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N.º 4

SESSÃO DE 13 DE JANEIRO DE 1890

Presidencia do exmo. sr. José de Sande Magalhães Mexia Salema

Secretarios-os dignos pares

Manuel Paes Villas Boas
D. Miguel Pereira Coutinho

SUMMARIO

Lei e approvação da acta. - Correspondencia. - O SR. Hintze Ribeiro manda para a mesa um parecer da commissão de verificacão de poderes, que recaiu no requerimento em que o sr. conde de Thomar póde para tomar assento n'esta camara por direito de successão.- O sr. ministro dos negocios estrangeiros manda para a mesa duas propostas de accumulação, e em seguida le á camara muitos documentos relativos ao conflicto com a Inglaterra, ácerca da occupação de terrenos na costa oriental de Africa, e acompanha essa leitura de algumas explicações. São approvadas as propostas mandadas para a mesa pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros.- O sr. presidente do conselho declara que pediu, e obteve, a exoneração do gabinete a que tem a honra de presidir, e que foi encarregado de organisar o novo governo o sr. Antonio de Serpa.- O sr. presidente diz que, em presença das declarações do sr. presidente do conselho, vai encerrar a sessão.- O sr. visconde de Moreira de Rey observa que tinha pedido a palavra.-O sr. presidente pondera que não póde permittir que a sessão continue.- O sr. visconde de Moreira de Rey replica; mas o sr. presidente, insistindo na rasão primitivamente apontada, encerra a sessão, e apraza a seguinte para quarta feira proxima.

Ás duas horas e tres quartos da tarde, estando presentes 19 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia.

Officio do sr. conde de Thomar, agradecendo á camara o voto de sentimento lançado na acta pelo fallecimento de seu pae, o digno par marquez de Thomar.

O sr. Presidente:- A camara fica inteirada, seguindo-se, com relação a este officio, as praxes estabelecidas.

O sr. Hintze Ribeiro: - Mando para a mesa o parecer da commissão de verificação de poderes, que approva o requerimento em que o sr. conde de Thomar pede para tomar assento n'esta camara por direito hereditario. Peço a, v. exa., sr. presidente, que dê a este documento o destino conveniente.

O sr. Presidente: - O parecer mandado para a mesa pelo sr. Hintze Ribeiro vae a imprimir. Tem a palavra o sr. ministro dos negocio estrangeiros.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - Sr. presidente, usando da palavra, começarei por mandar para a mesa duas propostas governativas, a fim de os dignos pares, os srs. Montufar Barreiros e Agostinho de Ornellas poderem accumular, querendo, as funcções legislativas, com as que exercem no meu ministerio.

Dito isto, cumpre-me, no desempenho de um dever sagrado, não direi chamar a attenção da camara, do que e não carece, por certo, mas referir-me aos graves acontecimentos de que todos têem já maior ou menor conhecimento, e que se verificaram n'estas ultimos dias.

Esses acontecimentos precipitaram-se por fórma tal, que não foi possivel ao governo encontrar occasião para, n'esta casa do parlamento, que já se achava funccionando, se podesse levantar qualquer debate, formular alguma pergunta, pedir os esclarecimentos que habilitassem a camara a formar a sua opinião sobre o assumpto, dando ao governo qualquer indicação que podesse ser util para a melhor direcção das negociações delicadas e importantissimas que estavam correndo n'aquelle momento.

O governo está conscio que cumpriu o seu dever, não declina de fórma alguma a responsabilidade de qualquer acto que praticasse no desempenho da missão espinhosa que lhe estava confiada, e tem a convicção que fez quanto póde para salvaguardar a dignidade nacional e os interesses mais caros do paiz.

N'esta ordem de idéas e inspirando-se nas responsabilidades que pesam por inteiro no seu animo, o governo apressa-se a vir submetter ao exame do parlamento os documentos mais recentemente trocados entre a legação de Sua Magestade Britannica n'esta côrte e a chancellaria portugueza.

Esses documentos provam de modo cabal e completo, a meu ver, o que eu ha pouco declarei, isto é, que a forma por que se precipitaram os acontecimentos tornou de todo impossivel suscitar n'esta casa qualquer debate previo, que tivesse podido, como eu ha pouco disse, esclarecer o governo sobre a melhor maneira de dirigir as negociações, alliviando assim o fardo da responsabilidade a que elle vergava.

A camara toda sabe que entre outros emprehendimentos e diligencias que o governo tem realisado no sentido de affirmar o dominio da nação portugueza em África e accentuar os direitos que ali nos creou uma acção tres vezes secular, figura a organisação de numerosas expedições enviadas áquellas regiões e destinadas a contrariar o argumento que constantemente se nos oppunha, de que não tratavamos da sua occupação effectiva e de as administrar pela fórma a mais propria para obter d'aquelles vastos e ricos territorios todo o proveito de que elles são susceptiveis.

oi assim que o governo resolveu em março ou abril do anno passado acrescentar ás tres expedições organisadas em 1887 e 1888 e dirigidas por Antonio Maria Cardoso, Victor Cordon e Paiva de Andrada uma quarta expedição que estudasse uma secção do caminho de ferro, destinado a vencer as cataractas do alto Chire e permittisse aproveitar melhor a navegação d'este rio, assegurando a communicação do lago Nyassa com o mar.

D'essa expedição não fez o governo mysterio.

Toda a imprensa de Lisboa e estrangeira deu noticia do facto, e ácerca d'elle conferenciei por duas vezes com o representante britannico n'esta côrte.

Mais tarde, no decurso dos acontecimentos, e a proposito da resistencia que foi necessario oppôr no chefe dos makololos trocaram-se de novo explicações entre o governo portuguez e o ministro de Inglaterra. Ás perguntas e reparos d'este, respondi sempre mantendo e sustentando os direitos que nos assistem e declarando de modo formal que as missões e estabelecimentos britannicos nas regiões do Nyassa e do Chire seriam em todo o caso e absolutamente respeitados.

Em 17 de novembro houve noticia em Lisboa e d'aqui

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foi transmittida para toda a Europa em 19, de que os makololos tinham atacado em Mupassa, ao sul do Ruo, as nossas forças, as quaes ali se haviam conservado na defensiva esperando Alvaro Castellões a occasião de poder desempenhar a missão que lhe tinha sido confiada.

Um mez depois d'estes acontecimentos serem conhecidos em toda a Europa, chegou a Inglaterra o relatorio do reverendo bispo Smithyes, e foi este relatorio que determinou a imprensa ingleza a organisar contra Portugal uma campanha muito violenta.

Foi tambem então, e só então, que o governo inglez, saindo da abstenção que observara, entendeu dirigir por meio da legação britannica n'esta côrte ao governo portuguez a seguinte communicação.

