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22 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O governo de Portugal resolvêra, pois, declarar ao da Gran-Bretanha que condescenderia com o que reputava novas e graves exigencias d'aquelle gabinete e retiraria as forças que lhe era exigido retirar, se o mesmo gabinete desdo logo se obrigasse a acceitar arbitragem para a solução das pendencias que nos dividem na Africa austral. No dia 10 o governo portugues deliberava dar esta resposta, que eu devia transmittir no dia 11 ao ministro de Sua Magestade Britannica n'esta côrte; mas aquelle cavalheiro, procurando-me n'esse mesmo dia, e antes de eu lhe poder communicar a resolução do governo, apresentou-me novo memorandum, concebido nos termos seguintes:

"(Traducção).- O governo do Sua Magestade não póde acceitar como satisfactorias ou sufficientes as seguranças dadas pelo governo portuguez taes como as interpreta. O consul interino de Sua Magestade em Moçambique telegraphou citando o proprio major Serpa Pinto, que a expedição estava ainda occupando o Chire, e que Katunga e outros logares mais no territorio dos makololos iam ser for-tificados e receberiam guarnições. O que o governo de Sua Magestade deseja e em que insiste é no seguinte:

"Que se enviem ao governador de Moçambique instruccões telegraphicas immediatas, para que todas e quaesquer forças militares portuguezas actualmente no Chire e nos paizes dos makololos e mashonas só retirem. O governo de Sua Magestade entende que sem isto as seguranças dadas pelo governo portuguez são illusorias.

"Mr. Petre ver-se-ha obrigado, á vista das suas instruccões, a deixar immediatamente Lisboa com todos os membros da sua legação, se uma resposta satisfactoria á precedente intimação não for por elle recebida esta tarde; e o navio do Sua Magestade Enchantress está em Vigo esperando as suas ordens.

"Legação britannica, 11 de janeiro de 1890."

Não tivemos tempo de vir ao seio da representação na para lhe dar conhecimento do que se passava, nem mesmo o tivemos para reunir o conselho de ministros. Mal pude chamar ao ministerio dos estrangeiros o sr. presidente do conselho de ministros, e com um outro collega, que se achava presente ali resolvemos, n'estas gravissimas circumstancias, a pedir a Sua Magestade El-Rei auctorisação para ser immediatamente convocado o conselho d'estado, a fim de lhe submettermos os documentos sobre a questão, dando ensejo a que o governo se inspirasse nos conselhos patrioticos, na esclarecida e auctorisada opinião dos homens que ali têem logar e que, com excepção de quem no momento presente tem a honra de fallar n'esta camara, estão carregados de longos e valiosos serviços prestados ao paiz. A sua experiencia muitas vezes provada era uma garantia de que no exame de uma tão grave questão empenhavam todos o desejo do acertar e de que se chegasse, apoz meditada deliberação, a approvar a solução menos desvantajosa para o paiz.

O governo, apresso-me a dizel-o, consultando o conselho d'estado e querendo inspirar-se na discussão, realisada no seio d'aquella assembléa, não significava com isso nem significa de modo algum que declina qualquer especie de responsabilidade da resolução que adoptou por fim, responsabilidade que é toda sua e que assume inteira perantt esta camara, perante a camara popular, perante o paiz a Europa, sem receio de que pela sua parte possa com justiça ser arguido de ter praticado qualquer acto que naõ lhe fosse imposto por aquillo que reputou constituir a mais altas conveniencias publicas.

N'estas condições, o governo, deliberando por si, sob sua inteira responsabilidade, depois da discussão que teve logar no conselho d'estado, á qual não posso e não devo referir-me por outra fórma, resolveu por fim que communicasse ao sr. ministro de Inglaterra n'esta côrte que o governo entendia dever ceder ás exigencias e á pressão do gabinete britannico e que expediria ordens n'essa conformidade para o governador geral de Moçambique.

