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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.º 3

EM 9 DE FEVEREIRO DE 1906

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Augusto José da Cunha

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda

SUMMARIO. - Leitura e approvacão da acta. - Expediente. - O Digno Par Teixeira de Sousa manda para a mesa um projecto de lei tendente a applicar remedio ao mal que flagella a região vinicola do Douro. Foi ás commissões respectivas. - O Sr. Presidente diz que não estando presente o Governo vae encerrar a sessão. Apraza a seguinte, e a respectiva ordem do dia.

Pelas duas horas e trinta e cinco minutos da tarde, verificando-se a presença de 25 Dignos Pares, o Sr. Presidente declara aberta a sessão.

Foi lida e approvada sem reclamação a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Officio da Presidencia da Camara dos Senhores Deputados, communicando a constituição definitiva da mesma Camara.

Para o archivo.

Officio do Ministerio do Reino, accusando a recepção do officio em que ao mesmo Ministerio foi communicada a installação da mesa d'esta Camara.

Para o archivo.

Officio da mesma procedencia, satisfazendo, em parte, um requerimento do Digno Par Dantas Baracho.

Á secretaria.

Officio da mesma procedencia, acompanhando 80 exemplares do orçamento das receitas e despesas do fundo de instrucção primaria para o exercicio de 1906.

Mandaram-se distribuir.

Officio do Ministerio da Marinha e Ultramar, enviando a synopse das providencias de natureza legislativa que, tendo sido julgadas urgentes, foram promulgadas pelo mesmo Ministerio desde setembro do anno passado a janeiro do corrente anno, não estando

reunidas as Côrtes, em harmonia com o disposto no § 3.° do artigo 11.° do Acto Addicional á Carta Constitucional da Monarchia.

Á secretaria.

Officio do Ministerio dos Negocios Estrangeiros accusando a recepção do officio em que lhe foi communicada a installação da mesa d'esta Camara.

Para o archivo.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Mando para a mesa um projecto de lei, e peço a V. Exa. que se digne dar-lhe o competente destino.

Foi lido e enviado ás commissões respectivas o projecto, que é do teor seguinte:

Senhores: - O projecto de lei que vou ter a honra de submetter á vossa apreciação representa para o seu signatario o cumprimento de uma obrigação para com o paiz, a cuja economia geral interessa, e a satisfação de um sagrado dever, qual é o de concorrer para que desappareça ou seja, pelo menos, grandemente attenuada a crise angustiosa em que se debate a região vinicola do Douro.

É tão difficil e afflictiva a situação em que se encontram os povos da região duriense, que cada um póde contribuir com a sua collaboração para a reduzir ou vencer, sem que a sua intervenção signifique o prurido da evidencia, ou egoistas preoccupações politicas.

É um problema complexo e complicado, em que o plano de cada um mais significa um alvitre destinado a esclarecer a questão, do que um corpo de doutrina julgado infallivel e, por isso mesmo, intangivel. Eu venho collaborar na resolução do problema, juntando-me a tantos outros que ha annos para cá veem reclamando a attenção dos poderes publicos para a imminencia da formidavel calamidade, que se vinha denunciando, e que agora se apresenta com toda a sua desoladora, evidencia, esmagando uma região que tem contribuido largamente para o bem do Estado, fornecendo-lhe o seu maior elemento de riqueza economica, sem pesar sobre o Thesouro com incommodas exigencias, antes tendo sido exemplar no cumprimento das obrigações para com elle.

No meio da sua desgraça os habitantes da região impõem-se á geral consideração pela sua exemplar tenacidade, mais dura do que o proprio schisto das suas collinas.

Antes de a phylloxera levar até ali os seus devastadores effeitos, a região duriense, desde o mais fundo dos seus valles, até ao mais elevado dos seus montes, ostentava formidaveis vinhedos, que a tornavam a mais rica de Portugal. N'essa epoca os vinhos do Douro, afamados no mundo inteiro, tinham grande procura, de que resultavam preços remuneradores.

Então era motivo de descredito para os commerciantes de vinhos do Porto adquirirem vinhos fóra do Douro ou adubal-os com alcool industrial. Era raro o commerciante que assim procedia. A sua conducta era considerada como deshonestidade commercial. Se

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assim se pensasse hoje, o Douro não teria motivo para reclamar contra o actual estado de cousas, porque, tendo mercado certo e seguro para os seus vinhos, não veria agora a miseria bater-lhe á porta, nem os poderes publicos teriam de intervir para afastar uma grande calamidade economica e as consequencias da miseria, que não primam pela tranquillidade para as sociedades no meio das quaes ella existe.

O Douro, no auge da sua grandeza, foi surprehendido pela epiphytia que lhe devastou os vinhedos. Aquella região, que então se ostentava rica, de densa população, alegre como todos os felizes, tornou-se, em poucos annos, nos seus montes seccos e escalvados, offerecendo um desolador contraste. Os habitantes lançaram-se em caminho do Brasil, á procura do pão que lhes faltava na terra em que haviam nascido. Ninguem ali pediu esmola. Quem rapidamente se viu privado da mediania, que lhe dava uma vida facil, foi esconder a sua miseria em terras de Santa Cruz, que certamente regava com lagrimas. A necessidade, que, como é de costume dizer-se, não tem lei, não levou a população do Douro a perturbar a ordem publica. E não póde dizer-se que isso fosse demonstração da sua fraqueza de animo. Não; quem conhece o caracter do habitante do Douro sabe que elle se avantaja pelas suas qualidades masculas. Ali a miseria bateu á porta, mas a honra não sahiu pela janella. Então, como hoje e sempre, se acontece que algum habitante d'aquella região tenha de comparecer perante os tribunaes criminaes para responder por delictos que lhe imputem, interrogado, como de costume, se já estivera preso, se, na verdade preso estivera, responde, altivo e solemne, que esteve preso, mas não por ladrão.

O comprador dos seus vinhos na vindima deixa-os na adega dos lavradores, onde os melhora cem aguardente. O comprador tem a mais absoluta segurança de que jamais lhe faltará um litro de vinho por motivo de infidelidade do lavrador.

Com estas qualidades, os habitantes do Douro eram dignos de melhor sorte.

A sua tenacidade e energia de caracter evidenciou-se mais ainda depois da crise phylloxerica.

A videira, indigena desappareceu na voracidade da epiphytia. Apresentasse, como uma, sorridente esperança, a cepa americana, pela sua capacidade de resistencia á phylloxera. Mas, como podia ser aproveitada n'aquella região, onde as plantações são dispendiosisimas, sobretudo com cepas americanas, que exigem mais profundo e largo arroteamento do que exigiam as cepas indigenas? A população tinha rareado notavelmente; o credito para acquisição de capitães tinha-se perdido, como facilmente se comprehende. Reservas na bolsa dos habitantes do Douro não havia. E, comtudo, para plantar um milheiro de cepas era preciso dispender de 100$000 réis a 500$000 réis, conforme os terrenos. Plantações se fizeram no Douro que custaram cerca de l:000$000 réis por mil videiras. Podem attesta-lo o Sr. Antonio José da Silva, com a quinta do Noval; o Sr. José Joaquim Guimarães Pestana, com a quinta da Romaneira.

Era, pois, enorme o sacrificio a fazer.

A miseria era muita, e promettia não abandonar o Douro.

Houve esperanças na cultura do tabaco, cujo ensaio foi permitido pela lei de 12 de março de 1884. Foi ephemera a esperança.

Alguns lavradores do Douro, confiados no exito da cultura, abandonaram por completo a da vinha, com prejuizo grande, pois não tardou que se fizesse a demonstração inequivoca de que os terrenos do Douro, de encosta e seccos, não eram proprios para a cultura nicocianica. Assim, esta cultura teve de restringir-se a alguns terrenos fundos, onde em breve foi batida pela cultura da vinha.

