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4.ª SESSÃO PREPARATORIA EM 30 DE ABRIL DE 1890

Presidencia do exmo. sr. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel

Secretarios - os exmos. srs.

Conde de Gouveia
Visconde da Silva Carvalho

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia. - O sr. presidente nomeia os dignos pares Cau da Costa, Agostinho de Ornellas, conde de Thomar e Thomás Ribeiro, a fim de introduzirem na sala, onde prestam juramento e tomam assento, os sr. Lopo Vaz e Julio de Vilhena. - Consulta-se a camara sobre se quer que entrem em discussão os pareceres das commissões de verificação de poderes, cuja impressão e distribuição fôra requerida na sessão anterior, e a camara resolve affirmativamente. - O digno par Agostinho de Ornellas manda para a mesa o parecer relativo á eleição do sr. conde de Carnide, pelo collegio districtal de Lisboa. - O sr. marquez de Pomares declara, em nome do sr. marquez de Rio Maior, que cite digno par se exonera de membro da primeira commissão de verificação de poderes. - O sr. Francisco Costa manda para a mesa o parecer referente á eleição dos dignos pares Correia de Sá Brandão e Coelho de Carvalho. - O sr. conde de Lagoaça manda os pareceres concernentes aos pares electivos, os srs. drs. Manuel de Sousa Avides, Alberto Antonio de Moraes Carvalho e Travares Pontes. A imprimir. - Entra em discussão o parecer n.° 3, approvando a eleição do sr. Pedro Augusto Correia da Silva. - Faz a este proposito varias considerações o digno par Thomás Ribeiro. - Responde-lhe o sr. presidente do conselho de ministros, Serpa Pimentel. - Usa da palavra o sr. conde do Bomfim, e impugna as doutrinas do sr. Thomás Ribeiro - O digno par Bernardo de Serpa manda para a mesa o parecer relativo ás eleições para pares dos srs. Antonio José Teixeira e João Ignacio Holbeche. - O sr. Cau da Costa manda tambem os pareceres attinentes aos pares electivos, os srs. José Bandeira Coelho e Augusto Neves dos Santos Carneiro. - Tem a palavra o sr. Barros e Sá. - O digno par, em vista do adiantado da hora, pede lh'a reservem para a sessão immediata. - O sr. presidente aprasa a seguinte para quinta feira, 1 de maio, dando para ordem do dia o prosseguimento da discussão sobre o parecer n.° 3, e levanta a sessão.

Ás duas horas e tres quartos da tarde, achando-se presentes 40 dignos pares, abriu-se a sessão.

Fui lida e approvada a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Um officio da ema. condessa de Seisal, agradecendo o voto de sentimento que a camara dos dignos pares lhe enviou pelo fallecimento de seu marido, o conde de Seisal, e manifestando a sua gratidão.

( Estavam presentes os srs. presidente do conselho de ministros e ministro dos negocios estrangeiros.)

O sr. Presidente: - Na sessão passada foram approvados os pareceres sobre as cartas regias que elevaram á dignidade de pares do reino vitalicios os srs. Lopo Vaz de Sampaio e Mello e Julio Marques de Vilhena.

S. exas. acham-se nos corredores da camara e pretendem prestar juramento e tomar assento.

Convido, pois, os dignos pares os srs. Cau da Costa e Agostinho Ornellas a introduzirem na sala o sr. ministro da justiça.

S. exa. foi introduzido na sala, prestou juramento e tomou assunto.

O sr. Presidente: - Peço aos dignos pares os srs. conde de Thomar e Thomás Ribeiro que queiram ter a bondade de introduzir na sala o sr. ministro da marinha.

S. exa. foi introduzido na sala, prestou juramento e tomou assento

O sr. Presidente: - O sr. visconde de Moreira de Rey, na sessão passada, requereu que fossem distribuidos por casa dos dignos pares os pareceres que estivessem impressos, a fim de se começar hoje na discussão d'elles. Os desejos do digno par foram satisfeitos, sendo distribuidos pelas casas dos dignos pares os pareceres que tinham sido mandados para a mesa por parte das commissões de verificação de poderes.

Vou consultar a camara se quer entrar na discussão dos pareceres que foram distribuidos.

Consultada a camara, decidiu que se entrasse na discussão.

O sr. Marquez de Pomares: - O sr. marquez de Rio Maior encarregou-me de participar a v. exa. e á camara que se considera exonerado de membro da primeira commissão de verificação de poderes, para que foi eleito.

O sr. Francisco Costa: - Mando para a mesa o parecer da segunda commissão de verificação de poderes com relação á eleição dos pares eleitos, os srs. Antonio Correia Brandão e Coelho de Carvalho.

Foi a imprimir.

O sr. Conde de Lagoaça: - Mando tambem para a mesa o parecer da segunda commissão de verificação de poderes, que approva a eleição dos dignos pares pelo collegio eleitoral da Guarda, os srs. Moraes Carvalho e Tavares Pontes.

Foi a imprimir.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o parecer n.° 3.

Leu-se na mesa. É o seguinte:

PARECER N.° 3

Senhores. - A segunda commissão de verificação de poderes examinou com a devida attenção o processo eleitoral do collegio districtal de Evora, relativo á eleição de dois pares do reino.

O processo está em fórma regular, não tendo havido reclamações, e d'elle consta que foram eleitos pares por aquelle collegio os cidadãos Pedro Augusto Correia da Silva e José Augusto da Gama.

O cidadão Pedro Augusto Correia da Silva, que foi deputado em quatro legislaturas, apresentou todos os seus documentos em devida fórma, provando todas as condições de elegibilidade.

É pois a commissão de parecer que o par eleito Pedro Augusto Correia da Silva seja admittido a prestar juramento e tomar assento n'esta camara.

Lisboa, 26 de abril de 1890. = F. de Almeidinha = Conde da Arriaga = Visconde da Azarujinha = Conde de Lagoaça = Francisco Costa = Visconde da Silva Carvalho = Francisco Simões Margiochi.

Illmo. e exmo. sr. - Participando a v. exa. a sua eleição para par do reino por este districto administrativo, tenho a honra de enviar a v. exa. copia da respectiva acta, como me é determinado no artigo 44.° da lei de 24 de julho de 1885.

Deus guarde a v. exa. Evora e sala das sessões do collegio districtal, 14 de abril de 1890. - Illmo. e exmo. sr. Pedro Augusto Correia da Silva. = O presidente do collegio districtal, Thomás Fiel Gomes Ramalho.

Acta da eleição dos pares do reino pelo districto administrativo de Evora

Aos 14 dias do mez de abril de 1890, na sala das sessões da camara municipal de Evora, pelas dez horas da

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manhã, compareceu Thomás Fiel Gomes Ramalho, presidente d'este collegio districtal, e José de Sousa Faria e Mello e Nicolau Henriques Brejo, secretarios da mesa eleita e constituida no dia 12, como consta da respectiva acta, e annunciou o presidente que se ía proceder á votação para a eleição de dois pares do reino por este districto para o triennio de 1890 a 1893, na conformidade do decreto de 20 de fevereiro de 1890, declarando que se não admittiam listas em papel de côr ou transparentes, ou que tivessem qualquer marca, signal ou numeração externa, e que as listas deviam conter dois nomes, visto ser esse o numero de pares que compete eleger este collegio.

Em seguida apresentou a lista dos delegados, que na conformidade do artigo 36.° da lei de 24 de junho de 1885, lhe fôra entregue, e tendo primeiramente votado os membros da mesa, se procedeu por aquella lista á chamada dos eleitores.

Ao passo que cada um dos eleitores chamados se approximava da mesa, um dos secretarios lançava a respectiva nota de descarga na lista dos delegados, escrevendo o seu appellido adiante do nome do votante, e o presidente recebendo a lista da votação dobrada a lançava na urna.

Terminada a chamada dos eleitores inscriptos na lista, foram chamados a votar, e votaram pela mesma fórma os supplentes João Candido da Guerra, José Maria de Mello, Cypriano Justino da Costa Campos, Antonio Marciano de Mattos Veiga e Antonio dos Santos Coelho, dos delegados effectivos José Rodrigues Capeto, conde de Santo André, João Joaquim de Sousa Romeiras, Manuel Hypolito de Sousa Franco o José Leonardo da Silva Carvalho, os quaes haviam feito as devidas participações do falta de comparecimento.

Recebidas as listas de todos os eleitores presentes, esperou-se meia hora durante a qual votaram os dois deputados eleitos dr. Adriano Augusto do Silva Monteiro e Luciano Cordeiro, que n'esse acto mostraram na mesa os seus diplomas, conforme determinam os artigos 29.° § 2.°, 2.ª parte da lei de 24 de julho de 1885, e 3.° do decreto de 20 de fevereiro de 1890.

Finda a meia hora, sem comparecerem a votar os restantes deputados eleitos por este districto, se encerrou a votação e contadas as listas contidas na urna, se verificou serem trinta e uma, que conferem com o numero do descargas feitas na lista dos delegados, addicionando-se lhes as duas listas dos dois deputados votantes, publicando-se immediatamente o resultado d'esta contagem e confrontação por edital affixado na porta da casa da assembléa.

Seguiu-se o apuramento dos votos, tomando o presidente successivamente cada uma das listas, desdobrando-as e entregando-as seguidamente a um dos secretarios, que as ha em voz alta e restituia ao presidente, sendo o nome dos votados escripto pelo outro secretario com os votos que íam tendo, numerados por algarismos, e sempre repetidos em voz alta, e apurou-se terem sido votados: Pedro Augusto Correia da Silva com 26 votos; José Augusto da Gama com 23 votos; commendador José Maria de Sousa Matos com 4 votos; conde de Santo André com 3 votos; Joaquim Antonio de Calça e Pina com 1 voto e Francisco Eduardo Barahona Fragoso com 1 voto, tendo apparecido duas listas brancas. Assim se verificou serem os dois cidadãos mais votados Pedro Augusto Correia da Silva e José Augusto da Gama, o primeiro antigo deputado e o segundo proprietario, e como o numero de votos que cada um d'elles obteve constituo maioria absoluta de votos alcançados em primeiro escrutinio, a mesa os proclamou pares eleitos por este districto administrativo, outorgando-lhes em nome dos eleitores os poderes necessarios para que, reunidos com os outros pares do reino, façam, dentro dos limites da carta constitucional e dos seus netos addicianaes, tudo quanto for conducente ao bem geral da nação. E este resultado se publicou logo por edital, affixado na porta da sala d'este collegio districtal, contendo tambem o nome dos outros deputados. Foram queimadas na presença da assembléa as listas da votação, juntando-se a esta acta as duas listas brancas, que vão rubricadas e numeradas pelo presidente. De tudo isto para constar se lavrou esta acta, que, depois de lida, vae ser assignada pela mesa e da qual se vão extrahir duas copias para serem enviadas aos eleitos com participação official do presidente. E eu, José de Sousa Faria e Mello, secretario, a escrevi e assigno. - O presidente, Thomás Fiel Gomes Ramalho. - O secretario, Nicolau Henriques Brejo. - O secretario, José de Sousa Faria e Mello.

