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N.º 4

SESSÃO DE 11 DE JANEIRO DE 1881

Presidencia do exmo. Sr. Duque d'Avila e de Bolama

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. - A correspondencia é enviada ao seu destino. - São remettidas á commissão de verificação de poderes as cartas regias elevando ao pariato os srs. Ferreira Lapa e Pires de Lima.-Considerações do digno par, O sr. Miguel Osorio, ácerca da necessidade de acabar com as loterias. - O digno par o sr. Camara Leme apresenta a carta regia elevando á dignidade de par o sr. Ponte e Horta. - Discurso do sr. marquez de Vallada. - O sr. presidente declara que vae remetter á commissão de verificação de poderes a carta regia elevando á dignidade de par o sr. Henrique de Macedo. -Ordem do dia: Discussão do parecer n.° 138 do projecto em que o governo fica auctorisado a mandar cunhar uma medalha como premio aos individuos que façam assignalados serviços na Africa, e a conceder uma pensão aos agraciados com essa medalha. - Considerações e discursos dos dignos pares os srs. Mello Gouveia, Corvo, ministro da marinha (visconde de S. Januario), marquez de Sabugosa, Fontes Pereira de Mello, ministro da guerra (José Joaquim de Castro), e Barjona de Freitas.

Ás duas, horas e um quarto da tarde, sendo presentes trinta e cinco dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Um officio da exma. sra. duqueza de Saldanha, agradecendo o voto de sentimento que a camara, na sessão de 5 do corrente, mandou lançar na acta pelo fallecimento de seu esposo o digno par do mesmo titulo; outro da exma. sr. viscondessa de Fonte Arcada, fazendo igual agradecimento.

Ficou a camara inteirada.

Outro da direcção do monte pio official, remettendo uma representação contra o projecto de lei n.° 91 da camara dos senhores deputados, que torna extensivas as disposições da carta de lei de 1 de abril de 1877 aos officiaes effectivos ou reformados da corporação da armada.

Foi remettida ás commissões de fazenda e marinha.

(Estiveram presentes os srs. presidente do conselho, e ministros da marinha, guerra, fazenda, e obras publicas.)

O sr. Placido de Abreu: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre, se permitte que a representação que acaba de ser lida seja publicada no Diario do governo.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam o requerimento, do sr. Placido de Abreu tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

Continuou o sr. secretario a ler a correspondencia.

Outro do ministerio da guerra, remettendo os autographos dos decretos das côrtes geraes sob os n.ºs 10, 20, 21, 43,51, 59, 60, 61, 62, 63;e 64, que depois de sanccionados por Sua Magestade El-Rei foram convertidos em lei do estado.

Para o archivo.

O sr. Conde de Castro: - Participo a v. exa. que a commissão de verificação de poderes se acha constituida, sendo o seu presidente o sr. Vicente Ferreira de Novaes, e eu secretario.

O sr. Presidente: - Estão sobre a mesa duas cartas regias que elevaram á dignidade de pares do reino os srs. Pires de Lima e Ferreira Lapa. Essas cartas vão ser mandadas á commissão respectiva.

O sr. Miguel Osorio: - Sr. presidente, desejo, renovar um pedido que todos os annos tenho feito n'esta casa. É quasi uma rabugisse de velho, e como tenho já meio seculo de idade e sou um dos pares mais antigos d'esta casa, não admira que as tenha, e por isso peço aos meus collegas que me desculpem. Refiro-me á necessidade absoluta, para moralisação do povo, é para a sua economia, da suppressão das loterias. Debalde crearemos caixas economicas e sociedades cooperativas se não procurarmos os meios de fazer com que o povo, seja economico; debalde uma nação procurará enriquecer-se com grandes emprezas se o povo não tiver a virtude da economia, e por ella procurar o seu bem estar e o da sua familia; as condições sociaes não se alterando, a nação não poderá progredir. Não são as grandes fortunas que fazem a felicidade dos povos, posto que sejam a manifestação da riqueza das nações, porque essa felicidade só a podem obter quando os seus membros são economicos; da economia vem a morigeração dos costumes e o amor da familia; póde-se-lhe chamar manifestação pratica da moral.

Nas sociedades modernas as classes menos abastadas são attrahidas constantemente para o luxo pela barateza da generos, e, tanto mais, por isso que, procurando trabalho nos grandes centros sociaes, ahi se desvairam pelos commodos e prazeres que as grandes cidades offerecem; apresentaes-lhe, como nós fazemos em Lisboa, o engodo de quantias que o jogo lhes póde offerecer, e meditae por um pouco, quaes serão as consequencias funestas de um tal facto. É claro que muitas das quantias applicadas ao jogo são tiradas das economias domesticas; mas, sr. presidente, hoje não é só á loteria da misericordia de Lisboa aonde o povo vae sacrificar as suas economias; não é só tambem á loteria de Hespanha, porque temos agora, alem d'estas, a loteria de Hamburgo, e ultimamente a do Brazil.

Emquanto, nós tivermos como fonte de recursos para a caridade, e como percentagem para o estado, a loteria da misericordia de Lisboa, serão inefficazes todas as diligencias das auctoridades administrativas, que têem, com grande louvor, procurando cohibir o commercio das loterias estrangeiras. Essas auctoridades teem reconhecido a impossibilidade de obstar á introducção no paiz dos bilhetes das loterias estrangeiras. Emquanto existir a loteria official baldados serão todos os esforços nesse sentido.

Eu bem sei que mesmo depois de acabada a loteria portugueza apenas se póde obstar a venda em publico dos bilhetes das loterias estrangeiras, e que difficilmente sé poderá impedir que cada um os mande vir em carta fechada; este facto, porém, já não tem consequencias tão funestas, porque já não actua nas classes menos abastadas.

Desde que um estimulo constante está impellindo a povo para aquelle desgraçado caminho, mais graves se tornam as suas circumstancias.

Eu não quero cansar a camara por muito tempo com a exposição de factos que os meus collegas conhecem perfeitamente, e por isso vou concluir o que tinha a dizer.

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É certo que ninguem contesta o grave perigo oro resulta da permanencia de um jogo que excita a toda a hora o pobre a gastar o que lhe é tão necessario para occorrer ás necessidades inadiaveis da vida, e até o póde levar a praticar actos menos licitos.

Estes excitantes á corrupção vão desenvolvendo em larga escala a desmoralisação das classes pobres, que mais carecem da moral e da economia para resistirem a tantas eventualidades de que está cheia a vida de todos, e muito mais a d'elles.

O governo que olhar para o bem estar das classes desvalidas, cumpre o primeiro dever da sua missão.

Diz-se, e estar reputo eu uma suprema immoralidade, que o governo não póde prescindir do rendimento que d'ali lhe provem; porque é necessario que se diga e saiba, que por aquelle meio immoralissimo, não só se soccorre o indigente, no que eu não acho desculpa para emprego de taes meios, mas ainda o estado se vae locupletar, pois tira uma percentagem das loterias; e digo, sr. presidente, que nem a caridade peide ser emprego de taes meios, porque se assim fosse, caíamos na immoralissima maxima, de que os fins Justificam os meios, e a qualquer seria licito roubar para fazer esmolas.

Mal vae ao estado que hesita em supprimir um rendimento que se obtem á custa de um acto de immoralidade. Acredito muito na tendencia benefica do nosso povo, e por isso creio que a misericordia de Lisboa acharia meio de resarcir o prejuizo que lhe resultaria da privação de rendimento das loterias, e que a caridade publica iria em seu auxilio; e, se não immediatamente, pelo menos em breve tempo aquelle estabelecimento achar-se-ia em circunstancias de não sentir esse prejuizo.

A proposito do espirito beneficente do nosso povo, peço licença para apontar um facto que se passou em Coimbra, e que mostraria bem o que entre nós é a caridade, se não estivesse assas demonstrado por numerosas provas, taes como a creação de varias instituições, e em especial das misericordias, que tem um tão pronunciado cunho de caridade, instituição creada ou antes inventada em Portugal; e, tão bem organisadas foram, que têem podido acompanhar sem embaraço os differentes estados da sociedade no seu natural desenvolvimento.

O facto a que me quero referir é o seguinte: em Coimbra, por occasião da feliz acclamação do Senhor Do Pedro V, a auctoridade administrativa lembrou-se de reunir no governo civil as pessoas mais importantes ca cidade, a fim de se determinar quaes os festejos que se deviam fazer para celebrar aquelle feliz acontecimento. Os individuos presentes a essa reunião lembraram-se, para inaugurar um reinado tão auspicioso (que infelizmente o não foi pelo pouco que gosámos da existencia d'aquelle bondoso monarcha, tão digno da nossa veneração e do nosso respeito), lembraram-se digo, de que, em logar de se despender o dinheiro em foguetes e em outras demonstrações sem utilidade real, se preferisse celebrar o facto creando um asylo de mendicidade.

Esta idéa foi approvada, mas os meios escassearam. Muito póde, porém, a boa vontade. E cem a pequena quantia que se juntou para esse fim, a qual foi apenas de 200$000 réis, inventou-se eu fingiu-se um asylo de mendicidade em Coimbra, seja-me permitido assim dizer, porque com taes meios se não póde usar de outra expressão mais propria. Para este fim pedia-se uma casa emprestada, onde se asylaram doze pobres, que foram vestidos o alimentados por algum tempo com aquelles poucos meios.

Assim se manteve muito tempo aquelle estabelecimento de caridade; sem grande desenvolvimento, mas sem falta de meios; foi prosperando pouco a pouco, de modo que já hoje terá casa propria, a qual custou 12:000$000 réis, e possue alem d'isso nada menos do 30:000$000 réis a 40:000$000 réis em outros valores.

Isto é um acontecimento notavel n'uma terra onde as fortunas não são grandes, e creio que é um exemplo de quanto podem em Portugal prosperar, sem auxilio de meios extraordinarios, as instituições de beneficencia. Não será pois arriscado suppor que a misericordia de Lisboa, mudado o seu systema de administração e entregue como as outras do reino á sua antiga organisação, achará compensação ao prejuizo resultante da suppressão das loterias. Em todo o caso se não poder amparar os desgraçades com o mesmo desenvolvimento, não me parece que seja plausivel que o faça á custa da corrupção dos costumes e do peculio economico das classes baixas.

O governo tem olhado seriamente para a organisação da fazenda publica; o governo tem, é verdade, reconhecido a necessidade de promover e melhorar o desenvolvimento das classes laboriosas; mas de que valerá isso tudo se não procurar extirpar o incentivo constante ao jogo?

Eu não sei se o sr. ministro da fazenda e os seus dignos collegas estarão dispostos a olhar, com a seriedade que merece, para este importante assumpto. Sentirei se o não fizerem, pois desejaria que a minha voz, desattendida sempre por todos os governos, fosse attendida pelo actual gabinete, não para me lisonjear individualmente, mas para poder ter a satisfação de ver triumphar um principio de moralidade.