Começou a replantação das vinhas pelos terrenos fundos, de menos dispendiosa preparação, e, pouco a pouco, como uma bola de neve, as plantações desenvolvem se e multiplicam-se, dando-se assim um exemplo eloquente de quanto póde e vale um povo que quer viver honradamente pelo seu improbo trabalho.

Segundo o que foi apurado no Ministerio das Obras Publicas, embora sujeito a rectificações, nos dez annos decorridos desde janeiro de 1893 a 31 de dezembro de 1902, foram plantados e replantados 62:855 hectares de vinhas. N'este total entram: o districto de Villa Real, com 10:994 hectares; Vizeu, com 3:810; Bragança, com 3:214; Guarda, com 2:084. Nos quatro districtos em que a região vinicola do Douro está contida, as plantações attingiram 20:052 hectares, em dez annos, ou seja cerca de 30 por cento das plantações feitas no continente do reino. Não quero dizer que todas essas plantações, nos quatro districtos que especializei, tenham sido feitas na região do Douro. Não, na parte alta d'esses districto, ha vinhas plantadas, sem que se possa dizer que estão na região do Douro. Na maior parte, porém, foram plantadas na região duriense.

Avalia-se por isso a somma de esforços que foram empregados para valorizar novamente a terra, tornada nua e esteril pelos effeitos devastadores da phylloxera. Deu-lhe o Estado a annullação da contribuição predial por sinistros fia phylloxera a permissão da cultura do tabaco, cujos resultados já apreciei, perfunctoriamente, e mais nada. E o Douro, á custa do seu trabalho e do enorme esforço dos seus habitantes, replantou em grande parte as suas vinhas, indo a caminho de uma relativa prosperidade, quando novo flagello, tão destruidor nos seus effeitos, o lançou em uma situação desesperada. Mas, como é que hoje o Douro não póde viver, e hontem podia dispender quantiosas sommas em refazer os seus vinhedos?

A resposta é simples, clara e concludente. Hoje, em quanto que o vinho do sul entra em grande quantidade nos armazens de Villa Nova de Gaia, o vinho do Douro é consumido nas tabernas a preço vil, ou transformado em aguardente. Em 1905, a Companhia Geral das Vinhas do Alto Douro abriu no Douro, para as suas compras, o preço de 18$000 réis por cada pipa de 550 litros. Teve em offerta muitas vezes a quantidade de vinho que necessitava! Em 1906, em janeiro ultimo, a mesma companhia abriu, como de costume, as suas compras na Régua para vinhos da colheita de 1905, vinhos cheios de mildew uns, descorados outros por effeito de grandes doses de hyposulfito de soda para poderem limpar, vinhos maus, emfim. A companhia, reconhecendo a triste situação do Douro, da região cujas prosperidades fizeram as suas, não querendo concorrer para de todo se perder o Douro, abriu o preço de 20$000 réis e 19$000 réis por pipa, quando é certo que o podia obter por preço inferior ao do anno antecedente. É que o vinho do Douro, em vinho de pasto, não se avantaja a outro qualquer. É de notar que a Companhia Geral das Vinhas do Alto Douro comprou 6:000 das 20:000 pipas de vinho que lhe offereceram.

Triste e dolorosa situação esta! Onde hoje dão 15$000 rés ou 18$000 réis por uma pipa de vinho, ha annos os compradores disputavam a preferencia dos lavradores por cinco vezes aquelle preço. E isto acontecia quando no Douro não havia um palmo de terreno que, podendo sel-o, não estivesse aproveitado para vinha, quando as plantações de videiras indigenas eram menos dispendiosas, quando o amanho custava menos dinheiro, quando o mildew não tinha apparecido nos seus vinhedos e, por isso mesmo, não obrigava a repetidas sulfatações. O amanho de cada pipa de vinho produzido no Douro custa mais do dobro do que dão pelo vinho. A consequencia é o estado afflictivo em que se encontra.

Mas a substituição do vinho do Douro pelo de outras procedencias, que ha trinta annos era motivo de profundo

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descredito pessoal do commerciante, tem progredido de anno para anno.

Quando, em consequencia da crise financeira, que tomou a sua maior evidencia em 1891, o cambio de Lisboa sobre Londres desceu, ainda no Douro se faziam avultadas compras. O agio do ouro subiu, até attingir cerca de 90 por cento em 1898. O producto da collocação dos vinhos do Porto nos mercados estrangeiros era recebido em ouro. Pela pipa de vinho do Porto vendida em Londres por 20 libras realizava-se no reino, em 1898, 171$000 réis. Quando o premio do ouro era, - e em volta da correspondente divisa oscillou o cambio sobre Londres, - de 50 por cento, cada pipa de vinho vendida por 20 libras produzia no reino 135$000 réis.

D'ahi a melhoria dos preços de acquisição dos vinhos do Douro e, portanto, os recursos de que os seus habitantes se serviram para poderem replantar em grande parte as suas vinhas.

Hoje, com um premio do ouro de 4 por cento, uma pipa de vinho nas circumstancias acima referidas produz apenas, em moeda corrente, 93$600 réis.

Alguns commerciante vendo diminuir os seus lucros pela reducção do premio do ouro, procuraram compensar-se do prejuizo, obtendo a materia prima mais barata onde mais barata ella é, sahindo do Douro.

A melhoria economica do paiz, traduzida na alta cambial - pela qual todos nos devemos felicitar - foi, todavia para o Douro, de consequencias menos felizes.

A preterição dos seus vinhos pelos do sul, e a queda do premio do ouro, fizeram a sua ruina, o que é grave, e promettem fulminar o nosso principal ramo de exportação e, portanto, de riqueza economica, o que é gravissimo.

Chegou tarde a reacção, mas chegou.

A ferida é larga e profunda. Precisa-se poderoso cauterio, de medicação decisiva, energica e de resultados promptos, sem o que veremos em breve perdida pela necrose uma parte importantissima do nosso organismo só ciai. A enfermidade aggravou se muito ha cerca de dois annos. Já em 1901 despertou a attenção do Governo. Pelo decreto de 14 de junho de 1901 foi concedido o premio de exportação réis l$000 por cada pipa de vinho licoroso e do Porto, exportado para países estrangeiros. Foi um beneficio grande feito ao commercio de vinhos do Porto, representando apreciavel sacrificio para as finanças do Estado. A importancia liquidada por esses premios foi de 46:641$000 em 1902; 40:894$000 em 1903; 35:718$000 réis em 1904.

Ainda na lei de receita e despesa para o exercido de 1903-1904 foi revogada a disposição da lei de 12 de abril de 1892, que mandava cobrar 5 decimos de real por cada litro de vinho exportado pela barra do Porto. Esta medida correspondeu a prescindir o Thesouro de uma receita que então fôra calculada em 27:800$000 réis. Sacrificios grandes são estes feitos pelo Thesouro, mas que, infelizmente, não evitaram o mal de que o Douro enferma hoje, talvez porque não era o Douro que recebia o beneficio, mas os que pela barra do Porto exportavam os vinhos, que n'outras regiões adquiriam.

É isto que precisa de remedio radical nos seus effeitos. Só para defender a região do Douro? Não. Tão interessada na questão devia estar a cidade do Porto, cuja decadencia economica é manifesta. Sem haver necessidade de procurar outras explicações, encontra se no desvio que se vem fazendo na acquisição dos vinhos destinados á exportação pela barra do Porto.