(Traducção).- Lisboa, 18 de dezembro de 1889.- Senhor ministro.- O governo de Sua Magestade recebeu noticia, baseada na auctoridade do bispo anglicano Smythies, bem como a de um viajante francez, de que os makololos foram atacados pelo major Serpa Pinto, depois do consul Buchnan lhes ter declarado que estavam sob a protecção da Inglaterra; de que o major com uma força de 4:000 homens, sete metralhadoras e tres vapores se achava em Ruo, e que tinha declarado officialmente que era intenção sua tomar posse de toda esta região até ao lago Nyassa.

«Avisou, alem d'isso, as estações inglezas de Blantyre de que teria de collocar-se sob a protecção de Portugal ou de soffrer as consequencias, que poderiam resultar de assim o não fazerem. Foram vistas pelo bispo Smythies declarações escriptas n'este sentido.

«O governo de Sua Magestade preveniu o de Sua Magestade Fidelissima, de que não poderia permittir qualquer ataque ás estacões inglezas situadas, quer no rio Chire, quer na parte meridional do lago Nyassa, e estou encarregado de lembrar a v. exa. que o ataque dirigido contra os makololos, depois do representante britannico ter annunciado que estavam sob a protecção de Sua Magestade a Rainha, é uma grave infracção dos direitos de, uma potencia amiga. O governo de Sua Magestade não póde consentir n'estes factos, nem no procedimento adoptado por Portugal.

«Encarrega-me portanto o marquez de Salisbury de pedir ao governo portuguez que declare que não permittirá ás forças portuguezas qualquer ataque ás estações britannicas do Nyassa ou do Chire, nem ao paiz dos makololos, e alem d'isso que não lhes consentirá atacar o territorio sujeito a Lubengula, ou qualquer outro territorio que se tenha declarado estar sob a protecção da Gran-Bretanha. E por ultimo que qualquer funccionario portuguez que tenha procedido d'este modo será demittido pelo governo portuguez.

«Tenho a honra de solicitar de v. exa. uma resposta, com a possivel brevidade, ao pedido que a v. exa. acabo de fazer em conformidade com as instrucções do governo de Sua Magestade, e aproveito a occasião para reiterar a v. exa. os protestos da minha mais alta consideração. = George G. Petre.»

Esta nota foi-me entregue a 18 de dezembro, e a 20 do mesmo mez, respondia eu nos seguintes termos:

«Lisboa, 20 de dezembro de 1889.-Illmo. e exmo. sr.- Tenho a honra de accusar a recepção da nota que v. exa. me dirigiu, em 18 do corrente, ácerca dos acontecimentos verificados no Alto Chire. Dou-me pressa em responder á sua communicação, expondo por meu lado os factos, como e até onde d'elles se acha actualmente informado o governo de Sua Magestade.

«A perturbação n'aquellas regiões não é recente. Em 15 de junho foi o governador de Quelimane avisado pelo commandante militar de Massingire, que o caminho central do Chire fôra fechado pelos makololos, que haviam atirado sobre um vapor da Afrikan Leakes Company, tendo este regressado e os seus tripulantes pedido auxilio, que mais tarde se declarou não ser já necessario (embora se tivesse chegado a accordar os termos em que elle devia ser prestado) por haver o dito vapor conseguido atravessar, com o reforço de outro navio e de alguma gente armada a bordo.

«Em 9 de julho o commandante militar de Massingire communicava para Quelimane que as relações com a margem direita do Chire continuavam interrompidas. Pedia urgentemente força para evitar serias consequencias.

Em 15 de julho respondia o governador de Quelimane recusando-a, e claramente accentuava a rasão da recusa. Receiava com a presença d'essa força ir, em apparencia, justificar boatos, que adredo se espalhavam, de que o governo pretendia levar guerra áquellas terras, sobresaltando os régulos, e predispondo-os contra a auctoridade e os funccionarios portuguezes.

«Achava-se a 15 de junho em Mopêa o major Serpa Pinto com os engenheiros Álvaro Ferraz e Themudo, retidos ali per doença grave, que os impedia de proseguir no desempenho da commissão official, que lhes fôra incumbida em 30 de março d'este armo. Tendo seguido mais tarde para a aldeia do Pinda, onde se achava em meiados de julho, foi ali informado de qual era o estado das cousas em Mupaasa. Em 15 telegraphava para Quelimane, accentuando «ser absolutamente preciso que fosse amigavel a resolução da questão, reputava um grande erro levantar conflicto com os makololos». Para o commandante de Massingire recommendava prudencia, acautelando o contra a natureza e effeito possiveis dos boatos, que insistente e malevolamente se propalavam.

«A 18 de julho uma communicação de Massingire indicava terem-se modificado muito favoravelmente as circumstancias, resolvendo se por isso o major Serpa Pinto a seguir mais tarde para Messange com os dois engenheiros, e encontrando-se a 8 de agosto com o consul geral de Sua Magestade Britannica, que partira de Moçambique, algum tempo antes, munido de recommendação especial para todos os officiaes e auctoridades portuguezas, e entre ellas especialmente as do Chire e sul do Nyassa, para quem o referido consul se encarregara de levar correspondencia official do governador, caso este a tivesse para lh'a transmittir.

«A conferencia parece ter sido tão amigavel, que o major Serpa Pinto chegou a pedir a mr. Johnston o transporte de dois engenheiros no seu vapor, para convencerem o regulo Melaure a deixal-os proseguir pacificamente, visto a impossibilidade de seguirem por terra, transporte este que lhe foi recusado.

«A 23 de agosto o major Serpa Pinto descia para Quelimane, e os dois engenheiros avançavam para Mupassa, acompanhados de um pessoal, que, pelo seu numero limitado, excluia qualquer idéa de aggresão, e em Mupassa eram atacados nos termos e pela fórma constantes do relatorio já publicado, e de que junto uma copia.

«Em 31 de agosto o engenheiro Ferraz mandava, já fortificado era Mupassa, e portanto na defensiva, telegraphar para Serpa Pinto, em Quelimane, que receiava um ataque, na margem esquerda, por forças numerosas vindas do norte, tendo elle Ferraz tudo preparado para se defender com a menor perda possivel da sua gente.

«Foi n'estas condições que Serpa Pinto veiu a Moçambique solicitar soccorros, que de modo algum lhe podiam ser negados na presença dos factos occorridos, sem arriscar a pequena expedição que ficára em Mupassa, e o prestigio do nome portuguez n'aquella região.

«Quer o governo de Sua Magestade- Britannica ver nas declarações de mr. Buchanan um motivo para condemnação dos factos, que occorreram posteriormente, e que foram a consequencia natural de quanto acima deixei dito.