E eu, Nicolau Henriques Brejo, secretario da mesa, extrahi esta copia, que está conforme com o original. - Thomás Fiei Gomes Ramalho, presidente = José de Sousa Faria e Mello = Nicolau Henriques Brejo.

Illmo. e exmo sr. - Diz Pedro Augusto Correia da Silva que para constar precisa que v. exa. lhe mande passar por certidão quaes as legislaturas para que foi eleito deputado, e bom assim se nas differentes sessões legislativas exerceu o respectivo mandato - P. a v. exa. lhe defira - E. R. M.cê

Lisboa, 16 de abril de 1890. = Como procurador, João Filippe da Fonseca.

Passe. - Em 17 de abril de 1890. = Jayme Moniz.

Certifico que das actas e outros documentos existentes no archivo da secretaria da camara dos senhores deputados consta que o requerente Pedro Augusto Correia da Silva foi eleito deputado ás côrtes para as legislaturas seguintes:

Para a legislatura que teve principio em 2 de janeiro de 1875 e findou em 4 de maio de 1878, havendo, porém, o requerente prestado juramento e tomado assento na camara em 7 de janeiro de 1878, cuja sessão legislativa principiou em 2 de janeiro e findou em 4 de maio do mesmo anno.

Para a legislatura que teve principio em 2 de janeiro de 1879 e cuja unica sessão durou desde o referido dia 2 de janeiro até 19 de junho, em que foi dissolvida.

Para a legislatura que teve principio em 2 de janeiro de 1882 e findou por dissolução em 24 de maio do 1884, havendo durado a primeira sessão desde 2 de janeiro a 19 de julho de 1882, a segunda de 2 de janeiro a 22 de maio, de 4 a 16 de junho e de 17 a 29 de dezembro de 1883 e a terceira de 2 de janeiro a 17 de maio de 1884.

Finalmente para a legislatura que teve principio em 15 de dezembro de 1884, e findou, por dissolução, em 7 de janeiro de 1887, havendo durado a primeira sessão de 15 de dezembro de 1884 a 2 de janeiro de 1885, a segunda de 2 de janeiro ali de julho de 1885, a terceira de 2 de janeiro a 8 de abril de 1886, e a quarta de 2 a 7 de janeiro do 1887.

Certifico mais que na legislatura que teve principio em 2 de janeiro de 1880 e findou, por dissolução, em 4 de junho de 1881, o requerente representou o circulo de Dilly desde o dia 2 de janeiro de 1880 até 29 de março e de 30 de maio até 4 de junho do referido anno de 1880 e na legislatura que teve principio em 2 de abril de 1887 e findou em 10 de julho de 1889, o requerente representou tambem o circulo de Margão desde o referido dia 2 de abril de 1887 até 22 do mesmo mez e anno, exercendo o mandato em todas as sessões legislativas mencionadas n'esta certidão.

Secretaria da camara dos senhores deputados, 3.ª secção, em 21 de abril de 1890. = O chefe da secção, José Marcellino de Almeida Bessa.

Certifico que no livro 24 dos baptismos, a fl. 58, se acha o termo seguinte:

A 6 de maio do 1836 baptisei a Pedro, nascido a 27 de março do mesmo anno, filho de João José de Assum-

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pção e Silva e de D. Jesuina Amalia Correia e Silva baptisados na freguezia de Nossa Senhora da Purificação da villa de Oeiras, recebidos n'esta da Encarnação, e moradores na rua Direita do Loreto. Foi padrinho João Pedro Nolasco da Cunha e madrinha D. Barbara Carolina Correia. - O coadjuctor José de Sá Magalhães.

Está conforme. - Parochial de Nossa Senhora da Encarnação, 16 de abril de 1890. = Pelo reverendo prior, Padre Fernando Thomás de Brito. = (Segue o reconhecimento.)

Comarca de Lisboa - 3.° districto criminal - Certificado. - Attesto que dos boletins archivados no registo criminal d'esta comarca de Lisboa nada consta contra Pedro Correia da Silva ou Pedro Augusto Correia da Silva, filho de João José da Assumpção e Silva e de D. Maria Ama ha Correia da Silva, natural d'esta cidade, concelho de Lisboa e districto de Lisboa.

Registo criminal da comarca de Lisboa, 16 de abril de 1890. = 0 escrivão encarregado do registo, Accacio Joaquim de Oliveira Coelho. = (Segue o reconhecimento.)

Comarca de Lisboa - 1.° districto criminal - Comarca de Lisboa - Certificado. - Attesto que dos boletins archivados no registo criminal desta comarca de Lisboa nada consta contra Pedro Correia da Silva ou Pedro Augusto Correia da Silva, filho de João José da Assumpção e Silva e de D. Maria Amalia Correia da Silva, natural de Lisboa, concelho de Lisboa, districto de Lisboa.

Registo criminal da comarca do Lisboa, 1.° districto criminal, em 16 de abril de 1890. = O escrivão encarregado do registo, Joaquim Nobre Soares. = (Segue o reconhecimento.)

Comarca de Lisboa - 2.° districto criminal - Certificado. - Attesto que dos boletins archivados no registo criminal d'esta comarca de Lisboa nada consta contra Pedro Correia da Silva, ou Pedro Augusto Correia da Silva, filho de João José da Assumpção e Silva e de D. Maria Amalia Correia da Silva, natural d'esta cidade.

Registo criminal da comarca de Lisboa, Lisboa, em 17 de abril de 1890. = O escrivão encarregado do registo, Adelino M. Simões de Lima. =(Segue o reconhecimento.)

Illmo. e exmo. sr. - Diz Pedro Correia da Silva, solteiro, maior, proprietario, editor de obras, morador na travessa da Queimada d'esta cidade, que para mostrar onde lhe convier precisa que v. exa. lhe mande passar por certidão se o supplicante se acha ou não inscripto no recenseamento politico do corrente anno, para fim eleitoral - P. a v. exa. se digne deferir-lhe. - E. R. M.cê

Lisboa, 16 de abril de 1890. - Pedro Correia da Silva.

Passe do que constar. - Lisboa, 17 de abril de 1890. = O presidente, Baptista de Sousa.

José Pinheiro de Mello, secretario da commissão do recenseamento eleitoral do 2.° bairro de Lisboa, etc.

Certifico, em virtude do despacho supra, que no livro do recenseamento eleitoral d'este bairro, respectivo ao corrente anno de 1890, na parte respectiva á freguezia da Encarnação, se acha a inscripção seguinte:

Nome - Pedro Correia da Silva.

Contribuição ou artigo da lei de 8 de maio de 1878 que dispensa a prova de censo. - 63$634 réis.

Idade - Sessenta annos.

Estado - Solteiro.

Emprego ou profissão - Editor de obras.

Morada - Rua da Barroca.

Numero de porta - 126.

Elegivel para deputado, corpos administrativos e auctoridades electivas.

Todos os outros dizeres do livro em branco.

Nada mais consta do referido livro, a que me reporto. E por ser verdade mandei passar a presente, que leva o sêllo de que usa esta commissão.

Lisboa, 18 de abril de 1890. = O secretario, José Pinheiro de Mello.

O sr. Presidente: - Está em discussão.

Como ninguem pede a palavra vão votar-se.

O sr. Thomás Ribeiro: - A quem se refere o parecer?

O sr. Presidente: - Ao sr. Pedro Correia.

O sr. Thomás Ribeiro: - Se fiz esta pergunta, de que peço a v. exa. desculpa, foi porque não tive a fortuna de receber os pareceres impressos, o que não quer dizer que as ordens de v. exa. não fossem cumpridas. Póde ser que a pessoa encarregada de fazer a distribuição não soubesse a minha morada.

O sr. Presidente: - Em vista da resolução da camara, eu dei as ordens convenientes para que se fizesse a distribuição dos pareceres pelas casas dos dignos pares.

Talvez s. exa. não estivesse em Lisboa para os receber, em todo o caso eu procurarei informar-me do modo como foram cumpridas as ordens da mesa, e como se fez o serviço.

O sr. Thomás Ribeiro: - Eu estava e estou em Lisboa ao dispor de v. exa. e da camara.

Não admira, porém, que não recebesse os pareceres, e de modo nenhum pretendo attribuir a falta a v. exa. nem aos executores das suas ordene. O que é certo, porém, é que os não recebi, e por consequencia não podia saber os seus numeros e tão pouco os nomes dos eleitos.

Agora vejo que o parecer n.° 3 se refere ao sr. Pedro Correia, do quem sou amigo ha muito tempo.

Não desejo, pois, impugnar este parecer. Creio mesmo que o sr. Pedro Correia foi bem eleito, que não se faltou a nenhuma formalidade legal. No emtanto, como a camara me fez a honra de me eleger para membro de uma commissão de verificação de poderes, e a honra tambem de posteriormente me demittir, apesar das boas palavras de varios dignos pares, não posso deixar de dizer alguma cousa sem ser em som, nem era trem de guerra ou de campanha, quer seja campanha de Carnaxide ou de Lisboa, para varrer a minha testada, no intento de mostrar que, se ha procedimento irregular e revolucionario, está elle de certo da parte do governo e da maioria d'esta casa, mas não de modo nenhum da parte da opposição, quando porventura a minoria se erga para suggenr qualquer duvida como esta que eu vou levantar a respeito do parecer que está em discussão.

A fim de o provar, trago aqui um livro que v. exa., ou o seu antecessor me mandou entregar. Este livro, unico Evangelho para que appello n'este momento, traz a carta constitucional, os actos addicionaes, o regulamento d'esta camara e as leis que se referem aos pares do reino, e, por consequencia, o que legalmente é nosso direito e nosso dever.

V. exa. conhece tudo isto muito bem; no emtanto, eu hei de tomar por hoje algum tempo á camara, lendo varias disposições d'este livro, as quaes constituem instrumentos de incontestavel legalidade, e cuja auctoridade e authenticidade ninguem por fórma alguma póde pôr em duvida.

Desafio desde já qualquer digno par, e principalmente as commissões de verificação de poderes, a que me digam se era alguma cousa do que eu disser ha contravenção de lei, de regulamento ou de principio de direito, e depois noa veremos de que parte está o procedimento revolucionario, perigoso, se da parte dos que querem manter e sustentar o que é direito ou se da parte dos que estão fazendo revo-

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lução no poder, como a hão de fazer na camara dos dignos pares do reino.

Sr. presidente, os jornais dizem que eu sou de umas ambições exageradas.

Attribue-se-me o desejo de fazer cem que o poder passe de umas para outras mãos para eu ser ministro.

Sr. presidente, quero dizer a v. exa. que tenho muito maiores aspirações! E tão superiores que a muita gente parecem Loucura. Eu honro-me com as preterirdes que tenho (não as occulto a ninguem) e desejo que o governo, este ou qualquer outro, possa encontrar em mim e nos, esforços que ainda no rosto da minha vida possa dar a esse paiz maiores provas do meu patriotismo que as que tenho dado até hoje.

Já v. exa. vê que tenho largas aspirações e muito maiores do que aquelles que me attribuem os jornaes da nossa terra.

