6 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
cretos de 27 de fevereiro ultimo, cita o § 5.° do artigo 15.° da Carta Constitucional, o qual preceitua que, na morte do rei, ou vacancia do throno, sé deve instituir exame á administração que acabou e reformar os abusos nella contidos.
Por seu turno, o Sr. Ministro da Justiça assegurou, na ultima reunião das maiorias, que a missão do Governo se reduzia a liquidar o passado e a preparar o futuro.
É precisamente na constancia d'essa doutrina sadia, a qual infelizmente o Governo não consagra pelos seus actos, que passo a ler uma proposta attinente a fazer prevalecer as aspirações que ficam esboçadas. A proposta é d'este teor:
PROPOSTA
São conhecidos o charlatanismo e a sofisticação prevalecentes em materia orçamental. Ás mais categoricas affirmações theoricas. tem correspondido, em regra, a mais contraditoria desillusão na pratica, postergando se, em todo o ponto, os preceitos constitucionaes consignados no artigo 7.º do Terceiro Acto Addicional de 3 de abril de 1896, assim concebido:
Artigo 7.° Nos primeiros quinze dias depois de ser constituida a Camada dos Deputados, o Governo lhe. apresentará o orçamento da receita e despesa do anno seguinte, ou propostas fixando as forças de terra e mar e a do contingentes de recrutamento da força publica. Quando, até o fim do anno economico, as Côrtes não hajam votado as respectivas leis, continuarão em vigor no anno immediato as ultimas disposições legaes sobre estes assuntos até nova resolução do poder Legislativo. Se, porem, as Cortas não estiverem abertas, serão extraodinariamente convocadas e reunidas no prazo de tres meses, afim de deliberarem exclusivamente sobre es assuntos de que trata este. artigo; fé estiverem funccionando, não serão encerradas sem haverem deliberado sobre o menino objecto, excepto sendo dissolvidas; no caso de dissolução serão convocadas e reunidos no prazo já indicado, em sessão ordinaria ou em sessão extraordinaria para o mesmo exclusivo fim.
A violação indubitabel d’esta doutrina, constitucionalmente fiscalizadora, — violação em que o rotativismo e o franquismo se entenderam á maravilha — produziu este phenomeno, fundamentalmente degradante para o regimen representativo: —o ultimo orçamento e concomitantes propostas de lei, fixando as forças de terra e mar e o contingente de recrutas — que obtiveram sancção parlamentar — corresponde ao anno economico de 1904-1905 Com este procedimento, positivamente de airada vida financeira, foram infringidos, alem do artigo 7.° supracitado, o artigo l5.° e seus §§ 8.° e 10.° da Carta Constitucional, cujo teor é o seguinte:
Artigo 15.° É da attribuição das Côrtes:
§ 8.º Fixar annualmente as despesas publicas, e repartir a contribuição directa.
§ 10.° Fixar annualmente, sobre informação do Governo, as forças de mar e terra, ordinarias e extraordinarias.
Contra tão nefastos processos, protestou com pertinacia, annos successivos, o abaixo assinado, e, designadamente, apresentando, nesta Camara, propostas de adequada repulsão, consoante consta das sessões de 5 de outubro de 1904 e de 2 de outubro de 1906. Estas duas propostas, cujo feitio regularizador de erros tão transparentes não admitte a menor objecção, jazem no limbo das commissões.
A folia rotativo-franquista assim o entendeu no seu desregrado norteamento, sem que ellas servissem, pelo menos, de incitamento futuro ao respeito pelas normas constitucionaes e parlamentares.
Pelo contrario, na vigencia franquista, a transgressão aggravou se, acobertada pela ingenita hypocrisia da seita, constante da lei dos duodecimos de 7-2-907, que, em logar de mandar applicar o dispositivo do orçamento, então vigorante, isto é, da 1904-1905, o que poderia, porventura, desculpar-se, determina tumultuariamente que se adoptem disposições sujeitas, ao tempo, á inicial apreciação da Camara Electiva. A limitação de que reza o diploma referido, expressada no n.° 3 do artigo 25.° da lei de receita e despesa de 24-11-904, não passa de ascessorio, com que se procurou attenuar o básico e revoltante atropelo orçamental, que fica patenteado. — De farisaicos atrentados d'estes que imprimem caracter, não existem precedentes conhecidos, em todo o globo terraqueo.
Attento o que succintamente fica exposto, apropositadamente vem recordar o artigo 139.º da Carta Constitucional, o qual estabelece:
Artigo 139.° As Côrtes geraes, no principio das suas sessões, examinarão se a Constituição politica do remo tem sido exactamente observada, para prover como for justo.