Repetindo mais uma vez o meu pedido, cumpro um dever de consciencia, e ficando bem com ella dou-me por satisfeito.

Besta-me apenas, sr. presidente, pedir a v. exa. e á camara que me relevem o tempo que tenho occupado a sua attenção, e agradecer-lhes a benevolencia com que m'a concederam.

O sr. camara Leme: - Sr. presidente, mando para a mesa a carta regia que eleva ao pariato o sr. Ponte e Horta, Aproveitando o estar com a palavra, mando tambem para a mesa o seguinte requerimento, em additamento a outro que já apresentei.

(Leu.)

O sr. Presidente: - A carta regia vae ser remettida á commissão respectiva.

Leu-se na mesa o requerimento do sr. Camara Leme, que e do teor seguinte:

Requerimento

Sm additamento ao requerimento que tive a honra de apresentar á camara na ultima sessão, requeiro que se peça ao governo, pelo ministerio da guerra, que remetta com urgencia a esta camara copia da informação ou parecer do chefe da primeira repartição do ministerio da guerra, ácerca da ultima promoção na arma de engenheria, de que trata a ordem do exercito n.° 14 de 9 de julho de 1880.

Sala das sessões da camara, 11 de janeiro de 1881.= O par do reino, D. Luiz da Camara Leme.

Mandou-se expedir.

O sr. Sousa Pinto: - Sr. presidente, mando para a mesa os tres seguintes requerimentos.

(Leu.)

Levam-se, na mesa os seguintes

Requerimentos

1.° Requeiro que, pelo ministerio da guerra, seja enviada a esta camara uma nota das entregas feitas pela direcção geral de artilheria ao ministerio da fazenda, de polvora vendida nos annos de 1875-1876, 1876-1877, 1877-1878, 1878-1879 e 1879-1880, bem como da vendida no 2.° semestre de 1880,

Igualmente remetta a relação das localidades onde havia commissarios ou estanqueiros vendendo polvora do estado, referida a data anterior á publicação do regulamento de agosto de 1880, para execução da lei de 23 de junho de 1879, que tornou livre o fabrico e commercio da polvora.

11 de janeiro de 1881. = A. F. de Sonsa Pinto.

2.° Sequeiro que, pelo ministerio do reino, seja enviada a esta camara a relação, por districtos administrativos, das

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localidades em que, na presente data, se fabrica polvora, e d'aquellas onde se estabeleceram depositos de l.ª, 2.ª e 3.ª categoria, bem como d'aquellas onde se vende polvora de fabrico particular ou do estado.

Igualmente uma nota das importancias cobradas de licenças em cada um dos districtos, tanto com relação ás fabricas onde se manufactura a polvora, como ás casas ou depositos onde se vende.

11 de janeiro de 1881.= A. F. de Sousa Pinto.

3.° Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, se envie a esta camara nota da quantidade de polvora despachada em cada um dos annos civis de 1878, 1879 e 1880, e a importancia dos direitos recebidos, bem como declaração do destino d'essa polvora, e em que condições de acondicionamento foi admittida a despacho.

11 de janeiro de 1881. = A. F. de Sousa Pinto.

Fazendo este pedido, desejo formar a minha opinião a respeito d'esta lei, e das vantagens que ella proporciona ao estado, pois desejo saber se a venda e fabrico da polvora tem trazido as vantagens que o sr. ministro da fazenda e a commissão nos fizeram antever.

O sr. Marquez de Vallada: - Sr. presidente, são muito louvaveis os desejos manifestados pelo nosso collega o digno par sr. Miguel Osorio, nem podia s. exa. esperar de mim uma proposição contraria, pois que, já em tempo que não vae longe, eu fallei sobre o assumpto, sendo então governador civil o sr. Camara Leme e ministro do reino o sr. Sampaio.

Muito estimarei que os votos patrioticos e moralisadores do digno par sejam ouvidos pelo governo; se esses votos fossem apresentados por mim, é provavel que não fossem ouvidos com a mesma benevolencia. Entretanto, aonde quer que eu esteja, seja qual for o campo em que milite, estou sempre prompto a secundar os desejos de todos os homens de bom aviso. Vou, porém, mais longe ainda do que s. exa.; não me limito só a combater as loterias, que condemna, como estou certo tambem que as condemna o proprio sr. ministro da fazenda, apesar do que por ellas se obtem para a beneficencia. Vou, pois, mais longe, e, ampliando o pedido do digno par, peço licença para o tornar extensivo ao jogo em geral.

É necessario tomar providencias contra este mal geral. Vejo nos jornaes que no districto de Vizeu, por exemplo, não ha para o jogo sómente liberdade, mas uma verdadeira licença. Dá-se isto n'um districto aonde a auctoridade administrativa é de toda a confiança do governo; admira, pois, que não tenha sido possivel extirpal-o ali. O sr. D. Luiz de Carvalho pôde acabar com elle em Lisboa. Ora, se póde acabar na capital, parece impossivel que este governo de moralidade, que este governo, que veiu expressamente ao poder para revolver a fecunda terra, o não podesse ainda acabar nos outros districtos, e particularmente n'aquelles em que as auctoridades administrativas são tanto da sua confiança.

O que é feito, pois, dessa apregoada moralidade? Não vae ainda longe o dia em que o sr. ministro da fazenda nos ameaçava, aqui n'esta casa, com o cumprimento do seu programma.

ntão não recueis. Não peço o cumprimento do vosso programma, porque não pertenço ao partido progressista; mas estou no meu direito de perguntar porque não cumpristes as vossas promessas? Tinheis obrigação de cumprir, uma vez que promettestes, assim como tinheis obrigação, uma vez que accusastes, de provar as vossas accusações - essas accusações gravissimas que fizestes contra os vossos adversarios, contra homens publicas de primeira ordem, collocados na primeira plana da administração do estado, que poderiam ter praticado erros, mas que vos não poderieis, sem o provar, accusar do modo por que o fizestes, e tendes deixado fazer sem tomar a responsabilidade d'essas accusações.

Porque não publicastes o resultado dos inqueritos ás secretarias?

É porque partidarios vossos se acham incluidos na responsabilidade de factos que esses inqueritos descobriram. Ameaçastes-nos com o cumprimento do programma do partido progressista, e recuastes tambem n'essa parte, e deixaes agora accusar o sr. Rodrigues Sampaio de ter enfiado, quando ministro do reino, para a secretaria da guerra 34:000$000 réis, e que essa quantia se desviou. Mas se o facto é verdadeiro, porque não publicaes as provas, porque não vem á luz o que resultou dos inqueritos a que fiz referencia?

Outra accusação que os vossos jornaes publicam é que no ministerio da guerra se despenderam 1.700:000$000 réis, sem haver documentos que justifiquem esse dispendio; mas porque não provaes tambem esta accusação, porque occultaes o que se apurou do inquerito á secretaria da guerra?

É assim que daes cumprimento ao vosso programma.

Verdade é que vós fazeis distincção entre o programma do governo e o programma do partido progressista; esta distincção parece-me, porém, pouco plausivel, ou antes pouco acceitavel, e sinto ver que homens como o sr. Braamcamp, que estão a fallar aqui sempre no seu partido, não tomem a responsabilidade dos actos d'esse partido.

Portanto confio muito nos desejos altamente patrioticos do digno par o sr. Miguel Osorio, mas não confio nada que o governo satisfaça a esses desejos.

Entendo tambem que o jogo das loterias deve ser condemnado; assim como outros jogos illicitos que se estão fazendo por toda a parte, á face das auctoridades d'este governo, que veiu para tudo reformar, mas apenas tem reformado uns pobres homens do povo, tirando-lhes uns poucos vintens que ganhavam nas secretarias do estado, ao mesmo tempo que tem despachado muitos dos seus partidarios, enchendo as repartições de empregados.

O que censuravam aos seus adversarios é o que estes ministros têem posto agora em pratica, e quando se lhes pede a responsabilidade da falta do cumprimento das suas promessas, ou a prova das accusações que fizeram, calam-se, ou acobertam-se com as responsabilidades de outrem.

Mas é preciso que tudo se ponha a claro, e por isso não deixarei de instar que se publiquem os inqueritos ás secretarias, e que o governo se não acoberte com o sr. Mártens Ferrão. Ha dois cavalheiros n'este paiz que se não existissem era preciso invental-os, porque são dois auxilios muito necessarios e prestantes para o governo. Esses cavalheiros são os srs. Mártens Ferrão e Manuel Vaz Preto Geraldes.

Se se trata de nomeações de empregados, diz-se logo: houve mais n'outros tempos, e cita-se o nome do sr. Vaz Preto.

Ha papeis nas secretarias que se prometteu que appareceriam e que não apparecem! Foram para o sr. Mártens Ferrão consultar, como se o sr. Ferrão tivesse alguma cousa com a publicação d'esses papeis!

Tristes são estes expedientes, e mais triste é haver um partido que não tem chefes quando é preciso tornar a responsabilidade das accusações que fazem, os seus jornaes! Ainda ultimamente mandastes accusar o sr. duque d'Avila de ter escripto uma carta irrespeitosa ao chefe do estado, e ainda não ha muito enchieis de elogios este eminente estadista!

Lisonjeia-se o sr. duque d'Avila quando parece que ha alguma cousa a ganhar com isso; mas injuria-se o sr. duque d'Avila n'outras occasiões, mesmo quando para seus agentes de confiança nomeava muitos dos seus amigos politicos.

E não só o injuriavam a elle, porque ao mesmo tempo que diziam que eram um partido forte, insultavam o sr. Fontes e faziam-lhe a guerra mais affrontosa; já que não podiam demonstra a sua força por outra fórma, queriam ao

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menos ter o beneficio da accusação, - queriam ser herdeiros a beneficio de inventario.

Comtudo, os srs. ministros não tomam os encargos do seu partido, nem das injurias por elle assacadas, porque se é verdade que tudo se póde dizer n'um systema liberal e de publicidade como o nosso, tambem é herdade que se póde fallar e escrever sobre tudo e sobre todos de modo que se não offenda.

Ameaçavam tudo, ameaçavam tambem a camara dos pá rés, e por isso eu dizia então ao governo: Sereis vós o marechal d'Angerau, sereis Bonaparte no XXVIII Brumario ou sereis Cromwell?! (Apoiados.)

Sr. presidente, eu digo tudo porque não sou cortezão e porque não me bandeio com os que se apoiam nos applausos e assuadas das galerias.

Entendo comtudo que se não deve atacar o soberano na sua vida particular; porque o soberano, como toda a outra gente, tambem tem a sua vida particular, e mais respeitavel ainda porque se não póde desaffrontar como outra qualquer pessoa.

Sr. presidente, eu não tenho a honra de pertencer a nenhuma das commissões d'esta camara, porque os srs. ministros tiveram a bondade de me excluir, emquanto que sr. Fontes, sabendo que eu era opposição, praticou exactamente o contrario.