V. exa. um d'estes dias parecia haver-se offendido por alguem ter declarado que as commissões de verificação de poderes se não achavam bem constituidas. Esse alguem fui eu e não sei se mais algum digno par me acompanhou. V. exa. disse que era cego executor dos preceitos do regimento d'esta casa e eu, para desculpar-me e não para attribuir a v. exa. qualquer falta, porque, eu conheço o seu caracter e a lisura do seu procedimento, quero tambem ler á camara alguma cousa pela qual se possa justificar que realmente essas commissões não são commissões que se possam desempenhar cabalmente do dever que a lei lhes impõe, e que nós estamos desde o principio a marchar por um campo escorregadio, porque é falso.

Votei, sem o minimo conhecimento de qualquer parecer, a eleição dos srs. Julio de Vilhena e Lopo Vaz, por serem s. exas. dignos de pertencer á camara. Mas, em verdade, os pareceres relativos a estes dignos pares, não o são. Serão, estes, opiniões de uma aggremiação de cavalheiros muito competentes, de homens a cuja auctoridade ninguem poderá pôr objecção, mas pareceres de commissões, repito, não o são, nem podem ser. Essas suppostas commissões não declararam ainda se tinham presidente e secretario, e um corpo collectivo, sem estar devidamente organisado, poderá ser tudo o que quizerem, menos corpo collectivo. Podem mesmo fazer crer que julgam que constituimos parte d'essas e commissões, nós os que nos demittimos, mas, n'esse caso, como ninguem nos avisou, a fim de comparecermos, não é mesmo um corpo collectivo, devidamente reunido, o que apresentou os referidos pareceres, senão sómente uns poucos de homens congregados, que querem voluntariamente fazer serviço ao paiz, e é isso justamente o que os póde relevar da officiosidade.

Eis aqui o artigo 29.° do regimento interno d'esta camara.

(Leu.)

Será isto o que se está praticando? É isto o que se fez ou respeitou?

Porém, eu, venho propor um adiamento e requerer á camara dos dignos pares que me attenta.

Para justificar o meu pedido, vou ler um artigo da lei de 1885

Não lerei o artigo 54.°, que já foi lido por outro digno par, mas lerei o artigo 56.° que diz o seguinte... no emtanto peço ás illustres commissões (em todo o caso vou-lhe chamando assim, não lhes sei dar outro nome, nem quero, por não desejar desconsideral as) peço-lhes que oiçam:

«São causas de nullidade as infracções de lei, que affectam a essencia do acto eleitoral, e possam ter influido no resultado da eleição.»

Pergunto ás illustres commissões e á camara dos dignos pares, se realmente este ultimo acto ditatorial sobre a eleição dos dignas pares do reino, alterou ou não essencialmente as disposições da lei de 1885?

Absolva-o quem quizer, louve o governo quem já não tenha escrupulos constitucionaes nem legues; mas fiquem sabendo para todos os effeitos, - que a lei ámanhã será o arbitrio, que estas franquias, aliás, tornam absolutamente necessario.

Esta lei, cujo artigo acabo de ler, tem a assignatura do sr. Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello, meu saudosissimo chefe do tempo em que existia o partido regenerador.

Uma voz: - Já não existe?

O Orador: - Não senhor hoje já não existe. Tem tambem a assignatura do sr. Barjona de Freitas, que é muito respeitada; a do sr. Hintze Ribeiro, que vejo presente; a do sr. Manuel Pinheiro Chagas, que não se acha n'esta camara; e a do sr. Barbosa du Bocage, que vejo, felizmente, diante de mim.

Estas assignaturas são de tal maneira respeitaveis e respeitadas, a auctoridade que d'ellas dimana é tal que ou, de proposito, quiz evocal-as, para que se não diga que venho argumentar com documentos ou leis que não tenham a maxima autenticidade e responsabilidade.

Diz este artigo a que me referi, muito claramente, que são causas de nullidade as infracções de lei que affectem a essencia do acto eleitoral.

Ora, todos sabem que, pela nova reforma, os elementos eleitoraes são muito differentes do que eram pela antiga lei, e, portanto, affectam essencialmente os preceitos ou for nulas da lei eleitoral.

Não posso dizer que estão nullos os processos que versam sobre a eleição dos novos dignes pares, não o posso dizer, não o quero dizei, não o devo dizer, porque não venho fazer arguições, não venho apreciar n'este momento os actos da dictadura d'este governo; ainda não disse, e espero não dizer hoje, o que é mau ou o que é bom dos novos actos do governo que reformaram a antiga legislação.

O meu fim não é aprecial-os agora, como teremos occasião de o fazer, quando vier a esta camara a discussão da lei que deve relevar o governo pelos seus actos de dictadura.

O meu fim unico, agora, é provar que a admissão dos novos pares eleitos não e regular, porque nós não podemos estar a pisar a lei e a contrapor-lhe, por melhor, um acto do governo, de cuja responsabilidade elle ainda não foi relevado. Comquanto muitas vezes se tenha infringido a carta constitucional, e eu comprehenda que muitas vezes póde ser preciso fazer-se violencia á lei para salvar uma nação do se precipitar n'um abysmo, ainda assim considero sempre isso como um attentado.

Claro é que a minha classificação de attentado contra a lei fundamental, contra leis constitucionaes, contra a carta constitucional, não representa mais que um conceito individual; e supponho... e temo! que a camara ouvirá esta palavra com despreoccupação.

Nós estamos infelizmente já algum tanto habituados a estes attentados, que vem de longe e se vão accumulando medonhamente; eu, porém, tenho sempre protestado e combatido contra elles.

Bem sei que nada consigo com as minhas reflexões, porque acredito na transmigração das almas e creio que tenho em mim a alma de uma certa prophetisa, que dizia a verdade, mas que estiva condemnada pelos deuses a não ser acreditada. Sei, pois, que clamo no deserto.

Os nobres principes da Igreja, que me estão ouvindo, conhecem muito bem esta lamentação do Evangelho, tantas vezes repelida por notaveis prágadores, que, a despeito do seu muito zêlo, nunca chegaram a converter ninguem. Sei, pois que os dignos pares, na sua maioria, estarão anciosos por que eu acabe de fallar, visto que tudo o que estou dizendo não passa de rhetorica escusada, por quanto a verdade tem que ser supplantada e a justiça postergada, e a camara, emfim, ri-se sem saber que o seu riso póde ser mais delirio do que alegria.

Nós tivemos hontem um festejo patriotico a proposito

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da carta constitucional; e é triste ver que os seus guardadores, em vez de irem ás suas exequias, fossem á sua simulada apotheose.

Hontem representou-se esta scena de decrepitude politica; ámanhã espera-se uma manifestação que não se sabe o que terá e o que dará, não a Portugal, cuja brandura de costumes é assás reconhecida, mas ao mundo inteiro.

Póde não ser ainda amanha o toque da revolução, mas é sem duvida a aurora de uma grande evolução que não se sabe aonde irá parar.

Não se sabe para onde se dirige essa parada que o trabalho vae ostentar em todos os pontos do mundo, mas não é isto para rir, senão para ser muito meditado.

Não sabemos se a crise do trabalho começará com ella e se virá juntar-se á crise da agricultura que, sinceramente, nos afllige e nos perturba em a nossa economia social.

Não sabemos o que dará o dia de ámanhã.

Sabemos que o dia de hontem era a vespera do acabamento de uma civilisação que não chegou ainda a ter um seculo de existencia.

Sabemos que o dia de ámanhã póde ser um dia perturbador, um dia iniciador. Um ponto de interrogação é, de certo.

A luz que se vê póde ser de aurora, mas póde ser tambem de labaredas que incendeiem uma grande parte da sociedade civil e politica. Portanto, estamos n'uma hora de transição que não sei para onde nos levará, o que nos dará como norte, o que nos proporcionara como ensino.

N'este momento, quando olho para a camara dos dignos pares e quando sei já de mim para commigo que vae rejeitar as minhas rasões, que são as da justiça e as do bom senso, o que ella unicamente me parece é a velha de Syracusa.

Não vae, de modo nenhum, dizer-me que eu não tenho rasão; o que vae é sanccionar o preceito de que talvez os que vierem sejam peiores do que os que estão; o que certamente não representa elogio para o governo, nem realmente uma satisfação para os nossos desejos de ver bem governado este paiz.

Quem sabe lá, se nós, que estamos aqui fallando n'esta hora, n'este dia de hoje, que são 30 de abril, um dia depois d'aquelle em que nos davam uma carta constitucional que tem soffrido já algumas operações cesarianas e que anda perdida, já nos archivos de antiquarios que gostam de conservar documentos velhos e edições antigas, ás vezes em letras que se não percebem, que se não sabem ler; quem sabe se nós n'esta occasião, tão serenos como estamos, tão descansados, não estaremos já representando um hospicio de invalidos e moribundos.

Deus queira que não!

Eu tinha fé na cagara dos dignos pares. Suppunha que em meio de tudo quanto havia de transitorio no systema que nos rege e que é muito mais do formulas que de essencia, ainda existia alguma cousa de positivo, de seguro, e que se encontrava n'esta camara. Convenci-me já de que não. Sinto-o por mim, por este paiz que eu desejava ver felicitado, e até pelo governo que devia olhar para nós como para uma bahia segura em occasião de perigos e de tempestades.

Os tempos mudaram muito. Eu que me vi estrangulado ás mãos do meu nobre amigo o sr. Margiochi, fui de proposito, pela reminiscencia d'este nome, revolver as paginas das sessões do soberano e augusto congresso de 1821 a 1822, e encontrei lá um Margiochi mui differente do que hoje ousa levantar-se contra nós, fazendo que sejâmos sobrepujados, nós, commissões eleitas, por uma nova pleiade de dignos pares.

O sr. Margiochi: - V. exa. dá-me licença que o interrompa?

O sr. Thomás Ribeiro: - Pois não; tenho sempre muito gosto em que v. exa. me interrompa.

O sr. Margiochi: - Reformado, a camara, de accordo com todos os partido cumpria-me acatar as resoluções do parlamento. Eu não fiz mais do que reconhecer a auctoridade do parlamento e conformar me com as resoluções por elle formadas.

Se v. exa. me pergunta se estou muito arrependido do que fiz, eu digo a v. exa. que não.

Vejo que felizmente o movimento que agora se manifesta é pelo retrocesso, é pela conservação d'esta camara, tal como estava antes da reforma.

É certo, porém, que eu e mais dois ou tres dignos pares votámos contra a reforma da camara, e repito, não estou arrependido do acto que pratiquei.

O sr. Ornellas: - Apoiado; tambem eu.

O Orador: - Votei centra o principio, não contra pessoas; e devo dizer que todos os que aqui têem entrado, em virtude d'aquella reforma, são para mim pessoas de toda a consideração.

O sr. Thomás Ribeiro: - E como a carta, apesar do seu voto, se reformou, o digno par impelle-a para a sua ruina? O grande guardador das instituições genuinas quer ou tudo ou nada?

É um expediente. Não e um systema.

N'este ponto especial a que me referi é que s. exa. não nos disse nada.

