamento subito veiu tornar mais penosa a missão do parocho, a quem o povo ignorante e rude attribue ás vezes a responsabilidade das exigencias do fisco.

O parocho acha-se frequentemente em um dilemma fatal: ou ha de carregar com o odioso da lei do sêllo, ou alargar as isenções e ver assim cerceados consideravelmente os emolumentos, os proventos denominados pé d'al-

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tar, que fazem parte das suas geralmente modicas e escassas congruas.

Diz-se: o parocho é o unico juiz da pobreza dos interessados, para o effeito de serem os seus freguezes dispensados do pagamento do sêllo.

Mas, alem das dificuldades a que já alludiu o meu illustre collega do Algarve, é mister notar que, para justificar a isenção do sêllo, não basta que o parocho reconheça e atteste a pobreza das pessoas que intervieram no acto; é necessario tambem que faça o acto gratuitamente e assim o declare.

Ora, succede com frequencia o seguinte: os padrinhos dos baptismos pagam os emolumentos ou benesses parochiaes (é até este o uso geral na minha diocese), mas o pagamento do sêllo compete aos pães do baptisado, e estes, por serem pobres, não o podem pagar. Que ha de fazer o parocho? Fazer gratuitamente o baptismo, prescindindo dos emolumentos que os padrinhos se promptificam a satisfazer?

Receber os emolumentos, e pôr o sêllo á sua custa, quando em muitas freguezias a importancia d'este é superior á d'aquelles? Como sair d'esta collisão?

Não me deterei muito em avolumar os inconvenientes d'esta disposição da lei; são de si intentivos. E não são hypotheticos, são reaes. Não faço meras conjecturas do que poderá succeder; refiro o que tem succedido na diocese que me está confiada. Em algumas parochias estão os pães demorando os baptismos de seus filhos, ou fazendo-os baptisar em casa, não se lavrando por isso o competente assento, o que acarreta, como é claro, graves consequencias de futuro. Do mesmo modo, adiam muitos nubentes a celebração do seu matrimonio á face da igreja.

Não será inconvenientissimo, não já sómente sob o ponto de vista religioso e moral, mas ainda sob o aspecto social, o difficultar a constituição legitima da familia?

Não será inconvenientissimo afastar os pães de levarem seus filhos á pia baptismal, não havendo, portanto, registo dos nascimentos d'esses infantes, e faltando assim a base para subsequentes operações, como, por exemplo, as dos recenseamentos, estatisticas, etc.?

Mas, sobre estes, ha ainda inconvenientes financeiros: é sabido que os impostos exagerados são contraproducentes.

E preciso não esticar demasiado a corda da tributação, aliás estala e quebra e nada produz. E a receita do thesouro minguará assim, em vez de crescer, como se pretendia.

Não julgo necessario insistir, sr. presidente: eu, ainda antes de ouvir as palavras que a este respeito proferiu na presente sessão o nobre presidente do conselho, tinha já rasões para confiar nas favoraveis disposições do seu animo: agora, porem, depois de escutar as suas francas declarações, confirma-se a minha esperança, ou melhor, certeza de que a lei ha de ser emendada n'este ponto, porque assim o exijem o interesse publico, o decoro do clero parochial e o digno e livre exercicio do culto religioso.

Vou concluir, formulando nitidamente as minhas opiniões e aspirações com relação aos pontos que julgo de necessidade emendar na lei do sêllo.

Primeiramente, entendo de toda a necessidade que se aproveite esta occasião para eliminar por completo o sêllo do registo parochial.

Será uma opinião radical, mas afigura-se-me uma opinião justa. Pois qual é a materia sobre que incide este imposto? Quaes são os actos que elle affecta? São actos espirituaes, são sacramentos. Ora tributar sacramentos não parece muito rasoavel. E embora, como ha pouco observou o nobre presidente do conselho, estes actos produzam tambem effeitos civis, isto não lhes altera a natureza de actos pertencentes propria e primariamente á esphera espiritual, á esphera religiosa; e é conhecida a regra - que o accessorio segue o principal.