O partido progressista porém não tem nada de tolerante, porque é progressista só no nome, e diz a respeito dos outros partidos tudo que lhe vem á bôca, como disse a rés peito do partido do sr. duque d'Avila,-que era um par tido que dava vontade de rir. Quem o disse foi o redactor de um jornal amigo do governo, o Commercio de Portugal.

Já que se alludiu a negocio que tem relação com a politica, e este de certo a tem, e como eu disse, fundado nos factos, e só nos factos, que não me animava a esperança em melhoramento algum d'esta ordem, por isso, secundando os votos do sr. Miguel Osorio, entendo dever exprimir as rasões que me determinam a fallar assim.

Gruizot, e este nome, se bem que não é de nenhum progressista nem de homem pertencente ao nosso paiz, creio que póde ser citado, Guizot, embora conservador e tivesse praticado erros no ministerio da monarchia de julho, escrevia na Revue des deux mondes, em julho ou agosto de 1856 um artigo sobre a caridade. "Á caridade, dizia elle, é preciso dar-se completa liberdade e ao mesmo tempo a fiscalisação administrativa."

Eram estas as idéas de mr. Guizot.

As misericordias são uma grande instituição, uma instituição verdadeiramente portugueza, e que acredita e honra o nosso antigo patriotismo e a manifestação das nossas crenças humanitarias ou de caridade. Empreguemos a palavra caridade, que ella não está ainda proscripta nem dos nossos codigos, nem dos nossos bons livros, nem dos nossos costumes.

Por isso eu digo tambem: Á caridade é preciso dar-se ioda a liberdade, mas ao mesmo tempo é preciso que as auctoridades a fiscalisem de modo que os legados que os nossos antecessores deixaram em seus testamentos para misericordias e hospitaes sejam applicados em beneficio do povo e só do povo, porque os ricos não carecem da protecção d'esses estabelecimentos.

Os homens menos abastados, os operarios cada vez mais carregados de tributos, esses que não podem fazer economias, esses, sim, precisam-n'a.

Os operarios têem sido joguete de todos os que se aproveitam d'elles nos dias da adversidade para depois os desprezarem nos dias de fortuna e gloria; mas hão de desenganar-se.

Assim como devemos dizer a verdade ao rei, devemos igualmente dizel-a ao povo.

É preciso fallar com desassombro. As misericordias têem ervido de arma politica. Tomam-se ou não se tomam contas ás administrações das misericordias e dos hospitaes, conforme servem ou deixam de servir aos interesses dos influentes eleitoraes dos governos.

Quando tive a honra de merecer a confiança do nobre duque d'Avila, sendo nomeado governador civil de Braga, não appellei para partido algum, appellei para o povo que é quem eleve merecer mais consideração da parte da auctoridade; os poderosos não a precisam, esses defendem-se a si.

O pobre que não tem caldo, o operario que não póde ter o aninho da familia nem os carinhos de alguem, e que muitas vezes se vê abandonado de todos, precisa do abrigo da caridade, e esse abrigo é o hospital.

Cumpro que se falle esta linguagem verdadeira, a linguagem que deve empregar o representante do povo, quer n'esta, quer n'outra casa do parlamento, porque nós, tanto n'esta como na outra casa do parlamento, representâmos os interesses populares.

A responsabilidade dos actos praticados nas eleições cabem quasi sempre ás auctoridades, que, para obterem votos, não põem duvida em proceder menos regularmente, dizendo depois que a representação nacional está perfeitamente representada, e que a liberdade da uma foi completamente mantida. Ora, isto não é assim, e por isso digo que não sei quando teremos eleições verdadeiramente genuinas e que sejam a expressão sincera da vontade dos povos.

Sr. presidente, penitenceiem-se os srs. ministros, e entendam que a verdade é uma só, tanto quando estão os regeneradores no poder como quando sáem.

Esta é que é a verdade. Portanto, se o governo pensa, ou tem tempo para pensar na caridade, proceda a um inquerito, como eu já tive occasião de propor quando estive administrando o districto de Braga. E o sr. visconde de S. Januario, que apesar de ser ministro, não deixou comtudo de ser meu amigo, comquanto s. exa. pertença ao partido progressista, a que eu não pertenço nem espero pertencer; s. exa., digo, a quem tenho sempre feito justiça, como desejo fazel-a a todos, e que conheço ha muitos annos como um distincto cavalheiro, sabe perfeitamente o valor dos bens pertencentes ás confrarias e misericordias que existem no districto de Braga. Eu, quando ali estive, tratei sempre de cumprir o meu dever; não quero elogios por isso.

E o sr. Braamcamp, apesar de ser meu adversario politico, veiu a esta camara, e fez-me justiça, que lhe agradeci, pelos serviços que eu tinha prestado como governador civil de Braga.

Com relação aos hospitaes, creio que o sr. marquez de Sabugosa se lembrará de uma composição que ha muitos annos se fez com o hospital de S. José. Essa composição foi de 30:000$000 réis, e foi feita em consequencia de uma denuncia.

Aqui está tambem o sr. Carlos Eugenio de Almeida, actual provedor da casa pia, filho de um digno par de quem fui amigo, e que por muitos annos exerceu aquelle cargo, que de certo sabe que eu muitas vezes aqui disse, como ligo agora, que d'este estabelecimento de beneficencia se podia tirar grande proveito, porque podia ser uma escola de artes e officios.

A este respeito farei mais largas considerações quando se tratar mais detidamente da beneficencia publica.

Os srs. ministros, excepto o da guerra, que me conhece ha pouco tempo, sabem perfeitamente que eu tenho trabalhado e lido bastante, e que, portanto, conheço o que se em feito nos outros paizes a respeito de beneficencia. E agora lembro-me, por acaso, do que se fez ha muitos annos sobre este assumpto em Vienna de Austria.

Tenho lido e trabalhado muito, porque entendo que os homens que têem assento n'esta casa, quando discutem, e guando votam, devem ter conhecimento da materia de que se trata.

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E esse trabalho a que me dei não foi só conscienciosa, mas voluntariamente, porque folgo muito com a leitura dos bons livros, e da historia do passado, porque com ella aprendo a conhecer o presente e a poder determinar o futuro.

O governo que nomeou tantas commissões que nada fizeram, poderia ter nomeado mais uma para tratar d'este assumpto, e não lhe faltavam elementos de entre as summidades do seu partido, umas que têem sido auctoridades e outras que o são, e que poderiam discutir este assumpto, habilitando é governo a apresentar um projecto de lei sobre beneficencia.

V. exas. leram, de certo, o relatorio muito celebrado de mr. Thiers, que tanto deu que fallar na França, e que eu tive a honra de ler antes d'elle ser publicado, chegando-me ás mãos uma copia, quando foi lido na presença de muitos homens eminentes da França, taes como mr. Montalembert e mr. de Fallon, e outros.

O governo, publicou uma portaria em que o sr. José Luciano promettia fazer grandes economias e pôr as cousas a claro, para que o povo se preparasse para supportar os tributos, porque para outra cousa não foi essa portaria publicada.

A verdade, porém, é que o povo o que sabe é que tem de supportar o peso, e nada pequeno, dos tributos já votados.

Sr. presidente, se os regeneradores estivessem, no poder, e praticassem os actos que este governo está praticando, seriam logo julgados e accusados como esbanjadores; mas o governo progressista não quer ser assim considerado, embora o sr. Saraiva de Carvalho, o ministro mais liberal do governo, posto que elles sejam todos liberaes, fizesse a reforma do correio, tão dispendiosa e condemnavel!

Mas nada se póde fazer que não se diga logo, é a politica; pois o que é a politica?

Não é o aggregado das relações do povo para com o povo, dos governos para com as nações, para a salvaguarda dos interesses legitimos?

É verdade que ha interesses legitimos e illegitimos, e não são os primeiros que são por todos respeitados.

Eu, sr. presidente, sem querer praticar uma grande liberdade christã, não cheguei ainda ao grau de virtude de me julgar em logar inferior em conhecimentos a muitos amigos, do governo; ainda me não acostumei, nem me parece que me acostume a julgar-me assim, e Deus queira que essa virtude venha, mas por emquanto ainda não me chegou, porque com a lucta dos livros é que eu... perdão, sr. presidente, chega o sr. Saraiva de Carvalho.

(O sr. ministro das obras publicas entrou na sala.)

Como o sr. ministro das obras publicas, o mais liberal de todos os ministros que se sentam actualmente n'aquellas cadeiras, acaba de chegar, e não me parece, que lhe faça offensa, porque s. exa. é essencialmente liberal, e mesmo até bastante liberal; como, repito, vejo chegar s. exa. e como eu tinha alludido a s. exa. ha pouco, renovo agora as palavras que tinha proferido na sua ausencia.

Como eu ía dizendo, sr. presidente, o ministerio de que s. exa. é a alma, e que pregava as economias nos meetings e em toda a parte que pelos seus actos fazia ver que vinha reformar tudo, esse ministerio, sob a responsabilidade do sr. ministro das obras publicas, praticou entre outras uma grande economia, reformou uns poucos de empregados do correio e mandou ou nomeou para lá uma grande quantidade dos seus amigos! (Riso.)

O sr. Saraiva de Carvalho, repito, é a alma do ministerio, embora se diga que é o sr. José Luciano, quando este cavalheiro, bem como o sr. Braamcamp, não são mais do que victimas do partido reformista.

A mim ensinaram-me que havia tres inimigos da alma: mundo, diabo e carne, mas o sr. presidente do conselho tem o mundo, o diabo, a carne e o seu partido. (Riso.)

O sr. Braamcamp quando falla no seu partido tem-se enganado em genero e numero, porque o partido de s. exa. não é partido, são partidos de homens que incommodam o governo, que lhe impõem a nomeação de auctoridades e de outros empregados.

Portanto, o sr. Braamcamp não tem partido, tem partidos.

O partido progressista já não existe, porque eu vejo os velhos soldados d'aquelle partido chorarem lamentosamente sobre as ruinas da cidade santa.

Eu ouço os seus lamentos, as suas queixas ao presenciarem que se fez tudo ao contrario do que se tinha promettido.

r. presidente, eu assisti, como estava no meu direito, não para fallar, mas para ouvir o que se passava, a uma reunião promovida para se tratar da questão da Zambezia quando o sr. Fontes estava no poder. Tive n'esse momento ensejo de manifestar n'esta casa a minha opinião a respeito d'este assumpto, assim como de outros actos do ministerio passado.

Com relação, á questão da Zambezia conservo ainda as mesmas opiniões.

Os progressistas e que não conservaram, as mesmas idéas a tal respeito.

Lembra-me perfeitamente que n'esta casa quando proferi, um discurso, sobre o negocio da Zambezia fui muito applaudido por alguns cavalheiros, applaudido quanto á fórma d'esse meu discurso, e por outros quanto á sua essencia e fui até comprimentado.