Pois dizia eu, sr. presidente, que em abril de 1822, querendo-se deixar aberta uma porta, ás urgencias do estado se propoz que no caso de haver perigo imminente para a patria ficasse auctorisado o poder executivo a tomar faculdades que a lei aliás lhe não dava.

Sabe v. exa. quem então se oppoz a isso terminantemente?

Foi o sr. Margiochi.

Eu não culpo o digno par. Os tempos mudam. Vim apenas recordar uma cousa que tinha lido, e que realmente se passou assim.

N'este tempo havia todo o escrupulo na dignidade do poder legislativo.

Hoje que fazemos nós?

Que somos nós hoje?

Diz a carta, constitucional que nós com El-Rei somos os representantes da nação.

E a que chegámos nós, sr. presidente?

Chegámos a ser representantes do poder executivo!

Nem somos poder legislativo, nem somos tribunal de censura legislativa, nem sequer somos já repartição de chancellaria; somos chancella, e nada mais, dos actos do governo.

O sr. Margiochi: - S. exa., quando ministro, sustentou em toda a sua pureza e genuidade a carta constitucional... Talvez que a este respeito não possa lançar a primeira pedra.

O sr. Thomás Ribeiro: - Eu nunca atirei pedras ao telhado do vizinho, não porque o meu seja de vidro, ao contrario é de barro grosseiro e modelo antigo.

O que peço ao digno par é que me diga quando eu offendi a carta constitucional?

Não vae tão longe, nem e tão longa a minha carreira como ministro que não se possa saber isso, e não quero dizer que eu não fosse capaz de o fazer, mas simplesmente que o não fiz.

Quando o fizesse havia de saber justificar a urgencia com que o fazia; mas de animo leve, nunca.

D'essas facilidades, d'esses perdões antecipados, d'essas quasi congratulações, é que nasce o perigo, e é d'ellas que eu me queixo.

Sr. presidente, é assim que nós havemos de ir até não sei aonde; mas quando se vae n'esta velocidade adquirida, encontra-se muitas vezes o abysmo onde póde ser precipitado o corpo legislativo, o poder executivo... e com elle a nação inteira.

Eu já apontei á camara dos dignos pares, com a lei na

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mão, que nós não podemos sanccionar essas eleições, sem se approvar a lei que as motivou.

Agora pergunto a s. exas. outra cousa, e espero que as illustres commissões, ou o governo, mas eu quereria antes que mo respondesse a camara, porque eu não estou a fazer opposição ao governo, estou só a dizer á camara que vae praticar um acto que não a illustra e que lhe ha de fazer muito mal! Pergunto, pois, só os pares eleitos, cuja eleição nós, antes de approvarmos a lei, vamos approvar, ficam sendo pares interinos ou provisorios?

Notem bem que a pergunta é clara.

Ficam sendo pares interinos até a occasião em que a camara votar o bill de indemnidade, e se torne lei o que o não é, e, nessa hypothese, se porventura se der um reviramento de opinião, e só acaso se votar contra essa lei que fez novas categorias e dou novos methodos e novos elementos á eleição, esses pares deixam de ser pares e vão para o meio da rua?

Pergunto isto, e em segundo logar pergunto tambem, se os pares que entram por esta porta falsa da dictadura, vêem depois approvar o neto que os trouxe aqui?

São duas perguntas que espero sejam respondidas pelos dignos pares.

O sr. Agostinho de Ornellas: - (Interrupção que não se ouviu.)

O Orador: - Ahi vem a sequencia dos nossos peccados, e porque peccámos, vota-se; mas ao menos não votação os dignos prelados que assistem a este congresso.

Peço-lhes que não votem, se for defendido assim este ultraje mais uma vez commettido contra a lei fundamental do paiz.

É uma questão de consciencia!

Fiz as minhas perguntas, e vou mandar para a mesa esta proposta.

Antes, porém, de a, ler, pedia a v. exa. uma cousa.

Eu tenho muito que fazer. Eu não sei qual é o organisação da tachygraphia d'esta camara. Quando me levam as notas tachygraphicas para rever, depara-se-me frequentemente esta rubrica. (Leu.)

E muitas vezes eu não sei já o que li, nem o que deixei de ler, e vejo-me, frequentemente, na precisão de deixar sem complemento estes meus pequenos discursos, mal proferidos, sobre desataviados.

Se v. exa. podesse fazer com que a tachygraphia copiasse as leituras que se fazem, achava isso muito melhor e muito mais completo. Eu leio de vagar e de certo se comprehenderá melhor o que leio do que o que digo. De outra maneira não nos podemos entender e ficam falhos os documentos parlamentares nos archivos d'esta camara.

Eu não sei se a tachygraphia tem esta obrigação de copiar e de escrever tudo quanto se lê.

Eu, sr. presidente, tenho hoje muito que ler. Quero ler a carta constitucional, que estará um pouco esquecida por alguns dos meus dignos collegas. Oxalá me engane!

Agora vou ler; e n'isto procederei pi casamento como quem vae fazer uma pesquiza de antiguidades.

V. exa. poderá fazer com que a tachygraphia me escreva isto?

Eu desejava-o. Começo por ler a minha proposta:

«Em vista do disposto no artigo 56.° da carta de lei de 24 de julho de 1885, e dos preceitos da lei fundamental da monarchia, muito especialmente do que dispõem os artigos 12.° a 15.°, §§ 6.° e 7.°; capitulo IV, que se inscreve: Da proposição, discussão, sancção e promulgação das leis; artigos 74.°, § 3.° 75.°, § 8.° (acrescentado pelo artigo 10.° do primeiro acto addicional); 75.° e 79.° 119.°, 130.° e 145.° § 1.°, 39.° e 34.°, proponho que seja adiado o parecer proposto á discussão e qualquer outro relativo a diplomas dos pares eleitos nas mesmas condições, até que convertida em lei a ultima, medida dictactorial que modificou essencialmente a lei eleitoral de 24 de julho de 1885.»

Sr. presidente, eu devo dizer a v. exa. que não tenho vontade de crear embaraços ao governo.

Se o governo podesse fazer com que passasse no parlamento, não digo todas as medidas dictatoriaes, mas unicamente aquella que se refere á modificação da lei de 24 de julho de 1885, nós validavamos todas as eleições dos pares eleitos, sem escrupulos.

Agora não o podemos fazer, não o devemos fazer.

Eu podia dizer como um certo ministro de um rei absoluto disse ao rei: «Vossa Magestade não póde fazer isso». E como o rei lhe perguntasse com má sombra: - «Não posso?» - respondeu lhe o ministro: «Não póde por que não deve».

É justamente aquillo que eu digo á camara:

Nós não podemos votar isto, porque não devemos.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Serpa Pimentel): - Peço a palavra.

O Orador: - Eu estimo muito que o meu illustre amigo, o sr. Serpa, pedisse a palavra para me responder, em primeiro logar, porque tenho sympathia por s. exa. e consagro-lhe muita amisade, e em segundo logar, porque, se houve inimigo de dictaduras e liberal n'este paiz, protestando contra ellas, foi o sr. Serpa.

Quero ver como s. exa. defende esta. Não sei o que responderá, e tenho curiosidade de o ouvir.

Bem quizera que nos dissesse, ao menos, por que rasão a. exa. não confiou nas camaras, eleitas sob sua influencia e dos seus amigos; e nas vesperas da abertura do parlamento fez uma dictadura longa, e injuriosa para as suas dedicadas maiorias.

Espero que s. exa. o dirá, s. exa., cujas opiniões contra as dictaduras foram sempre conhecidissimas.

Tenho aqui a carta, sr. presidente, e quero que a camara veja os desvelos com que se trata n'ella o parlamento. Não foi só o soberano e augusto congresso, tambem o dador da carta de 26 o considerou.

Ha uma falta na historia portugueza, que motiva muito erradas apreciações. Morreu o homem destinado pelo governo, com a approvação da academia real das sciencias, para escrever a historia do Rei soldado. O sr. visconde de Benalcanfor.

Foi pena, porque a historia de D. Pedro IV ainda anda adulterada no paiz.

Quando elle dizia a seu pae, nas suas cartas: «Eu sou muito liberal!» dizia a verdade.

É preciso que noa, meridionaes, recordemos estas cousas de vez em quando, já que somos um pouco sujeitos a esquecer nos.

D. Pedro IV era tão liberal, que nos deu a carta constitucional ha sessenta e quatro annos... E está velha!

Fez hontem sessenta e quatro annos, deu-n'ol-a quando era um perigo a carta para a monarchia; quando o sr. duque de Lafões, cujo representante vejo presente, reconhecia e saudava o sr. D. Pedro IV no Rio de Janeiro como áquelle que havia herdado sem contestação o throno de Portugal. Então não havia ainda os casuistas que depois appareceram.

Pois elle, n'essa occasião, sem que ninguem lh'a pedisse, sem que a nação a desejasse, deu a carta constitucional.

Só depois, e por causa d'ellas se apresentou a questão da legitimidade.

Vieram depois as duvidas não só dos absolutistas mas dos proprios constitucionaes; as questões da Terceira, as questões da emigração, contra a legitimidade da propria regencia, sem ao menos attentarem em que só o Senhor D. Pedro poderia abrir os carceres, arriar as forcas e franquear o caminho da liberdade.

D. Pedro IV era liberal, perfeitamente liberal; não fez isto por vaidade, que muita genio lhe attribuiu, porque não tinha precisão de o fazer.

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Liberal convicto no Brazil, liberal convicto em Portugal, nunca desmentiu o seu espirito convictamente liberal.

Ora vejâmos como elle tratava os poderes publicos na sua carta constitucional, hoje tão esquecida.

Vejâmos no titulo 4.°, artigo 15.°, o que compete ao poder legislativo:

«Tomar juramento ao Rei, ao Principe Real, ao regente ou regencia», etc.

E no § C.°:

«Fazer leis, interpretal-as, suspendel-as e revogal-as.»

«Art. 46.° O poder executivo exerce por qualquer dos ministros d'estado a proposição que lhe compete na formação das leis; e só depois de examinada por uma commissão da camara dos deputados, onde deve ter principio, poderá ser convertida em projecto de lei.

«Art. 47.° Os ministros podem assistir, e discutir a proposta, depois do relatorio da commissão; mas não poderão votar nem estarão presentes á votação, salvo se forem pares ou deputados.»

O governo não póde pois fazer sequer projectos de lei, mas apenas propostas.

Eu levantei-me, sr. presidente, no exercicio de um direito, no cumprimento de um dever, velando pela manutenção da carta constitucional, e portanto da lei fundamental do paiz; ao que me obriga o § 7.° do artigo 15.° da mesma carta e n'essas circumstancias, eu pergunto se ha aqui, era todos estes artigos que acabo de ler, alguma cousa que possa fazer acreditar ao governo que estava auctorisado a fazer o que fez.

Ousou, attentatoriamente, alterar as eleições dos pares do reino com um acto do poder executivo, e não quiz saber da constituição? O tempo da lei passou, e agora o governo faz tudo com auctoridade discricionaria, que não respeita nem as formulas, nem os direitos, nem os deveres.

