SESSÃO N.° 3 DE 9 DE MAIO DE 1908 7
mostrar, pelos seus actos, a sua identificação com as outras classes sociaes, e manter-se afastado de compartilha em repressões, como as que se deram agora.
No Horto, ha um homem em perigo de vida e tres ou quatro individuos feridos por tiros da Guarda Municipal. Informações de diversa origem dão a conhecer que a Municipal não precedera dos tres avisos regulamentares o emprego que fez dos revólveres.
Depois do 4 de maio, ainda houve dois inqueritos comquanto fossem de pouca ou nenhuma autoridade os inquiridores escolhidos.
Agora é indispensavel que se corrija a falta que fica apontada, e que a syndicancia tenha por executores funccionarios indiscutivelmente, idoneos.
Se, ao contrario do que indica a boa razão, o Sr. João Franco appellar para outros processos, dá uma potente prova de que, como os seus antecessores, está diligentemente trabalhando para a liquidação do existente.
Os prenuncios, na verdade, são de imminente derrocada».
Os factos de todos conhecidos con firmaram a minha previsão, com a tragica liquidação do anterior reinado.
E todavia, renovam-se os erros da mais alta gravidade, procurando-se os mesmos putridos espeques que não pu deram amparar... o que já desabou.
Appella se para degenerados expedientes, em que a sinceridade é posta de parte, para dar logar a habilidades que tudo compromettem. A força, in convenientemente empregada, constituo um dos mais poderosos factores, para escandalizar e derruir.
A Bastilha, com as suas crueldades, e com o seu tratamento inquisitorial, é de molde a symbolizar o caduco regimen actual, cambaleante e a aluir-se.
Jacto-me de ter sido eu que chrismei o juizo de instrucção criminal, ao tempo installado na Calçada da Estrella, de Bastilha da Estrella.
A designação vulgarizou-se e conserva-se integralmente, depois da transferencia d'aquelle antro para a Parreirinha, onde ainda se mantem, como estigma imposto a este Pais.
Os dirigentes, que ali se teem albergado, nau valem mais uns do que os outros.
Ha quem peça a substituição d'elles, ha quem, nesse intento, indique nomes. Nunca tal fiz. O que reclamo desde 1902, em que assumi a autonomia politica em que me encontro, é a destruição d’aquella caverna, barbaramente medieval, verdadeiro flagicio de um povo que se preza.
Na actualidade e com a pretensão dos homens velhos, com os seus achaques igualmente de decrepitos, de se supporem susceptiveis de endireitar o que está torto, perco o meu tempo em recommendar liberdade, legalismo e compostura, como factores primaciaes, e unicos consentaneos com a existencia honesta de um povo.
A preferencia é dada, de ha longo tempo, aos chamados actos de força.
A hydra é cultivada a preceito, e empregada a esmo.
A hydra de Lerna havia quem attribuisse sete cabeças, nove, cincoenta, e até cem lhe foram arbitradas.
A hydra de sete cabeças pode considerar-se a progressista; a de nove, a regeneradora; a de cincoenta, a franquista; e a de cem, a concentrada, a vigente, a que tem excedido a todas em actos de vandalismo e em morticinios Haja em vista o occorrido em 5 de abril, e dias subsequentes.
Em Santos, em Alcantara e em Santa Justa as façanhas policiaes assombraram positivamente, pelo numero de victimas inermes que produziram. Aqui á mão, tenho o relacionamento dos quatorze mortos, produzidos pela selvajaria pretoriana, e todos elles pertencem á classe operaria, trabalhadora.
Os feridos contam-se por dezenas e dezenas, e em nenhum d'elles foi encontrada arma que pudesse desculpar a aggressão effectivada. Os opressores não apresentaram ferimentos, nem uma beliscadura sequer.
Operaram desalmadamente, a sangue frio e immolando victimas, cuja innocencia era manifesta.
Concomitantemente, nem a desculpa se pode adduzir de que, ás assembleias, foram as forças policiaes chamadas em observancia do decreto eleitoral de 8 de agosto de 1907, e que as descargas mortiferas foram precedidas dos toques e avisos regulamentares.
