CAMARA DOS DIGNOS PARES
EXTRACTO DA SESSÃO DE 9 DE JANEIRO.
Presidencia do Em.mo Sr. Cardeal Patriarcha.
Secretarios os Sr.s Margiochi
V. de Benagazil.
(Assistiam os Srs. Ministros da Justiça t da Marinha.)
Pelas duas horas da tarde, estando presentes 33 D. Pares, declarou o Em.mo Sr. Presidente aberta a Sessão. Leu-se a Acta da anterior contra a qual não houve reclamação.
Deu-se conta da seguinte correspondencia: Um Officio de 29 de Julho do anno findo, do Ministerio dos Negocios da Marinha e Ultramar, remettendo um authographo do Decreto das Côrtes, já sanccionado, que regula os emolumentos que devem pagar pelas suas patentes os Officiaes Militares do Ultramar. Para O Archivo.
-de 7 do corrente, do Ministerio da Guerra,
remettendo cinco authographos dos Decretes das Côrtes Geraes, já sanccionados:
Determinando qual o ordenado annual que devem ter, o Encarregado do segundo deposito do Arsenal do Exercito, e o Agente do mesmo.
Sobre a gratificação que deve abonar-se mensalmente, aos Commandantes dos Corpos, e das Companhias dos tres Batalhões de Veteranos.
Embelecendo uma gratificação ao Archivo da Repartição Central do Ministerio da Guerra.
Marcando a gratificação annual do Membro do Conselho de Saude do Exercito, que serve de Chefe da Repartição de Saude junto ao Estado Maior do Exercito.
Approvando a Tabella n.º 1, dos vencimentos annuaes, para os differentes empregos e exercicios, annexa ao Decreto de 20 de Dezembro de 1879, que reorganizou o Exercito.
-de 4 do corrente, do D. Par Albergaria
Freire, participando que em consequencia do seu
mão estado de saude não póde assistir, á Sessão Real da Abertura das Cortes, porém que se apresentará com a brevidade possivel.
A Camara ficou inteirada.
-de 7 deste mez, do Escrivão da Santa Casa
da Misericordia, remettendo 50 exemplares da Conta da gerencia da Commissão Administrativa, da mesma Casa, respectiva ao anno findo em Junho de 1850.
Mandaram-se distribuir.
-de 3 deste mez, de Antonio de Oliveira
Amaral Machado, remettendo exemplares de uma Memoria, e uma representação em que se queixa do Governo, por não lhe ter deferido convenientemente uma sua pretenção.
O Sr. V. de Benagazil participou á Camara, que, em consequencia da resolução que havia tomado na ultima Sessão, tinha ido cumprimentar o Sr. D. de Palmella, o qual agradecia á mesma Camara a honra que lhe fazia.
O Sr. Ministro da Marinha, por parte do Governo, leu e mandou para a Mesa a seguinte Proposta:
«O Governo, na conformidade do artigo 1.ª da Carta de Lei de 13 de Julho de 1849, pede á Camara dos D. Pares, que permitta que os D. Pares os Srs. D. da Terceira, C. de Semodães, B. de Monte Pedral, V. de Ovar, V. de Campanhã, V. da Granja, José da Silva Carvalho, V. de Laborim, Manoel Duarte Leitão, M. de Fronteira, D. Carlos de Mascarenhas, V. de Algés, B. de Porto de Moz, possam accumular, querendo, as funcções de seus cargos com as de Pares, por assim o exigir o bem do serviço publico, durante a presente Sessão. E que, pelo mesmo fundamento, possam estar ausentes durante a Sessão, e no exercicio de seus cargos e commissões os D. Pares C. de Villa Pouca, C. de Santa Maria, e C. de Casal. Em Sessão de 9 de Janeiro de 1851. = V. de Castellões.»
O Sr. C. de Lavradio — Julga escusado combater esta Proposta, de que prevê qual será o resultado; mas levanta-se para, segundo o seu costume, rejeitar este pedido, por ser contrario ás disposições da Carta Constitucional, como por vezes o tem mostrado. (O Sr. C. da Cunha — apoiado).
Havendo o mesmo Sr. Ministro requerido a urgencia, foi ella assim declarada por 19 votos, e logo depois approvada a Proposta por 17 votos contra 14.
O Sr. B. de Porto de Moz, por parte da Commissão Especial nomeada na ultima Sessão para examinar o requerimento do Sr. D. de Palmella, leu e mandou para a Mesa o Parecer da mesma Commissão.
Foi a imprimir para depois entrar em discussão, na conformidade do artigo 6.º da Lei.