Eu não quero cansar a camara, lendo lhe todos os tramites por que as leis, para serem leis, têem de passar, segundo a carta constitucional. Poupo-lhes a leitura dos dezoito artigos do capitulo 4.° do titulo IV da carta constitucional que marcam o processo de fazer leis, desde o projecto à sancção.

É facil escrever sobre o joelho ou sobre a banca de ministro um decreto, mandal-o applicar em todo o reino, e obrigar todos a cumpril-o, pela vontade unicamente do governo ou do poder executivo: é facil isso; mas quem nos deu as constituições, tanto a de 1820, como a de 182G,-a de 1838 e os respectivos actos addicionaes, teve sempre o cuidado de, peremptoriamente, dizer ao governo que não podia fazer nem projectos de lei! como póde pois agora fazer leis? A unica cousa que póde fazer são propostas de leis; essas propostas vão á commissão, e n'ella são passadas a projecto, e só então se discutem e votam. Comtudo eu vejo agora a nova, applaudida pragmatica, e a sem ceremonia com que se fazem leis.

Ora El-Rei exerce o poder moderador e preside ao executivo; mas quer ver a camara como o Senhor D. Pedro IV, que era Rei, quiz collocar o poder executivo relativamente ao poder legislativo?

Aqui diz em o capitulo 1.° e o capitulo 2.°, titulo 5.°, o que se refere ao poder moderador e ao executivo.

Artigo 74.°:

«O Rei exerço o poder moderador:

«§ 3.° Sanccionando os decretos e resoluções das côrtes geraes para que tenham força de lei (artigo 55.°)

«§ 4.° Prorogando ou adiando as côrtes geraes, e dissolvendo a camara dos deputados nos casos em que o exigir a salvação do estado, convocando immediatamente outra que a substitua.»

Ouviu a camara?

O Rei exerce o poder moderador, notem bem! convocando as côrtes extraordinariamente, saccionando os decretos e resoluções das côrtes geraes para que tenham força de lei, prorogando e adiando as côrtes geraes. Quem tem pois relações comnosco, com o parlamento, não é o poder executivo. A sancção das leis é feita pelo poder moderador o não pelo poder executivo.

Portanto, o poder legislativo não póde abdicar das suas attribuições, que são deveres, nas mãos do executivo.

O poder executivo não póde, por nenhuma fórma, intervir nos actos do poder legislativo e nós nem temos auctoridade para lho consentir.

O capitulo seguinte trata das attribuições do poder executivo. Procuramos lá desculpa, ao menos, para esta exorbitancia:

O § 8.° do artigo 75.° diz: «Se os tratados concluidos em tempo de paz envolverem cessão ou troca de territorio do reino ou de possessões, a que o reino tenha direito, não serão ratificados sem terem sido approvados pelas côrtes geraes». (Veja-se o artigo 10.° do primeiro acto addiccional.)

Nós já fizemos tratados de cessão de territorios sem serem ratificados pelas côrtes geraes. Sequencia!...

O § 9.° do mesmo artigo 75.° diz: «Declarar a guerra e fazer a paz». O § 10.°: «Conceder cartas de naturalisação...» O § 11.° «Conceder titulos honras e distincções em recompensas de servidos feitos ao estado».

Aqui, tinha vontade de fazer umas perguntas, mas não as faço.

O § 12.° «Expedir os decretos, instrucções e regulamentos adequados á boa execução das leis.»

Eis as nossas relações; o governo não póde fazer leis nem codigos. Se o fizer, invade uma das attribuições do poder legislativo. Tem só de executar as leis e póde só regulamental-as.

Sr. presidente, eu não quero arguir e culpar o governo de toda esta decrepitude do nosso systema representativo.

É preciso substituir, desde já, tudo o que está na carta constitucional por alguma cousa que seja viavel.

Nós mentimos ao Rei quando o vamos felicitar porque a carta da monarchia portugueza ainda hoje é lei d'esta nação.

Não seria mais acertado e mais verdadeiro dizer ao Rei que o dia de gala de hontem se tinha transformado em dia de exequias?

Continuemos:

Outra obrigação do poder executivo: - «Prover a tudo, que for concernente á segurança interna e externa do estado, na fórma da constituição.»

Esta é que é a obrigação: - Na fórma da constituição; não é passar por cima d'ella, nem abusar d'ella.

Artigo 76.°: «Juro manter a religião catholica apostolica romana, observar e fazer observar a constituição politica da nação portugueza e mais leis do reino, e prover ao bem geral da nação, quanto em mim couber.»

Este é o juramento do Rei; igual é o dos ministros; igual é o nosso. A este juramento perdoo eu que faltem todos, menos os nobres prelados da igreja portugueza.

Mas vejâmos no capitulo VI:

«Os ministros d'estado referendarão ou assiguarão todos os actos do poder executivo, sem o que não poderão ter execução.

«Os ministros d'estado são responsaveis:

«Por traição;

«Por peita, suborno ou concussão;

«Por abuso do poder;

«Pela falta de observancia da lei;

«Pelo que obrarem contra a liberdade, segurança ou propriedade dos cidadãos;

«Por qualquer dissipação dos bens publicos.

Depois discutiremos isto quando se tratar dos actos dictatoriaes. Aqui está a que se reduzem os deveres e as attribuições dos ministros, na carta constitucional, e, comtudo, muitas vezes vão até onde querem, e com applauso nosso, que é o peior de tudo.

Sr. presidente, escusado será dizer ao sr. presidente do

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conselho, porque S. exa. sabe-o muito bem, que ha só um artigo era que a lei fundamental diz poder haver suspensão de garantias individuaes.

Diga-me s. exa., com a mão na consciencia, se lá encontra o meio, ou ao menos desculpa de fazer o que ha pouco acabou de fazer neste seu ultimo attentado ministerial.

Eu, como vê, faço distincção das duas dictaduras, uma que me parece um escandalo constitucional e outra que...

Muitas vezes me têem perguntado se o governo não merece a absolvição dos outros poderes publicos, attenta a serio de circumstancias que se têem dado na gerencia dos seus negocios, da serie das suas medidas, que devem considerar-se no conjuncto. Permitta-me v. exa. dizer-lhe que desejo acreditar haver actos excellentes do governo, mas o que é verdade é que os não conheço.

O governo tem actos de dictadura que eu reprovo. Tem em vista, segundo me consta, fazer a compra dos caminhos de ferro e depois um outro syndicato, que provavelmente eu reprovo. O governo tem em vista tambem fazer o monopolio do tabaco, o que provavelmente eu reprovo. Isto é o que se vê e espera, mas quando a nação pergunta o que ha a respeito da grande questão, a questão com a Inglaterra, a questão da dignidade d'este paiz, dos nossos direitos em Africa, o governo diz, e diz El-Rei, que leu o discurso da corôa: «Quando eu quiser direi o que ha a esse respeito». Eu não quero molestar o sr. ministro dos negocios estrangeiros com o que acabo de dizer. Se me perguntam se tenho confiança na capacidade de s. exa., respondo que sim, que não duvido dos seus sentimentos de patriotismo e que elle ha de chegar até onde for possivel. (Apoiados.)

Parece-me que não se póde ser mais justiceiro. É preciso, porém, que nos entendâmos; nós somos representantes do paiz, os seus procuradores, e, como taes, podemos desejar saber, em sessões secretas ou não secretas, o que se passa ácerca de uma questão gravissima como esta.

Sabe v. exa. o que isto me parece?

Era boa consciencia! - parece-me que os constituintes e procuradores, que juntos formâmos a nação, somos tratados, não como constituintes elles, nem como procuradores nós, mas sim, todos como interdictos, perfeitamente interdictos dos nossos direitos politicos e civis.

O que faz o governo quando vê que os espiritos se irritam?

A uns dá titulos, honras e mercês; a outros... Tal como quem leva bonecos aos meninos e bollos ás creanças que ficaram em casa socegados. É o que isto me parece, porque estas honrarias já nem são concedidas nos termos em que o ordena a letra da carta, que as concede só ao verdadeiro merecimento.

Este papel de interdicto não quero eu para mim, nem para a nação. Póde-se ser miserando! Ridiculo, não; protesto eu e protestâmos todos. Isto que se nos está fazendo, estes enfeites pueris que se distribuem, significam exactamente o procedimento que se tem com os loucos e as creanças; e o que eu não quero é que o meu paiz pareça um manicomio aos olhos da Europa.

Venha o governo e diga francamente á camara de que necessita, diga-o á nação, diga o ao menos aos seus representantes secretamente, se não póde fazel-o em publico.

Foi isto mesmo que eu disse ao sr. Barros Gomes, quando s. exa. era ministro dos negocios estrangeiros e ao sr. ministro da marinha d'essa epocha. Hoje digo o ao actual governo do mesmo modo que o disse ao governo de então.

Esta maneira de governar, esta maneira de seduzir continuadamente, vem de longe; mas não é o modo pratico de resolver difficuldades na crise por que vamos passando.

Está presente o meu illustre amigo o sr. visconde de Moreira de Rey que appellou para os jornaes, que disse que as nossas resoluções ou intensões estavam nos jornaes. Ora, como as cousas parlamentares se inverteram por tal maneira, eu tambem hoje trouxe jornaes e vejo com pasmo que estamos n'uma situação mais seria que a que por ahi se anda apregoando. Segundo elles.

Por exemplo, tenho aqui o Diario illustrado, que diz... Falla o Diario illustrado em perfidia, e só lhe faltou o assucareiro, para que de prompto se soubesse a quem se queria referir. Mas, seja como for, estas perfidias vem justificadas n'este jornal, e eu vou ler d'elle um periodo. Defende-se n'este papel o governo, e portanto não póde ser de modo nenhum suspeito aos srs. ministros. Diz o jornal:

«Mas pelo que já soffreram, e pelo que annunciam, parece que desistiram da empreza, em que o ideal de uns se misturava com o despeito de outros; e agora vão limitar-se a salvar as apparencias, queimando os valverdes da sua oratoria de festa.»

Vejam-se n'este espelho os que fazem opposição a esta excellente dictadura?

Mas prosigamos:

«Ainda bem que isto acontece, e muito merece o governo por ter rechassado á nascença esta aventura, que, a tomar algum alento, seria mais um elemento de constante perturbação anarchica da nossa desmanchada politica.»

Muitos parabens ao governo! Não sabia que tinha praticado esta acção heroica.

Isto diz um jornal do governo.

Não sou eu, eu apenas leio o que se encontra n'esse jornal, e desejava que me fossem transcrevendo estas declarações, porque são tão auctorisadas que merecem realmente ficar nos annaes do parlamento.

«N'este momento, que é de crise, não do governo, mas da sociedade portugueza, se ai classes conservadoras dão o exemplo revolucionario, collocando-se fóra da lei fazem mais do que trabalhar para o cahos: suicidam-se, preparam-se para a sua ruina, perdem se no labyrinto dos seus expedientes, e quando quizerem não encontram nem sequer principios da sua auctoridade propria.

«Todos os actos indisciplinados se parecem por mais diversa que seja a sua procedencia.»