«A correspondencia trocada entre mr. Buchanan e o major Serpa Pinto, em 19 e 21 de agosto, explica bem claramente as rasões por que Serpa Pinto entendeu não bastarem taes declarações para tolher ajusta defeza da expedi-

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ção, e evitar que, pela retirada desta, viessem a ser, como infalivelmente o seriam, atacados os prazos Massingire e Maganja.

«Similhantes declarações achavam-se, alem do mais, era completa opposição com as que officialmente haviam sido feitas, era Londres, pelo governo de Sua Magestade Britannica nas duas casas do parlamento, e fôra d'ellas, ainda em março e maio d'este anno, de que a região de que se trata nem constituia territorio britannico, nem estava sob o protectorado da Gran-Bretanha.

«Cumpre acrescentar que, apesar da data já bastante afastada dos dois documentos acima referidos, e do conhecimento que d'elles deveria necessariamente haver na Europa, nunca o facto a que o primeiro d'elles se refere foi oficialmente notificado ao governo de Sua Magestade Fidelissima.

«Dos factos que succintamente deixo narrados infere-se:

«l.° Que o governo portuguez organisára uma expedição de caracter puramente technico, sem recursos de pessoal para emprehender uma guerra. Da natureza d'essa expedição teve conhecimento o governo de Sua Magestade Britannica. A ella se referiram em tempo todos os jornaes, incluindo os inglezes, sem que suscitasse o minimo reparo o local onde ella devia operar.

«2.° Que ao bom exito d'essa expedição se oppozeram as perturbações occorridas no Chire, e mais tarde os boatos espalhados e os manejos exercidos no intuito expresso de a contrariar.

«3.° Que a expedição portugueza foi durante a ausencia do major Serpa Pinto atacada, e que não atacou.

«4.º Que o ataque se verificou ao sul da foz do Ruo. Refiro esta circumstancia pela sua innegavel importancia, e não porque o governo de Sua Magestade possa reconhecer, como limite da provincia de Moçambique, o que lhe era fixado pelo tratado de 1884, que não chegou a ser ratificado.

«Cumpre-me acrescentar que o major Serpa Pinto apenas eventualmente interveiu n'estes acontecimentos. O dirigir a principio os dois engenheiros pelas regiões do Chire constituia uma parte muito accessoria da missão, que o levara á Africa, missão para a qual, nos termos do artigo 1.° das suas instrucções, deveria, salvo casos extraordinarios, empregar todos os meios pacificos de acção e de influencia.

«Acerca d'essa missão, bem como dos reforços que o major Sepa Pinto veiu buscar a Moçambique, se trocaram por vezes explicações entre o governo de Sua Magestade Fidelissima e o de Sua Magestade Britannica, tendo eu sempre declarado que as pessoas, estabelecimentos e propriedades britannicas seriara, em qualquer hypothese, absolutamente respeitados.

«Em que condições se verificou o combate, de que houve conhecimento em Lisboa e na Europa inteira em 17 e 19 de novembro, combate verificado ainda para áquem do Ruo? Que factos se passaram posteriormente? Quaes as relações entre o major Serpa Pinto e as missões ou estações commerciaes britannicas?

«Nada consta por emquanto em Lisboa, fóra dos termos concisos do telegramma já referido de 17 de novembro. O governo de Sua Magestade pediu as necessarias informações para Moçambique, para assim corresponder, como lhe cumpre, aos desejos manifestados pelo gabinete de Londres.

«Entretanto, para se ver até que ponto parecem ser inexactas as informações recentemente vindas para a Europa por via de Zanzibar, bastará notar que v. exa. falla em 4:000 homens, e que um telegramma do governador geral de Moçambique, de 7 de outubro, menciona apenas 2:000. V. exa. refere-se a sete metralhadoras e tres vapores; o governo de Sua Magestade não tem noticia senão de uma metralhadora e de um só vapor.

«Por igual se exagerou na imprensa a centos de homens a mortalidade, que consta haver sido de 72.

«É, pois, licito suppor que nem só n'esses promenores são inexactas as informações transmittidas de Zanzibar, e este governo confia que o serão, muito particularmente, no que se refere ás relações entre o major Serpa Pinto e os estabelecimentos inglezes, taes e tão instantes haviam sido sempre as recommendações do governo de Sua Magestade áquelle official.

«Respondendo agora aos pontos concretos, ácerca dos quaes v. exa., por ordem do seu governo, me formulou um certo numero de quesitos, cumpre-me assegurar a v. exa. o seguinte:

«1.° O governo de Sua Magestade nunca auctorisou, nem approvará, qualquer ataque dirigido contra os estabelecimentos britannicos junto ao Niassa e ao Chire;

«2.° Não póde ser seu proposito atacar territorios pertencentes a Lubengula, mas sim, e unicamente, manter-se e defender-se n'aquelles, que repute pertencentes á corôa de Portugal, e onde existem régulos directamente avassallados, ou dependentes do Gungunhana;

«3.° O governo portuguez, por maior que seja a sua deferencia para com o da Inglaterra, não póde deixar, por dignidade propria, de se reservar o direito de apreciar, em face da narração completa dos factos, o procedimento do major Serpa Pinto no paiz dos makololos.

«Apresso-me a informar a v. exa. que foram já telegraphicamente para Moçambique as ordens mais terminantes para que sejam respeitados os estabelecimentos e os interesses britannicos e que o governo de Sua Magestade apreciará, animado por sua parte, de um espirito da maior conciliação, o completo conjunto dos factos, quando estes sejam definitivamente conhecidos pelos dois governos.

«Aproveito a occasião para reiterar a v. exa. os protestos da minha alta consideração. = Barros Gomes.»

Aqui tem, pois, v. exa. o texto completo das duas communicações; a nota de 18 de dezembro e a minha resposta de 20 do mesmo mez.

Sobre o assumpto nenhuma outra communicação se trocou até 6 de janeiro.

Continuou, porém, entre os dois governos a correspondencia ácerca das questões de África, e foi assim que eu recebi a 2 de janeiro d'este anno uma resposta bastante extensa áquelle meu despacho, dirigida á nossa legação em Londres e de que, por minha ordem fora entregue uma copia ao governo britannico pelo sr. conselheiro Dantas, despacho em que bem claramente eu affirmava o proposito de se manter es direitos da corôa de Portugal direitos affirmados pela historia, apoiados até no testemunho insuspeito de factos narrados por escriptores e viajantes inglezes, os mais versados no assumpto, e mais recentemente confirmados pelo exito brilhante das nossas expedições.

Em 2 de janeiro, pois, como disse, recebia eu resposta á minha nota, á qual por meu turno tencionava responder sem muita demora.