É tão intuitiva a explicação, que de estranhar é que a cidade do Porto se não tenha collocado á frente das reivindicações que o Douro pede para os seus vinhos. Dos 7:226 contos de réis, que representaram o valor do vinho do Porto exportado em 1886, a sua maxima parte refluia para a cidade do Porto. O lavrador do Douro não capitalizava os seus rendimentos. O amanho das suas vinhas consumia-lhe a maior parte das suas receitas, em salarios alguns, mas em bacalhau e arroz, que constituem a base da alimentação das classes operarias, em assucar para as classes abastadas, em tecidos, em alavancas, pás, carretas e outros utensilios de lavoura. O producto da venda dos vinhos na sua maior parte refluia para a cidade do Porto, cujo movimento commercial animava. Hoje, se é certo que, como em 1904, o valor do vinho do Porto exportado já desceu para 4:630 contos de réis, não o é menos que, sendo comprado em regiões cujo centro commercial não é a cidade do Porto, é fora d'esta que o producto da venda do vinho ha de ser empregado. O Douro vae a caminho de absoluta ruina. Se lhe não valerem a tempo, a cidade do Porto ha de fatalmente tirar de tal situação perniciosas consequencias. É isto tão obvio, que é de estranhar que assim não tenha sido comprehendido pelas entidades que primam em defender os interesses da segunda cidade do reino.

No Douro reconheceu-se que era chegada a hora de fazer intervir os poderes publicos. Pela propaganda, intelligente e suggestiva, como a do Sr. Alfredo Pessanha, pela acção, tenaz e insistente, dos Srs. Dr. Julio Vasques, Torquato de Magalhães, Affonso Chaves, Porphirio Rebello, Macedo Pinto e de alguns outros dedicados á causa, a questão do Douro é já tida como um dos grandes problemas nacionaes a resolver.

O Douro não estende a mão á caridade do Estado; somente quer que lhe defendam o que é seu; isto é, que com o seu nome se não exportem productos bem diversos, pelo local em que são produzidos e pela qualidade. O industrial tem uma lei a proteger os productos da sua invenção, e, por isso, são propriamente seus. Quem lh'os imitar, pratica uma fraude punivel pela lei.

Só o Douro ha de ver de braços cruzados, como se fôra seu, que se exporte vinho que vae procurar os seus mercados para lhe fazer concorrencia pela offerta, e o seu descredito pela inferior qualidade! Não. Não deverá mais acontecer assim.

O Douro tem direito a ser defendido.

Protegeu se por uma lei o alcool industrial, com o fundamento de que era preciso auxiliar a população de S. Miguel e da Terceira na collocação da sua batata doce. Nem sequer se hesitou em proteger o alcool industrial n'um paiz que soffre de uma plethora de vinho e, portanto, de aguardente de vinho!

Protegeu-se por uma lei a agricultura cerealifera, por maneira que no nosso paiz se consome o pão por um preço exageradamente caro. Em nenhuma cidade do mundo se consome o pão pelo elevado preço por que se vende em Lisboa.

Pela pauta de 1892 protegeram-se as nossas industrias, e o furor proteccionista custa ao Thesouro quantiosas sommas na defesa de algumas industrias que não teem razão de existir. Protegemos os productos coloniaes, cobrando d'elles apenas 50 por cento dos direitos cobrados por mercadorias similares estrangeiras.

Protegemos a navegação portugueza com leis diversas, e principalmente, com os privilegios de cabotagem dados á navegação portugueza para a costa Occidental da Africa.

Protege-se a agricultura do sul do paiz com privilegios a companhias vinicolas, com estações de distillação, premios para os vinhos de pasto de typos regionaes e marcas registadas que entrarem no consumo da cidade de Lisboa; premios de 250 réis por hectolitro de vinho de pasto nas mesmas condições que fôr exportado, garantias dadas a warrants aos productores de aguardente, conservando-a em seu poder, armazens geraes para a aguardente. Somente o Douro não tem pro-

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tecção! Nem sempre necessitou d'ella, como já tenho demonstrado. Precisa agora do concurso de todos.

E aqui venho eu, mais com o desejo de apresentar um alvitre, do que no convencimento de que o meu projecto seja em todos os seus pontos acceito, sem reserva.

Cumpra cada um o seu dever. Eu cumpro o que entendo ser o meu, conforme as circumstancias m'o permittem.

O que é a questão do Douro?

Vamos procurar a resposta nos esclarecimentos estatisticos, traduzindo a exportação de vinhos do Porto:

Hectolitros

1894 241:036

1898 313:284

1899 279:168

1900 275:314

1901 268:401

1902 274:723

1903 256:357

1904 215:872

Até 31 de outubro de 1905 a exportação de vinhos do Porto foi 139:700 hectolitros.

Este quadro confirma o que já deixei dito; o agio do ouro, que foi maximo em 1898, elevou a exportação quasi á que fôra quatorze annos antes.

O agio do ouro, que se modificou logo em seguida á conversão da divida publica externa, autorizada pela lei de 14 de maio de 1902, teve a sua maior redacção no anno de 1904, devido á melhoria do nosso credito e á subida do cambio do Brasil, tão intimamente ligado ao cambio de Lisboa s/ Londres. Pois, como se vê do quadro acima, a exportação de vinhos do Porto em 1904 em pouco excede metade da que fôra em 1898.

O quadro referente ao valor do vinho exportado é mais sugestivo ainda, se possivel é:

Contos de réis

1900 5:739

1901 5:511

1902 5:634

1903 5:334

1904 4:630

Ahi está evidenciado o grande prejuizo economico que o paiz tem, resultante do decrescimento da exportação dos vinhos do Porto. É certo que tem sido geral nos vinhos portuguezes, mas a tristeza e desgraça dos outros não faz feliz quem da desgraça soffre.

Que o decrescimento é geral demonstra-o o quadro seguinte:

Quantidade em hectolitros Valor em contos de réis

1885 1.500:771 13:456

1886 1.963:114 16:883

1887 1.467:344 11:359

1888 1.730:886 12:946

1889 1.474:288 12:323

1899 838:368 10:914

1900 828:660 10:628

1901 790:313 9:733

1902 839:493 10:343

1903 779:621 10:137

1904 704:081 7:678

A plethora de vinho é manifesta. Soffre o Douro, soffre o sul do paiz, e o Douro larga collocação pode dar ao vinho do sul. O Douro e o sul teem os seus interesses intimamente ligados. Assim o entende tambem a Direcção da Real Associação de Agricultura, como expresso ficou em uma reunião de viticultores recentemente havida na Regua.

Suppunhamos que a exportação de vinhos do Porto não ia mesmo alem da que foi em 1903, ou 25.635:700 litros. Como, em regra, cada volume de vinho do Porto é representado por 4 de vinho para litro de aguardente, se porventura fosse proscripto o alcool industrial por virtude da approvação d'este projecto ou de outra iniciativa, aquella quantidade de vinho exportado conteria cerca de 5.000:000 litros de aguardente, a que corresponderiam litros 35.000:000 de vinho de 11° a 12° centesimaes, ou 70:000 pipas de vinho de 500 litros cada uma.

E bem precisa o sul do paiz de dar essa sabida a uma parte dos seus vinhos, transformados em aguardente. Consumo directo, cá dentro ou lá fora, para todo o vinho produzido, será impossivel de obter. O excesso sobre o consumo interno e sobre a exportação é muito grande.

Não ha uma estatistica rigorosa da producção vinicola do paiz. No Ministerio das Obras Publicas foi me dada a informação de que a producção vinicola, no anno de 1904, fôra de cerca de 6.000.000 hectolitros. Se a exportação total em 1905 fosse a de 1903, teriamos:

Litros

Producção 600.000:000

Exportação 77.962:100

Excesso 522.037:900

A exportação representaria apenas 13 por cento da producção.

Ficariam 977:000 pipas de 534 litros para consumo interno.

Sendo necessarios 10.000:000 litros de alcool e aguardente para a adubação dos vinhos licorosos e alcoolisação de alguns vinhos de pasto, e consumindo-se cerca de 5.000:000 litros de alcool industrial, ficaram 5.000:000 litros para aguardente de vinho. Para fabricar esta aguardente são precisos cerca de 41.666:660 de vinho de 12°.

Ficaram, pois, para beber no paiz, cerca de 480.000:000 litros de vinho, ou 898:000 pipas.