Entre os cavalheiros que me applaudiram contava o sr. conde de Rio Maior e o sr. marquez de Sabugosa, que gostou muito do que eu disse. (Riso.)

Mas, voltando á reunião a que me referi, promovida pelo partido progressista, eu vi ali o sr. Braamcamp perto de uma mesa e com s. exa. tive a honra de conversar. Lá estava tambem o sr. José Luciano. O sr. Saraiva de Carvalho é que não estava, nem o sr. ministro da guerra, que então ainda não era nascido para o partido progressista, nem o sr. ministro da marinha, que estava numa missão fóra do paiz, da qual o encarregara o partido regenerador.

O sr. Ministro da Marinha (Visconde de S. Januario): - Missão do paiz.

O Orador: - Sim, senhor, mas foi nomeado pelo partido, regenerador.

Tratou-se muito no meeting da questão da Zambezia, sobre a qual a camara conhece as minhas opiniões, que não terei duvida de sustentar de novo, devendo-se notar que eu não tenho absolutamente nada contra o sr. Paiva de Andrada como cavalheiro, que considero; mas eu não podia approvar um acto do governo regenerador que eu julgava muito inconveniente.

Esse acto foi condemnado pelo partido progressista, e no meeting a que alludi chegou-se a gritar: "Aqui do povo contra os ladrões".

Depois tudo se acceitou, tudo...

O sr. Presidente: - Permitta-me o digno par que o interrompa para lhe observar que já deu a hora em que deviamos entrar na ordem do dia.

O Orador: - Agradeço a v. exa. a sua observação.

Já disse bastante do que tinha a expender, e de mais n'outra qualquer occasião poderei expor quaesquer outras considerações que tenha a fazer sobre os assumptos de que me occupava.

Portanto, vou concluir, repetindo que estou de accordo com a opinião do sr. Miguel Osorio; mas que não confio que o governo esteja no mesmo accordo.

Por ultimo direi ao sr. Saraiva de Carvalho, que é a alma do ministerio, creio que s. exa. não se escandalisa com estas palavras, que faça publicar o resultado dos inqueritos ás secretarias.

Necessito de analysar esse resultado, e ver como o par-

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tido a que s. exa. pertence prova as accusações que fez, e que e da sua obrigação comprovar.

Accusaram o sr. Dias Ferreira do ter retido em suas mãos uns documentos e que era preciso instar com este cavalheiro para os dar, mas o facto é que ainda ninguem fez taes instancias.

(O orador não reviu este discurso.)

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Vamos entrar na ordem do dia, Vae ler-se o parecer n.° 138 para entrar em discussão.

Antes d'isso, porém, devo communicar á camara que acabo de receber a carta regia que eleva á dignidade de par o sr. Henrique de Macedo Pereira Coutinho. Vae ser remettida á commissão de verificação de poderes.

Leu-se na mesa o parecer n.° 138, é do teor seguinte:

PARECER N.° 138

Senhores.- As vossas commissões reunidas de fazenda e de marinha e ultramar examinaram com a devida attenção o projecto de lei n.° 133, vindo da camara dos senhores deputados, e que tem por fim crear uma medalha de oiro e pensão, para se conferir unicamente aos individuos que tenham prestado ou vierem a prestar assignalados serviços na exploração do continente africano, e principalmente na parte d'esse continente cujo conhecimento mais directamente possa interessar a Portugal.

Senhores. São altamente meritorios os trabalhos d'aquelles que, luctando corajosamente com innumeras difficuldades, em imminente e continuo risco de vida, põem ao serviço da sciencia, da humanidade e da patria as suas faculdades n'esse vasto continente africano, ainda hoje tão cheio de mysterios e de promessas.

É pela perseverança e audacia de exploradores dedicados e instruidos que se vão levantando no selo de Africa os primeiros marcos miliarios da estrada que ha de levar áquelles povos barbaros a civilisação 8 a liberdade 3 por onde hão de refluir para o mundo culto novos elementos de commercio, de actividade industrial e scientifica, de adiantamento e de prosperidade.

Portugal, possuindo extensas colonias ao oriente e ao occidente d'essa espaçosa região tropical, é o paiz que maior empenho deve ter em ampliar descobertas e conhecimentos que interessam ao alargamento e á actividade economica das suas possessões.

Em Portugal não tem faltado, nem faltarão benemeritos e corajosos cidadãos que, cheios de abnegado e por sincero amor da sciencia e da patria, emprehendem taes commettimentos, mas são sempre bem vindos todos os estimulos ao trabalho n'esse campo generoso, e todos es premios que sejam justo galardão de grandes serviços.

As vossas commissões, possuidas d'estes principio s; congratulam-se com o governo pelo judicioso pensamento exarado no seu relatorio, de promover a continuação das explorações no sertão africano, e concordando com o projecto, por interessar ás explorações já feitas, assim como áquellas que vierem a emprehender-se, são de parecer que o mesmo projecto deve ser approvado para ser convertido em lei do estado.

Sala das sessões da commissão, 5 de junho de 1880.= Antonio de Serpa Pimentel = Visconde de Soares Franco = Diogo Antonio Sequeira Pinto = Conde de Castro = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens = Sebastião Lopes de Calheiros & Menezes = Mathias de Carvalho e Vasconcellos = Marino João Franzini = Carlos Bento da Silva = Visconde de S. Januario, relator.

Projecto de lei n.° 133

Artigo 1.° É o governo auctorisado a mandar cunhar uma medalha de oiro, que será conferida unicamente aos individuos que tenham prestado ou vierem a prestar assignalados serviços na exploração do continente africano, e principalmente na exploração da parte d'esse continente cujo conhecimento mais directamente possa interessar a Portugal.

Art. 2.° O governo poderá conceder aos individuos agraciados cem esta medalha uma pensão cujo decretamento definitivo ficará dependente da approvação das côrtes.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 2 do junho de 1880. = José Joaquim Fernandes Vaz, presidente = Thomás Frederico Pereira Bastos, deputado secretario = Antonio José d'Avila, deputado secretario.

Entrou &m discussão na sua generalidade.

O sr. Mello Gouveia: - Não me levanto para impugnar este projecto. Mas o motivo especial que aqui o traz formulado n'esta disposição generica de remuneração a iodos os exploradores do continente africano passados, presentes e futuros; motivo de todos conhecido, e o decoro do governo a que v. exa. presidiu e de que tive a honra de fazer parte, obrigam-me a dizer algumas palavras sobre o assumpto, que desejo fiquem consignadas nos registos parlamentares.

Sr. presidente, se v. exa., cavalheiro a quem illustram tantos e tão altos serviços publicos, que n'essa cadeira desempenha nobre e dignamente o primeiro logar da representação parlamentar, (Apoiados.} não houvesse sido o presidente do conselho, e chefe politico do ultimo governe, a que tive a honra de pertencer, e não me corresse por isso a obrigação de reivindicar o merito e a honra dos factos da minha gerencia, que são mais gloria de v. exa. do que minha, por ser maior e mais evidente a responsabilidade do chefe de um gabinete do que a de qualquer dos seus membros nos grandes actos da politica e da administração, eu não diria uma palavra sobre este projecto e limitar-me ia a votal-o silenciosamente com a intima satisfação de quem presta devida homenagem a grandes feitos de coragem e devoção civica; mas sendo v. exa. tão interessado como é nos actos de administração que prepararam o exito brilhante da expedição africana de 1877, que toda a gente hoje applaudo e de que muitos pleiteiam, o merito da ordenação e da idéa, não posso n'esta occasião deixar de dizer duas palavras que motivem o meu voto e affirmem ao mesmo tempo a parte consideravel que coube ao governe que v. exa. presidiu n'este esplendido successo.

Sr. presidente, o ardor de conhecer, que caracterizou desde seculos a audacia dos arrojados navegadores e dos infatigaveis peregrinos que pretenderam devassar as amplidões da terra em todas as direcções dos dois hemispherios, tomou em nossos dias uma objectiva tão especial e definiu-se em condições de tão vulgar utilidade, que temos n'estes ultimos annos assistido ás expedições successivas de resolutos e esclarecidos viajantes, que, uns depois dos outros penetram nos sertões de Africa para ahi estudar povos e productos naturaes, itinerarios aquaticos e terrestres, e vir dar ao mundo, com a nova das suas descobertas, a ancia de lhes aproveitar os beneficios.

Commovem-se a Europa e a America, e por toda a parte se congregam homens e recursos, em nome da civilisação e da humanidade, para alargar estas explorações e para avassallar aos seus interesses tudo o que mostram sua ceptivel de sujeitar-se á sua influencia.

Esta corrente das idéas devia naturalmente sobresaltar entre nós a opinião, não por emulação da generosidade do pensamento d'essa cruzada humanitaria, para que têem aberto permanente alistamento as conferencias, a imprensa e a tribuna das cidades e paizes cultos; porque, mercê de Deus, de ninguem recebemos lições de respeito pela liberdade humana nem de sympathia pela raça negra, que largamente temos manifestado em todos os actos da nossa vida social, em que estas questões têem vinde interessadas.

Mas porque a nossa condição de potencia dominadora de

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vastas regiões coloniaes no continente negro, não podia deixar de chamar a attenção publica para este subito e energico interesse da Europa pelas explorações africanas, que, assignalando um fim civilisador, compendiava, não obstante, todas as questões economicas e politicas que podem favorecer ou comprometter seriamente os grandes interesses da nossa terra.

Todos aqui pensâmos, sr. presidente, e todos estamos n'esse accordo, que não podemos isolar-nos deste movimento, quer elle tenha por objecto um proposito de interessado e cavalheiroso de civilisação, quer elle leve em mira as utilidades praticas e immediatas do alargamento do commercio e do progresso das industrias, pela procura de novos mercados de consumo e de extracção de materias primeiras.

No primeiro caso porque desmentiriamos as nossas tradições de primeiros civilisadores da Africa, e no segundo porque arriscariamos gravemente os nossos interesses coloniaes.

E a nação não quer nem o desaire da primeira hypothese nem a imprevidencia da segunda.

Sob a influencia estas idéas organisou-se a sociedade geographica de Lisboa, que está ha muito em correspondencia e convivio com as suas similhantes da Europa e da America, e trabalha activamente na propaganda dos conhecimentos geographicos é na acquisição de adhesões para esta grande obra de civilisação: estimulando d'esta arte as vocações para a continuação das explorações africanas, que começámos ha quatro seculos.

