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N.º 4

SESSÃO DE 14 DE JANEIRO DE 1892

Presidencia do exmo. sr. Antonio Telles Pereira de Vasconcelos Pimentel

Secretarios - os exmos. srs.

Conde d'Avila
José Augusto da Gama

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta.- Correspondencia.- A camara concede licença para que o sr. Antonio de Serpa possa ser intimado como testemunha.- O sr. presidente do conselho participa a demissão do gabinete.- O sr. Marianno de Carvalho ministro da fazenda explica os seus actos como ministro que haviam dado origem á crise ministerial.- O sr. presidente declara que emquanto não houver novo governo a camara tem de suspender os seus trabalhos.- O sr. Augusto José da Cunha pergunta em que qualidade usara o sr. Marianno de Carvalho da palavra, não sendo já ministro.- O sr. presidente responde e levanta a sessão.

Ás tres horas e quarenta e cinco minutos dá tarde, estando presentes 42 dignos pares declarou o sr. presidente aberta a sessão.

(Está presente todo o ministerio com excepção do sr. ministro dos estrangeiros.)

Fez-se a leitura da acta e não havendo reclamação em contrario Considerou-se a acta approvada.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Um officio mandado para a mesa pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros, declarando que teve a honra de remetter ao veador de Sua Alteza Imperial a Senhora Condessa d'Eu o extracto da sessão da camara dos dignos pares do reino, em que foi consignado um voto de profundo sentimento pelo fallecimento de Sua Magestade Imperial o Senhor D. Pedro de Alcantara.

Um officio mandado para a mesa pelo sr. ministro da justiça, rogando á camara licença para que o digno par o sr. Antonio de Serpa não compareça ás sessões, pelo motivo de ter de se apresentar como testemunha no juizo de direito auxiliar do segundo districto criminal, na qualidade de commissario régio junto da companhia real dos caminhos de ferro portuguezes.

O sr. Presidente: - Como a camara acaba de ouvir, consta da correspondencia um officio do ministerio dos negocios da justiça pedindo a esta camara licença para que o digno par sr. Antonio de Serpa possa ir depor como testemunha.

Os dignos pares que concedem a licença pedida tenham a bondade de se levantar.

Foi, concedida.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (João Chrysostomo de Abreu e Sousa): - Sr. presidente, venho cumprir um dever constitucional perante a camara dos dignos pares, em nome do ministerio a que tenho a honra de presidir.

Como na declaração que vou fazer a esta camara, ha a discriminar algumas responsabilidades pessoaes, pareceu-me conveniente reduzir a escripto essa declaração, para maior Clareza, e se v. exa. e a camara me permittem ou lêl-a.

A declaração é a seguinte:

"Em conselho de ministros, que teve logar na segunda feira ultima, o sr. conselheiro Marianno Cyillo de Carvalho declarou haver feito á companhia real dos caminhos de ferro alguns adiantamentos, em importancia total não inferior a 13.000:000 de francos, sem conhecimento dos seus collegas no ministerio, e sob a sua exclusiva responsabilidade; que, dando só agora conhecimento aos seus collegas d'estes factos, que tinham de ser consignados no relatorio de fazenda, desejava saber se o conselho de ministros queria tomar d'elles a responsabilidade.

"O conselho de ministros entendeu não tomar a responsabilidade daquelles factos; pelo que o sr. conselheiro Marianno de Carvalho pediu a sua demissão de ministro da fazenda, que, sendo apresentada a Sua Magestade El-Rei, se dignou acceital-a.

"Em vista dos factos expostos, procurou o ministerio completar-se com a entrada para o ministerio da fazenda de pessoa competente para gerir aquella pasta, e com a urgencia que as graves circumstancias reclamam.

"Para esse fim me dirigi a alguns cavalheiros que me pareceram reunir as condições demandadas para um tão importante como pesado encargo, e não tendo a fortuna de haver obtido a sua annuencia, resolveu, em seguida, o governo apresentar a sua demissão a Sua Magestade El-Rei, que se dignou acceital-a."

É o que me cumpre participar á camara.

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): -Diz que lhe é extremamente penoso ter de repetir litteralmente o que disse na outra casa do parlamento, mas o seu profundo respeito por estancam ara a isso o obriga.

Será o mais breve na sua exposição e dirá apenas, por emquanto, o que reputa mais necessario para explicação do seu procedimento.

Cumpre-lhe declarar, em primeiro logar, que confirma litteralmente, se de confirmação precisasse, a declaração lida pelo sr. presidente do conselho, na parto que a elle orador, se referia ou aos factos d'elle dependentes.