O Sr. C. de Lavradio — Sente que não esteja presente o Sr. Presidente do Conselho de Ministros porque desejava annunciar-lhe uma interpellação, que se julga obrigado a fazer por causa do boato que ha tempo corre, e a que o D. Par não deve por ora dar credito, mas que, como tem produzido grandes e pessimos effeitos tanto nesta Capital, como em todo o Reino, exige que delle se tracte; e o Orador obrigado a defender e advogar aqui os direitos e interesses da Corôa e da Nação, deve averiguar até que ponto é verdadeiro esse boato, que se espalhou não se sabe de que. modo, de que o Real Palacio da Quinta do Alfeite tenha sido arrendado por cem annos; especie de arrendamento que importa o mesmo que um aforamento.
Se algum dos Srs. Ministros, que estão presentes, lhe podesse responder desde já, seria esse um meio de se saber o que ha de verdade neste boato; mas no caso contrario, pede á Mesa que faça saber ao Sr. Presidente do Conselho a intenção em que está de o interpellar sobre este importante objecto.
O Sr. Presidente — No caso dos Srs. Ministros não responderem queira o D. Par mandar a sua proposta por escripto para a Mesa afim de seguir os tramites do Regimento.
O Sr. Ministro da Justiça — O D. Par póde mandar para a Mesa a sua proposta de interpellação, porque os Ministros que estão presentes nada sabem do negocio a que o mesmo allude.
O Sr. C. de Lavradio — Isto convence-o da falsidade do boato friso): vai fazer por escripto a sua interpellação.
A Mesa apresentou o Parecer sobre a proposta do Sr. C. de Lavradio, que na Sessão anterior lhe fui enviada para esse fim, o qual é o seguinte:
Leu se na Mesa o seguinte Parecer n.º 274.
Senhores. — A Mesa, cumprindo vosso gratíssimo mandato, examinou a Proposta offerecida pelo D. Par C. de Lavradio, assignada pelos D. Pares V. de Algés, V. de Sá, D. da Terceira, C. da Cunha, V. de Benagazil; e declarada urgente e admittida por votações unanimes da Camara, e attendendo a especial consideração que merecem os relevantes serviços, e Ínclitas qualidades do nosso chorado Presidente, o Ex.mo D. de Palmella D. Pedro, julga que a Proposta é digna da approvação da Camara; e é de parecer que na Sala principal das conferencias dos D. Pares seja decentemente collocado e perpetuamente conservado o seu Busto com a seguinte inscripção:
monumento de gratidão, veneração, e saudade votado pela camara dos dignos pares na sessão de 9 de janeiro
de 1851.
Sala da Presidencia, 9 de Janeiro de 1851. = Cardeal Patriarcha, Presidente — Francisco Simões Margiochi = V. de Benagazil.
O Sr. Presidente — Como isto foi declarado urgente, parece-me estar no caso de ser desde já posto á votação.
Foi approvado unanimemente..
O Sr. V. d Fonte Arcada — Reflecte que desde que em Portugal lia Governo representativo foi costume inalteravel haver o que se chama Discurse da Corôa, onde 59 apresenta uma idéa geral do
estado do paiz, e dos negocios pendentes; formalidade a que se faltou este anno,. desprezando-se assim um costume tão util e necessario, e muito mais agora que ha graves assumptos que deviam chamar a attenção dos Srs.. Ministros, e leva-los a participarem ás Camaras quaes as medidas que tinham tomado, e quaes tencionavam tomar sobre os acontecimentos que estão tendo logar, e que o Governo deve não ignorar. Ha, por exemplo, a guerra declarada e imminente do Brasil com a Republica Argentina, facto que põe em grande risco o nosso commercio; porque uma das medidas que provavelmente ha-de tomar o Presidente daquella Republica, ha-de ser armar desde já em corso os seus proprios navios, ou passar cartas de corso a outros para armarem corsários, e fazerem todo o mal que poderem ao commercio do Brasil. Mas, este commercio, ponderou o N. Orador, está intimamente ligado com o de Portugal; e posto que seja quasi todo feito debaixo da bandeira portugueza com que os argentinos nada tem, comtudo os generos que na volta trazem do Brasil são todos de producção brasileira; e sendo ainda hoje uma questão indecisa se a bandeira cobre ou não a carga, por isso, ainda que os corsários não possam tomar os navios portuguezes, é possivel que, sob o pretexto de que conduzem generos pertencentes ao Brasil, lhes tomem as cargas com grave prejuizo do nosso commercio.
Referindo-se ás informações de pessoas competentes, observou que, tanto no Rio de Janeiro, como em todo o Brasil, é costume lançarem mão dos nossos marinheiros quando o Governo brasileiro precisa de marujos para as suas embarcações de guerra, em rasão da grande falta que tem de marinhagem: circumstancia esta que o No Par entendeu que devia ter despertado a attenção do nosso Governo para que não tractasse de resto uma questão em que vai o interesse das vidas e fortunas, que podem ser muito compromettidas; e lembrou quanto convinha mandar para aquelles mares uma força respeitavel que, protegendo o nosso commercio, podesse conjunctamente embaraçar o abuso das aprehensões de gente da tripulação dos nossos navios mercantes, a que acabava de referir-se.