Quando eu estou a pedir a todos os meus collegas que se metiam dentro da lei, na verdade é extraordinario o que acabo de ler!

Pois não andará algum espirito de isania pairando nos ares?

Anda, de certo, porque aquillo que eu posso dizer, accusando, é aquillo que os outros dizem, defendendo-se.

Isto é extraordinario!

Eu tenho desejo de perguntar para onde vamos? Se para Villa Franca de Xira, ou da Restauração, ou se para 1793?

A dizer a verdade, não sei; o que sei é que isto nem é bem oligarchia, nem absolutismo, mas apenas phantasmagoria.

Ainda este não é verdadeiramente o termo politico, o verdadeiro termo politico é - anarchia!

Anarchia em todos os poderes publicos, sem ninguem se entender, sem ninguem saber o que será o dia de ámanhã.

Isto está denunciado no documento que acabei de ler e que não póde ser suspeito para ninguem.

«... se as classes conservadoras dão o exemplo revolucionario, preparam a sua ruina, suicidam-se!»

Sr. presidente, é perfeitamente verdade tudo quanto aqui se diz.

A indisciplina não está em nós, está no governo; não está em nós, que estamos a dizer qual é o caminho legal.

Póde estar na camara, se lhe approvar a anomalia e lhe sanctificar o delicto.

Tenho aqui outro jornal do governo, jornal que lhe diz era muito boas palavras qual é o resultado das suas dictaduras.

É, em primeiro logar, o nosso descredito em París.

Aproveitaram se das successivas dictaduras e proclama-

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ram o nosso descredito, mostrando assim mais uma vez que querem lançar mão da nossa roupa, acreditando que é de francezes.

Estamos na mais desgraçada situação!

Nós somos tratados dentro do paiz pela fórma que tenho indicado, e lá fóra estamos sendo todos os dias espoliados.

Um dia é a Inglaterra que se alastra cada vez mais pelas nossas antigas possessões.

Outra vez é a Hespanha que não nos quer restituir Olivença, se bem o devêra fazer, em virtude de tratados sacratissimos.

Outra vez é a França, que faz comnosco tratados como o de 1803, pelo qual nós lhes comprámos a paz por dez milhões de francos.

E ainda a França e a Hespanha, que nos retalham no tratado secreto de Fontainebleau.

Outro dia e ainda a França que nos invade e nos devasta. Mais tarde faz-se a convenção de Cintra, em que nos levaram o que bem lhes aprouve.

Depois vem o emprestimo do senhor D. Miguel.

E n'este ponto as exigencias têem-se repetido, appellando-se do tribunal da justiça para o da chantage.

Até a Santa Sé, a Santa Madre Igreja, até essa entendeu que nos devia levar tudo, ou uma grande parte do nosso padroado no Oriente.

De fórma que eu já não sei o que é nosso; o que sei é que, se continuarmos n'estas condições, estamos em peior situação do que uma colonia de qualquer nação poderosa.

Hei de perguntar opportunamente ao governo o que é que nós temos feito lá fóra nas nossas colonias. Quaes os trabalhos de fortificação que se têem emprehendido. O sr. presidente do conselho mandou artilhar os fortes da barra e das margens do Tejo; isso sei eu e estimo muito que o mandasse fazer, ainda que não sou militar, não sei como esse trabalho só tem feito, nem se é bem determinado. De resto... nada?...

Voltemos aos jornaes:

Sr. presidente, esto jornal, o Correio da manhã, denuncia que, a proposito do ultimo emprestimo, se levantaram lá fóra grandes attritos por parte dos nossos suppostos credores, que se aproveitaram das ultimas successivas dictaduras para mostrarem até onde chegava o nosso estado de perturbação interna.

O que, pois, eu peço ao governo é que veja se entra no caminho da legalidade.

Este meu pedido não é resultado de nenhuma combinação que se possa classificar de perfidia, e tão pouco a proposta que apresento, e se o fosse, para se ver quanto ella seria inutil, bastaria attentar na disparidade de numero dos dignos pares que a vão invalidar, a fim de se obter o convencimento de que ella não prevaleceria.

Peço desculpa á camara do quanto a importunei, mas não podia deixar de varrer a minha testada, de protestar bem alto o respeito que se deve tributar á lei fundamental d'estado, respeito que nós todos jurámos, talvez falsamente! que havemos ter por ella. Ministros e pares do reino, neste perjurio, estamos n'uma cumplicidade que realmente não abona a nossa probidade de legisladores e executores das leis.

E tudo isto se pagará n'um futuro mais ou menos proximo.

Leu se na mesa a proposta do digno par e foi admittida á discussão.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Antonio de Serpa): - Pedi a palavra como par do reino e não como ministro, porque a questão de que se trata é exclusiva d'esta assembléa.

Não me occuparei da questão dos actos dictatoriaes, que não está nem póde estar agora em discussão. O proprio digno par, meu amigo, a quem me cabe a honra de responder disse que não a queria agora tratar, No entretanto, s. exa. não fez outra cousa senão discutir os actos de dictadura, e outros assumptos mais.

Deu-nos o digno par o antegosto de um discurso sobre a resposta ao discurso da corôa. Folgâmos todos com isso.

Temos sempre muito prazer em o ouvir, pela belleza do seu estylo, pelas suas recordações historicas, por tudo emfim que nos entretem e conserva presos da sua voz quando s. exa. toma a palavra n'esta camara. Mas, torno a dizer, não me refiro aos actos dictatoriaes do governo, porque no momento actual não estão em discussão.

S. exa. referiu-se ao que escreveram alguns jornaes que accusavam o gabinete, e agora mesmo acaba de ler á camara alguns trechos de um jornal ministerial.

A esse respeito sómente observarei que não respondo pelo que dizem os jornaes, e nem mesmo tenho agora muito tempo de os ler.

Na opinião do sr. Thomás Ribeiro, não se póde considerar um parecer o assumpto que está em discussão não o acha regular, não entende que a seu respeito se tenham seguido os tramites do regimento, e que a camara não procederia correctamente, se o discutisse e votasse. N'esse ponto está s. exa. enganado. O parecer é perfeitamente regular. A camara nomeou duas commissões de verificação de poderes, as quaes vieram declarar-se constituidas. Um dos dignos pares, usando do direito que ninguem lhe podia disputar, propoz que se aggregassem mais quatro membros a cada uma d'essas commissões, o que se tem feito muitas vezes n'esta e na outra casa. A camara approvou a proposta.

Agora temos um parecer, que é assignado pela maioria dos dignos pares que compõem uma das referidas commissões; por consequencia é perfeitamente legal e regular, a camara póde e deve discutil-o.

S. exa. apresentou uma proposta, cuja significação já tinha sido pela imprensa annunciada, e que se reduz ao seguinte: não poderem entrar aqui os pares electivos sem que seja votada uma lei de indemnidade relevando o governo por haver assumido poderes legislativos.

Em primeiro logar notarei que não é novo o facto a que o digno par se refere; deu-se ainda ha tres annos, e então não se lembrou s. exa. das rasões que apresenta agora. Quando s. exa. declarou que eu era inimigo de todas as dictaduras, fez-me uma grande injustiça. Não posso ser inimigo de todas as dictaduras. Quando no intervallo das sessões legislativas, em casos de força maior ou circumstancias extraordinarias, os governos assumem poderes legislativos e depois vem pedir ao parlamento que os releve da responsabilidade em que incorreram, é um caso perfeitamente regular, e que se dá em todos os paizes constitucionaes. Do que eu sou inimigo é das dictaduras inuteis.

O sr. Thomás Ribeiro: - E extemporaneas.

O Orador: - Mas não se trata de dictacturas inuteis e extemporaneas.

O digno par entende que esta camara não deve approvar a entrada dos dignos pares eleitos, emquanto não for lei o projecto que releva o governo da responsabilidade em que incorreu, ou emquanto não seja approvado o declarado que continua em vigor a providencia de caracter legislativo tomada pelo governo, no intervallo das sessões legislativas.

Se assim fosse, sr. presidente, o que acontecia?

Acontecia que os dignos pares eleitos não podiam entrar n'esta camara, sem que fosse votada a lei que approva o acto dictatorial, e como esta camara, em virtude do acto addicional de 1885, é composta de pares vitalicios e pares electivos, emquanto estes não tomarem assento, a camara não póde discutir e votar aquella lei. Estavamos n'um circulo vicioso, e tinha de parar o funccionamento da constituição e de systema representativo.

Ficavamos como dizem os francezes, n'uma impasse, ou, como entre nós se diz vulgarmente, n'um beco sem saida, porque, não podendo funccionar esta camara, para; fazer leis

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sem o elemento electivo, e não podendo entrar os pares electivos, sem que se votasse a lei que approvasse o acto dictatorial, pararia entre nós o systema representativo, o que é uma consequencia absurda. Nem se diga que podia vir outro governo que dissolvesse a parte electiva da camara dos pares, e que mandasse fazer a eleição pela lei anterior, porque, segundo o ultimo acto addicional, as camaras não podem ser dissolvidas sem terem funccionado tres mezes. Continuava o mesmo circulo vicioso.

Depois, este facto não é novo, dou-se exactamente em 1887, com o ministerio que era presidido pelo meu illustre amigo o sr. Luciano de Castro.

Entre as medidas de dictadura, e talvez a mais importante, foi a do codigo administrativo, que alterou os corpos administrativos que haviam de nomear os delegados que tinham que eleger os pares; por consequencia, os pares que aqui entraram não eram os mesmos que haviam de entrar se não houvesse aquelle acto dictatorial, e ninguem se lembrou n'essa epocha de levantar esta questão.

E isto que se deu para a camara dos pares, deu se. tambem n'outras occasiões para a camara dos senhores deputados.

Em 1869 foi tambem alterada por um acto dictatorial a constituição da camara dos senhores deputados, passando o seu numero de 174, para pouco mais de 100, e sendo alterados todos os circulos; por consequencia os deputados eleitos não eram os mesmos que o seriara, se não fosse o acto dictatorial.

Ora, se então se apresentasse esta objecção, tinham que parar as funcções legislativas, porque os deputados não podiam funccionar sem que fosse approvado o acto dictatorial, o qual não podia ser approvado senão pelos deputados cuja camara não se podia constituir. Estavamos no circulo vicioso em que nos pretendera agora metter. Ninguem se lembrou então de o fazer, e perdia o tempo, se se lembrasse.

O digno par, que citou o nome de tantos homens notaveis da nossa hissoria politica, para corroborar a sua argumentação, esqueceu-se de citar alguns homens importantes do nosso paiz; eu lembrarei um dos mais notaveis e mais sympathicos, Passos Manuel.

Passos Manuel, Fontes Pereira de Mello, Anselmo Braamcamp e outros (não tenho agora presentes os nomes de todos), em 1852, quando se tratava de uma questão analoga a esta, foram de opinião que os actos dictatoriaes vigoravam emquanto não fossem revogados pelas camaras.

O sr. Thomás Ribeiro: - V. exa. dá-me licença?

Deixe-me dizer-lhe a rasão por que não citei Passos Manuel.