De mais nada póde dizer, porque em nada tornou parte.

Dito isto, que o dever lhe impõe, seja-lhe permittido explicar em breves palavras as rasões do seu procedimento, aproveitando antes disso a ultima occasião que tem de se dirigir a esta camara, para lhe manifestar o seu pro-fundissimo reconhecimento pela maneira por que sempre n'ella foi tratado.

Para poder explicar-se precisa de, em rapidissimos traços, expor qual era a situação que encontrou quando teve a honra de ser encarregado de gerir a pasta da fazenda. Essa situação melhor se define pelos factos depois occorridos do que pelas previsões que n'essa epocha se poderiam fazer, porque os acontecimentos engrenavam-se uns nos outros e completavam-se por tal modo, que muitas cousas succederam depois, que antes não podiam ser previstas.

Quanto á situação externa, todos sabem quanto o nosso credito tem sido injusta, acrimoniosa e ferozmente combatido lá fóra.

Essa campanha, que ainda hoje continúa, tinha começado mais cedo, e já existia no momento em que, pela segunda vez, o orador tinha a honra de gerir a pasta da fazenda.

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2 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS DO REINO

Quanto a encargos fora do paiz, a que teve de fazer face nos sete mezes da sua gerencia, constara, alem de sommas menores, de que não tem apontamento n'este momento, da seguinte nota:

Pagamento do coupon de julho, 3:375 contos de réis; pagamento do coupon da camara municipal no estrangeiro, 240 contos de réis; pagamento do coupon de outubro} 1:800 contos de réis; pagamento do coupon&3 janeiro corrente, 3:375 contos de réis; pagamento do, coupon da camara municipal, de janeiro, 240 contos de réis; pagamento a um corretor Bardac, de Paris, onde estavam empenhadas obrigações dos tabacos, 720 contos de réis; por conta de bancos portuguezes, em virtude de operações effectuadas e que elles deviam em Paris, por meio de letras vencidas desde maio, e ainda não pagas, 1:350 contos de réis; pagamento á casa Baring, peia rescisão do seu contrato, 3:150 contos de réis; compras de prata, 900 Contos de réis; compras de moeda estrangeira, em francos, ^24 contos de réis; pagamento ao Crédit lyonnais 900 contos de réis.

Somma, 16:354 contos de reis.

Se a isto se quizer juntar os saques no ultramar, as contas de materiaes e mais despezas que no estrangeiro se pagam, a, somma será superior a esta, e muito proxima de 17:000 contos de réis.

Os recursos que o orador tinha eram 600 contos de réis, resto do emprestimo dos tabacos.

Quanto á situação interna, todos a conhecem: uma crise enorme; um panico que assaltou as praças de Lisboa e Porto; a intranquilidade dos animos, que tanto provinha de motivos politicos, como da situação finaceira e economica em que o paiz se encontrava; e, até, infelizmente, falta consideravel de meio circulante.

O oiro retrahia-se ou exportava-se; a prata, fugia da circulação; e por fatalidade nem notas do banco de Portugal havia nas condições necessarias para ocorrer ás necessidades da circulação.

O banco tinha então em caixa, em oiro e prata e valores realisaveis, cerca de 2:000 contos de réis, e a sua circulação andaria por 8:000 contos de reis.

Quanto aos outros bancos, um estava em moratoria, concedida pelo tribunal do commercio; outro estava em fallencia; dois estavam solidos, mas todos sabem que nem os estabelecimentos mais solidos resistem a um panico ou a uma corrida.

Relativamente aos bancos do norte, os do Porto, Braga e Guimarães, os seus encargos immediatamente venciveis no principio de julho eram 5:286 contos da réis, emquanto que as suas disponibilidades eram apenas de 2:322 contos de réis.

N'esta situação, comprehende-se que o mais pequeno abalo, a menor falta de pagamento de um compromisso do estado, devia trazer uma catastrophe financeira, economica e politica, cujo alcance todos comprehenderão.

Assim se apresentava a situação quando orador foi a Paris, a, fim de obter os recursos indispensaveis para fazer face aos primeiros encargos do thesouro.

Negociou e tratou, não como desejara, mas como pôde, na situação em que se achava, e a camara de certo fará a exacta idéa da angustiosa situação do ministro da fazenda perante um estado financeiro e economico como aquelle em que o paiz se achava. Soffeu exigencias, imposições e quase humilhações, cuja lembrança ainda hoje o revolta com profundissima mágua. Não poderia obter o dinheiro para o pagamento do coupon do estado sem que dissesse que se pagaria o coupon da companhia dos caminhos de ferro portuguezes.