E foi ainda sob o imperio d'este pensamento que o governo a que v. exa. presidiu, ajudado dos conselhos e trabalhos da commissão central permanente de geographia, e só da cooperação d'esta corporação official, organisou e armou a primeira expedição scientifica-econoinico-politica, que em nossos dias partiu das nossas praias para os sertões de Africa. Idéa do governo que nos precedeu e nomeadamente do illustre ministro e meu amigo, o sr. João de Andrade Corvo, homem eminente, cuja elevada esphera intellectual e altos dotes de homem d'estado e de sciencia são incontestaveis e incontestados; (Apoiados.) mas idéa que apenas encontrámos iniciada, quando entrámos no governo, pela proposta de s. exa. ás côrtes sobre o credito destinado a subsidiar a expedição, proposta que estava sem seguimento na camara dos senhores deputados e de que promovemos a approvação nas duas casas do parlamento. É a lei que resultou d'esta proposta, datada de 12 de abril de 1877, que já tem a minha referenda e a do meu collega da fazenda, o sr. Carlos Bento, o primeiro acto official publico relativo á expedição de 1877. D'ahi por diante todos os trabalhos da sua organisação, do seu equipamento e das suas instrucções, caminharam sob o impulso do governo a que v. exa. presidiu, que fez partir a expedição e deu em nome da patria o abraço de despedida aos expedicionarios.

Offereceram-se para esta arriscada empreza alguns moços resolutos - poucos, muito poucos-, e os tres que entre os candidatos foram escolhidos pelo governo, por mim representado nas conferencias da commissão central permanente de geographia, a que sempre presidi, os srs. Serpa Pinto, Capello e Ivens, houveram-se com aquelle desinteresse e com aquella abnegação que caracterisaram sempre as grandes dedicações patrioticas, as altas virtudes publicas e privadas.

Não pediram dinheiro, não pediram honras, não pediram cousa alguma d'essas que poderiam lisonjear a cubiça ou a vaidade de almas vulgares. Lembraram apenas a protecção ás suas familias, no caso de morte, e um posto de distincção na sua carreira militar, no caso da expedição ter um exito glorioso.

O governo prometteu-lhes pela minha voz, e em portaria expedida á commissão central permanente de geographia, de 18 de maio de 1877, documento que foi publico e corre impresso, que proporia ás côrtes a satisfação dos seus desejos nas condições declaradas.

A promessa foi publica, e não levantou o clamor de ninguem. Pois era então a occasião de reparar em que a recompensa promettida aggravava os direitos de terceiro. Mas não; ninguem se lembrou então de acudir pela defeza da sua antiguidade. É que toda a gente viu e sentiu que um posto de distincção, que as leis e a consciencia de todos os povos concedem a um assignalado feito de armas no campo de batalha, cujo perigo quasi sempre passa rapido, não era demasiada remuneração para memorar a grande é rarissima coragem, tenaz, persistente por dias, por mezes e por annos, de affrontar todos os perigos, de combater com os homens, com as feras, com os elementos e com as privações de toda a natureza.

E hoje disputa-se o premio a estas qualidades! Eu pasmo, sr. presidente, de ver agora tão tardiamente pôr em duvida a rasão e a justiça do cumprimento da promessa! E não faço estes reparos ao governo, porque bem sabemos todos que era outro o seu sentimento, como aqui nos mostrou pelas suas palavras e pelos seus actos, e agrada-me sinceramente dar-lhe este testemunho.

Quererão pôr em duvida a gloria da expedição, condição do pedido e da promessa? Não podem. Qualquer, que seja o valor economico, politico ou scientifico dos trabalhos dos exploradores, e eu creio que é grande, nós os portuguezes é que não podemos admittir essa excepção.

Já lhes fizemos a apotheose por todas as fórmas de manifestação solemne usadas nas, sociedades modernas, nas praças, nas ruas, nos salões, na imprensa e na tribuna. Por toda a parte os temos acclamado benemeritos da patria. É tarde para recuar na devida recompensa.

Sr. presidente, deixando aqui registadas nos annaes parlamentares estas palavras, que serão as ultimas que tenciono proferir em publico ou em particular sobre a expedição africana de 1877, tenho satisfeito o meu fim. Agora só me resta congratular-me com o paiz, com v. exa., com a commissão central permanente de geographia, com os nossos collegas no governo, e com os illustres ministros nossos antecessores, pelo feliz exito da expedição que elles projectaram e nós realisámos, e que podemos apontar ao mundo, graças á, coragem e dedicação civica dos expedicionarios, como exemplo da energia, da constancia e do patriotismo do caracter portuguez.

E, finalmente, congratular-me tambem com os illustres expedicionarios, e de todo o coração, pelos ver restituidos á patria sãos e salvos, e affirmar-lhes do alto d'esta tribuna que lhes dou de boamente n'este projecto a medalha de oiro, já que lhes não posso dar o posto que lhes é devido.

Vozes: - Muito bem.

Q sr. Presidente: - Está extincta a inscripção. Vae votar-se o projecto na generalidade. Os dignos pares que o approvam tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Está approvado. Vae passar-se á especialidade.

O sr. secretario, visconde de Soares Franco, leu o artigo 1.º

Q sr. presidente: - Está em discussão. Tem a palavra o digno par o sr. Corvo.

O sr. Andrade Corvo: - Sr. presidente, não venho impugnar o projecto, venho antes lembrar a historia d'elle ao governo, e alem d'isso agradecer as palavras benrevolas do meu amigo e collega o sr. Mello Gouveia, e confirmar tudo quanto s. exa. disse, pelo que o governo que v. exa. presidiu merece os maiores louvores. (Apoiados.)

A historia é curta, mas é instructiva, como disse já o digno par que me precedeu. Houve alguns individuos que emprehenderam fazer uma viagem scientifica no interior do continente africano e nos collocaram a par de outras nações que, não tendo possessões na Africa, têem tambem en-

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viado para ahi algumas expedições; mas esses individuos, portuguezes, que se arriscaram a fazer aquella expedição nada pediram para si absolutamente, mas foi o governo que lhes fez uma promessa. Elles nada pediram, repito, nada solicitaram.

O facto, porém, é que essa promessa existiu, e que ella foi modificada. O governo trouxe ás camaras o anno passado um projecto, dando desde logo um posto de accesso aos individuos que haviam feito a perigosa, difficil e arris-cadissima travessia do continente africano, sem prejuizo de nenhuma das clausulas que se referiam ao tempo e ás varias obrigações impostas aos militares que vão a Africa desempenhar qualquer commissão ou servir ali.

Esse projecto veiu a esta camara, e aqui observou-se que para tão grande serviço, aquella remuneração era pequena, não fallando já na parte pecuniaria, que é mesquinha, como se querem considerar estas commissões, mas como indicação da alta estima que o paiz tem para quem se sacrifica em seu serviço e honra. Então o sr. ministro da guerra e o sr. presidente do conselho associaram-se com enthusiasmo á idéa da camara dos pares, como se póde ver dos discursos proferidos n'essa occasião por s. exas. e que se acham no Diario das sessões d'esta camara, e do mesmo modo se associou tambem a essa idéa o digno par e meu amigo o sr. visconde de S. Januario, que hoje tem a seu cargo a pasta do ministerio dos negocios da marinha e ultramar. O sr. presidente do conselho disse até que aquelle projecto do governo era sem prejuizo de outras remunerações honorificas que seriam dadas aos illustres exploradores.

Escusado é dizer que as explorações feitas por elles, e hoje tão apreciadas pela Europa inteira, foram de tal magnitude que, poucos serão capazes de fazer tanto, mesmo abstrahindo do risco a que se expozeram, como elles fizeram scientificamente. Ha, é certo, invejosos que contestam o merito de tão grande serviço; mas certo é tambem que todos aquelles que se dedicam a bem e verdadeiramente servir a patria soffrem sempre d'estes dissabores. Mais tarde porém a opinião publica acaba por lhes fazer plena justiça e castigar aquelles que contra esses benemeritos costumam levantar suas iras.

Mas ponhamos de parte esta questão, para me cingir ao que é o principal ponto do debate. Depois da enthusiastica adhesão do sr. presidente do conselho e do sr. ministro da guerra á idéa d'esta camara, e á qual, como já disse, se associou tambem com enthusiasmo o cavalheiro que hoje gere a pasta da marinha, fez-se um projecto, que sofreu má sorte na outra casa do parlamento, e d'ahi resultou, a proposta de lei que actualmente está em discussão, creando uma medalha honorifica para todos os exploradores de Africa passados, presentes e futuros, como disse ha pouco o meu illustre Collega o sr. Mello Gouveia.

É importante esta remuneração, não devemos porém esquecer que para os exploradores que são militares e que vão arriscar a sua vida na Africa, a verdadeira distincção é o posto de accesso. Todos que conhecem a vida militar sabem que um posto de accesso só se póde alcançar no campo de batalha arriscando a vida; mas ella não se arrisca menos nas explorações do continente africano. (Apoiados,.) com a differença que uma batalha é uma cousa de poucos dias, emquanto nas explorações de Africa ha a luctar com toda a especie de perigos e da privações, soffre-se a fome, corre-se o risco de ser atacado pelas tribus selvagens, expõe-se mil vezes a vida, e isto não durante dias, mas durante mezes e mezes, annos e annos. (Apoiados.)

ão quero trazer de novo á discussão da camara a proposta aqui feita pelo digno par o sr. conde de Rio Maior; desejo apenas perguntar ao governo quaes são as idéas que tem em relação á dupla remuneração que parece que tinham no seu espirito dar aos exploradores. Porque então dizia-se por parte do governo que era necessario recompensal-os moral e materialmente. Ora a remuneração moral
está representada na concessão da medalha de oiro; mas as outras quaes são e onde estão?

Pediria pois ao sr. ministro da marinha que me dissesse alguma cousa sobre as intenções do governo a este respeito, não para satisfazer os desejos dos exploradores, que os não têem, porque lhes basta a gloria e a satisfação de que se acham possuidos por terem bem servido a sciencia e a sua patria; mas os desejos do paiz, que lhes quer mostrar a sua gratidão.

(O orador não reviu o seu discurso.)

O sr. Ministro da Marinha (Visconde de S. Januario): - Sr. presidente, o digno par o meu amigo, o sr. Corvo, historiou os factos que se passaram na ultima sessão e que deram origem a este projecto ou com elle têem relação.

A proposta que se apresentou o anno passado com relação ao sr. Serpa Pinto, e cujos effeitos se haviam de estender aos outros exploradores, e, fim de lhe ser dispensado o tempo da serviço que lhe faltava prestar no ultramar para lhe tornar effectivo no reino o posto a que tinha sido promovido, foi approvada na outra camara e veiu a esta para o mesmo fim.

Durante a discussão que aqui teve logar, apresentou-se a idéa, com que o governo concordou, que do projecto se devia fazer desapparecer a clausula de que a confirmação d'esse posto seria sem prejuizo da antiguidade dos officiaes mais antigos da mesma classe. Eu, que ainda não tinha a honra de estar nos conselhos da corôa, associei-me a essa idéa, porque entendi e entendo que todos os premios são bem merecidos pelos homens audazes que se abalançam a emprezas tão arriscadas como são as explorações no interior da Africa e das quaes se colhem tão grandes vantagens para a sciencia, e tambem, pelo melhor conhecimento das nossas colonias, para a prosperidade do paiz. (Apoiados.)