E, prescindindo d'esta consideração, que rasão, que fundamento ha para tributar os casamentos e os nascimentos?... Querem dois nubentes constituir legitimamente familia e ver abençoados os seus laços matrimoniaes á face dos altares? Paguem! Nasce um infante, e desejam os pães que aquella alma seja purificada pela agua santa do baptismo? Paguem! Como se o nascer fôra um crime! E assim a creança, apenas abre os olhos á luz, vê logo no mundo a sombra do fisco! E o parocho convertido em publicano, em cobrador dos dinheiros do estado, em exactor da fazenda publica! Que bello quadro?... E nas freguezias sertanejas, remotas, a distancia de muitas leguas das sedes dos. concelhos, tem o parocho de estar provido das estampilhas para as fornecer, e ir recebendo os vintens e os tostões dos fieis!...

É certo, sr. presidente, e eu o reconheço e confesso, que o thesouro precisa dos impostos, e não póde prescindir d'esta fonte da receita publica. Mas, consinta-me a camara que eu pergunte: não haverá outras mais rascaveis bases de incidencia d'este imposto? Não haverá outra materia collectavel?... Apesar de estar já bastante explorado o campo, parece-me que ainda alguma cousa se póde rabiscar.

Ainda não ha muito li eu em um jornal que só n'esta cidade de Lisboa e em um só dia houvera não menos de oitenta e seis bailes publicos em varios gremios, clubs assembléas, circulos, tunas, estudantinas, etc., etc.

Ora, com franqueza, não seria melhor tributar esses divertimentos, com os quaes em geral nada tem a lucrar a religião nem a moralidade? Não seria mais rasoavel exigir para elles uma licença que pagasse de sêllo uns 500 ou 1$000 réis, em vez de sobrecarregar os baptismos e os matrimonios?

Peço, portanto, a s. exa. o sr. presidente do conselho se digne de tomar em consideração este assumpto, sobre o qual não apresento um projecto de lei, porque não pertence á iniciativa d'esta camara, visto tratar-se de materia tributaria.

Lembro tambem que devem ser totalmente isentas de sêllo as provisões de licença para festividades religiosas e procissões; porque assim o reclama o livre exercicio do culto catholico.

Igualmente peço a isenção dó sêllo para as cartas da ordem de presbytero passadas a favor dos clerigos que tiverem sido alumnos gratuitos dos seminarios, por analogia, com igual isenção concedida já pela verba n.° 3 da tabella n.° 4 da lei de 21 de julho de 1893 em beneficio dos mesmos alumnos pobres que carecerem de impetrar breves de dispensa de idade e legitimidade á ordem. É de todos sabido que, com rarissimas excepções, são extremamente pobres os candidatos ao estado ecclesiastico. As familias fazem gravissimos sacrificios para os educar e habilitar ao sacerdocio; e quando por fim chegam ao termo da carreira, exige-lhes o thesouro o pesadissimo imposto do sêllo de4$000 réis para a carta de ordem de que necessitam para documentarem as suas petições!

E tambem necessario e opportuno (e digo opportano porque ainda, que me conste, não está publicado o regulamento da lei do sêllo) declarar em vigor, para dissipar duvidas, o disposto no artigo 13.° da carta de lei de 20 de julho de 1839, segundo o qual são "isentas de direitos de mercê e de sêllo todas as encommendações ou provimentos temporarios de parochias, coadjutorias e thesourarias".

E emfim, com risco de parecer importuno, lembro e peço a redacção de algumas taxas da classe 7.ª Esta reducção é uma necessidade que se impõe, e que a propria camara já reconheceu, visto que, approvou o parecer a que já me referi, no qual se lê que muitas d'estas taxas já são exageradas. Se isto exageradas, não são justas, e se não

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são justas é mister reduzil-as. Pois queremos nós que a lei imponha tributos excessivos?

Apontarei alguns exemplos: a dispensa de tres proclamas, pela qual já se pagou 2$000 ou 2$400 réis, paga actualmente 7$000 réis de sêllo!

É preciso diminuir consideravelmente este imposto. E não se diga que esta dispensa é questão de luxo, e que só a pede quem a póde pagar; circumstancias ha em que, sendo aliás pobrissimos os contrahentes, é forçoso que o prelado dispense os proclamas, sob pena de não se celebrar o matrimonio. (Apoiados.)

Outra taxa excessiva e a das licenças para baptismos ou casamentos em capellas publicas ou particulares. Estas licenças pagam de sêllo na primeira hypothese 25$000 réis e 50$000 réis na segunda! Que resulta? São rarissimos os casos em que ellas são solicitadas; e muitas familias nobres que possuem oratorios domesticos, e que ahi desejariam que se baptisassem ou casassem ás pessoas que d'ellas formam parte, vão antes á igreja parochial para evitarem esta exorbitancia do fisco, e este nada lucra. Ao passo que, se o imposto tosse moderado, seriam mais frequentes as licenças e a receita mais avultada. (Apoiados.) Repito: tenho a convicção de que s. exa. o sr. presidente do conselho e ministro da fazenda attenderá a estes justissimos pedidos; e por isso desde já lhe tributo os meus agradecimentos em nome do clero e dos fieis da diocese a meu cargo.