D'aquella nota, seja qual for o valor dos seus argumentos, e a maneira por que n'elle se apreciavam os do governo portuguez, é certo que nada havia podido justificar a idéa da existencia de uma crise aguda entro os dois governos, embora ali se continuasse a negar, e do modo mais formal, os direitos que Portugal affirma nas regiões disputadas ao norte e ao sul do Zambeze.

Insisto n'este ponto, e para elle continuo chamando toda a attenção da camara: isto passava-se a 2 de janeiro. Não havia então nada no teor da correspondencia diplomatica trocada que fizesse suppor que uma crise, uma crise agudissima, viria a estabelecer-se em poucos dias entre os dois governos, a qual se se tivesse protelado por mais algum tempo, daria occasião ao menos a que o governo viesse ao seio do parlamento aconselhar-se sobre a melhor maneira de encaminhar as negociações, e de resolver assumpto tão grave.

A 5 de janeiro era-me, porém, dirigida uma nota que eu só recebi a 6, e essa nota é a seguinte;

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«Legação britannica - Lisboa, 5 de janeiro de 1890.- Sr. ministro. - Tendo o governo de Sua Magestade prestado cuidadosa attenção á resposta de v. exa. de 20 do ultimo, á nota que eu tive a honra de lhe dirigir no dia 18, segundo as instrucções do marquez de Salisbury, ácerca do procedimento do major Serpa Pinto no Chire, cumpre-me informar-vos que elle lamenta não encontrar n'ella essas precisas e explicitas affirmações que eu tinha instrucções para pedir o que elle julga essencial obter.

«As noticias recebidas ácerca dos actos do major Serpa Pinto e dos officiaes ás suas ordens são necessariamente incompletas por emquanto; mas as explicações dadas por v. exa. não invalidam por fórma alguma o facto de que a approximação de uma força militar, cuidadosamente organisada e bem equipada, do paiz dos makololos produziu uma geral impressão de que existia a intenção deliberada de provocar hostilidades e de estabelecer pela força das armas o dominio de Portugal no paiz dos makololos e nos districtos marginaes do Chire e do Nyassa, onde os estabelecimentos e as missões britannicas estão instituidos.

«O procedimento subsequente da expedição só tem tendido a confirmar e augmentar essa impressão, e tem compromettido gravemente a posição do governo de Sua Magestade para com as tribus indigenas que contam com a sua protecção e para com os subditos britannicos que têem tão fortes direitos á sua sympathia e auxilio.

«A affirmação de v. exa. de que foram os makololos que atacaram a expedição e que o combate se limitou á defeza, não parece ao governo de Sua Magestade ser de muito peso, pois que a acção dos makololos, quer tomassem a offensiva ou não, foi unicamente determinada pelo desejo de proteger o seu terrtorio contra a invasão. Deve, alem d'isso observar-se, que no summario das informações telegraphicas recebidas do major Serpa Pinto, de que v. exa. me tem communicado, faz-me menção de uma campanha travada no territorio dos makololos, visto que o major Serpa Pinto declara que os makololos foram submettidos e o rio Chire occupado. V. exa. esforça-se por justificar o procedimento do commandante portuguez em recusar reconhecer a declaração que lhe foi feita por mr. Buchanan, de que os makololos estavam sob o protectorado britannico. Devo notar que mr. Buchanan, funccionando como cônsul britannico, era o representante do governo de Sua Magestade na localidade: se o major Serpa Pinto julgava que o representante britannico, nos actos que praticou, tinha excedido os seus poderes, o verdadeiro caminho era informar o seu governo para que este podesse reclamar a desapprovação de tal proceder.

«Recusar reconhecer a declaração e proceder sem attenção a ella foi absolutamente injustificavel, e contrario ás praticas universaes que regulam as relações de estados civilisados e amigos nas suas questões internacionaes.

«O governo de Sua Magestade não pediu uma satisfação pelo que se praticou. Tem a melhor vontade de deixar ao governo portuguez o direito, reclamado por v. exa., de formar o seu juizo a respeito do procedimento dos officiaes portuguezes, depois de receber uma completa resenha dos factos. Mas insiste n'uma immediata e distincta affirmação de que se não tentará resolver as questões territoriaes por actos de força, nem estabelecer dominio portuguez em districtos onde predominem interesses britannicos. Se o governo de Sua Magestade não poder obter tal segurança do governo portuguez, será de seu dever tomar as medidas que julgar necessarias para tornar effectiva a protecção d'esses interesses.

«Tenho por isso instrucções para repetir a v. exa. o formal e categorico pedido de uma immediata declaração do governo portuguez, de que ás forças de Portugal se não permittirá interferir nos estabelecimentos britannicos do Chire e Nyassa, nem no paiz dos makololos, nem nos que fazem parte do governo de Lobengula, nem em qualquer outro que tenha sido declarado sob o protectorado britannico: e alem d'isso que não tentará estabelecer ou exercer jurisdicção portugueza em alguma parte d'aquelles paizes sem previo accordo entre os dois governos.

«Peço ainda a v. exa. o favor de uma resposta a esta nota antes da noite de 8 do corrente.

«Aproveito d'esta opportunidade para renovar a v. exa. a segurança da minha mais alta consideração.

«"A s. exa. o sr. Barros Gomes, ministro dos negocios estrangeiros, etc. = George G. Petre.»

A esta nota deu o governo a seguinte resposta; mas antes do a ler eu devo chamar a attenção da camara para algumas das disposições do acto geral da conferencia de Berlim a que ella se refere.

Toda a camara sabe que o artigo 1.° do acto geral da conferencia de Berlim define o que se convencionou chamar a bacia commercial do Congo ou Zaire, e que essa bacia abrange, não só aquelle grande rio e todos os afluentes, mas ainda o curso do rio Chire e Nyassa e o Zambeze; estabelecendo, porém, no mesmo artigo uma reserva forma em favor d'aquellas potencias que já tenham soberania nas regiões orientaes de Africa referidas, reserva consistindo em que as disposições do acto geral sómente ali seriam applicaveis, mediante o consentimento previo das mesmas potencias.

Ora, como v. exa. sabem, o artigo 12.° do acto geral terminantemente declara que, desde que se levante qualquer conflicto ou questão entre as nações signatarias d'aquelle documento por causa dos territorios a que se refere o artigo 1.°, essas nações, antes de recorrerem ás armas, serão obrigadas a lançar mão da mediação de uma ou mais nações amigas, recorrendo tambem facultativamente á arbitragem.

Eu dei estas explicações porque sem ellas talvez não se fizesse entender de toda a camara a argumentação da parte final da minha nota.

A resposta do governo portuguez é a seguinte:

«Lisboa, 8 de janeiro de 1890. - Illmo. e exmo. sr. - Tenho a honra de accusar a recepção da nota datada de 5 do corrente, que me foi entregue a 6, na qual v. exa. me informa não haver o governo de Sua Magestade Britannica encontrado, na minha nota de 20 de dezembro ultimo, aquellas precisas e explicitas seguranças que julga essencial obter.