Além deste objecto, que merecia a attenção do Ministerio, e que era bem digno de que se tractasse delle na Falia do Throno, considerou que ainda havia outros, de que mencionou a Lei Eleitoral, como devendo merecer um logar distincto naquelle documento, e tornava por conseguinte mui sensivel a sua falta.
No estado actual da Sessão, e quando estamos proximos a uma nova eleição, observou o D. Par que o Ministerio devia fazer todos os esforços para que o Paiz não ficasse privado por mais quatro annos de uma Lei de importancia tão inquestionavel, e que Ião reclamada tem sido não só pelo publico, cuja opinião está já bem formada a este respeito, mas por as proprias Camaras do Parlamento; razão demais para que o Ministerio empregasse os meios que tem á sua disposição para promover a discussão della na Camara a que está affecta, para que podesse passar ainda nesta Sessão: expressando-se neste sentido no discurso da Corôa, como o logar mais conveniente para esta declaração.
Ponderou mais que nada se sabia ácerca das reclamações dos americanos, cujo Ministro se ausentou; que é verdade que se dizia que o Governo algumas propostas tinha feito ao de Washington, mas que nada se sabe com certeza; pois se ignora se as negociações estão penitentes, ou seja se terminaram, e neste caso o Ministerio póde e deve vir communicar ás Camaras o seu estado eu resultado.
Taes são, no conceito do I 1 lustre Orador, os assumptos capitães sobre que o Ministerio se deveria ter explicado para satisfazer a anciedade publica; e comtudo elle procurou fazer com que passassem desapercebidos, e isto quando se diz que ha nesta Nação o regimen constitucional! E o mesmo se quiz fazer a respeito da grave desintelligencia que tem havido entro o mesmo Governo e a Direcção do Banco de Portugal, que se queixa de que o Governo tivesse querido applicar para um fim, sommas que por Lei estavam com outra applicação mui diversa: nem este objecto, aliás tão grave, intendeu o Governo que merecesse a sua attenção!
São estas as breves reflexões a que por agora se limitou o Orador, mas reservando-se a fazer em tempo mais opportuno uma interpellação ao Sr. Ministro da Marinha sobre as medidas que pertendia tomar para proteger o nosso commercio dos prejuizos que póde causar-lhe a guerra do Brasil com Buenos-Ayres.
O Sr. C. de Lavradio não póde deixar de apure as observações que acabou de fazer o Sr. V. de Fonte Arcada, as quaes são muito cheias de razão; porque, ainda que se não viollou preceito algum Constitucional em se faltar á formalidade de apresentar ás Camaras a exposição do estado do Paiz, é indubitavel que se faltou a um precedente, não só do nosso paiz, mas de todos os paizes constitucionaes, qual é o de dar o Governo conta ao Parlamento reunido, dos actos ministeriaes praticados no intervallo da Sessão; de lhe indicar as Leis que julga necessarias para o bom regimen do paiz, e finalmente mencionar a politica que pretende seguir; precedente que o N. Orador julga de grande conveniencia, tanto para o Governo, como para as Camaras, pois que assim sabem estas se o Governo continua a merecer a sua confiança, e aquelle fica sabendo se póde, ou não continuar a contar com o apoio dellas, e entrar affoutamente nas grandes questões, affouteza que é impossivel que tenha, supprimindo essa formalidade, quebrando esse precedente, e que se torna uma falta muito lamentavel, e ainda mais para esta Camara que para a outra. Alli, reflectiu o N. Par, appressam-se os Srs. Ministros a apresentara os seus relatorios, que com desconsideração notavel desta Camara não se dignam de apresentar nella, ainda que e de justiça dizer que excepções mui honrosas têm havido, e uma dellas a deu a Administração presidida pelo Sr. D. de Saldanha, que advertido por elle Orador desta falta immediatamente cuidou em a reparar. E aqui perguntou o D. Par, como podiam os Membros daquella Camara apresentar o seu juizo sobre os actos do Governo, quando lhes falta o meio de o poderem manifestar com acerto, e conhecimento desses actos? e comtudo isso é de absoluta necessidade, porque os Srs. Ministros carecem de saber qual 6 a opinião das Camaras e do paiz sobre a sua Administração, e está elle D. Par bem certo de que os mesmos Srs. Ministros se retirariam em paz das cadeiras que occupam, se soubessem que as Camaras não os apoiavam (riso); mas em fim não é possivel que o saibam; e como elle Sr. Conde quer que as cousas se façam com ordem, e nesta Camara até com gravidade, por isso lamenta que o Ministerio não seja o primeiro a procurar saber qual é a opinião que prevalece no Parlamento a respeito da sua politica.