Tenho dito.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Diz que não podia ir, como aliás o nobre prelado estimaria, até ao ponto de supprimir o imposto do sêllo nos actos religiosos, que produzem effeitos civis em parallelo com outros igualmente tributados. Como em resposta aos illustres prelados de Portalegre e do Algarve, dirá ainda que, por sua parte, está prompto a cooperar para que a lei do sêllo se possa modificar, sem damno para os interesses do thesouro e sem igualmente deixar de se attender ás conveniencias religiosas.

(As palavras do orador publicar-se-hão na integra, logo que s. exa. se digne rever as notas tachygraphicas.)

O sr. Arcebispo de Évora: - Agradeço ao sr. presidente do conselho as palavras que s. exa. acaba de proferir, e que mostram a sua boa vontade de attender aos meus desejos.

O sr. Conde de Bertiandos: - Sr. presidente, sinto que não esteja presente o sr. ministro do reino, porque a s. exa. é que eu queria principalmente dirigir as minhas observações; mas está representado o governo, e certamente o sr. presidente do conselho me poderá dizer alguma cousa a respeito dos acontecimentos graves que se estão passando em Elvas.

Eu tenho aqui uma carta fallando largamente dos assaltos que ultimamente têem havido ali ás propriedades. Os jornaes têem noticiado esses salteamentos, e, por consequencia, a camara conhece perfeitamente o assumpto.

Desejava eu que o governo me dissesse quaes são as providencias que tem tomado.

Esta carta conta algumas cousas na verdade curiosas, não quero enfadar a camara lendo-a, mas direi que o seu auctor, que é um cavalheiro dignissimo e de toda a probidade, me diz que se dá ali uma circumstancia curiosa, e vem a ser que, apesar de apregoada, e em grande parte certa falta de trabalho, não raro succede não apparecer gente para os trabalhos que alguns proprietarios têem aberto para remediar a crise, ou mesmo para os do amanho ordinario das terras.

Dizia um auctor de muito bom juizo que um paiz é feliz quando ha muito qae fazer e muita gente que o faça. Vê-se que se dá o contrario em Elvas, e a explicação está, ao que parece, em haver monopolisadores dos roubos que se vão fazer aos montados, de modo que os assaltadores não vão sempre levados pela fome e com o fim de comer bolota; apanham-na por conta de outros, que lhes pagam o serviço e que no dia seguinte vão escandalosamente vender á feira a bolota alheia.

Ha monopolios para tudo e a bolota tambem produz alcool. Estes monopolisadores podem pagar mais aos operarios do que o proprietario, por isso não admira que o salario d'este seja considerado diminuto. E sobre este ponto que eu desejo chamar a attenção do governo, a fim de apurar o que ha de verdade a tal respeito, para que se acabe com este estado de cousas, a não ser que o governo queira tributar este novo monopolisador. Ultimamente foram roubar a um montado 4 a 5 meios de bolota, que no dia seguinte eram vendidos na feira. Esta carta tambem me diz o seguinte. (Leu alguns periodos que se referiam á accumulação do pagamento da contribuição e indicavam a conveniencia de se proceder ao concerto de estradas, etc.)

Era conveniente que o governo olhasse para este assumpto.

As estradas que precisam reparadas custariam menos hoje do que mais tarde hão de custar e ficariam assim empregados os trabalhadores que se queixam da falta de trabalho. O governo fará o que julgar mais conveniente na certeza de que similhante estado de cousas não póde continuar, pois andam todos assustados com tal quadrilha que está sob as ordens de um homem ou de mais que pretendem como intermediarios de roubos, ganhar á custa dos proprietarios.

Este novo monopolio do roubo da bolota é preciso que não continue.

Foi para este ponto que chamei a attenção do governo e não quero de, modo nenhum abusar da attenção da camara.

Tenho dito.

O sr. Antonio de Serpa Pimentel: - Sr. presidente, quando ha pouco pedi a palavra esqueceu-me declarar que a pedia por parte da commissão de resposta ao discurso da coroa.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Por attenção para com o digno par o sr. conde de Bertiandos, levanta-se para dizer que o governo ha de providenciar a fim de se evitarem os roubos de que s. exa. fez menção.