Vejamos agora se é possivel fazer um calculo approximado do consumo de vinho no paiz, tomando para base os impostos pagos pelo imposto de consumo em Lisboa, real d'agua no Porto e no resto do paiz:

Litros

Media do consumo de 3 annos em Lisboa 34.300:000

Porto 18.300:000

No resto do paiz 33.000:000

Total 85.600:000

Suppondo que o vinho consumido no paiz é tres vezes o accusado nas estatisticas do real d'agua, ou 159.000:000 litros, o consumo pago no continente do reino terá sido de 215.000:000 litros. Teremos então um excesso sobre a exportação e sobre o consumo interno de cerca de 265.000:000 litros, ou cerca de 490:000 pipas de 534 litros.

É manifesta a superabundancia de vinhos communs. As nossas colonias de Africa poderão receber ainda maior quantidade de vinho commum, mas não receberão todo o vinho disponivel. A experiencia está feita na lei de 7 de maio de 1902, de que tomei a iniciativa. Essa lei prohibiu o fabrico e consumo de bebidas alcoolicas em determinadas colonias portuguezas, augmentou os direitos nos vinhos estrangeiros nas colonias, alliviou n'ellas de impostos os vinhos nacionaes, e regulamentou uma fiscalização conveniente dos vinhos exportados. Pois só em Moçambique, onde foi prohibido o uso e fabrico de bebidas alcoolicas ao sul do rio Save, a importação de vinhos nacionaes passou de 307 contos de réis, valor de 1901, para 970 contos de réis, valor de 1903, ou seja um augmento de 215 por cento.

A experiencia está feita, repito, auspiciosa para o consumo dos nossos vinos o de defeza para as vidas dos indigenas negros, cuja raça em breve se extinguiria em Africa, se lhe não fosse difficultado o abuso das bebidas alcoolicas. Muito se pode fazer nas colonias portuguezas para a collocação dos nossos vinhos, mas jamais se conseguirá collocar todos os disponiveis.

É preciso, pois, procurar utilisação para parte dos vinhos communs no fabrico de aguardente, mas á sombra de segura protecção contra o alcool industrial.

Voltemos á questão do Douro.

Toda a razão da desgraça do Douro se reduz a isto: emquanto que os seus

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vinhos, que teem a justificada fama de serem os melhores vinhos licorosos do mundo, só vendem para as tabernas e para aguardente por preço vil, pela barra do Porto exporta-se vinho em grande parte produzido em outras regiões, sem nenhuma das grandes qualidades do vinho do Douro. Tem-se feito esta affirmação na imprensa, nas reuniões havidas na Regua, em Alijó e no Porto, e é a base de um notavel trabalho publicado pela commissão executiva dos lavradores do concelho da Regua, com o titulo - Questão duriense - em que o problema do Douro é largamente debatido.

A affirmação aqui feita não poderá dizer-se que é prejudicial ao credito dos vinhos do Porto.

Nem o Governo viu n'isso inconveniente.

Ha poucos dias o Correio da Noite, orgão officioso do Governo, em um artigo que teve por titulo - Douro - dizia:

"Depois, como se esta serie de calamidades naturaes não fosse já por si bastante, juntou-se-lhe ainda um outro grande inimigo: a concorrencia desleal do commercio, a exportação de marcas privilegiadas do Douro applicadas aos vinhos de outras procedencias, e, para mais, lotados com alcool industrial, que, alem dos seus inconvenientes hygienicos, não liga chimicamente com o vinho, o que tudo redundava em descredito para aquelle tão justamente afamado producto da nossa industria, valorizado por uma tradição duas vezes secular.

O Sr. Presidente do Conselho, posto ao corrente das resoluções do commercio da Regua (restricção da barra do Porto á exportação, como vinhos licorosos, dos vinhos do Douro) approvou-as immediatamente, porque o seu alto espirito prediz bem quanto ellas teriam, ao mesmo tempo, de decoroso e de vantajoso para o paiz".

Já quando se instituiu a Real Companhia Vinicola do Norte de Portugal, nos comicios, na imprensa, em representações dirigidas aos poderes publicos, em discursos no Parlamento, repetidas vezes se fez a affirmação de que era preciso, indispensavel para o credito dos vinhos do Porto e para a manutenção dos seus mercados, que a marca de procedencia viesse evitar que, como de vinho do Porto e do Douro, se exportasse o que do Douro só tinha o nome.

Todavia, o assumpto é muito melindroso, devendo por isso somente ser apontado. Affirma-se que, nas 60:000 pipas de vinho licoroso que em cada anno são exportadas pela barra do Porto, não vão mais de 20:000 pipas de vinho do Douro. Não tenho elementos que me levem a este calculo com segurança. Esta affirmação foi feita, som contestação, pelo Sr. Alfredo. Pessanha. Correu mundo, em artigos de um dos mais lidos jornaes do norte do paiz, em monographia profusamente distribuida, e ninguem a contestou. Que é produzido no sul do paiz a maior parte do vinho exportado como licoroso pela barra do Porto, é uma verdade incontroversa. Nem é possivel occultal-a, nem mesmo podia ser occultada. Se isso não fora um facto, não havia motivo para o Douro reclamar, não havia justificação possivel para o Douro pedir que lhe defendam o que é seu. Não contestamos o direito dos que em Villa Nova de Gaia fazem lotação com vinhos do sul, e os exportam como vinho do Douro.

A lei de 7 de dezembro de 1865, que abriu a barra do Porto á exportação de todos os vinhos produzidos em territorio portuguez, legalizou lhes o proceder, sem que possam ser accusados de fraude, o que não impede que no Douro se reconheça a sua legitimidade em pedir que lhe revoguem uma lei que o asphyxia e que fere profundamente a economia geral do paiz.

É exacto. Aos vinhos do Porto baixos se deve em grande parte o descalabro em que vae a exportação. O mercado para os vinhos do Porto somente poderia manter-se quando elles vencessem toda a concorrencia pela sua superior e inigualavel qualidade, que exclusivamente se encontrava no vinho produzido na região duriense, O vinho do Porto, como é o da menor parte da exportação actual, faz-se de todo o vinho, do Alemtejo ou de Leiria, de Torres ou do Algarve, de Tarragona ou de Valencia, com vinhos italianos ou argelinos.

Desde que o vinho do Porto deixou de ser o primoroso vinho da região do Douro, para ser um vinho sem qualidade, tinto ou branco, e aguardentado, o mercado havia de reduzir-se necessariamente, por duas ordens de razões: l.ª, porque seria proscripto como um producto ordinario; 2.ª, porque o consumidor d'estes vinhos, em que a arte substitui a qualidade, procuraria os mais baratos, e, por mais baratos que os nossos sejam, não poderão descer ao preço baixo dos vinhos hespanhoes. Poderão dizer-nos que os mercados não recebem os vinhos bons e, por isso mesmo, caros. Tenho ouvido fazer esta affirmação, mas não me convenceu. Sempre que no Douro ainda apparecia algum vinho velho, de frasqueira, elle era vendido por preços elevados, de 500$000 a 1:000$0000 réis por pipa.

Quando em 1892, ligado ao negocio da prata, foram compradas no Douro cêrca de 16:000 pipas de vinho enviadas para as docas de Londres, ali os vinhos de qualidade foram desde logo vendidos por alto preço. Ficaram por muito tempo os vinhos baixos, de duvidosa qualidade, por signal que estes ultimos não tinham sido comprados a lavradores.

Os relatorios consulares incluem repetidas vezes o conselho ao commercio de que exportem vinhos do Douro, generosos e authenticos, que conquistem e mantenham o mercado pela sua inimitavel qualidade. É preciso preparar vinhos do Porto de segunda ordem, para preços compativeis com as exigencias de certos mercados? Creio bem que assim é; mas as terras altas da região duriense produzem esse vinho, de boa qualidade, em quantidade sufficiente, e por preços que ainda deixam larga margem de lucros aos negociantes.