A proposta foi modificada n'este sentido par esta camara, e forçoso era que voltasse á camara dos senhores deputados. Ora todos sabem que essa camara não acceitou a emenda da camara dos pares e que, tendo-se estabelecido o conflicto, seguiu-se a commissão mista, a que presidiu o nobre presidente d'esta camara; mas na commissão houve empate e nada se resolveu, caducando portanto a alludida proposta. Em consequencia disso é que o governo, emquanto não podia fazer mais, apresentou esta proposta, de cujo parecer eu tive a honra ds ser nomeado relator pela commissão que n'esta camara teve de a apreciar.

Está claro, portanto, que eu acho bem merecidas todas as recompensas que possam ser dadas aos exploradores que arriscam a sua vida em beneficio da sciencia e da patria.

A proposta em questão não inutilisa, a meu ver, a iniciativa de qualquer outro premio que porventura este ou algum dos governos que se lhe seguirem julgue que deve conceder aos exploradores já conhecidos ou aos que se apresentarem novamente, abalançando-se a emprehendimentos da mesma natureza.

Entretanto, o que se diz no projecto que está em discussão é que...

(Leu.)

Com esta medalha de oiro o governo, em nome do paiz, vae agraciar o merito, a audacia, os serviços prestados á sciencia e é patria.

Pelo artigo 2.°...

(Leu.)

Portanto, em virtude da approvação do artigo 1.° fica desde já o governo auctorisado a cunhar a medalha de oiro e a condecorar com ella os serviços de qualquer explorador, e, em virtude da auctorisação que lhe é conferida no artigo 2.°, fica tambem habilitado a conceder-lhe uma pensão, embora o decretamento definitivo d'essa pensão tenha de ser apreciado pelas côrtes e sujeito á sua confirmação.

Não me parece que a apresentação d'este projecto envolva contradicção com os factos antecedentes.

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O governo, pela voz do illustre presidente do conselho, adoptou, com o enthusiasmo que o sr. Corvo acaba de significar, uma proposta aqui apresentada para que o premio ao explorador Serpa Pinto fosse mais consideravel do que era aquelle que vinha consignado no projecto approvado pela camara dos senhores deputados.

Ora, se o governo obtiver a approvação do projecto que se discute, fica habilitado não só a conceder uma distincção honorifica, mas uma distincção remunerativa, aos exploradores, e alem d'isso não está inhibido de propor outra, ou com relação aos exploradores sobre os quaes versava a proposta primitiva a que nos temos referido, ou com relação a quaesquer outros exploradores que porventura venham a prestar serviços que sejam considerados de superior importancia.

O sr. Presidente: - Está extincta a inscripção. Vae-se votar o artigo 1.°

Os dignos pares que o approvam, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 2.°

Como nenhum digno par pede a palavra...

O sr. Marquez de Sabugosa: - Achando-me assignado na proposta que está em discussão, julgo do meu dever proferir algumas palavras a respeito do assumpto, tomando assim toda a responsabilidade dos meus actos.

Demorei-me a pedir a palavra, suppondo que o sr. Corvo a pedisse depois do sr. ministro da marinha.

Como o digno par entendeu ficar satisfeito com o que o sr. ministro disse, pouco terei a expor.

No emtanto acompanho os oradores que me precederam no encarecimento dos serviços feitos por aquelles tres distinctos exploradores á sciencia e ao paiz. Não se póde entrar hoje em duvida, já estão todos accordes em que esses exploradores merecem uma recompensa pelos serviços que prestaram.

O motivo por que no anno passado, quando eu tinha a honra de fazer parte do gabinete, foi apresentado aquelle projecto, não foi para se dar uma remuneração a. esses officiaes, mas unicamente para se regular a sua posição no exercito. É verdade que o governo acceitou n'essa occasião o additamento que n'esta camara se fez ao projecto; mas indo este para a outra casa do parlamento, os individuos que se julgaram lesados pelo modo como era feita a promoção aos tres distinctos exploradores, tanto da arma de marinha como d'aquella a que pertencia o sr. Serpa Pinto, requereram que aquella emenda não fosse approvada. Effectivamente não o foi, e por isso teve de se proceder á eleição da commissão mixta.

O governo, tendo acceitado a emenda proposta por esta camara, fel-o com a intenção de não querer prejudicar pessoa alguma, e julgou que ella seria bem acceita pelos collegas d'aquelles militares. Não o sendo, o governo não podia instar com a sua maioria para a acceitar, porque n'esse caso seria injusto, visto que os collegas d'aquelles officiaes não recebiam bem essa emenda.

N'estas circumstancias o governo não podia fazer mais do que fez, isto é, apresentar este projecto, não só para remunerar os individuos de que se trata, como para todos aquelles que em circumstancias identicas merecessem igual recompensa.

Este premio não é novo; em outros paizes, juntamente com as honras que se dão aos homens que prestam estes serviços ao paiz e á sciencia, dão-se outras remunerações proveitosas. Ainda ha pouco, a um distincto sabio que esteve entre nós, foi dada uma remuneração d'esta natureza pelos serviços que prestara.

Por consequencia, creio que de modo nenhum seria contra a dignidade de individuos prestimosos como esses officiaes o acceitarem essas remunerações.

Parece-me, pois, que este projecto satisfaz no momento actual ao que se podia fazer a favor d'aquelles exploradores; mas eu desejaria tambem que se procurasse ainda n'esta sessão, porque julgo que se póde achar modo de não ir contra os preceitos da carta, trazer ao parlamento uma medida a fim de se regularisar a posição d'aquelles officiaes; porquanto ha uma base em que as duas casas do parlamento estão completamente de accordo. Essa base é que a patente d'aquelles officiaes deve ser garantida. Por consequencia, parece-me que ainda na actual sessão legislativa se poderá acompanhar este projecto com outro por parte do governo para que as patentes dos tres officiaes sejam garantidas. O projecto que se apresentou foi só para o sr. Serpa Pinto; mas creia que se póde ampliar para os outros dois officiaes que foram tambem explorar a Africa, ficando-lhes unicamente garantidas as patentes.

(O orador não reviu o seu discurso na presente sessão.)

O sr. Fontes Pereira de Mello: - Sr. presidente, eu não quero fazer a historia d'este projecto, porque ella já foi feita pelos illustres oradores que me precederam, portanto nada tenho que acrescentar a este respeito; mas cingindo-me á disposição do artigo que se discute desejo fazer algumas observações para mostrar a v. exa. e á camara que me parece ser necessario introduzir alguma disposição n'esse artigo que salvaguarde os principios. Digo isto porque ainda, que o governo não careça, em virtude do § 11.° do artigo 75.° da carta constitucional, de auctorisação para propor certas pensões, eu vejo no projecto o seguinte.

(Leu.)

Ora, esta disposição não faz senão repetir o que diz aquelle paragrapho. Eu sei que me podem dizer que a lei do 1.° de julho de 1877 regularisou as pensões e definiu quaes os termos em que ellas podem ser concedidas pelo governo; porém penso que a idéa do auctor do projecto consiste em dispensar as formalidades estabelecidas n'aquella lei, do contrario não tinha rasão de ser este artigo pelo modo por que está redigido.

ste artigo não faz referencia á carta de lei de julho de 1877, unicamente estabelece o principio consignado fio § 11.° do artigo 75.° da carta constitucional.

Ora, se o pensamento do governo é este, é necessario redigir o artigo de maneira que se revalide o principio estabelecido na carta. Isto é bem simples de se fazer, e parece-me que deve ser tomado em consideração por parte do governo, para que a disposição do artigo 2.° fique mais precisa, exacta e correcta. Portanto, eu tomaria a liberdade de perguntar ao governo se está disposto a usar da faculdade que lhe é concedida por este artigo, e se tenciona apresentar n'esta sessão legislativa os projectos necessarios para fazer effectivos os decretamentos de pensões que julgue conveniente fazer aos benemeritos officiaes.

Isto é um assumpto importante, porque todos reconhecem o alcance dos serviços feitos por aquelles exploradores.

O sr. ministro da marinha foi um dos que mais pugnou na sessão passada pela necessidade de galardoar esses serviços. Por consequencia estimaria ver que s. exa. estava disposto a confirmar totalmente as suas idéas.

Ha um outro ponto do mesmo assumpto que foi tocado pelo sr. marquez de Sabugosa, e eu acho de muita importancia as rasões apresentadas por s. exa. a tal respeito, e n'ellas o acompanho.

Entendo tambem que o governo deve dizer qual é a sua opinião na parte a que se referiu o digno par.

Não foi possivel, em virtude da deliberação tomada pela commissão mixta, chegar-se a um accordo entre as duas camaras, ou, para melhor dizer, a uma solução definitiva, de conformidade com a lei que regula este assumpto, o que importa, segundo a mesma lei, a rejeição do projecto.

Ora, não soffre duvida alguma que o pensamento, quer da maioria da camara dos senhores deputados, quer da maioria d'esta camara, era para beneficiar os officiaes que honraram a patria com os serviços feitos por elles em Afri-

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ca; mas tambem é certo que esses officiaes, da consequencia do desaccordo entre as duas casas do parlamento ficaram em peior situação do que estavam, porque ficaram n'uma condição inferior á de outros officiaes que não desempenharam serviços de tanta importancia, quando a final não estava no animo de nenhum de nós collocal-os em tal condição.

Portanto desejava saber dos srs. ministros da marinha e da guerra, porque d'estes officiaes pertencem dois á marinha e o outro ao exercito, se s. exas. estão dispostos a fazer com que se torne effectivo o posto de accesso áquelles officiaes independentemente da observacia das clausulas estabelecidas na lei que obrigam a ir servir um certo tempo na Africa. O pensamento do auctor do projecto era evidentemente que fossem dispensados d'essa clausula, mas sendo mantidas todas as outras disposições do decreto de 8 de maio de 1877; porém a camara dos pares foi mais alem e approvou-se aqui uma proposta tornando mais larga a recompensa que se concedia n'aquelle projecto. O governo acceitou essa proposta e o resto sabe-o a camara.

Agora o que é conveniente saber é se os srs. ministros da guerra e da marinha têem intenção de apresentar alguma proposta para tornar effectivos os postos áquelles officiaes independentemente das clausulas estabelecidas na lei com relação ao tempo de serviço ou outras quaesquer.

(O orador não reviu os seus discursos.)

O sr. Ministro da Marinha (Visconde do S. Januario): - Com relação á primeira duvida exposta pelo digno par o sr. Fontes ácerca da redacção do artigo 2.°, entendo que bastam as explicações trocadas n'esta casa a proposito dos effeitos d'esse artigo, para se conhecer que o governo fica por elle auctorisado a decretar as pensões, devendo vir depois ao parlamento pedir a confirmação d'esse decretamento, e então ha de acompanhar a proposta a tal respeito dos esclarecimentos que provem que só attendeu tanto ás prescripções d'esta lei como da lei de 1867, se se julgar indispensavel. Não me parece, portanto, necessario alterar profundamente a redacção do artigo de modo que tenha de ir o projecto á outra camara. O debate tem esclarecido sufficientemente a questão para se saber que ficaao governo a liberdade de decretar as pensões, submettendo depois esses decretos ás côrtes.