«Reconhece v. exa. que as informações sobre os actos do major Serpa Pinto e seus subordinados são necessariamente incompletas. Acrescenta, porém, varias reflexões, que ao governo de Sua Magestade Britannica são suggeridas pela organisação da expedição militar portugueza, sua acção no paiz dos makololos, e pela communicação de mr. Buchanan ao major Serpa Pinto. De tudo infere o governo britannico a necessidade de instar por uma declaração de que se não tentará decidir questões territoriaes por actos de força, ou estabelecer o dominio de Portugal onde predominem interesses britannicos; e, portanto, encarrega a v. exa. de pedir ao governo portuguez uma prompta declaração de que não permittirá ás forças portuguezas que intervenham nos estabelecimentos inglezes do Chire e do Nyassa, no paiz dos makololos, nas regiões que governa Lobengula, ou em qualquer outro paiz sob o protectorado britannico, e, ainda mais, que se não farão tentativas para estabelecer ou exercer jurisdicção portugueza n'aquelles paizes sem previo accordo entre os dois governos.

«Conclue v. exa. pedindo que lhe faça chegar a minha resposta antes do dia 8 á tarde.

«Releve-me v. exa. se eu começo lastimando a circumstancia de Se me haver marcado um praso para responder. O alto apreço que sempre tenho mostrado ligar á manutenção das boas relações entre Portugal e a Gran-Bretanha nunca me consentiu demorar as minhas respostas, quando d'essa demora podesse provir o ser por qualquer fórma arriscado interesse tão capital.

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«Sente o governo portuguez que as explicações já dadas não tenham satisfeito o de Sua Magestade Britannica. Continuando a considerar essencial a circumstancia de que o limitadissimo pessoal que compunha a primeira expedição de todo excluia o intuito aggressivo que só lhe quer attribuir; não podendo de modo algum considerar justificada a declaração de um protectorado, nos termos em que esta foi feita, sobre um territorio ácerca do qual a corôa portugueza constantemente affirmára os seus direitos, e, derivando-se d'estes dois factos capitães o curso todo dos acontecimentos, aliás ainda incompletamente conhecidos, é possivel que da diversa apreciação dos mesmos factos resulte o serena lidas por insuficientes, por parte do governo britannico, as explicações e seguranças já dadas pelo governo de Sua Majestade Fidelissima. É porem tão vivo o nosso desejo de chegar áquelle previo accordo sobre todas as questões pendentes, a que v. exa. se refere na conclusão da sua nota, que não hesita este governo em ir mais longe, no intuito de por seu lado o facilitar. Procede assim em harmonia com os seus constantes precedentes, porquanto repetidas vezes tem instado pela celebração d'esse accordo, não se havendo recusado nunca a discu-tir-lhe os termos, nem recuado até, para melhor lhe assegurar o exito, perante os mais valiosos sacrificios.

«Era tão importante a declaração do governo da Gran-Bretanha, de que desejava negociar um accordo com Portugal, que o governo portuguez na sua resposta, dando-lhe todo o valor que essa declararação merecia, não hesitou em acceitar condições, que sem ella não podia decorosamente acceitar.

«Perseverando, portanto, n'essa ordem do idéas, não duvida agora o governo portuguez expedir instrucções ás suas auctoridades em Moçambique, para que nenhum acto de força se pratique contra os estabelecimentos britannicos do Chire e do Nyassa, como aliás sempre foi ordenado, nem contra o paiz dos makololos, ou os que se acham sob o governo de Lubengula, ou qualquer outro a respeito do qual se allega haver-se declarado o protectorado por pai te do governo britannico; e tambem pura que nenhuma tentativa se realise para o estabelecimento e exercicio da jurisdicção portugueza n'aquelles territorios sem que previamente se tenha a seu respeito chegado a um accordo entre os dois governos. Confia, porém, inteiramente, pela sua parte, o governo de Sua Magestade Fidelissima que o de Sua Magestade Britannica, por uma justa reciprocidade para com uma potencia desde de tão longe amiga e alliada, dará similhantemente instrucções ás suas auctoridades ou representantes, para que se abstenham tambem de qualquer acto novo que altere a situação da pendencia, emquanto esta não for definitivamente resolvida pelo accordo a que se refere a nota de v. exa.

«Parece assim a este governo ter satisfeito ao que d'elle deseja Sua Magestade Britannica. Com effeito, não só não diligenciará resolver pela força quaesquer questões territoriaes, mas aguardará, fiado no seu direito e presupposta sempre uma justa reciprocidade, o accordo desejado entre os dois governos, para estabelecer e exercer definitivamente a sua jurisdicção em qualquer porção dos territorios contestados, tornando assim dependente do resultado da discussão, e entrando, portanto, nos termos do accordo a celebrar, a resolução ainda mesmo das questões territoriaes que possam ter tido começo ou complemento de solução por effeito dos acontecimentos recentemente occorridos no Chire.

« Portanto o governo portuguez não tinha duvida em mandar instrucções para Moçambique, precisamente nos termos em que se pediam, desde o momento em que se mantivesse o statu quo, e que houvesse reciprocidade por parte do governo inglez.

«Se, porém, esta resposta, ainda não satisfizer o governo britannico, ou se, contra uma justa espectativa nossa, não seja possivel realisar o accordo projectado, o governo portuguez declara desde já que por sua parte se promptifica gostosamente a submetter todos os litigios pendentes com a Gran-Bretanha ao exame e decisão de uma conferencia das potencias signatarias do acto geral de Berlim.

«E quando o expediente assim lembrado não logre tambem a approvação da Inglaterra, então o governo portuguez collocar-se-ha ao abrigo do que preceitua, o artigo 12.º do mesmo acto geral de Berlim, para cujo conteudo o governo de Sua Magestade entende dever tambem chamar desde já e de modo, especial a attenção do de Sua Magestade Britannica.

«Effectivamente se ácerca dos territorios do Chire e do Nyassa a Inglaterra tivesse reconhecido o direito historico constantemente affirmado por Portugal, nenhuma questão teria surgido.

«A contestação d'esse direito, e mais que tudo a declaração de um protectorado britannico n'aquellas regiões, faz porém com que, pelo menos, perante o governo inglez, ellas recáiam por inteiro sob as disposições do referido artigo, que torna obrigatoria a mediação e facultativa a arbitragem.

«É, pois, a meu ver, innegavel o direito que assiste a Portugal de pedir a applicação do artigo 12.º do acto geral, na hypothose, que aliás não espera e não deseja, da impossibilidade de se estabelecer o accordo directo.

«Aproveito a occasião para renovar a v. exa. as seguranças da minha alta consideração. = Barras Gomes.»