Accrescentou o Orador, que o Sr. V. de Fonte Arcada muito bem tocou, os pontos principaes sobre que as Camaras tem de manifestar sua opinião a respeito dos actas do Governo, os que não repetiria para não perturbar por mais tempo a Ordem do dia; apenas julga necessario dizer alguma cousa de um a respeito do qual, por ser urgente e essencial, tantas vezes tem pedido que se tomem serias medidas, e neste anno até ao ultimo momento da Sessão ha de fazer quanto caiba em suas forças para que se decidi: porque considera uma vergonha para Portugal que, depois de um quarto de seculo de governo constitucional, ainda não tenha uma Lei de eleições, a primeira das Leis orgânicas de um Governo representativo; que depois de tantos annos ainda as eleições se façam por Decretos, que os Ministros estão todos os dias alterando para melhor se assegurarem do resultado das mesmas eleições; stygma que não recáe sómente sobre este ou aquelle individuo, mas sobre todos que se tem assentado naquellas cadeiras.
Assim, não lhe parece que se possa deixar completar o quarto anno desta legislatura sobressaltando na adopção de Lei eleitoral; que se consinta que as eleições, que são a cousa mais importante do Governo representativo, continuem a ser uma fabula por serem feitas por differentes Decretos, que tem produzido o que toda a Nação sabe — isto é, não estar verdadeiramente representada (Apoiados).
O N. Orador intende que, em quanto não houver uma verdadeira representação nacional, não poderá conseguir-se a união de toda a familia portugueza, e tudo quanto se fizer será o mesmo que edificar sobre arêa, pois não se poderá fazer o que o paiz quer e necessita, não se poderá satisfaze-lo: e como o seu desejo é que o paiz fique satisfeito, julga dever declarar que, posto não viesse preparado para entrar nesta materia, annuncia desde já que ha de fazer uma proposta para que se não vote Lei alguma do receita ou de despeza em quanto não fôr publicada a Lei das eleições (Apoiados); visto que um quarto da seculo é tempo mais que sufficiente para fazer uma Lei, que deveria ter sido a primeira occupação do Corpo Legislativo.
(Entrou na sala o Sr. Presidente do Conselho da Ministros.)
O Sr. Ministro das Justiças: — Se no intervallo das Sessões das Camaras tivesse havido factos importantes de que fosse necessario dar conta ás Côrtes, então o Governo seria o primeiro que se apressaria a dar conta desses factos por meio do discurso da Corôa: — mas, Sr. Presidente, nenhum facto importante occorreu, e a melhor prova, que posso apresentar desta verdade, são as observações feitas pelos D. Pares que acabaram de fallar, porque SS. EE. mesmo não citaram nenhum facto desses que se podiam classificar de importantes, e que por isso merecessem um discurso da Corôa. Cumpre-me, porém, responder a uma asserção produzida por um D. Par, que disse que este exemplo não tinha precedentes: — tem-os, Sr. Presidente, e o facto é, que em 1845 tambem não houve discurso da Corai. (Apoiados).
Agora mostrarei que os factos citados pelos D. Pares, não têm a importancia e que elles alludiram. Um delles é a Lei Eleitoral. Os D. Pares sabem muito bem, que pende na outra Camara um Projecto de Lei a este respeito, e sabem igualmente que áquella Camara pertence o dar-lhe seguimento, e em presença disto não sei eu como se possa sustentar que se não deve votar a lei da receita e despeza, sem que primeiro esteja votada a Lei Eleitoral. E, pergunto eu, qual é a lei que ha que obrigue a outra Camara a que vote por força aquella Lei? Que poder ha sobre a terra para obrigar a Camara dos Srs. Deputados a; fazer uma Lei de eleições? Hade por ventura o Governo empregar a força fysica para a obrigar? Não. O Governo só póde empregar a força moral, e esta hade empregar o Governo, e todos os meios que estiverem ao seu alcance para que a lei seja votada: — mas se o não fôr a culpa não está delle.
Outro assumpto em que se tocou, é a guerra que existe entre o Imperio do Brasil, e os Governos do Rio da Prata a este respeito direi, que esse assumpto tem merecido a attenção do Governo, e hade continuar a merece-la, porque elle não desconhece a sua gravidade, e importancia. Em quanto, porém, ás reclamações, americanas, observarei que as negociações a tal respeito estão ainda pendentes, e por isso o Governo não póde ainda dar dellas conta ás Côrtes. Pelo que pertence ao Fundo especial de amortisação, já deste assumpto se deu conta á outra Camara, e lá se apresentou a proposta de Lei que o Governo entendeu necessaria, o qual logo que esteja impresso, o que conto será dentro de poucos dias, será distribuido nesta Camara. São estes os pontos em que tocaram os D. Pares, a respeito dos annos queriam se fizesse um Discurso da Corôa