Comprehende-se que effectivamente, com o mau anno agricola que houve, as circunstancias de alguns povos sejam precarias.

O governo tem pela sua parte procurado quanto possivel facilitar trabalhos exactamente para attenuar a crise; mas de modo nenhum póde consentir que a propriedade seja impunemente violada.

N'este sentido o governo tomará as providencias que estiverem ao seu alcance.

Quanto á cobrança cumulativa das contribuições geraes do estado com as demais contribuições locaes, o digno par o sr. conde de Bertiandos deve saber em primeiro logar que as contribuições geraes do estado se cobram sempre nos mesmos prasos. Evidentemente, se não fosse assim, haveria negligencia de administração, e depois a cobrança cumulativa só se realisa quando as proprias camaras municipaes assim o pedem; o governo não fez mais do que deferir a um pedido dos interessados, nem podia ser de outra fórma. Por consequencia n'esta parte não vê o orador que providenciar. Pelo que toca a providencias de ordem publica, essas evidentemente cabem na missão e no papel que o governo tem a exercer.

(Igualmente se publicarão na integra as palavras do sr. presidente do conselho, logo que s. exa. se digne rever as notas.)

O sr. Antonio de Serpa: - Mando para a mesa, por parte da commissão respectiva, o projecto de resposta ao discurso da corôa.

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SESSÃO DE 15 DE JANEIRO DE 1897 39

Foi a imprimir.

O sr. Julio de Vilhena: - Pedi a palavra para mandar para a mesa o seguinte requerimento.

(Leu.)

O sr. Presidente: - Vae ler-se o requerimento mandado para a mesa pelo sr. Julio de Vilhena.

Leu-se na mesa o seguinte:

Requerimento

Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, me sejam enviados os seguintes documentos:

1.° Relação dos bancos de credito agricola e industrial, creados em virtude da lei de 22 de junho de 1867., sua situação e capital;

2.° Nota das colonias agricolas fundadas em vista do decreto de 20 de dezembro de 1893, e indicação dos concelhos onde se acham estabelecidas;

3.° Arrolamento dos terrenos incultos na posse do estado, a que deve ter-se procedido em vista do artigo 2.° do mesmo decreto;

4.° Relação dos individuos que fazem parte da commissão denominada colonisadora, conforme o artigo 13.° do mesmo decreto;

5.° Nota dos syndicatos agricolas, creados em virtude do decreto de 5 de julho de 1894, com indicação dos concelhos em que se acham estabelecidos.

Sala das sessões, em lõ de janeiro de 1897. = Julio de Vilhena

Mandou-se expedir.

O sr. Jeronymo Pimentel: - Pedi a palavra para mandar para a mesa um projecto de lei. Para não cansar a attenção da camara não leio o relatorio, como manda o regimento, limitando-me a ler os artigos do projecto.

(Leu.)

Como não temos sessões diarias peço a urgencia d'elle, para que seja dispensada a segunda leitura.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam o requerimento do sr. Jeronymo Pimentel, pedindo a urgencia do projecto que acaba de enviar para a mesa e a dispensa da segunda leitura, tenham a bondade de se levantar.

Está approvado.

Vae ler-se o projecto.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte.

Projecto de lei n.° 118

Artigo 1.° A junta de parochia da freguezia de Lomar, do concelho e districto de Braga, é dispensada do pagamento da contribuição de registo pelo legado que lhe deixou o benemerito cidadão José Lopes da Silva Granja, para a sustentação das escolas creadas n'aquella freguezia, e mais encargos escolares por elle impostos á mesma junta.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos pares, 15 de janeiro de 1897.= Jeronymo da Cunha Pimentel.

A camara, previamente consultada, considerou urgente o projecto, para ser enviado ás commissões de legislação, ouvida a de fazenda.

O sr. Conde de Lagoaça: - Quer referir-se, antes de tocar no assumpto principal para que pediu a palavra, a algumas considerações dos illustres prelados que o precederam no uso da palavra. Não lhe cabe a elle, orador, a censura de que tantas vezes houvesse dispensa do regimento da camara para se apressarem votações; sempre que isso se fez, o orador levantou-se para protestar em termos energicos.

Demais, se s. exas. tivessem comparecido ás sessões, teriam tido occasião de elucidarem com os seus conselhos e a sua palavra os membros d'esta camara.