Em Inglaterra, que é o principal mercado dos vinhos do Porto, pensa se que o vinho do Porto é o produzido na região do Douro. É preciso que os factos não abalem essa convicção, fazendo a prova de que por lei o vinho do Porto é produzido na região duriense.

Tenhamos sempre presente a sentença do tribunal de Dublin, pronunciada em março de 1905, salvo erro. Tratava se da queixa apresentada contra quem ao auctor vendera Porto, quando é certo esse vinho fôra adquirido pelo accusado como Tarragona-Porto. O julgador, apoiando-se na prova testemunhal, no parecer de peritos, no que a respeito de vinho do Porto vem em diversas publicações inglezas, declara que "por todos estes fundamentos tinha chegado á conclusão de que a palava - Porto - applicada a vinhos, e empregada sem outras palavras qualificativas, ou explicativas, era só applicavel a vinhos produzidos em Portugal e na região do Douro, e quando applicada a outros quaesquer vinhos constituia uma expressão commercial fraudulenta em face da lei".

E, todavia, o nosso commercio de vinhos do Porto, que sae para fora da região do Douro, arrisca-se a grandes desgostos. Já vimos o que succedeu e poderá acontecer em Inglaterra; vejamos agora o que poderá dar-se no Brasil, onde, recentemente, se publicou uma providencia destinada a prohibir a importação de qualquer producto no mercado com falsa indicação de procedencia.

Esse documento foi passado ao conhecimento do nosso paiz pelo importante jornal de Lisboa, a Epoca, a que, com tanta solicitude, promove e approximação politica e economica de Portugal com o Brazil.

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É do teor seguinte:

"Decreto n.° 1:425 B de 28 de novembro de 1905. - Estabelece regras para a apprehensão de productos ou mercadorias importados com falsas indicações de procedencia.

"O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil:

"Faço saber que o Congresso Nacional decretou e eu sancciono a resolução seguinte:

"Artigo 1.°- É prohibida a importação de qualquer producto ou mercadoria com falsa indicação de procedencia nos termos do Ajuste de Madrid, de 14 de abril de 1891, ratificado a 3 de outubro de 1896 e posto em execução pelo decreto n.° 2:380, de 20 de novembro do mesmo anno.

"Art. 2.° Os generos incursos nas disposições do artigo anterior serão apprehendidos pelas auctoridades aduaneiras, emquanto não houverem sido entregues aos interessados; e fóra d'esse caso pelas auctoridades judiciarias federaes. Em ambas as hypotheses, a requerimento dos interessados ou do Ministerio Publico, guardadas as solemnidades legaes.

"Art. 3.° Os productos apprehendidos na zona fiscal serão reexportados pelos importadores dentro de trinta dias, sendo destruidos, caso não se verifique a reexportação. Se a apprehensão se realizar fora da zona fiscal, os generos serão inutilizados ou destruidos.

"Art. 4.° Em qualquer das hypotheses previstas n'esta lei, os importadores incorrerão na multa de 50 por cento sobre o valor dos generos importados.

"Art. 5.° Seguir-se-ha no processo de apprehensão, no que for applicavel, o disposto no artigo 633 da Consolidação das Leis das Alfandegas.

"Art. 6.° Revogam-se as disposições em contrario.

"Rio de Janeiro, 28 de novembro de 1905, 17.° da Republica. = Francisco de Paula Rodrigues Alves = Rio Branco".

É da maxima importancia este decreto. Defende o commercio licito, protege os vinhos portugueses, que, sem fraude nem adulteração, entrem no Brasil, mas obriga o nosso commercio ao maior cuidado no que diz respeito á indicação da procedencia dos vinhos que para ali se exportam. Comprehende-se que uma fiscalização conveniente ou o interesse ferido pela concorrencia possam levar para os tribunaes aduaneiros casos de illegitima designação de vinhos, e bastará uma condemnação para que o descredito fique firmado com a sua prejudicial influencia.

Será este o pensar dos commerciantes de vinhos do Porto? Vejamos se é possivel prescrutal-o.

A The Wine & Sport Gazette, de 6 de dezembro ultimo, occupando-se dos vinhos do Porto, publicou a confirmação de que, pouco tempo antes, os exportadores inglezes de vinhos do Porto, em uma reunião celebrada na cidade do mesmo nome, decidiram, por dezaseis votos contra tres, votar a seguinte moção: "Vinho do Porto é somente o produzido na região do Douro e que for carregado no Porto. Região do Douro é a que vae de Barqueiros até á Barca de Alva, abrangendo as ribeiras secundarias do Douro". Esta informação foi passada ao conhecimento da região do Douro por meio de um artigo publicado em um importante jornal portuense, e firmado pelo Sr. Manoel Guimarães Pestana.

O Sr. Pestana completou a informação com os nomes das casas, que, segundo corria na praça, tinham approvado a moção. Foram ellas: Cockburn Smithes & C° - Croft & C° - Taylor, Fladgate & Yeateman - Smith Wood-house & C° - Butter Nephew & C° - Silva & Cosens - Ofitley, Gramp & Forrester - Sandeman & C° - W. & J. Graham & C° - D. M. Feuerheerd & Cª - Wanzellers & C° - Delaforce Sons & Cº - Gonzales Byasse & C° - Hunt Roope Teage & C° - C. W. Kopke & C°.

Accrescenta a informação que a estas adhesões, que foram expressas, segundo deve conjecturar-se, se juntarão as de mais seis casas cujos chefes estavam em Londres, não tendo, por isso, occasião de darem o seu voto. Todas as casas acima referidas são respeitaveis: mas, entre ellas, ha algumas que desde largos annos estão estabelecidas no Porto, importantissimas.

O pensar dos seus representantes é expresso: vinho do Porto só o produzido na região comprehendida entre Barqueiros e Barca de Alva, abrangendo as ribeiras secundarias do Douro. Entre estas ultimas figuram, como de terrenos que produzem vinho de superior qualidade, a do rio Pinhão e a do rio Torto. As margens do rio Pinhão, até á ribeira de Sabrosa, produzem vinho generoso de superior qualidade. Até ao Fojo, as margens do rio Pinhão produzem vinho que, por algumas qualidades, se equipara ao produzido nas margens do Douro, desde Ferrão até ao Tua.

As casas acima referidas representam todo o commercio de vinhos do Porto? Não, decerto, embora representem a maior parte.

Como pensa o commercio portuguez? No Porto ha estabelecidas quatro companhias, cujo ramo de exploração é o vinho do Porto. São a Companhia Geral das Vinhas do Alto Douro, a Real Companhia Vinicola do Norte do Portugal, a Companhia Agricola e Commercial dos Vinhos do Porto e a Companhia Vinicola do Porto.

A primeira, que trouxe a sua fama dos vinhos do Douro e que a este deve o ter as acções á cotação de muitas vezes o seu valor nominal, certamente deverá ter a opinião de que ao Douro se dê o que só do Douro é. Tão ligada se julga ao Douro, que, para não aggravar as circumstancias difficeis com que elle lucta, abriu na Régua para os vinhos de pasto que ali comprou um preço superior áquelle pelo qual os podia obter, desvalorizados como estavam por terem ficado para vinhos de pasto.

A Real Companhia Vinicola do Norte de Portugal foi fundada e protegida somente em nome da defesa dos interesses do Douro e da garantia da genuinidade dos vinhos do Porto. Como reducto contra o pouco escrupulo de que, pelos fundadores, foram accusados alguns exportadores de vinhos do Porto, foi esta companhia protegida pelo Estado, ao fundar-se, embora do Estado seja hoje independente.

Pensar hoje de maneira diversa equivaleria a, no dia da batalha, bandear-se para o inimigo, o que certamente não quadra a quem tão publicamente se apresentou como apostolo da doutrina - ao Douro o que só do Douro é.