Com relação á situação em que se acham os officiaes que emprehenderam a exploração de Africa, é evidente que elles ficaram ainda n'uma posição indefinida depois do conflicto que se levantou entre as duas casas do parlamento, e que não póde ser resolvido pelo voto da commissão mixta.

N'esta parte o governo não tem a menor duvida, antes pelo contrario lhe corre o dever de apresentar um projecto para regular a situação d'aquelles officiaes.

É muito provavel que os dois distinctos officiaes de marinha, os srs. Capello e Ivens vão brevemente em uma commissão de exploração a Africa, e depois de uma pequena permanencia ficarão ao abrigo da lei por terem completado strictamente o tempo necessario para a garantia dos gostos. O sr. Serpa Pinto tem tambem manifestado o desejo de tentar um novo emprehendimento na Africa, e por isso ficava tambem nas condições exigidas pela lei. O governo porem não tem de fórma alguma intenção de obrigar estes officiaes a servirem novamente em Africa, posto que acceite os seus serviços voluntarios; portanto corre-lhe, como já disse, o dever ds apresentar um projecto regulando a sua posição.

Com relação ao posto de accesso com prejuizo de antiguidade, esse negocio, é forçoso confessal-o apresenta muito mais gravidade desde que houve divergencia de opinião entre a camara dos dignos pares e a camara dos senhores deputados, divergencia que não póde ser resolvida pela commissão mixta.

O governo tem o maior empenho, como já aqui o manifestou, em galardoar os serviços prestados peles benemeritos exploradores; no emtanto, apesar de todos os bons desejos a renovação de um projecto no sentido indicado traria as mesmas difficuldades, e promoveria novas representações, e as difficuldades que se levantaram por parte dos officiaes cio exercito e ca marinha, complicando e assumpto. Ora estas difficuldades não são só para o governo actual, mas para qualquer outro que occupasse estas cadeiras.

N'estes termos o governo não compromette desde já a sua opinião sobre o modo por que deverá apresentar o projecto, em vista das difficuldades levantadas e do conflicto havido entre as duas camaras, mas compromette-se a apresentar um projecto nos termos em que o julgar mais conveniente, para que se regula em definitivo a situação d'aquelles officiaes.

O sr. Ministro da Guerra (José Joaquim de Castro): - Sr. presidente, depois das explicações que acaba de dar o meu collega, o sr. ministro da marinha, pouco terei a acrescentar.

O governo não póde deixar de trazer ás camaras uma medida tendente a regular a situação d'aquelles officiaes.

Poderia fazer muitas considerações tendentes a rebater a opinião dos dignos pares, os srs. Andrade Corvo e Fontes Pereira de Mello, mas parece-me que não é agora occasião opportuna. Limitar-me-hei, pois, a dizer que entendo poder-se remunerar convenientemente o serviço feito pelos illustres exploradores, sem ir de encontro ás praxes estabelecidas, nem negar os brios dos outros officiaes, que poderiam ter-se apresentado da mesma maneira para desempenhar esse serviço, se porventura houvessem sido convidados para tal fim.

Direi tambem que a comparação dos serviços feitos n'um campo de batalha, com os que se podem prestar n'uma exploração era Africa, não me parece admissivel. E não só póde acceitar tal comparação porque, n'um campo de batalha, onde se podem praticar os actos mais arrojados, todos os officiaes presentes têem faculdade de o fazer, pois não é vedado a nenhum tomar uma posição onde possa distinguir-se; todos concorrem, e se podem portar o mais dignamente possivel, para se obter um certo resultado. Então o que mais se distingue é o que se torna merecedor de maior galardão, por todos reconhecido.

Ora com as explorações da Africa o caso é differente. Os exploradores podem ser muito distinctos, prestar os maiores serviços, como effectivamente prestaram, sendo eu o primeiro a reconhecel-os, e por isso merecedores de alta recompensa, independentemente da remuneração militar. Exploradores paizanos tem havido que hão prestado iguaes serviços. E quem póde duvidar que outros militares, se porventura fossem convidados a desempenhar a mesma missão de que se encarregaram os illustres exploradores, não o fariam da mesma maneira?

O governo o que não póde é deixar de apresentar uma proposta de lei para regularisar a situação dos officiaes que foram explorar a Africa, de medo que os dispense de voltarem ali a completar o seu tempo de serviço, se não quizerem lá tornar; essa regularisação, porém, não deverá, de modo algum, trazer prejuizo para os seus camaradas.

É esta a minha opinião, e ella está de perfeito accordo com as idéas que apresentei n'outra occasião, na commissão mixta para que tive a honra de ser eleito.

Então declarei que não me parecia necessaria uma proposta de tal magnitude como aquella de que a referida commissão se occupou com relação ao official a quem a mesma proposta dizia respeito.

O sr. Fontes Pereira de Mello: - Não sei a quem veiu combater o sr. ministro da guerra! Eu apenas tinha fallado sobre o artigo 2.° do projecto em discussão e com respeito á concessão de pensões aos officiaes que fizeram a exploração de Africa, que nós todos julgamos não só difficil e arriscada, mas como um grande serviço e honra para o paiz.

Não discuti se se devia dar posto de accesso a esses

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officiaes sem prejuizo dos officiaes mais antigos da sua1 classe, e segundo a lei geral; nem quero agora discutir este ponto. O que parece é que o sr. ministro da guerra esteve a responder a um discurso meu do anno passado. Se assim foi, se se trata de fazer reviver uma discussão finda, eu pela minha parte não entrarei n'esse caminho, ainda que podia largamente por esse modo entrar no debate.

Não desejo, porém, tomar á camara um tempo que ella póde empregar mais proficuamente; nem mesmo creio que o nosso regulamento permitta entrar em discussões retrospectivas. Portanto deixarei sem resposta as suas considerações, porque seria renovar um debate inutil, e por consequencia seriam inuteis as minhas palavras, como o foram perfeitamente as do sr. ministro da guerra.

O sr. Ministro da Guerra (José Joaquim de Castro): - Peço a palavra.

O Orador: - Admiro a impaciencia do illustre ministro a quem me estou referindo. Quando se é novel na politica, quando sé entra de novo nos conselhos da corôa dão-se ás vezes estes phenomenos; mas o tempo ha de serenar o animo de s. exa. e habitual-o aos usos da vida parlamentar.

Sr. presidente, fiz referencia unicamente, quando ha pouco fallei, ao artigo 2.° do projecto que se discute, e disse que me parecia Uma inutilidade, porque não faz mais que consignar um preceito estabelecido na carta.

É pois evidente que a disposição do artigo 2.° d'este projecto não é necessaria para o governo dar a pensão senão no caso de se querer dispensar as formalidades exigidas pela carta de lei de 2 de julho de 1867.

É necessario, portanto, que o governo diga alguma cousa a este respeito; porque se fosse só para dar a pensão, independentemente d'este artigo, está o governo habilitado a dal-a pela faculdade que lhe confere a lei de 2 de julho de 1867.

Mas dir-me-hão: o que se quer é premiar estes individuos com distincção, e eu estou perfeitamente de accordo; mas o que" é preciso é que tudo isto fique bem claro, e por isso mesmo é que entendo que se devia alterar a redacção do artigo 2.° Isto não é novo, é um systema seguido na outra camara e que conviria que aqui se seguisse sempre; approvar os artigos, salva a redacção, mesmo para se harmonisarem as leis entre si.

Comprehenda bem a camara que o meu pensamento é que a lei fique clara. Emquanto ao mais estou perfeitamente satisfeito com a declaração do sr. ministro da marinha, uma vez que s. exa. diz que está disposto a apresentar as propostas que julgar convenientes para cabalmente premiar estes benemeritos servidores da patria.

O sr. Ministro da Guerra (José Joaquim de Castro): - Sr. presidente, pelo que acabo de ouvir parece que se não deve dizer n'esta casa cousa alguma sobre os factos preteritos, quando eu não fiz mais dó que referir-me aos mesmos factos historiados pelos meus collegas que me precederam na discussão. Se isto assim não foi, então estou eu completamente destituido do sentido da audição.

Repito que estou perfeitamente de accordo com o meu collega, o sr. ministro da marinha, no que respeita a regularisar a situação d'estes officiaes e a remuneral-os condignamente, mas de modo que não vão prejudicar os seus camaradas.

O sr. Ministro da Marinha (Visconde de S. Januario): - Eu acceito a indicação do digno par, o sr. Fontes, de que o artigo 2.° seja approvado, salva a redacção; e pelo que respeita ao pensamento do projecto, vejo que todos nós estamos perfeitamente de accordo.

Effectivamente, o governo, pela lei de 1867, está auctorisado a decretar pensões por serviços extraordinarios, e por isso o artigo parece uma redundancia.

Ha um outro ponto sobre que eu tenho de responder ao digno par o sr. Fontes, isto é, se auctorisado pelo artigo 2.° d'esta proposta de lei, o governo está disposto a apresentar n'esta sessão alguma proposta que tenha por fim galardoar os serviços prestados por aquelles cavalheiros. O governo ha de empregar recursos legaes de que poder dispor para conceder o premio que merecem serviços tão assignalados, e o governo, com a approvação d'este projecto, fica armado com os poderes precisos para conferir esse premio, embora venha depois propor a sua confirmação ás côrtes.

O sr. Barjona de Freitas: - Faz algumas considerações ácerca do modo por que está redigido o artigo 2.° do projecto em discussão.

O sr. Ministro dá Marinha (Visconde de S. Januario): - Eu já concordei em que se declarasse salva a redacção; não me parece que para isso seja necessario fazer-se nenhuma proposta.

O sr. Presidente: - Eu vou dar a palavra ao sr. ministro da marinha, mas antes d'isso permitta-me s. exa. algumas observações para regularidade da discussão.

O digno par o sr. Fontes enunciou a idéa de que era conveniente que o artigo 2.° fosse votado salva a redacção.

Conformou-se com esta idéa o sr. ministro da marinha, e agora sustentou-a largamente o digno par o sr. Barjona de Freitas.

Eu entendo, e peço licença para dizer, que o melhor meio a seguir é mandar o artigo ás commissões reunidas para o redigirem de novo em conformidade com o que acaba de ser expendido. Se o artigo for approvado salva a redacção, quem ha de fazer essa redacção? E evidente que hão de ser as commissões reunidas. (Muitos apoiados.)