Eu tenho por elle o mesmo respeito que v. exa. manifesta; mas não o citei porque se deu exactamente com elle o que agora se dá com v. exa., e por isso faz bem era o invocar era seu auxilio.

É que em 1837 elle fez uma dictadura, depois da revolução de setembro, na qual se fez eleger a si, o que não, era regular.

Teve, por consequencia, de dizer á camara e de sustentar com a sua maioria, que realmente elle estava dentro do limite da lei, porque o decreto dictatorial valia como lei, emquanto não fosse revogado pela camara.

Era a sua unica defeza.

Esta historia não é de 1852, é de 1837. Portanto, já v. exa. vê a rasão por que não citei Passos Manuel.

O Orador: - Como eu tenho por mira homens como Passos Manuel, Fontes Pereira de Mello, Anselmo Braamcamp e outros, estou á vontade.

O que o digno par quer é um impossivel; é querer que se suspenda o systema representativo, porque não apresenta uma solução pratica a situação em que ficaria esta camara e o parlamento, se a sua proposta fosse approvada.

Os dignos pares electivos não entram emquanto não for votada a lei que approva o acto dictatorial, que alterou o modo da sua eleição, e a lei não póde ser votada emquanto elles não estiverem aqui.

É esta a situação a que nos conduz a proposta do digno par.

Á vista d'isto, parece-me que a proposta de adiamento do sr. Thomás, Ribeiro não póde ser votada pela camara.

Ella ouviu as rasão apresentados pelo digno par, ouviu as minhas, conhece a questão, que foi já ventilada pela imprensa e que é muito simples, e decidirá como entender.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. conde do Bomfim.

O sr. Conde do Bomfim: - Sr. presidente, releve me a camara de eu ler pedido a palavra; mas quando me inscrevi, não contava eu que o illustre presidente do conselho ía responder ao sr. Thomás Ribeiro, e que assim a discussão ficaria completamente esclarecida; mas ainda assim como as invectivas de tão distincto parlamentar, ferindo os que votaram contra a constituição homogenea d'esta camara, podiam impressionar de favoravelmente a assembléa, não posso deixar de levantar a minha voz, para affirmar mais uma vez que, mantendo eu n'aquella occasião a minha opinião já affirmada n'esta casa, ainda hoje a mantenho com a firmeza das minhas convicções.

Ainda que tribute a maior consideração e sympathia a s. exa., embora desejasse que similhante debate se não suscitasse, nada me demove do proposito de repellir a sua objurgatoria eloquente, mas menos justa para com aquelles que, embora tenham a convicção da inutilidade das ultimas reformas politicas, nem por isso deixam de occupar honrosamente o seu posto, como s. exa. pretende insinuar, mantendo a lei do estado, e votando ou manifestando a opinião de que o elemento electivo faz parte desta casa e que os seus poderes devem, primeiro que a camara se constitua, serem verificados até pelos proprios eleitos, que têem mesmo o direito de fazer parte das sessões preparatorias. E assim procurarei demonstrar a proposição que enuncio.

Ora, sr. presidente, eu declaro á camara que votei contra as reformas politicas, porque rasões de sobejo me arreigaram a crença de que ellas eram inuteis e escusadas, mas que, se ellas não fossem sufficientes para fortalecer a minha convicção, hoje estou perfeitamente satisfeito, e regosijo-me de o ter feito, porque o retrocesso de todos é geral, e visivelmente patente foram ellas um erro politico; muito folgo que o digno par sr. Thomás Ribeiro, aspire a elle, porquanto o seu modo do argumentar, tendo elle um espirito lucido, levando-nos a que sustentemos a constituição, não como está, e é nosso dever, mas como era antes, leva-nos a opinião a seu respeito.

Eu fui um dos partidarios de que esta camara fosse organizada de fórma que os seus membros fossem fixos e inamoviveis, e que não entrassem elementos heterogeneos na sua organisação, para que mais perfeito fosse o equilibrio dos poderes politicos. E bem inutil e bem escusado era o elemento dynamico para aferir o voto da uma com a existencia da outra camara de eleição.

E que fosse que esta camara estivesse organisada como anteriormente o era, que fosse organisada por eleição de lista triplice, escolhida pelo monarcha, sobre a qual recaísse a eleição, comtanto que os, seus membros tivessem a condição de inamoviveis, e houvesse o senado vitalicio, opinião até apresentada pelo sr. José Luciano de Castro, foi sempre este o meu alvitre, é e foi a minha opinião.

Mas, sr. presidente, porque sustentei esta opinião, tenho eu o direito, como par do reino, de impor estas minhas condições, filhas da minha consciencia, das minhas impressões no espirito dos dignos pares que forem do outra? Depois que elles implantaram a reforma, que a antiga constituição foi reformada, posso eu deixar de acatar isto e não cumprir os deveres que ella me impõe?

Hoje, embora sustente as mesmas idéas ou os mesmos principies, sem deixar de me felicitar pela outorga da carta constitucional, que abriu nova era á minha patria.

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acatando os seus preceitos, obedeço á lei, pugno por ella, e portanto eis a rasão por que eu, opinando que os pares electivos fazem parte d'esta camara veio pela constituição do estado.

Disse o digno paro sr. Thomás Ribeiro, que nós não podemos na presente occasião pretender que vigore, ou sustentar a organisação dada á camara dos pares pelas reformas politicas.

Ora, sr. presidente, isto é um paradoxo. Os que fizeram a reforma é que de fórma alguma deviam sustentar que os pares eleitos não têem direitos iguaes aos dos outros. E nós estamos no terreno legal em que nos collocaram. Feitas as reformas politicas, e depois de se ter legislado que esta camara fosse composta de 150 pares, sendo 100 vitalicios o 50 electivos, nós não podemos deixar de admittir aqui os pares electivos. Assim é que se vela pela constituição do estado. Pretender que ha leis ou regulamentos que não admittem a sua intervenção não sessões preparatorias e na verificação dos poderes dos pares, seja de uns ou de outros, nem se prova citando-os, nem, que elles existissem, se podiam sobrepor á lei organica.

O que o digno par o sr. Thomás Ribeiro pretende porém sustentar, é que nós ainda hoje deviamos defender a camara antiga e não a camara moderna; mas o que s. exa. não póde dizer é que nós não velâmos pela constituição do estado, sustentando a lei constitucional que nos rege.

Eu, sr. presidente, regosijo-me de ver, repito, que o digno par o sr. Thomás Ribeiro aspire ao retrocesso, mas pretender s. exa. que nós hoje não devemos velar para que se mantenha a organisação que actualmente existe e como se acha escripta e consignada depois das reformas politicas, excluindo o elemento electivo da camara, isso é que se não póde sustentar. Nós faltariamos ao nosso juramento politico se advogassemos direitos que foram prejudicados.

Por isso eu digo que venho aqui exactamente para sustentar a constituição do estado, mostrando á camara que as buas deliberações, sejam ellas quaes forem, não podem produzir os seus effeitos, não podem de modo algum ter significação politica, sem que o elemento electivo se ache representado n'esta camara, conforme foi decretado na nova constituição do estado.

Veiu ainda o digne par dizer que nós podemos na presente occasião consignar n'um parecer, que diz respeito a verificações de poderes, e as exclusões dos pares eleitos com o fundamento de que houve infracção de lei.

Não me parece que isso esteja, nas attribuições das commissões de verificação de poderes, sem direito, do modo que o digno par o comprehende.

As attribuições da commissão de verificação de poderes, quer nas assembléas eleitoraes, isto é na primeira instancia, quer nas sessões preparatorias da camara dos pares, são restrictas em relação aos processos eleitoraes e limitam-se aos autos do processo, aos reconhecimentos de identidade do eleito e ás reclamações ou protestos que influam na eleição; estão até marcadas na lei eleitoral do sr. Barjona, que o digno par citou, e d'essa lei se indica o caminho que as commissões de verificação de poderes têem a seguir, mas as palavras infracção de lei, que ali só encontram, ligando o termo ao seu objecto, referem-se á lei que determina a eleição, e não á apreciarão d'ella. Portanto se a lei que determina a eleição não foi a do br Barjona, mas a da dictadura, não podia a commissão de verificação de poderes achar no processo eleitoral infracção de lei, senão nos actos que infringissem esta, lei, e não é das suas attribuições apreciar se a nação devia ou não de a acatar como acatou. Este direito de apreciação da lei compete ás côrtes depois das camaras constituidas. Suscitar, pois, a duvida ou a questão de que as commissões não estão constituidas e que não podem portanto dar parecer, porque os seu presidente não convocou as commissões, ou não assistiu ás suas reuniões é na verdade forjar questões incidentes sem base.

É contra a lei do pariato, é contra o bom senso, e ninguem póde argumentar por esta fórma.

As commissões compõem-se de certo numero de membros; constituiram-se e a vontade da camara resolveu addir-lhe mais alguns membros. O presidente falta; mas reunem-se membros das commissões em numero que constituo maioria. Lavram-se pareceres e nomeiam-se relatores. Tudo é legal. (Apoiados.)

O sr. Thomás Ribeiro pretende estranhar que nós, os amigos da carta constitucional, que a desejâmos acatada, não deviamos acceitar a dictadura, verificando os poderes dos nossos collegas electivos como se este acto envolvesse a acceitação.

Que não deviamos pugnar pela dictadura, que exprime o esphacelamento da constituição; só depois de apreciarmos o acto dictatorial, em virtude do qual foram convocados os collegios, é que deviamos verificar es poderes dos eleitos.

Mas, sr. presidente, s. exa. confunde a questão e d'aqui a sua invectiva. Nós não acceitámos nem pugnámos pela dictadura, porque nós não a apreciámos, nem temos competencia para a apreciar ainda.

O governo assumiu poderes discricionarios, e para ser ou não i elevado das responsabilidades dos seus actos, ha de dar conta ás côrtes. Mas as côrtes não estão constituidas, e em junta preparatoria não se póde portanto apreciar a dictadura. Nem se conhece das rasões que o governo apresentará. É preciso conhecel-as para as apreciar.

Não é, pois, occasião opportuna, antes da camara constituida, e a camara não póde estar constituida sem que os seus diversos elementos n'ella sejam representados.

A questão é esta; e tudo o mais que se fizesse seria um attentado contra a lei do estado.

Compõe-se a camara dos pares de cem membros vitalicios e cincoenta electivos.

Foi preciso proceder á eleição dos cincoenta. Fez se ella pela lei do sr. Barjona? Não.

A eleição fez-se por uma lei de dictadura, que só por outra lei póde ser annullada, e nós como já o fez a camara dos deputados ha annos, temos que acatar essa lei, e sem tratar do regimento, de que logo fallarei, temos de verificar os poderes dos pares eleitos ou nomeados, ou hereditarios, primeiro do que tudo.

O sr. Thomás Ribeiro (interrompendo): - Ao menos não lhe chame lei.

O sr. Conde do Bomfim (continuando): - Chamo-lhe lei de dictadura.

O sr. Thomás Ribeiro (interrompendo): - Diz bem.

O sr. Conde do Bomfim (continuando): - Folgo de ver que v. exa. é da minha opinião.