A Companhia Agricola e Commercial dos Vinhos do Porto succedeu á casa de D. Antonia Adelaide Ferreira. Está tudo dito.

Os seus vinhos corresponderam sempre á sua fama.

Respeitabilissima essa casa. Os seus vinhos teem a fama de optimos e de genuinos em todos os mercados do mundo, onde os vinhos do Porto se apresentam. Reduz-se a exportar o vinho das suas propriedades do Douro, que constituiram a base de uma grande fortuna, e que hoje pertencem á companhia, exclusivamente constituida pelos herdeiros d'aquella virtuosa senhora, ha annos fallecida. O pensar d'essa companhia é o seu proceder. Só utiliza o vinho do Douro das suas afamadas propriedades, e jamais n'elles empregou alcool industrial. E ahi está a razão por que os seus vinhos, apesar de caros, nunca deixaram de ser recebidos com favor pelos mercados.

A Companhia Vinicola do Porto foi constituida recentemente, á sombra do decreto de 14 de janeiro de 1905. É a continuação de uma importante firma commercial de vinhos do Porto. Nenhuma razão ha para se suppor que, sendo uma instituição commercial de comprovada probidade, possa pensar que ha direito de exportar como vinho do Douro vinho que só veja o Douro quando dos armazens passa para vapores que estão á carga.

Alem das companhias ha commerciantes portuguezes que exportam vi-

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nhos do Porto, e cujo pensar deve ser harmonico com o geral dos habitantes da região duriense.

Entre outros, destacam-se, por serem muito importantes, alguns que possuem quintas conhecidas nos mercados inglezes como de vinho de primeira ordem, finissimo. Essas quintas estão restauradas, na sua maior parte. A sua justificada fama é um dos grandes elementos da riqueza dos seus proprietarios. Creio bem que serão os primeiros a desejar que se não possa dizer que os nomes das quintas celebres são uma especie de taboleta-réclame para vinhos de outras regiões. Não se diz, mas poderia dizer-se, dada a facilidade com que os vinhos do sul podem ir até ás mais remotas adegas do norte.

Este deve ser o pensar geral: ao Douro o que só ao Douro pertence.

Mas, poderão objectar, ha hoje constituido um mercado de vinhos do Porto, de segunda qualidade e de preços relativamente baixos, que nem o paiz nem o commercio podem perder.

Concordo. Sei bem que o consumo de vinho do Porto se não pode limitar aos vinhos velhos, de garrafa, que são caros; bem sei que muito convem man ter o mercado de vinhos de segunda ordem, mas que tenham as qualidades do vinho do Douro. Tem-no a região duriense e é exactamente para este vinho que é principalmente necessaria a protecção. Na região comprehendida entre. Barqueiros e a Barca de Alva, abrangendo os concelhos de Figueira de Castello Rodrigo, Fozcôa, Pesqueira, Tabuaço, Lamego, Freixo, Carrazeda, Villa Flor, Alfandega da Fé, Mirandella, Valle Passos, Murça, Alijo, Sabrosa, Villa Real, Santa Martha de Penaguião, Regua e Mesão Frio ha vinho em quantidade necessaria para toda a exportação de vinho do Porto, e que é de preço compativel com as circumstancias dos mercados.

Admittido que o que mais convem para garantir a genuinidade de vinhos do Porto é o emprego exclusivo de vinhos do Douro na sua preparação, qual deveria ser o processo legal a adoptar?

Quando, ha já bastantes annos, se entendeu que era preciso defender a exportação dos vinhos do Porto, pensou se que a marca de procedencia seria garantia segura. Não foi adoptada. Quando, ha cerca de dois annos, no Douro foi iniciado o movimento de reclamação, que agora vae a caminho de grande intensidade, pediu se que uma lei de marcas protegesse o vinho do Douro.

Foi-me solicitado o meu parecer por alguns dos lavradores do Douro que a Lisboa vieram com o fim de apresentar a Sua Majestade El-Rei uma representação pedindo apoio para as legitimas reivindicações da região duriense. Seguiu-se uma conferencia com o Ministro das Obras Publicas de então, e n'ella se assentou na conveniencia de serem definidos os termos da reclamação.

Aos interessados exprimi desde logo a minha opinião contra pretendida lei de marcas, e, na mesma occasião, eu lhes esbocei o meu parecer, conforme o projecto de lei que á camara vou apresentar.

Era e sou contra uma lei de marcas. A marca, nos paizes onde as leis se cumprem, é de garantia segura contra as falsificações e imitações, desde que possa ser aposta na mercadoria. A marca applicada aos vinhos serviria, em regra, para authenticar e dar curso legal á fraude.

A marca aposta em cascos, barris ou caixas nada defende. A mesma vasilha ou caixa, tendo uma vez recebido vinho do Porto authentico, ficaria habilitada para receber falsificação ou imitações, sem probabilidade de contestação legal. Foi o que aconteceu com a marca official applicada pelo Mercado Central dos Productos Agricolas nos cascos com vinhos para o Brasil, usada até ha cerca de seis annos. O vinho encontrava por vezes difficil e pouco remuneradora collocação, mas os cascos eram muito procurados, e obtinham bom preço, muito superior ao seu valor. Para voltarem para Portugal? Não; para irem para Hespanha receber o vinho, que uma vez n'aquelles cascos passava por vinho portuguez. E depois, admittida a efficacia da marca, para ella ser applicada somente aos vinhos do Douro, exigia um processo tão complicado, que se tornava em um grande embaraço commercial. O vinho, para receber a marca, teria de entrar em armazens alfandegados, por maneira que n'elles somente entrasse vinho do Douro? Um momento de reflexão mostra que o processo era inexequivel. Cada exportador precisa nos seus armazens da liberdade para a preparação de seus vinhos, conforme os seus processos e os seus segredos industriaes, que tambem os ha na preparação dos vinhos, sem que pelo seu emprego se lhes perturbe a genuinidade.

A meu ver, a questão do Douro só admitte uma solução, e essa consiste em não permittir que pela barra do Porto sejam exportados outros vinhos licorosos que não sejam os produzidos na região do Douro. Fóra d'isto não ha solução. Palliativos estereis seriam os outros alvitres, como o das marcas, menos na perda de tempo. Toda a demora aggrava a miseria de uma região que foi rica e que largamente contribuiu para o bem do Estado, e em breve fará a ruina do commercio do vinho do Porto. O meu parecer é em principio, o adoptado recentemente pelos lavradores do Douro, mas por maneira a tornal-o exequivel, e por isso mesmo, realizavel e pratico.

É o projecto de lei que vou apresentar.

O projecto que apresento á vossa consideração defende os interesses do Douro, protegendo a sua producção; defende os interesses do sul, porque proscreve o alcool industrial; defende os interesses do commercio, porque este tem tanto maiores facilidades quanto mais superior em qualidade fôr o producto cuja collocação procura fazer nos mercados estrangeiros. Soluções exclusivistas não são realizaveis nem justas.

O artigo 1.° do presente projecto de lei visa a prohibir que pela barra do Porto saia outro vinho que como Porto pudesse ser exportado, mas que não seja produzido na região duriense. É o processo indirecto, mas pratico e facil. A prohibição, pura e simples, da exportação de vinhos licorosos que não sejam produzidos no Douro, traria na pratica embaraços para se distinguir quaes sejam os vinhos licorosos e ainda seria necessario, para cada partida a exportar, um processo demonstrativo da procedencia. Não é preciso alfandegar os vinhos do Douro, nem criar qualquer embaraço serio ao seu commercio.

O direito de 100 réis por litro defende e protege os vinhos do Douro. Com 53$400 réis de direito de exportação não podem os vinhos a exportar, embora a parte maior da sua materia prima, obtida fora do Douro, tenha sido de preço inferior.