O sr. Ministro da Marinha (Visconde de S. Januario): - Nós não podemos considerar abstractamente o artigo 2.° d'este projecto de lei; ternos de ligar o seu sentido com o do artigo 1.° E agora vejo eu que me parece ser absolutamente desnecessario alterar a redacção, porque o intuito do auctor da proposta é desprender-se completamente das prescripções da citada lei de 1867 com relação ao decretamento de pensões por serviços assignalados feitos á patria. E senão, veja-se!

(Leu.)

Repito ainda. Eu creio que o artigo 2.° como está redigido satisfaz ao intuito do legislador; entretanto não me opponho a que seja approvado salva a redacção, mas não me parece necessaria uma redacção muito differente d'esta.

O sr. Barjona de Freitas: - Sr. presidente, estou de accordo com a indicação feita por v. exa. e creio que é de todas a mais rasoavel. Desde que se levantam duvidas sobre a interpretação de um artigo, a primeira de todas ás conveniencias para o governo e para b parlamento é que esse artigo fique de tal fórma que não possam no futuro repetir-se as mesmas duvidas.

Portanto, o alvitre indicado por v. exa. é de toda a vantagem, porque ahi, no seio da commissão, póde o governo explicar o seu pensamente, e redigir-se o artigo em harmonia com esse pensamento.

A questão não é de tão pouca importancia como parece ao sr. ministro da marinha. Em primeiro logar, o artigo l.° não destroe indicação alguma do artigo de que se trata. O artigo 1.° diz que será concedida Uma medalha de oiro aos individuos que tenham prestado ou venham a prestar assignalados serviços na exploração do continente africano, e no artigo 2.° diz-se que o governo poderá dar uma pensão a esses individuos. Mas nós ficamos na duvida se essa pensão que o governo fica auctorisado a dar, tem, para ser decretada, de seguir as prescripções da lei de 1 de julho de 1867; ou se este artigo dignifica que o governo, n'esta parte, póde deixar de proceder em virtude do que dispõe aquella lei.

E, sr. presidente, permitta-me v. exa. que eu diga que esta minha duvida tem fundamento, porque uma excepção d'estas é de uma certa gravidade.

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A lei do 1367 teve por pensamento principal a attingir quanto possivel as pensões, (Apoiados,) e por isso exige, para ellas serem concedidas, casos extraordinario1; é necessario que o individuo a quem tem de ser dada qualquer pensão se torne digno d'ella.

Se o governo não póde, por livre decreto, dar essas pensões, e tem de ser consultada a procuradoria geral da corôa e as outras estações competentes, este artigo tem de ser redigido de outro modo. Pois será rascavel que pelos serviços de que se trata, que podem ser iguaes a outros tambem especiaes e importantes, não sejam dadas pensões como estabelece a lei de 1867?

Não deverão ficar igualmente collocados os que prestaram serviços na Africa e os que prestaram serviço de qualquer outra ordem?

Parece-me eu e para se dar uma pensão á viuva do nobre marechal Saldanha foi necessario seguirem-se as prescripções da lei de 1 de julho de 1867. Pois os serviços d'aquelle distincto marechal são de differente natureza, é verdade, mas não são inferiores aos de que se toma. Se para se dar esta pensão áquella viuva foi necessario ouvir a procuradoria geral da corôa, porque não se segue este mesmo caminho para se darem estas de que se trata?

Dado este caso parece-me que se por um começo extraordinario se podem conceder pensões sem audiencia de ninguem, e se por outros não póde succeder o mesmo, é necessario harmonisar esta lei com as disposições da de 1 de julho de 1867.

O governo não é prejudicado nem perde cousa alguma com a demora de alguns dias. Não se trata aqui de questão politica, nem de impedir a acção do governo. Do que se trata é de aperfeiçoar a lei. O que ou desejo é que quando se trata de dar qualquer pensão por servidos extraordinarios se sigam as formalidades prescriptas na lei. Não me parece conveniente que se dêem pensões por quaesquer serviços extraordinarios com as devidas formalidades, e que para outros, que aliás têem tambem importancia, as não haja. Ha n'isso uma desigualdade, que nenhuma rasão póde justificar, e por isso entendo que este artigo deve voltar a commissão, a fim de que, sendo ouvido o pensamento do governo, as cousas se harmonisem de modo que não se levantem difficuldades de especie alguma.

O sr. Ministro da Marinha (Visconde de S. Januario): - Sr. presidente, se nós formos redigir o artigo que se discute de modo que se refira á especialidade das prescripções e das formalidades indispensaveis para o decretamento da pensão segundo exige a lei de 1867, então torna-se elle desnecessario e basta só o artigo 1.º do projecto.

Ao governo assiste sempre a faculdade, que está auctorisada pela lei de 1867, de decretar pensões em casos extraordinarios por serviços assignalados, satisfeitas certas prescripções, vindo depois ao parlamento pedir a confirmação d'esses decretamentos; mas a intenção do sector do projecto, isto é, do meu illustre antecessor, foi dispensar o governo d'essas formalidades, e essa intenção é evidente, porque, sem fazer referencias á lei de 1867, promette vir ao parlamento pedir a confirmação do decretamento d'essas pensões. Portanto, eu insisto que poderá ser que a redacção do artigo não esteja bem clara para satisfazer esse intuito, isto é, de dispersar as formalidades da lei de 1867 mas creio que elle não precisa ser modificado de modo que tenha de voltar á outra casa, porque desde que se decretarem as pensões o governo terá de vir ao parlamento pedir a sua sancção, e com esse pedido hão de vir todos os esclarecimentos e documentos necessarios para as camaras poderem bem julgar da questão e confirmarem ou approvarem o acto do governo. O que eu vejo [...] que n'esta questão de se galardoarem os serviços dos casados exploradores se levantam sempre duvidas que os vão prejudicar. Se este projecto voltar á commissão e [...] das que o façam voltar á outra camara, os prejudicados são os infelizes exploradores, porque se podem levantar difficuldades na outra casa e demorar ainda muito mais esta recompensa áquelles benemeritos officiaes, ou ficarem sem ella, como ficaram sem o posto de accesso, e estas difficuldades não têem sido levantadas pelo governo.

O sr. Barjona de Freitas: - Sr. presidente, eu não fazia tenção de tornar a tomar a palavra, se não fosse a ultima consideração apresentada pelo sr. ministro da marinha. Parece-me que s. exa. quer attribuir áquelles que levantam duvidas sobre a redacção d'este projecto a responsabilidade de qualquer demora em prejuizo dos exploradores, a que por nossa causa é que se têem levantado duvidas! O que é certo é que as duvidas appareceram na outra [...], e por isso admiram-me as palavras do sr. ministro da marinha, que no anno passado se associou ao pensamento de se conceder uma vantagem áquelles exploradores, e admiro-me ainda quando vejo que o sr. presidente do conselho se associou tambem com enthusiasmo á idéa de se remunerarem aquelles benemeritos officiaes de uma maneira mais larga, e depois não teve força sufficiente para levar os seus amigos politicos a acceitarem na outra casa essa idéa, tendo por isso ficado prejudicados os mesmos exploradores.

Sr. presidente, não posso comprehender o alcance das palavras que acabou de proferir o sr. ministro da marinha. S. exa. ainda ha pouco disse que não se compromettia a dizer qual seria a proposta que havia de apresentar para remunerar os serviços prestados pelos exploradores; mas será de tal urgencia que se vote a auctorisação para se dar uma medalha de oiro aos distinctos officiaes, que não se possa demorar um dia mais a votação d'este projecto, a fim d'este artigo ficar mais claramente redigido? Ora, parece-me que o sr. ministro da marinha é muito capaz de tornar effectiva a remuneração devida aos exploradores, mas tambem creio que não ha inconveniente em demorar um pouco mais a votação d'este projecto.

O sr. Ministro da Marinha (Visconde de S. Januario): - Eu não imputo a responsabilidade a ninguem com relação á demora e aos conflitos que têem levantado ácerca das recompensas aos distinctos exploradores. Apenas lastimo o facto e a infelicidade d'esses officiaes que não os deixa gosar dos beneficios que se têem proposto a seu favor.

Eu já disse com relação ao que acaba de expor o sr. Barjona de Freitas, que o governo tencionava apresentar ainda n'esta sessão alguma medida relativamente ao decretamento de pensões, se esta proposta chegar a ser approvada pelas côrtes.

Quanto a regularisar a situação d'esses officiaes com relação ao seu posto independente do cumprimento da clausula que obriga a completar os eu tempo de serviço no ultramar, parece-me que é uma questão á parte, que não tem relação alguma com o projecto que se discute. O governo ha de tratar d'essa questão, mas repito, ella não implica com a approvação d'este projecto.

Finalmente, na minha opinião não julgo, como já tive occasião de dizer, necessario introduzir uma alteração profunda na disposição d'este projecto, porque evidentemente o intuito da proposta é tornar independente das formalidades exigidas na lei de 1867 o decretamento das pensões.

A camara resolverá o que melhor entender.

O sr. presidente: - Está extincta a inscripção.

Em vista das opiniões manifestas na camara, entendo que devo propor para que o artigo 2.º do projecto volte á commissão a fim de lhe darem uma redacção mais conforme com a idéa em que todos estão de accordo. Se esta proposta não for approvada, então submetterei á votação o artigo 2.º tal qual se acha.

Os dignos pares que approvam que o artigo 2.º volte ás commissões para lhe darem melhor redacção tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - A hora está adiantada e por isso

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DIARIO DA CAMABA DOS DIGNOS PARES DO REINO 23

vou levantar a sessão. A ordem do dia para a proxima sessão que terá logar na sexta feira, 14 do corrente, serão os pareceres dados para a ordem do dia de hoje e alem d'isso o parecer n.° 89.

Está levantada a sessão.

Eram quatro e meia horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 11 de janeiro de 1881

Exmos. srs.: Duques , d'Avila e de Bolama, de Loulé; Marquezes, de Ficalho, de Sabugosa, de Vallada, de Monfalim; Arcebispo de Evora; Condes, de Avilez, de Cabral, de Castro, de Fonte Nova, da Torre, da Ribeira Grande; Bispo de Lamego; Bispo eleito do Algarve; Viscondes, de Elvar, de Borges do Castro, de S. Januario, de Portocarrero, da Praia, do Seisal, de Soares Franco, de Villa Maior; Ornellas, Pereira de Miranda, Mello e Carvalho, Sousa Pinto, D. Antonio de "Mello, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Rodrigues Sampaio, Serpa Pimentel, Cau da Costa, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Eugenio de Almeida, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Margiochi, Andrade Corvo, Mendonça Cortez, Braamcamp, Baptista de Andrade, Pinto Bastos, Castro, Reis e Vasconcellos, Mancos de Faria, Mello Gouveia, Mexia Salema, Luiz de Campos, Camara Leme, Daun e Lorena, Seixas, Franzini, Miguel Osorio, Placido de Abreu, Thomás de Carvalho, Seiça e Almeida, Barjona de Freitas.

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