Eis o que se realisou nos seguintes termos:

"Illmo. e exmo. sr.- O governo portuguez julgava, e julga, haver, com a sua nota de 8 do corrente, satisfeito por inteiro quanto d'elle reclamava o de Sua Magestade Britannica. Antecipando-se á segurança de uma justa reciprocidade, que deveria constituir o natural preliminar das suas resoluções, apressou-se a enviar para Moçambique as ordens mais terminantes no sentido de fazer respeitar desde logo, em toda a provincia, o compromisso que tomára, no íntuito de facilitar a realisação de um accordo com a Gran-Bretanha, pelo qual o governo portuguez sempre pugnou.

"O governo de Sua Magestade mantem igualmente o pleno direito que lhe assiste, quando a sua resposta não lograsee satisfazer a Inglaterra, de collocar-so ao abrigo do que preceitua o artigo 12.º do acto geral da conferencia de Berlim, recente e solemne compromisso em que a Gran-Bretanha, como todas as potencias signatarias, se obrigou a acceitar a mediação, e a recorrer facultativamente á arbitragem, como meio de resolver pendencias da natureza d'aquella que inesperadamente se levantou com Portugal.

"Pelo memorandum que v. exa. me entregou em 10 do correnie formula-se, porém, a titulo de explicação, o que o governo de Sua Magestade reputa uma exigencia inteiramente nova, que, pela sua extrema gravidade, não poderia ter deixado de vir expressa e claramente formulada em a nota de v. exa. de 5 do corrente, se então estivesse na mente do governo de Sua Magestade Britannica realisal-a. Refiro-me á retirada para o sul do Kuo, fronteira que não pode ser reconhecida por Portugal, de quaesquer forças portuguezas que se conservassem ainda hoje no paiz dos makololos, e até á retirada de quaesquer postos militares, estabelecidos pacificamente, com a plena e inteira acquiescencia, dos naturaes, nos territorios que a Inglaterra chama dos Matebele e Mashonas.

"Ainda mesmo antes de conhecida a resposta do governo portuguez a esta nova exigencia, era-me por v. exa. entregue um outro memorandun em 11 do corrente, no qual, sobre a base de declarações attribuidas ao major Serpa Pinto (que aliás desde muito saira do Chire com toda a expedição do reforço que organisara) de que Katunga, bem como outros pontos do paiz dos makokolos seriam fortificados e viriam a receber guarnições, o que aliás se tornára impossivel de realisar em face das instrucções terminantes, expedidas pelo governo de Sua Magestade para Moçambique, instrucções de que dei conhecimento a v. exa. e das quaes junto officialmeute copia a este despacho, v. exa. não só insiste em nome do seu governo na retirada das forças portuguezas dos territorios, dos mokololos e mashonas, mas declara que, a não receber no decurso da tarde do mesmo dia 11 uma resposta satisfactoria á intimação que me dirigia, tinha instrucções para se retirar de Lisboa com todos os membros da legação, esperando em Vigo as suas ordens o navio Enchantrets.

"Na presença de uma ruptura imminente de relações com a Gran Bretanha, e de todas as consequencias que d'ella poderiam talvez derivar-se, o governo de Sua Magestade resolveu ceder ás exigencias recentemente formuladas nos dois memorandus a que alludo, e resalvando por todas as fórmas os direitos da corôa de Portugal nas regiões africanas de que se trata, protestando bem assim pelo direito que lhe confere a artigo 12.° do acto geral de Berlim, de ver resolvido definitivamente o assumpto em litigio por uma mediaçãc ou pela arbitragem, o governo de Sua Magestade vae expedir para o governador geral de Moçambique as ordens exigidas pela Gran-Bretanha.

"Aproveito a occasião para renovar a v. exa. as seguranças da minha alta consideração.

"Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, 11 de janeiro de 1890. = Henrique de Sarros Gomes."

Sr. presidente, eu mando para a mesa estes documen-