D'este imposto isenta-se quem apresentar documento demonstrativo de que importou do Douro quantidade de vinho igual ou superior. Este processo garantirá que, se o commercio de vinhos exportar 60:000 pipas de vinho do Porto, terá comprado no Douro igual quantidade de vinho, porque só assim deixará de pagar o imposto de 100 réis por litro. O commercio não tem embaraço.

Basta-lhe exhibir no acto da exportação o documento comprovativo de quantidade igual ou superior de vinho importado do Douro. Quem pretender exportar 100 pipas de vinho do Porto e tem um documento comprovativo de que do Douro foram importadas 100 ou 150 pipas de vinho, fica em qualquer dos casos dispensado do pagamento do imposto, mas no segundo ainda fica com um saldo em conta corrente de 50 pipas, para aproveitar quando lhe convenha. É facil e extremamente pratico este processo, isento de embaraços e difficuldades originadas na demonstração da procedencia para se prohibir ou não a exportação.

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E pelo artigo 1.° a procedencia fica garantida. De onde poderá vir o vinho de 18 graus que, á altura ao limite occidental do concelho de Mesão Frio, desça para o Porto em caminho de ferro ou pela navegação fluvial?

Somente da região vinicola do Douro, que, segundo a opinião geral, deve terminar no limite oeste do referido concelho. Não pode vir de Hespanha, porque o direito da pauta é prohibitivo; não pode ir de outras regiões, não só pela carestia dos transportes, mas porque os lavradores interessados fariam uma rigorosa fiscalização; não pode subir pelo caminho de ferro nem pelo rio Douro, porque isso é prohibido pelo presente projecto. Logo, por processo simples, fica garantida a procedencia duriense dos vinhos que transponham no sentido descendente o limite occidental do concelho de Mesão Frio.

De pouco serviria restringir a barra do Porto á exportação dos vinhos produzidos no Douro, se por qualquer outro ponto do paiz se pudesse exportar vinho que por alguma maneira pudesse ser pelo consumidor considerado como do Douro. Mas poderá dizer-se: por que é que não se limita o processo de garantia a applicar á barra do Porto o que vae estabelecido na alinea (b) do artigo 1.° d'este projecto? A razão negativa é obvia. É que, emquanto que o vinho licoroso sahido de qualquer ponto do paiz, com excepção do Porto, precisa da designação de Porto, Douro ou equivalente, para nos mercados estrangeiros passar por vinho do Porto, o vinho sahido da barra d'esta cidade, acompanhado dos documentos aduaneiros e dos manifestos e conhecimentos do costume, tem por isso mesmo logo um certo caracter de authenticidade.

Adopta-se a graduação alcoolica de 18 graus centesimaes para a exigencia do imposto de exportação por duas ordens de razões: l.ª, porque com tal graduação ficam fora da exigencia os vinhos communs, qualquer que seja a sua procedencia, porque nenhum attinge tal graduação; 2.ª, porque, se por um lado com tal graduação se não corre o risco de que a importação da região do Douro de vinho commum poder abrir o caminho á sahida de vinhos licorosos de qualquer procedencia, pelo outro os vinhos licorosos novos, que do Douro vão para os armazens de Villa Nova de Gaia, poucas vezes excedem a graduação de 18 graus. Esta graduação não prejudica a defesa de que o Douro precisa, nem cria embaraços ao productor ou ao commerciante.

É preciso que a defesa dos interesses do Douro não modifique o de outras regiões. O Douro reclama protecção para os seus vinhos, mas por maneira que os vinhos do sul não tomem o seu nome e logar. É justo que o sul receba a compensação no emprego exclusivo da sua aguardente de vinho, com o qual grandemente melhorará a qualidade dos vinhos do Porto. Para isso ha somente um processo a empregar: é prohibir o fabrico de alcool industrial no continente do reino e tratar, no ponto de vista fiscal, o alcool açoreano como se fôra estrangeiro. Não ha maneira de comprehender que, havendo no paiz uma plethora de vinhos communs e, por isso, de aguardente de vinho, subsista com ella um regimen de protecção para o alcool industrial!

Basta considerar que 60:000 pipas de vinho do Porto - e esta tem sido aproximadamente a media da exportação - levariam já no seu seio, em aguardente, de 90:000 a 100:000 pipas de vinho do sul.

Mas tambem não é justo arruinar o capital empregado nas fabricas de alcool. D'ahi a autorização pedida no projecto para se proceder á indemnização, tendo por base os prejuizos que d'esta lei lhes resultem no rendimento medio nos annos de 1902 a 1905.

O decreto de 14 de junho de 1901 já restringiu a producção das fabricas de alcool á media da que fôra no quinquennio de 1895-1896 a 1899-1900.

Maior foi ainda a restricção feita pela lei de 15 de julho de 1903, que protegeu os assucares fabricados nas ilhas de S. Miguel e Terceira com productos agricolas do seu solo. Durante quinze annos esses assucares ficaram sujeitos ao imposto de producção e consumo de 30 réis por kilogramma, e no reino a 50 por cento dos direitos da pauta, até ao maximo de 4:000 toneladas. Para defender os interesses da viticultura estas concessões foram acompanhadas de uma forte restricção na sahida do alcool industrial. Assim, estabeleceu-se que, desde o inicio da laboração fabril do assucar, a quantidade maxima de alcool, cuja sahida era consentida ás fabricas açoreanas, não poderia exceder 3.000:000 litros, devendo esta quantidade diminuir annualmente de 200:000 litros, até que no sexto anno attinja o limite de 2.000:000 litros. A fabricação do assucar está iniciada e o maximo de producção do alcool que, segundo o decreto de 14 de julho de 1901, era de cêrca de 7.500:000 litros, é agora, nos termos da lei de 15 de julho de 1903, de 3.000:000 litros. Circumstancias são estas que tornam menores os sacrificios a fazer com as indemnizações ás fabricas.

Não tenho elementos para com segurança calcular o encargo que para o Estado resultará das indemnizações a pagar. Creio, porém, que não será avultado, porque, tratando-se da media da producção nos annos de 1901-1902 a 1904-1905, com o maximo de 3.000:000 de litros para as fabricas açoreanas, a indemnização será pouco avultada, porque algumas das fabricas não teem laborado ou, se teem, a producção tem sido, em alguns annos, insignificante.

Maior sacrificio foi o feito pelo Thesouro criando os premios de exportação para os vinhos licorosos exportados pela barra do Porto, que tem custado, em media, 40:000$000 réis por anno. Este desembolso do Thesouro foi acrescido da cessão de receita proveniente do imposto de 0,5 de real por cada litro de vinho exportado pela mesma barra, o qual, para o exercicio de 1903-1904, tinha sido calculado em réis 27:800$000. De tudo resulta para o Thesouro um prejuizo de cerca de 67:800$000 réis por anno. Talvez ahi possa o Thesouro encontrar o meio de se compensar do encargo com a indemnização ás fabricas. Maior proveito resultará para a viticultura do novo encargo que o Thesouro toma pela indemnização ás fabricas de alcool, do que dos sacrificios, muito maiores, impostos ao Thesouro pelo decreto de 14 de janeiro e regulamento de 5 de junho de 1905.

Sempre que se trata de indemnizações, a opinião publica fica satisfeita com a arbitragem. É o principio adoptado n'este projecto de lei, e executado com as maiores garantias de justiça e imparcialidade.

O Douro luta com as maiores difficuldades. Não tem recursos para os serviços ordinarios, não ha trabalho para as classes obreiras, não ha maneira de pagar os encargos das dividas contrahidas. No Douro a muitos falta o pão; a todos faltam os recursos para pagamento das contribuições devidas ao Estado. Não se veja n'estas affirmações sombra de exagero.

Isental-o inteiramente do pagamento de impostos ao Estado não o proponho eu; mas reivindico para elle um direito, que lhe não tem sido reconhecido.