Isto passava se em de janeiro, e a minha resposta é dada em 8, e apesar de se ter já marcado um praso para a resposta, nada fazia suppor ainda a precipitação dos acontecimentos, e por isso o meu collega o sr. ministro da marinha, sem faltar á verdade, do que é incapaz, no dia 7 declarava á camara, que a situação era grave e melindrosa, mas não excluia a hypotheee da possibilidade de uma solução amigavel, e tanto assim que o governo inglez, na ultima nota dirigida ao governo de Portugal, faltava na necessidade de estabelecer um accordo. A isto se limitou a parte essencial da declaração que o sr. ministro da marinha proferiu no dia 8 perante esta camara.

No dia 10, porém quando de londres nos vinham telegrammas da Agencia Reuter, dizendo-se auctorisada e assumindo assim um caracter officioso, dizendo que a questão se encaminhava para uma solução amigavel, sendo a minha resposta prova do espirito conciliador que nos animava, e dando base sufficiente para o proseguimento das negociações, recebia eu o seguinte memorandum, que me foi directamente entregue pelo ministro de Sua Magestade Britannica:

«O governo de Sua Magestade Britannica soube com prazer que a resposta do governo portuguez é em principio uma resposta affirmativa ás indicações que lhe foram dirigidas, mas antes de acceitar esta resposta como satisfactoria o governo britannico precisa de saber que foram enviadas instrucções precisas ás auctoridades portuguezas em Moçambique com referencia aos actos de força e ao exercicio de jurisdicção que ali subsistem actualmente e de que o governo de Sua Magestade já se queixou, e bem assim relativamente a novos procedimentos da mesma natureza. Essas instrucções devem comprehender o retrocesso para o sul do Ruo das forças portuguezas que se encontram actualmente no territorio dos makololos, a suppressão da auctoridade que ahi é exercida e tambem a suppressão de todas as estações militares nos territorios de Matabelle e de Machona.

«Mr. Petre está encarregado de levar o que precede ao conhecimento do governo portuguez.»

Reunido o ministerio, deliberou ácerca da resposta que se devia dar a este memorandum, que não apresentava ainda a fórma comminatoria, pois se referia ao prazer com que o governo inglez tinha visto o sentido geral da minha nota de 8, que representava a annuencia em principio ao que de nós se reclamava.

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22 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O governo de Portugal resolvêra, pois, declarar ao da Gran-Bretanha que condescenderia com o que reputava novas e graves exigencias d'aquelle gabinete e retiraria as forças que lhe era exigido retirar, se o mesmo gabinete desdo logo se obrigasse a acceitar arbitragem para a solução das pendencias que nos dividem na Africa austral. No dia 10 o governo portugues deliberava dar esta resposta, que eu devia transmittir no dia 11 ao ministro de Sua Magestade Britannica n'esta côrte; mas aquelle cavalheiro, procurando-me n'esse mesmo dia, e antes de eu lhe poder communicar a resolução do governo, apresentou-me novo memorandum, concebido nos termos seguintes:

"(Traducção).- O governo do Sua Magestade não póde acceitar como satisfactorias ou sufficientes as seguranças dadas pelo governo portuguez taes como as interpreta. O consul interino de Sua Magestade em Moçambique telegraphou citando o proprio major Serpa Pinto, que a expedição estava ainda occupando o Chire, e que Katunga e outros logares mais no territorio dos makololos iam ser for-tificados e receberiam guarnições. O que o governo de Sua Magestade deseja e em que insiste é no seguinte:

"Que se enviem ao governador de Moçambique instruccões telegraphicas immediatas, para que todas e quaesquer forças militares portuguezas actualmente no Chire e nos paizes dos makololos e mashonas só retirem. O governo de Sua Magestade entende que sem isto as seguranças dadas pelo governo portuguez são illusorias.

"Mr. Petre ver-se-ha obrigado, á vista das suas instruccões, a deixar immediatamente Lisboa com todos os membros da sua legação, se uma resposta satisfactoria á precedente intimação não for por elle recebida esta tarde; e o navio do Sua Magestade Enchantress está em Vigo esperando as suas ordens.

"Legação britannica, 11 de janeiro de 1890."

Não tivemos tempo de vir ao seio da representação na para lhe dar conhecimento do que se passava, nem mesmo o tivemos para reunir o conselho de ministros. Mal pude chamar ao ministerio dos estrangeiros o sr. presidente do conselho de ministros, e com um outro collega, que se achava presente ali resolvemos, n'estas gravissimas circumstancias, a pedir a Sua Magestade El-Rei auctorisação para ser immediatamente convocado o conselho d'estado, a fim de lhe submettermos os documentos sobre a questão, dando ensejo a que o governo se inspirasse nos conselhos patrioticos, na esclarecida e auctorisada opinião dos homens que ali têem logar e que, com excepção de quem no momento presente tem a honra de fallar n'esta camara, estão carregados de longos e valiosos serviços prestados ao paiz. A sua experiencia muitas vezes provada era uma garantia de que no exame de uma tão grave questão empenhavam todos o desejo do acertar e de que se chegasse, apoz meditada deliberação, a approvar a solução menos desvantajosa para o paiz.

O governo, apresso-me a dizel-o, consultando o conselho d'estado e querendo inspirar-se na discussão, realisada no seio d'aquella assembléa, não significava com isso nem significa de modo algum que declina qualquer especie de responsabilidade da resolução que adoptou por fim, responsabilidade que é toda sua e que assume inteira perantt esta camara, perante a camara popular, perante o paiz a Europa, sem receio de que pela sua parte possa com justiça ser arguido de ter praticado qualquer acto que naõ lhe fosse imposto por aquillo que reputou constituir a mais altas conveniencias publicas.

N'estas condições, o governo, deliberando por si, sob sua inteira responsabilidade, depois da discussão que teve logar no conselho d'estado, á qual não posso e não devo referir-me por outra fórma, resolveu por fim que communicasse ao sr. ministro de Inglaterra n'esta côrte que o governo entendia dever ceder ás exigencias e á pressão do gabinete britannico e que expediria ordens n'essa conformidade para o governador geral de Moçambique.

Eis o que se realisou nos seguintes termos:

"Illmo. e exmo. sr.- O governo portuguez julgava, e julga, haver, com a sua nota de 8 do corrente, satisfeito por inteiro quanto d'elle reclamava o de Sua Magestade Britannica. Antecipando-se á segurança de uma justa reciprocidade, que deveria constituir o natural preliminar das suas resoluções, apressou-se a enviar para Moçambique as ordens mais terminantes no sentido de fazer respeitar desde logo, em toda a provincia, o compromisso que tomára, no íntuito de facilitar a realisação de um accordo com a Gran-Bretanha, pelo qual o governo portuguez sempre pugnou.