Ao abrigo do que fica exposto, estrictamente alvejando* neste momento, a gerencia financeira, reconhece esta Camara:
1. Que as successivas, para não dizer incessantes, infracções constitucionaes, em materia de tanta ponderação, impõem, numa urgica lei de responsabilidade ministerial, a adopção de penalidades severas para com os violadores dos artigos de legislação retro-transcritos, emquanto uma reforma medica da Constituição não providenciei por modo a evitar este e outros não menos deploraveis abusos.
2.º Que, nesta orientação, convém, sem delongas, estabelecer a reunião das Côrtes por direito proprio, — necessidade esta universal e plenamente reconhecida entre praxistas e cultores do systema representativo, e até pelo artigo 5.° da proposta e constitucional de 14 de março de 1900, de iniciativa progressista.
3.° Aguardando a legalização das medidas preconizadas nos dois numeros anteriores, é fio maximo interesse que a legislação vigente tenha, sem subterfugios de qualquer especie, integral e honesta applicação.
Não peço a urgencia d'esta proposta, comquanto-se possa considerar, pela sua urdidura, que ella é indubitavelmente importante. Nella se chama a attenção, para duas propostas similares que eu apresentei: — a primeira na sessão de 5 de outubro de 1904 e a segunda, na sessão de 2 de outubro de 1906. A primeira foi canalizada para o limbo, onde jaz, pelo actual Sr. Presidente da Camara. A segunda não faltou, tambem, enterro de primeira classe. Para que ellas tivessem, como tiveram, semelhante destino, basta recordar que ambas visavam a normalizar a existencia orçamental de rotativos e franquistas. Áquella que eu hoje mande para a mesa está reservada, por certo, identico futuro. Os habitos desgovernativos não mudaram. Continuam na ordem do dia.
Nessa convicção, fecho o parenthesis, que abri, para de novo versar a questão da ordem publica, conjugada com os atropelos e crimes de policia, civil e militar.
Neste norteamento, começarei por notar que, ha annos, procuro, pela propaganda legitima, introduzir novos costumes no viver policial. Assim o recordei na sessão de 10 de outubro de 1906, verberando o 4 de maio, e concomitantemente citei os termos textuaes em que me expressara, na sessão de 5 de setembro de 1905. Eil-os:
A policia, que devia ser instrumento de ordem e de educação social, exorbita, repetidamente, coiro o seu congenere — o Juizo de instrucção Criminal — tornando-se violenta e perigosa, quando devia ser prudente e paternal. Ao invés do que acontece na Gran-Bretanha, onde o agente policial desempenha, desarmado, as suas funcções, acobertado apenas pelo prestigio derivante da correcção com que procede; entre nós exhibe-se elle, com terçado e revólver, procurando impôr-se pelos processos aegressivos de que usa e abusa, sob a complacencia, se não com a instigação dos superiores.
As guardas pretorianas, os janizaros, e os mamelucos tiveram a sua epoca de celebridade na antiga Roma, na Turquia e no Egypto. Constituiam, por assim dizer, armas de dois gumes, que promoviam a desordem, como mantinham a ordem; que depunham os chefes de Estado, com a mesma facilidade com que os improvisavam.
Nos países sob o influxo da civilização moderna, não se admittem agremiações d'estas, qualquer que seja a denominação que se lhes dê, e muito menos que ellas tenham para dirigentes os officiaes do exercito, cuja missão é muito outra, sempre amoldada pelo brio, pela dignidade e pela compostura.
Com effeito, não é licito aos officiaes do exercito desempenhar o papel que estão desempenhando na policia. Um decreto dictatorial que ha de vir á discussão d'esta Camara, quando se tratar do bill de indemnidade, procura conservá-los naquelle exautorante desembargo, até generaes de divisão. Paralellamente, o juiz de instrução criminal poderá manter-se no antro da Bastilha até conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça. É demasiada tal pretensão, que importa a mais accentuada deprimencia para as duas instituições mais uteis á sociedade: — a magistratura e o exercito.
Se, por seu turno, lançarmos a vista pela Guarda Municipal, reconhecer-se-ha quanto ella se afastou dos moldes da correcção, no Porto, quando se deu o 1 de dezembro.
Por essa occasião, no dia 3 do mesmo mês, eu chamei d'esta tribuna, á autoria, o Presidente do Conselho da epoca, e exprimi-me pela seguinte forma:
«Infelizmente, a policia, tão mal educada entre nós, não permittiu que os acontecimentos deslisassem, sem ella affirmar a sua selvajaria. Isto é inadmissivel.
Pelo 4 de maio, só a policia de segurança e a preventiva operaram na façanha que é conhecida.
No Porto, houve, demais, a collaboração da Guarda Municipal, cujas estreitas afinidades com o exercito a deviam afastar de occorrencias d'essas.
O exercito deve, tanto quanto possivel,