É uma lei que não está revogada; que reveste a natureza legislativa, que tem tal força de execução, que subsiste, que se executa como qualquer outra, até que uma nova leia revogue.

Emquanto isso não se der, ella existe, e é a ella que se obedece. Eis porque eu insisto, como eu comprehendo as leis dictatoriaes. Que diga o digno par que nasce da anarchia, da revolução, do poder discricionario assumir estas responsabilidades, e eu direi que sim, póde nascer. Póde nascer como nasceu da revolução a constituinte do Brazil, que provem certamente da dictadura.

Mas eu pergunto: qual é o poder do estado, na occasião em que ha uma revolução, se acaba com a camara toda, e se elege no sou logar o senado? Qual e a lei que dá direito a que o systema anterior intervenha na verificação de poderes d'aquelles que substituiram os do systema antigo em virtude de uma lei de dictadura?

Os senadores são eleitos em nome da soberania nacional, e embora eleitos em dictadura, nós temos que acatar os direitos da nação que os elege.

Podem, e em bom terreno doutrinal estão aquelles que defendem o systema antigo, e em nome d'esse systema protestâmos contra essas idéas.

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Ainda hoje no paiz ha partidarios do governo illegitimo que não acceitam a carta. Cada um sustenta as cousas conforme as suas convicções. Mas para destruir o novo systema só ha dois meios, o rebellar-se, e eu não quero revolucionar-me, ou acatar o voto da nação e apreciar o acto pelos meios legaes, esperando portanto que as côrtes funccionem.

Se alguem entrou n'esse caminho, é que as necessidades publicas assim o determinaram, que se justifique depois, e diga diante do paiz, diante das côrtes eleitas pela vontade nacional, consultada na urna, as rasões por que assim o fez. Não se segue, porém, por isso que eu me rebelle novamente contra esse acto, e pratique outro acto revolucionario ou fóra da orbita legal. Não desejo fazel-o, não o deve fazer esta camara.

Portanto, se o senado tem uma parte electiva, os seus membros electivos têem o seu direito de intervir na proporção que a lei lhes fixou na verificação dos poderes em sessão preparatoria; e eu pergunto porque e que isto não ha de ser assim? Não ha argumento que possa destruir o que, por exemplo, se pratica ainda hoje na outra camara.

Quantos actos de dictadura se têem feito, quantas leis eleitoraes em dictadura se têem feito para a organisação, ou para a eleição da camara dos deputados?

E comtudo, quem é que vae verificar os diplomas dos deputados eleitos na outra camara?

Não é a junta preparatoria, constituida por aquelles que foram eleitos pelo povo?

Não são estes mesmos, que têem obrigação de verificar os seus proprios diplomas?

É esse, pois, o principio que se deve seguir.

Se os dignos pares me objectam que por questões suscitadas n'esta camara se convencionou que a camara funccionasse com um certo numero de pares eleitos, eu direi que, se estivesse presente n'essa sessão, teria expendido a mesma opinião de que os pares eleitos devem fazer parte d'esta camara nas sessões preparatorias; pois não comprehendo que isso possa contrariar o principio organico da lei. A lei do estado, a lei essencial, todos os jurisconsultos me têem ensinado por esta forma, nenhum regulamento a póde restringir.

E por isso eu digo que posso ter a opinião de que todos os regulamentos vigoram, emquanto não affectem realmente a lei fundamental; em quanto isso não se der. eu entendo que devem vigorar.

Seria pois esta a minha opinião se estivesse presente n'aquella sessão.

Os pares eleitos têem obrigação de verificar os seus poderes, e não se encontrara livros, precedentes, leis do pariato e outras quaesquer disposições ou regulamentos, que não me conduzam fatalmente a esta opinião, a este fim, a esta minha convicção. Encontro, por exemplo, um artigo que diz o seguinte:

(Leu o artigo 3.° da carta de lei de 24 de junho de 1885.)

Como a camara sabe o par eleito, logo que é proclamado na assembléa de apuramento, não póde ser preso, senão em flagrante delicto a que corresponda pena mais elevada, senão por ordem da respectiva camara.

Têem elles iguaes prerogativas ás dos pares vitalicios, desde que são eleitos.

Ora quando isto se verifica em casos tão graves, como não lh'as reconhecer sempre?

Que direito tem pois o digno par o sr. Thomás Ribeiro de impedir a entrada n'esta casa aos pares electivos?

Porque não fazem elles parte da junta preparatoria?

Esta camara é composta de pares vitalicios e de pares electivos. Para este corpo politico poder funccionar, tomar deliberações, é indispensavel que estejam aqui reunidos os dois elementos, vitalicio e electivo.

Mas, sr. presidente, fallou-se no regimento interno da camara e eu prometti referir-me a elle.

Quem ousa fallar no regimento para uma questão d'estas?

Ainda o anno passado, a proposito de um parecer que dizia respeito a um individuo que pretendia entrar n'esta casa por direito hereditario, e então era a hypothese do regimento, eu sustentei que, em presença do regimento, o diploma que se apresentava não estava legal.

O relator do parecer, porém, contrariou a minha opinião e defendeu o principio de que um regulamento não revogava uma lei, o que o regimento exorbitara d'ella.

Para evitar duvidas e questões é preciso que haja um regulamento novo, com disposições claras era relação á admissão dos pares eleitos n'esta assembléa, e mesmo em relação aos de outras proveniencias.

Mas, sr. presidente, repetirei o que já disse, que a camara actualmente é composta de dois elementos - pares vitalicios e pares electivos, e não se argumente com o artigo do regimento, que não tem applicação para a hypothese sujeita. Se então já não se podia invocar, hoje de fórma alguma elle póde intervir.

É indispensavel organisar quanto antes o regimento era harmonia com a lei de 1885. E então será n'elle mantido o direito a todos de fazer parte das sessões preparatorias em conformidade com a lei, de entrar na devida proporção na commissão de verificação de poderes, que elles sejam representados na constituição da camara.

Assento na camara, depois de constituida, nenhum par o tem sem que o seu diploma ou carta regia se verifique; mas direito a intervir na sua constituição, de n'ella ser representado, têem todos na proporção dos seus elementos differentes, conforme a lei.

Sr. presidente, aos partidos que reformaram esta camara corre-lhes o dever de a respeitar e acatar. A camara em sessão preparatoria não póde proferir nenhum veredictum sobre os ultimos decretos dictatoriaes; a camara depois de constituida não o póde proferir sem ter no seu seio o elemento electivo.

Se aquelles que pregaram e introduziram pela sua propaganda as reformas politicas, julgaram necessario para a rotação dos dois grandes partidos, progressista e regenerador, o elemento dynamico, se o introduziram para a rotação dos governos, com desprezo até dos principios da monarchia representativa, como entendem que podem n'este caso haver votações com significação politica, sem a sua intervenção, quando a introducção d'esse elemento é que deu significação politica ás votações d'esta camara, que a não deviam ter.

As conveniencias publicas pedem e exigem que esta assembléa não levante questões politicas extemporaneas, preterindo a discussão de assumptos de interesse capital para o paiz.

Temos muito que fazer. Cuidemos seriamente das questões graves que chamam a nossa attenção. Pensemos nas nossas complicações internas, e attendamos a que ellas se ligam aos nossos interesses internos, e prendem com o nosso escudo financeiro. Apressemos, pois, o funccionamento das côrtes, até para que perante a representação nacional o governo de conta do modo porque tem gerido e providenciado.

Eu, sr. presidente, se alguma influencia tivesse, effectivamente para com aquelles que se interessam pelos negocios publicos e pelo bem do seu paiz, havia de pedir, se podesse, a alguns amigos meus que me fazem o favor de me considerar, o que muito me honra, que não levantassem questões de tal ordem na presente conjunctura.

E, concluindo, sr. presidente, direi que, se o bom senso assim nos aconselha, quando alem d'isso a lei organica da camara se antepõe aos preceitos discutiveis de regimentos caducos, ou de leis mais ou menos diffusas, e porquanto, alem da rasão, nos assiste o direito, é dever dos que são constitucionaes, é dever meu, sustentar estes principios, pois quem véla pelas instituições, para que o seu prestigio se

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mantenha, não póde ter o intuito de ferir a constituição do estado, que a tanto equivale pretender a exclusão da parte electiva d'esta camara, que seria o não reconhecimento dos seus direitos.

Tenho dito.

O sr. Bernardo de Serpa Pimentel: - Sr. presidente, mando para a mesa os pareceres da primeira commissão de verificação de poderes, relativos á eleição dos pares os srs. Antonio José Teixeira e João Ignacio Holbeche.

A imprimir.

O sr. Cau da Costa: - Mando para a mesa dois pareceres da primeira commissão de verificação de poderes, um relativo á eleição, por Vizeu, do sr. Bandeira Coelho e outro que diz respeito á eleição, por Braga, do sr. Neves Carneiro.

Foram a imprimir.

O sr. Presidente: - Segundo a inscripção, tem a palavra o digno par o sr. Barros e Sá.

O sr. Barros e Sá: - Sr. presidente, parecia-me mais conveniente, se a camara assim o entende, que v. exa. me reservasse a palavra para a proxima sessão, porque, por mais breve que eu seja no que tenho a dizer, não me é possivel no pouco tempo que falta para a sessão se encerrar terminar o meu discurso. Portanto, permitta-me a camara que eu recolha a minha musa por hoje. (Riso.)

O sr. Presidente: - Em virtude da declaração do digno par, está encerrada a sessão, sendo a primeira ámanhã, 1 de maio, e a ordem do dia a continuação da que estava dada para hoje.

Eram quatro horas e cincoenta e cinco minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 30 de abril de 1890

Exmos. srs. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel; Antonio José de Barros e Sá; Marquezes, de Fronteira, de Pomares, de Pombal, da Praia e de Monforte, de Sabugosa, de Vallada; Arcebispo Bispo do Algarve; Condes, das Alcaçovas, de Alte, da Arriaga, do Bomfim, de Cabral, de Ficalho, de Gouveia, de S. Januario, de Lagoaça, de Margaride, de Thomar; Bispos, de Beja, de Vizeu; Viscondes, de Almeidinha, da Azarujinha, de Condeixa, de Moreira de Rey, da Silva Carvalho, de Soares Franco, de Valmór; Adriano Machado, Agostinho de Ornellas, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Cau da Costa, Bernardo de Serpa, D. Caetano de Bragança, Carlos Eugenio de Almeida, Cypriano Jardim, Montufar Barreiros, Pinto Bastos, Hintze Ribeiro, Costa e Silva, Margiochi, Mendonça Cortez, Gusmão, Gomes Lages, Baptista de Andrade, Fernandes Vaz, José Luciano de Castro, Ponte Horta, Rodrigues de Carvalho, Mello Gouveia, Sá Carneiro, Mexia Salema, Bocage, Julio de Vilhena, Lourenço de Almeida Azevedo, Lopo Vaz, Camara Leme, Seixas, Franzini, Placido de Abreu, Calheiros, Thomás Ribeiro, Thomás de Carvalho.

O redactor = Ulpio Veiga.

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