Em Santa Justa, no Rocio, a matança prolongou-se cerca de tres horas. Ninguem ouviu os tiros no quartel do Carmo, para que de ali saísse algum dos chefes a impor a ordem aos seus subordinados?
Ninguem os ouviu no Governo Civil, cuja acção se devia ter feito sentir por providencias prudentemente conciliadoras ?
Ninguem os ouviu no cominando da divisão, a dois passos do foco, em que operavam os pretorianos, que nem sequer pouparam os camaradas do exercito, dos quaes morderam a terra cinco soldados de infantaria 5?
Só tarde foram ouvidas as descargas successivas no commando da divisão, que interveio depois de as victimas serem aos cardumes.
Não ouviu as detonações incessantes, no Ministerio do Reino, o Sr. Presidente do Conselho? Ouviu. E a sua resposta lapidar consta da descaroavel nota officiosa nesse mesmo momento elaborada, e inserta nos jornaes do dia immediato. E d'este teor:
O acto eleitoral decorreu regularmente em quasi todas as assembleias da capital. O Governo tinha dado as mais terminantes ordens para que fosse assegurada a liberdade de voto em toda a parte. Alguns discolos provocaram eleitores monarchicas em Alcantara, o que determinou ali uma desordem prontamente reprimida.
Mais tarde, encerrado o acto eleitoral, tentaram os desordeiros promover disturbios e assaltar as urnas em Santa Justa e Santos. Foram dispersos. O Governo, em face d'estas repetidas provocações á desordem e ataque a força, tomou as providencias necessarias para assegurar firmemente a manutenção da ordem e regularidade do acto eleitoral. Estão dadas as mais terminantes instrucções para que hoje (6) seja assegurado a todos os eleitores a livre exercicio dos seus direitos.
Pungente ironia!
A nota officiosa condiz, em todo o ponto, com a sinistra ordem geral n.° 3 d =is guardas municipaes, de 14 de fevereiro de 1894, e cujo artigo 4.D é assim concebido:
Que esgotados os meios suasorios e quando as forças de infantaria, reconhecendo a ineficacia da arma branca, tenham de recorrer ao fogo, as poetarias sejam mandadas fazer ao centro do alvo, para que as munições não sejam perdidas e fiquem bem evidenciados os funestos resultados da desobediencia.
Já está cancelada esta ordem vergonhosa, exauctorante, das guardas municipaes, cuja urgica transformação em guarda civil mais uma vez recommendo?
Respondam o Sr. Presidente do Conselho e o Sr. Ministro da Guerra, que suo os directos responsaveis por uma tão odiosa excrescencia num regulamento de uma corporação policial, a qual devia primar pela prudencia e pelas formulas suaves.
Mas o seu silencio o indica: Não está, nem o estará. O seu desapparecimento do livro das ordens geraes não faria sentido com a impunidade de que desfructam os desordeiros mercenarios, que lêem por tão odienta e odiosa cartilha.
Se a justiça pautasse o procedimento dos dirigentes, quantos castigados não haveria já na policia, civil e militar, e sem distincção hierarchica!...
Não os ha, porem, nem os haverá. De longa data, os inquiridores e syndicantes são escolhidos entre os que deviam ser, em regra, inquiridos e syndicados, obedecendo essa preferencia ao evidente e degenerado proposito de irresponsabilizar criminosos.
Assim se vae preparando nova demolição, assim se renovam grosseiras artimanhas, cujo fraudulento desfecho não pode offerecer duvidas. E uma questão de tempo, mesmo de pouco tempo, se muito em breve se não mudar radicalmente de rumo.
Fazendo louvavel destaque d'este sinistro quadro, o exercito procedeu, com inexcedivel probidade profissional — convem recordá-lo — quando foi chamado a corrigir os desmandos da policia, a restabelecer a ordem, por ella sanguinolentamente alterada.
No dia 6 de abril, os discolos, recru-