"O governo de Sua Magestade mantem igualmente o pleno direito que lhe assiste, quando a sua resposta não lograsee satisfazer a Inglaterra, de collocar-so ao abrigo do que preceitua o artigo 12.º do acto geral da conferencia de Berlim, recente e solemne compromisso em que a Gran-Bretanha, como todas as potencias signatarias, se obrigou a acceitar a mediação, e a recorrer facultativamente á arbitragem, como meio de resolver pendencias da natureza d'aquella que inesperadamente se levantou com Portugal.

"Pelo memorandum que v. exa. me entregou em 10 do correnie formula-se, porém, a titulo de explicação, o que o governo de Sua Magestade reputa uma exigencia inteiramente nova, que, pela sua extrema gravidade, não poderia ter deixado de vir expressa e claramente formulada em a nota de v. exa. de 5 do corrente, se então estivesse na mente do governo de Sua Magestade Britannica realisal-a. Refiro-me á retirada para o sul do Kuo, fronteira que não pode ser reconhecida por Portugal, de quaesquer forças portuguezas que se conservassem ainda hoje no paiz dos makololos, e até á retirada de quaesquer postos militares, estabelecidos pacificamente, com a plena e inteira acquiescencia, dos naturaes, nos territorios que a Inglaterra chama dos Matebele e Mashonas.

"Ainda mesmo antes de conhecida a resposta do governo portuguez a esta nova exigencia, era-me por v. exa. entregue um outro memorandun em 11 do corrente, no qual, sobre a base de declarações attribuidas ao major Serpa Pinto (que aliás desde muito saira do Chire com toda a expedição do reforço que organisara) de que Katunga, bem como outros pontos do paiz dos makokolos seriam fortificados e viriam a receber guarnições, o que aliás se tornára impossivel de realisar em face das instrucções terminantes, expedidas pelo governo de Sua Magestade para Moçambique, instrucções de que dei conhecimento a v. exa. e das quaes junto officialmeute copia a este despacho, v. exa. não só insiste em nome do seu governo na retirada das forças portuguezas dos territorios, dos mokololos e mashonas, mas declara que, a não receber no decurso da tarde do mesmo dia 11 uma resposta satisfactoria á intimação que me dirigia, tinha instrucções para se retirar de Lisboa com todos os membros da legação, esperando em Vigo as suas ordens o navio Enchantrets.

"Na presença de uma ruptura imminente de relações com a Gran Bretanha, e de todas as consequencias que d'ella poderiam talvez derivar-se, o governo de Sua Magestade resolveu ceder ás exigencias recentemente formuladas nos dois memorandus a que alludo, e resalvando por todas as fórmas os direitos da corôa de Portugal nas regiões africanas de que se trata, protestando bem assim pelo direito que lhe confere a artigo 12.° do acto geral de Berlim, de ver resolvido definitivamente o assumpto em litigio por uma mediaçãc ou pela arbitragem, o governo de Sua Magestade vae expedir para o governador geral de Moçambique as ordens exigidas pela Gran-Bretanha.

"Aproveito a occasião para renovar a v. exa. as seguranças da minha alta consideração.

"Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, 11 de janeiro de 1890. = Henrique de Sarros Gomes."

Sr. presidente, eu mando para a mesa estes documen-

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SESSÃO DE 13 DE JANEIRO DE 1890 23

tos, para que v. exa. lhes dê o destino que a camara entender mais conveniente.

Igualmente remetto para a mesa o volume do Livro branco, que contem varios documentos colligidos da correspondencia trocada entre Portugal e a Gran-Bretanha, sobre alguns dos assumptos africanos que ultimamente se têem debatido entre as duas potencias.

Sr. presidente, a todo o tempo o governo responderá amplamente pelos seus actos, pela sua maneira de proceder n'esta pendencia, e mostrará que procurou sempre inspirar-se nos interesses e direitos nacionaes para os defender convenientemente, diligenciando primeiro um accordo directo e appellando por fim para a arbitragem.

Quanto ao ultimo passo que deu, depois de ouvir a opinião do conselho d'estado, fel-o convencido de que, em face das circumstancias inesperadas que se apresentavam, não podia seguir outro caminho sem comprometter mais gravemente os interesses da nação.

Talvez hoje pareça a alguns animos mais exaltados que o governo andou mal; porém, mais tarde, quer n'esta, quer na outra casa do parlamento, provaremos que o governo se inspirou sempre em todos estes actos e negociações, no desejo unico de defender briosamente os interesses da nação e de chegar a um accordo com a Inglaterra, que podesse dizer-se honroso para ambas as partes. E declaro que se eu o tivesse conseguido, me julgaria chegado ao dia mais feliz da minha administração.

Ha muitos documentos que provam o empenho que sempre me animou n'este sentido.

Quer na minha carta á sociedade de geographia, carta que traçou o programma colonial e politico do governo, quer nas conferencias repetidas que tive com os delegados do governo britannico, quer na minha correspondencia com o nosso ministro em Londres e com a legação britannica em Lisboa, tenho a confiança de que poderei sempre provar que pugnei constantemente pela dignidade e interesses da minha patria, e pela necessidade de uma intelligencia decorosa com a Gran-Bretanha.

Devo acrescentar que até ao fim confiei na justiça da nossa causa e nunca perdi a esperança de uma solução satisfactoria.

Citarei uma prova do que acabo de affimar.

Em maio do anno passado veiu a Lisboa um agente officioso do governo britannico para tratar das questões pendentes na Africa oriental, e o governo portuguez recebeu esse funccionario nos melhores termos, existindo documentos que provam ter saido d'aqui plenamente satisfeito pelo modo por que havia sido recebido e levando comsigo as bases de um accordo territorial e economico.

Não foi por culpa do governo portuguez, posso bem affirmal-o, que esse accordo não foi por diante. Em Inglaterra mesmo se fizeram, devo confessal-o, todos os esforços para obter tal resultado, mas, a final, tudo foi inutil e os esforços persevantes, empregados durante quatro annos, vieram inutilisar-se perante as ultimas instrucções dadas ao representante britannico n'esta côrte e que se traduziram nos factos de que a camara acaba de ser informada.

Lamento profundamente que os meus esforços não fossem coroados de exito, evitando-se ao paiz a situação grave em que se encontra, collocado como está entre a consummação de factos contrarios ao sentimento publico e ao direito secular, e a renovação dos perigos gravissimos que recentemente ameaçaram outra ordem de altos interesses nacionaes.

Foram lidas na mesa e seguidamente approvadas as propostas apresentadas pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros que são do teor seguinte:

Propostas

Senhores. - Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, pede o governo á camara dos dignos pares do reino permissão para que o membro da mesma camara, Agostinho de Ornellas e Vasconcellos, director da direcção politica no ministerio dos negocios estrangeiros, accumule, querendo, o exercicio do seu emprego com as funcções legislativas.

Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 9 de janeiro de 1890. = Henrique de Barres Gomes.

Senhores. - Era conformidade com o disposto no artigo 3.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, pede o governo á camara dos dignos pares do reino permisssão para que o membro da mesma camara, Eduardo Montufar Barreiros, secretario geral do ministerio dos negocios estrangeiros, accumule, querendo, o exercicio do seu emprego com as funcções legislativas.

Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 9 de janeiro de 1890. = Henrique de Barros Gomes.

O sr. Presidente: - Os documentos lidos pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros e por s. exa. enviados para a mesa serão publicados no Diario do governo.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): - Venho declarar á camara dos dignos pares do reino, em nome do governo a que tenho a honra de presidir, que acabo de depor nas mãos de El-Rei as pastas cuja gerencia estava confiada a mim e aos meus collegas, dignando-se Sua Magestade conceder a exoneração pedida e encarregando de formar novo ministerio o sr. conselheiro Antonio de Serpa.

Sei, sr. presidente, que a camara foi devidamente informada pelo meu collega dos negocios estrangeiros das differentes phases da negociação que ácerca de questões de soberania em Africa entabolou por parte de Portugal com o gabinete britannico. Basta-me, pois, referir-me ao ultimo incidente, que motivou a demissão do governo, o ultimatum de 11 do corrente.

Dizia esse ultimatum que, se dentro de algumas horas não fossem enviadas ao governador de Moçambique ordens terminantes para que as forças portuguezas retirassem da região do Chire e de Mashona, sairia de Lisboa todo o pessoal da legação da Gran-Bretanha.

Ao mesmo tempo, recebia o governo communicação das auctoridades de differentes pontos das nossas colonias, de que se preparava um movimento aggressivo contra nós por parte das forças navaes inglezas.

O governo entendeu que devia convocar o conselho de estado e expor-lhe os factos, e esse alto corpo politico foi de parecer que o governo devia ceder á intimação do governo inglez.

O governo podia resistir á intimação que lhe foi feita, e depois sujeitar se a todas as consequencias do seu acto, pedindo a demissão, em vista do impossivel de sustentar a lucta com uma nação tão poderosa, e de proseguir em quaesquer negociações com o seu governo depois do seu procedimento comnosco.

Esse expediente era mais facil e mais commodo. A sua resolução seria de certo applaudida pelas multidões exaltadas por sentimentos patrioticos, e a sua queda seria saudada pelas estrepitosas acclamações do enthusiasmo popular.

Mas, sr. presidente, esta resolução arriscava a integridade do territorio portuguez, pois podia dar logar a que uma ou mais possessões portuguezas fossem occupadas e talvez irremediavelmente perdidas.

Por outra parte, sr. presidente, esta resolução collocaria a corôa em grandes dificuldades e legaria enormes embaraços aos nossos successores.

O governo entendeu que devia ceder e cair, porque d'essa maneira salvava os interesses do estado e deixava aos seus successores uma situação relativamente facil e desafogada, ao passo que nós não poderiamos continuar a tractar com o governo inglez digna e proveitosamente.

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24 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Acrescentarei mais, que, se por um lado o sentimento da dignidade nacional ultrajado pelo procedimento do governo inglez contra nós nos estava aconselhando a resistencia a todo o transe, quaesquer que fossem as consequencias, por outro lado a convicção da nossa inferioridade em relação aquella poderosa nação e a consciencia das enormes responsabilidades que pesariam sobre nós, se tentássemos sustentar uma lucta em que teriamos de succumbir perante a força, levaram-nos a tomar a resolução de ceder e de pedir em seguida a nossa exoneração.

Foi dura e pouco sympathica a missão do governo, mas desde que a acceitou, cumpriu-a resignado, como quem se curva diante de uma recebido de tão dolorosa como irremediavel.

Antes de terminar eu quero agradecer á, maioria d'esta camara o apoio sincero, desinteressado e leal com que acompanhou o governo. Em nome de todos os meus collegas lhe tributo aqui os meus sinceros agradecimentos.

Agora permitta-me v. exa. que eu faça uma declaração. O ministerio, ao retirar-se do poder, que deixa sem saudades e sem remorsos, tem a consciencia tranquilla por haver cumprido o seu dever, e procurado sempre bem servir o paiz.

Tenho dito.

O sr. Presidente: - Em vista da declaração do sr. presidente do conselho, vou levantar a sessão.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Sr. presidente, eu tinha pedido a palavra.

Eu não quero que se diga que não houve uma voz que protestasse...

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - Eu não posso permittir que a sessão continue e vou levantal-a immediatamente, cingindo-me assim ás praxes constantemente seguidas.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - O nobre presidente do conselho fez declarações contra as quaes eu protesto.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - A proxima sessão é na quarta feira.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Eu protesto solemnemente contra o acto praticado por v. exa.

Parece que já não ha portuguezes.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 13 de janeiro de 1890

Exmos. os srs. José de Sande Magalhães Mexia Salema; Antonio José de Barros e Sá; Duque, de Palmella; Marquezes, da Foz, de Fronteira, de Rio Maior, de Sabugosa; Condes, das Alcáçovas, de Alto, de Bertiandos, do Bomfim, de Cabral, de Castro, de Ficalho, da Folgosa, de Gouveia, de S. Januario, de Linhares, de Lagoaça, de Magalhães, da Praia e Monforte, da Ribeira Grande, de Valenças; Viscondes, da Arriaga, da Azarujinha, de Carnide, de Condeixa, de Moreira de Rey, de Porto Formoso, da Silva Carvalho, de Soares Franco; Adriano Machado, Agostinho de Ornellas, Agostinho Lourenço, Braamcamp Freire, Sá Brandão, Couto Monteiro, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Telles de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Basilio Cabral, Carlos Eugenio de Almeida. Cypriano Jardim, Sequeira Pinto, Hintze Ribeiro, Fernando Palha, Francisco de Albuquerque, Costa e Silva, Margiochi. Van Zeller, Ressano Garcia, Barros Gomes, Candido de Moraes, Holbeche, Mendonça Cortez, Gusmão, Gomes Lages, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, Castro Guimarães, Navarro de Paiva, Silva Amado, José Luciano de Castro, Ponte Horta, Sá Carneiro, José Pereira, Bocage, Lourenço ele Almeida e Azevedo, Camara Leme, Luiz Bivar, Manuel Paes de Villas Boas, Vaz Preto, Miguel Osorio Cabral, D. Miguel Coutinho, Gonçalves de Freitas, Silvestre Lima, Thomás Ribeiro, Serra e Moura.

O redactor = Carrilho Garcia.

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