O resultado é vir agora discutir-se novamente o assumpto a que s. exas. se teem referido, quando talvez já seja tarde. S. exas., porém, estiveram presentes quando se discutiu a reforma constitucional apresentada pelo governo, e sanccionaram-na com o seu voto; ainda n'essa occasião o orador protestou contra p que considerava o maior attentado politico que se tem commettido n'este paiz.

Pronuncia, porém, estas palavras sem acrimonia, pois que tem pelos illustres prelados o maior respeito e a mais alta consideração.

Sobre o assumpto a que se referiu o digno par o sr. conde de Bertiandos, dirá ainda que a fome no Alemtejo é verdadeiramente um facto, havendo até proprietarios que quasi reconhecem o direito ao roubo, pedindo aos que lhes invadem os montados que ao menos vão vender-lhes a propria bolota que lhes roubam, pois carecem d'ella para os gados.

Pedira especialmente a palavra para que o sr. presidente do conselho se dignasse transmittir ao seu collega da marinha o desejo que o orador tinha de o interrogar ácerca de varios assumptos da sua pasta e determinadamente ácerca do decreto do sr. commissario regio em Angola, estabelecendo o monopolio do álcool, decreto que o orador acha assombroso. Para outra sessão reservará as considerações que o assumpto reclama.

(Publicar-se-hão na integra as palavras do orador, dignando-se s. ex* rever as notas tachygraphicas,-)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Sr. presidente, eu communicarei ao meu collega o sr. ministro da marinha o desejo enunciado pelo digno par.

Se, no emtanto, s. exa. tem alguma pergunta mais urgente a fazer sobro o assumpto a que se referiu, estou prompto a responder ao digno par.

O sr. Conde de Lagoaça: - Não se admira de que o sr. presidente do conselho esteja habilitado a responder-lhe, porque s. exa. é um antigo parlamentar e um politico muito experimentado.

Era, porém, especialmente ao sr. ministro da marinha que desejava dirigir-se, nem se achava n'aquella occasião provido dos documentos necessarios para tratar a questão.

Instava, pois, pelo comparecimento do sr. ministro da marinha, com quem desejava conversar.

O sr. Marquez de Pombal: - Sr. presidente, não tomarei muito tempo á camara.

Em primeiro logar declaro a v. exa. que, por justos motivos não pude comparecer ás sessões do anno passado.

Desde então deram-se acontecimentos notaveis na politica, e eu desejo definir bem a minha situação n'esta casa. Continuo afastado completamente dos partidos politicos e das responsabilidades que sobre elles pesam, nos males que affligem a nossa cara patria; faço, comtudo, justiça ás intenções dos differentes ministros que se teem succedido no poder.

Se estivesse presente ha sessão em que n'esta camara se votou o bill teria votado contra, muito principalmente na parte que diz respeito ás reformas constitucionaes.

Hoje, sr. presidente, acceito os factos consummados e acato a lei.

Outra cousa não poderia fazer.

Não canso a attenção da camara expondo o meu modo de ver n'esta questão, por ser inutil. Tenho muita estima individual pelos actuaes ministros, sou até amigo pessoal de alguns, mas se qualquer moção de confiança politica ao governo aqui fosse apresentada, é evidente que não a votaria, todavia não lhe farei opposição acintosa.

Continuarei apreciando as questões sujeitas a esta camara, debaixo do ponto de vista do meu proprio criterio, votando segundo os dictames da minha consciencia, completamente despreoccupado dos interesses partidarios.

Sr. presidente, esta camara manifestou ha dias o seu profundo sentimento pelo fallecimento de alguns dignos pares. Eu não estava então presente, e agora aproveito a occasião para dizer que me, associo a essa manifestação, principalmente em relação ao sr. conde do Casal Ribeiro,

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40 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

com quem convivi nos ultimos annos da sua vida, apreciando o seu grande talento, vasta erudição e crenças profundas.

Foi a sua morte uma grande perda para o paiz, para esta camara e para a familia que estremecia.

Estimo ter occasião de prestar esta homenagem á sua memoria.

A hora está adiantada, e tenho dito para não tomar mais tempo á camara.

O sr. Arcebispo de Evora: - Sr. presidente, poucas palavras direi. Desejo unicamente não deixar passar sem reparo uma censura, ou antes duas censuras feitas ha pouco pelo digno par sr. conde de Lagoaça. S. exa. estranhou que o episcopado portuguez não estivesse presente quando foi votado o aggravamento do imposto do sêllo, e que d'esse o seu apoio ao governo quando no anno passado aqui se votou o bill.