Um grande homem de Estado, que a morte, na sua implacavel cegueira, prostrou ha menos de um anno, e que foi um dos Ministros do fomento de mais fecunda iniciativa que o nosso paiz tem tido, Emygdio Navarro, referendou, juntamente com o Sr. Conselheiro José Luciano de Castro, o decreto com força de lei de 9 de dezembro de 1886, em que eram estabelecidos os meios de defender as vinhas contra a invasão phylloxerica.

O artigo 29.° é do teor seguinte:

"As vinhas que foram plantadas em territorio phylloxerado, quer em terrenos de onde fosse arrancada a vinha velha ou phylloxerada, quer em torre-

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nos virgens de vinhas, serão isentas de contribuição predial por espaço de dez annos, a contar da plantação".

Mais tarde, outro notavel homem de Estado, que especialmente cuidou de desenvolver a riqueza publica - Pedro Victor, - estabeleceu a isenção da contribuição predial, por seis annos, para as vinhas plantadas em terrenos onde fossem arrancadas vinhas phylloxeradas.

É certo que ha no Douro algumas vinhas plantadas ha mais de dez annos; mas não o é menos que a maior parte foram plantadas em epocas bem mais recentes. Agora, proponho que seja considerado em vigor, e até 31 de dezembro de 1911, o artigo 29.° do decreto de 1886, e que as vinhas, nos concelhos a que se refere o § unico do artigo 1.°, sejam consideradas como tendo sido plantadas ha cinco annos, devendo por isso ser annullada a contribuição predial que ainda estiver em divida e considerar-se como não devida senão a partir de 1911.

Não proponho a annullação do lançamento, não só por não querer prejudicar outros impostos, quer do Estado, quer das corporações administrativas, mas ainda para que a propriedade que não é constituida por vinhas, não veja augmentada a contribuição predial.

Tendo assim justificado o meu pensamento acêrca da momentosa questão do Douro, tenho a honra de apresentar á vossa consideração o seguinte

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° Ao imposto de exportação, de 100 réis por litro, pago no acto do despacho, ficam sujeitos um anno depois da publicação d'esta lei:

a) O vinho exportado pela barra do Porto, de graduação alcoolica superior a 18 graus centesimaes;

b) O vinho de qualquer graduação alcoolica exportado por outro ponto do continente do reino e que pelos documentos do despacho, por conhecimento ou manifesto, por marca apposta nas vasilhas que o contiverem, comprehendendo as garrafas, seja referido como Porto, Vinho do Porto ou do Douro, ou se designe como qualidade ou procedencia de região ou logar comprehendido na area de que trata o § unico do presente artigo, ou seja ainda apresentado como pertencendo a qualquer sociedade que na sua designação inclua Porto, Douro, ou nome de região ou logar contido na já referida area.

§ unico. Do disposto na alinea a) do presente artigo é exceptuado o vinho da região vinicola do Douro, a qual, para os effeitos d'esta lei, se considera como constituida pelos concelhos de Figueira de Castello Rodrigo, Villa Nova de Fozcôa, Pesqueira, Tabuaço, Armamar, Lamego, Freixo de Espada á Cinta, Moncorvo, Carrazeda de Anciães, Villa Flor, Alfandega da Fé, Mirandella, Valle Passos, Murça, Alijo, Sabrosa, Villa Real, Santa Martha de Penaguião, Regua e Mesão Frio. Considera-se como vinho da região do Douro, para os effeitos da isenção do imposto de que trata a alinea a) do presente artigo, aquelle cujo pedido a despacho seja acompanhado do documento de que trata o artigo seguinte, representativo de igual ou superior quantidade de vinho.

Art. 2.° De todo o vinho de graduação alcoolica superior a 18 graus centesimaes que, quer pelo rio Douro, quer pelo caminho de ferro do Douro, transponha o limite occidental do concelho de Mesão Frio em sentido descendente, será passada, em postos especiaes ali estabelecidos, uma guia numerada por onde conste a quantidade de vinho, em cujo talão se inscreverá o nome de quem a solicitar.

Art. 3.° É prohibida a importação de vinho de qualquer qualidade, excepto a do vinho do typo Champagne, na região de que trata o § unico do artigo 1.°

Art. 4.° É prohibido no continente do reino o fabrico de alcool, de qualquer graduação, empregando na sua producção substancias que não sejam vinho.

§ unico. Do disposto n'este artigo exceptua-se a fabricação de aguardente de bagaço de uvas, quando não exceda a graduação de 50 graus centesimaes.

Art. 5.° É applicavel ao alcool de qualquer procedencia o imposto estabelecido no paiz para o alcool estrangeiro no artigo 73.° do decreto de 14 de junho de 1901.

Art. 6.° É o Governo auctorizado a indemnizar as fabricas de alcool existentes no continente do reino e nas ilhas de S. Miguel e Terceira, que tenham laborado regularmente nos annos 1902-1903, 1903-1904 e 1904-1905, e que, á data da publicação d'esta lei, não tenham sido transformadas ou não estejam em via de transformação para o fabrico de assucar, como foi auctorizado pela lei de 15 de julho de 1903 áquellas fabricas açoreanas. O valor da indemnização não poderá exceder o capital que, a juro de 6 por cento, corresponda ao rendimento de cada fabrica, avaliado pela media do respectivo rendimento nos annos de 1901-1902, 1902-1903, 1903-1904 e 1904-1905.

Em relação ás fabricas açoreanas a indemnização para todas tem por limite maximo o lucro do fabrico correspondente a 3.000:000 de litros. A indemnização será fixada por um tribunal constituido por dois representantes das fabricas, por dois vogaes nomeados pelo Supremo Tribunal de Justiça, o qual, em sessão plena para esse effeito convocacada, designará o juiz do mesmo Supremo Tribunal ou da Relação de Lisboa para presidir á arbitragem, que resolverá definitivamente.

Art. 7.° Aos delictos por infracção dos artigos 3.° e 4.° é applicavel o que se contém no artigo 8.° do decreto n.° 2 de 27 de setembro de 1894. Quando, porém, não tenha sido apprehendido o vinho ou o alcool, e se não puder, por isso, determinar a sua quantidade, a infracção dos referidos artigos será punida com a multa de l00$000 a 300$000 réis e prisão de um a seis mezes.

Art. 8.° É prorogado até 31 de dezembro de 1911 o disposto no artigo 29.° do decreto com forca de lei de 9 de dezembro de 1886, considerando-se como terminado n'aquelle dia o prazo de dez annos no mesmo decreto marcado e applicada a todas as vinhas que existam na area de que trata o § unico do artigo 1.° a isenção da contribuição predial, devendo ainda ter-se como não lançada a contribuição predial por vinhas, que, á data d'esta lei, estiver em divida nos mesmos concelhos.

Art. 9.° O Governo fará os regulamentos para completa execução d'esta lei.

Art. 10.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos Dignos Pares do Reino, 9 de fevereiro de 1906. = Antonio Teixeira de Sousa.

O Sr. Presidente: - Não estando presente o Governo levanto a sessão.

A proximo sessão é ámanhã.

A ordem do dia é a que estava dada para hoje.

Eram 2 horas e quarenta minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 9 de fevereiro de 1906

Exmos. Srs.: Angusto José da Cunha, Sebastião Custodio de Sousa Telles; Condes: de Bertiandos, de Castello de Paiva, de Figueiró, de Villa Real, de Villar Secco; Visconde de Athouguia; Alexandre Cabral, Santos Viegas, Teixeira de Sousa, Ayres de Ornellas, Serpa Pimentel, Dias Costa, Francisco de Medeiros, Almeida Garret, D. João de Alarcão, Palmeirim, Mendonça Cortez, Gusmão, Jorge de Mello, Avellar Machado, José Vaz de Lacerda, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Pedro de Araujo, Sebastião Dantas Baracho.

O Redactor,

J. F. GRILLO.

Página 26

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