Empenhou todos os esforços possiveis corá as casas bancarias para que o dinheiro necessario para, a companhia pagar aos credores estrangeiros podesse ser obtido sem intervenção do estado.

Houve mesmo negociações tentadas e promettedoras de bom resultado, e foi com a idéa de que essas negociações chegariam ao fim desejado, que o orador se viu obrigado, nos principios de julho, para não faltar ao pagamento do coupon do estado, a pagar o coupon estrangeiro da companhia dos caminhos de ferro.

Depois continuaram-se as negociações e duraram até outubro; e se não fosse a fatalidade de não ter podido ausentar-se do paiz por alguns dias, o orador está convencido de que ellas teriam chegado a bom exito. O mesmo teria sido em janeiro, se circumstancias ulteriores não tivessem impedido a realisação do seu desejo.

É, porém, certo que todos os dias via diante de si a fallencia d'aquella companhia, com ella a queda completa do credito do paiz e de todos os estabelecimentos de credito, e porventura as consequencias politicas que são fáceis de prever.

O orador poderia, se outra fosse a sua tempera, expor a situação aos seus collegas do ministerio, e pedir-lhes a sua cooperação; mas tinha a presumpção bem fundada, e confirmada por palavras proferidas no parlamento, de que o unico resultado do seu esforço seria uma crise politica, cuja realidade bom via, e, peior do que uma crise politica, a falta de pagamento do nosso coupon de julho, a falta do pagamento á casa Baring, e outros.

Confessa que foi bastante egoista para por um momento hesitar entre a perda do paiz e a sua propria perda. A hesitação fora apenas momentanea; mais valia perder-se um homem salvando-se o paiz.

Crê que conseguiu por tres vezes salvar o paiz da bancarota: a primeira em julho, a segunda em outubro, e a terceira em janeiro; será esse o desconto das responsabilidades que reconhece pesadissimas, que sobre si tomou.

Estão pois expostas succintamente, e perante esta camara não poderia expol-as mais largamente, quaes foram as rãsões do seu procedimento.

Termina declarando que não sabe se a sua carreira politica está ou não finda; crê que sim; mas ha uma cousa para a qual elle, orador, lhe sobrevive, e é para para assumir sempre todas as suas responsabilidades, e para isso fica sempre á disposição dos poderes publicos do seu paiz.

(O discurso do sr. ministro da fazenda será publicado na integra logo que s. exa. restitua as notas tachigraphicas.)

O sr; Presidente: - Em vista da declaração feita pelo sr, presidente do conselho, a camara não póde continuar os seus trabalhos.

O sr. Augusto José da Cunha:-Peço a palavra.

O sr. Presidente: - Não posso dar a palavra ao digno par, pela rasão que já expuz á camara.

O sr. Augusto José da Cunha: - Então em que qualidade fallou n'esta camara o sr. conselheiro Marianno de Carvalho?

O sr. Presidente: - Eu dei a palavra ao sr. Marianno de Carvalho porque ainda não veiu no Diario do governo o decreto da sua exoneração de ministro da fa-zenda, aliás não lh'a teria concedido.

A proxima sessão será amanhã,

Esta levantada a sessão.

Eram quatro horas e dez minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 14 de janeiro de 1892

Exmos. srs. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel; Antonio José de Barros e Sá; Marquez de Vallada; Condes, d'Avila, do Bomfim, de Castro, da Folgosa, de Gouveia, de Lagoaça, de Linhares, da Ribeira Grande, de Thomar; Viscondes, de Soares Franco, de Sousa Fonseca; Barro de Almeida Santos; Moraes Carvalho, Braamcamp Freire, Antonio Candido, Botelho de Faria, Pinto de Magalhães, Costa Lobo, Cau da Costa, Ferreira de Mesquita,

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SESSÃO N.º 4 DE 14 DE JANEIRO DE 1892 3

Ferreira Novaes, Augusto Cunha, Bazilio Cabral, Palmeirim, Hintze Ribeiro, Firmino Lopes, Costa e Silva, Jeronymo Pimentel, João Chrysostomo, Holbecbe, Trigueiros Martel, Gama, Ponte Horta, Mexia Salema, Bocage, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Rebello da Silva, Camara Leme, Pessoa de Amorim, Bivar, Marçal Pacheco, Mathias de Carvalho, Polycarpo Anjos, Rodrigo Pequito, Sebastião Calheiros, Thomás Ribeiro.

O redactor = Fernando Caldeira.

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