Não tenho procuração do episcopado portuguez; entretanto parece-me não dever deixar de observar que na sessão de 30 de abril ultimo o episcopado não estava inteiramente sem representante n'esta casa, comquanto estivesse representado pelo mais indigno dos seus membros.

Eu estava, presente; mas já ha pouco mencionei as circumstancias que fizeram com que o projecto passasse sem á discussão devida.

Pela minha parte, eu, assim como discuti o projecto sobre o recrutamento militar e a reforma da instrucção, propondo algumas emendas que me pareciam e parecem bem fundadas, teria igualmente discutido este projecto de lei, se elle tivesse sido marcado para ordem do dia, e eu me podésse ter prevenido e preparado para a sua discussão com os elementos de estudo indispensaveis.

Por estas rasões é que não pude discutil-o. Tratei ainda assim de me informar particularmente com pessoa competente, se no projecto havia alguma cousa que prejudicasse os interesses da religião, sendo-me respondido que não. Mas o episcopado não estava ausente, o que não quer dizer que os bispos devam estar sempre aqui, porque têem outros deveres gravissimos a cumprir e não podem estar tres ou mais mezes afastados das suas dioceses.

Se o episcopado approvou o bill de indemnidade, foi porque se allegou em defeza dos actos dictatoriaes (e assim o demonstrou o meu illustre collega e amigo o sr. arcebispo-bispo do Algarve, sem que ninguem lhe respondesse triumphantemente), a necessidade inadiavel de pôr termo a uma situação perigosa; e nós, os bispos, entendemos então, como sempre que salus populi suprema lexesto; e que, portanto, nos deviamos collocar ao lado do governo.

Parece-me ter respondido satisfatoriamente aos reparos do digno par o sr. conde de Lagoaça.

O sr. Conde de Thomar: - Sr. presidente, sem pretender intrometter-me na discussão entra o illustre arcebispo do Evora e o sr. conde de Lagoaça, não posso deixar de dizer. Se s. exa. consultar o Diario d'esta camara ha de encontrar as poucas palavras que proferi e que foram um protesto solemne contra todos os actos do governo praticados em dictadura e principalmente contra aquelles que tivessem por fim o aggravamento de impostos, e, por conseguinte, contra a lei do sêllo a respeito da qual s. exa. fallou quasi toda esta sessão.

Se não discuti a lei do sêllo, foi porque se deu a mesma circumstancia pela qual s. exa. não tomou parte n'essa discussão, porque foram votados onze projectos n'essa sessão e não houve mesmo tempo para os ler.

O que posso porem affirmar á camara é que discuti o bill e combati os actos do governo, tanto quanto me for possivel, e muito principalmente no projecto da reforma da camara dos pares, por isso não me parece justo que s. exa. dissesse que ninguem se tinha levantado para protestar contra os actos do governo. Está impresso o que disse.

O sr. Presidente: - Está levantada a sessão.

A proxima sessão é na terça feira.

O sr. Conde de Lagoaça: - Eu peço a palavra.

O sr. Presidente: - Eu já encerrei á sessão.

A proxima sessão é na terça feira, 19 do corrente, e a ordem do dia a discussão do projecto de resposta ao discurso da coroa.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e vinte minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 15 de janeiro de 1897

Exmos. srs. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa; Marquezes, das Minas, de Pombal, da Praia e de Monforte (Duarte); Arcebispo de Évora; Arcebispo Bispo do Algarve; Arcebispo Bispo de Portalegre; Bispo Conde de Coimbra; Condes, da Azarujinha, de Bertiandos, de Cabral, de Gouveia, de Lagoaça, de Magalhães, de Thomar; Bispos, de Beja, de Bragança; Visconde de Athouguia; Moraes Carvalho, Antonio d'Azevedo, Sá Brandão, Serpa Pimentel, Arthur Hintze Ribeiro, Cau da Costa, Ferreira Novaes, Palmeirim, Sequeira Pinto, Ernesto Hintze Ribeiro, Larcher, Margiochi, Frederico Arouca, Jeronymo Pimentel, Gomes Lages, Baptista de Andrade, José Maria dos Santos, Julio de Vilhena, Pimentel Pinto, Camara Leme.

O redactor = Alves Pereira.

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