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4 SESSÃO N.° 4 DE 12 DE MAIO DE 1908

mão e meu secretario, quando Ministro, um grave conflicto com o Sr. Ferreira de Almeida.

Mas essa transferencia não foi por erro do seu officio ou acto moral que o maculasse.

Não tenho razões algumas para suppor que haja qualquer falta profissional, Se as tivesse, di-las hia.

Em assunto tão grave todos os cuidados são poucos: e, sem provas, atirar para sobre um magistrado responsabilidades graves, não o faço eu.

Respeito a maneira de proceder opposta: sou fervorosamente afferrado á minha. Infelizmente, neste doloroso caso, as paixões, umas nobres e generosas, outras politicas mas ainda sinceras, e muitas violentas por odio e por astucia, já tumultuam e fervem.

E o costume!

Essas paixões surgiram até quando o Senhor D. Pedro V morreu.

Exacerbaram-se as paixões populares, dizendo-o victimado pelo veneno, contra aquelle sereno e nobre Duque de Loulé, tão bello d'alma como de aspecto, fidalga descendente de Reis e tendo, como os nobres da Revolução, como o heroico Lafayette, o culto fervoroso e apaixonado da Liberdade.

Quando em França, o Duque de Berry foi assassinado por Louvei, os elementos reaccionarios aggrediram os jornaes e os homens publicos liberaes, obrigaram Luiz XVIII a expulsar do poder o nobre e moderado Duque de Decases, insistiram em que Louvei tinha cumplices até na pessoa do primeiro Ministro da França insultado em pleno Parlamento, fizeram que 1:100 testemunhas depusessem no processo — em vão! — para se encontrar vestigio de conspiração; e d'essas paixões nasceu o primeiro passo de uma reacção tão formidavel que veio a ser causa da revolução gloriosa contra Carlos X. Aqui, as paixões já se enredaram neste tragico succesão.

A demora nas averiguações, o prolongamento do inquerito, já parece um desfallecimento da justiça áquelles que foram intimos do Senhor D. Carlos, seu Amigo e seu Rei.

A outros, cegam-os as paixões politicas doe-lhes que um novo Governo substituisse o do ultimo Ministerio do Sr. João Franco; e, no ardor sincero da sua magna, acceitam como verdadeiros todos os boatos, todas as falsidades, todas as atoardas que correm, não se sabe porque, como lufadas de vento doentio, pelas das e praças da cidade.

Ha ainda os desvairados pelo odio ou os rancorosos a frio que, em nome da Monarchia — da Monarchia! — em nome do Rei morto, falando em expiação e justiça, reclamam perseguições e vinganças. Esses são talvez os que, na tarde tragica de 1 de fevereiro, não appareceram, transidos de covardia e pavor, no sitio para onde haviam transportado, banhados de sangue, o Rei e Principe mortos, esses não acudiram com certeza ao Paço das Necessidades nessa noite em que, entre as sombras tragicas, elles julgavam, no seu terror, ouvir os uivos chi Revolução!... Esses, correndo talvez hoje em bando para perto do Throno, é que são os pregoeiros da mentira, tão funesta para o nosso credito no estrangeiro, tão nociva á acalma cão dos espiritos, da calumnia, que por ahi ferve e esmordaça. É preciso, digo-o ao Sr. Presidente do Conselho, que esta situação termine. Rogo-lhe que apenas possa, com a maior brevidade, já, se for possivel, envie ao Parlamento todas as informações, todos os1 esclarecimentos. E preciso liquidar tão desgraçada questão e arrancar de vez, da tela do debate, um assunto eivado de tantos odios, e infamado de tantas suspeições. Eu e meus amigos assim o exigimos, e desde já declaramos que, através de todos os obstaculos, rompendo, se for preciso, por entre todas as considerações, não descansaremos nas nossas reclamações. Os dissidentes devem, esta attitude á justiça, á verdade, á conveniencia do Estado, á dignidade dos homens publicos portugueses e á honra do país perante o estrangeiro. Devem-no á sua fé de democratas. O regicidio é o assassinio de um Rei. Os assassinios politicos são sempre uns assassinios. Repugnam ao cerebro e ao coração liberal, sejam contra um Rei, sejam contra o mais humilde dos cidadãos. Justifica-se tão pouco o regicidio, quanto é uma obrigação de todos os democratas, qualquer que seja a sua fé politica, o resistirem contra o regimen de oppressão, vindo da Coroa ou dos Ministros. Para os dissidentes, não é um crime a resistencia, levada até ás derradeiras consequencias, contra áquelles que, ferindo a Constituição, commettendo illegalidades para despojar os cidadãos dos seus direitos e regalias, praticam actos de oppressão. escudando-se na força dos sabres e das espingardas, dando uma missão deprimente á gloriosa instituição militar. Não é um crime essa resistencia: não é um acto de rebellião: os cidadãos que a praticam não se oppõem, como diz um grande criminalista, á execução da lei: oppõem-se á sua violação. «Aquelle que resiste a um acto arbitrario não teem intenção de se oppor á execução da lei, pois elle resiste exactamente porque a lei não é executada». A rebellião é dos Ministros a quem a Coroa dê força: a rebeliião não é dos cidadãos que exercem o legitimo direito. O regicidio é um assassinio politico: condemno-o como democrata que sou. A resistencia, não. Essa, por mais violenta que seja, defendo-a. E tanto mais quanto sei, pelo exemplo das nações estrangeiras onde ardem mais vivas as paixões politicas e sociaes, que é absolutamente possivel a uma Monarchia o viver no regimen austero do respeito á lei.

Se tivesse a honra do mo sentar nas cadeiras ministeriaes, consideraria como uma incapacidade intellectual ou uma fallencia moral o recorrer ao regimen do arbitrio e o acorrentar a Coroa ás violencias de uma ditadura. Antes mil vezes abandonar o poder do que deshonrá-lo. Julgar-me-hia na derradeira situação moral se pedisse a officiaes do exercito português que desembainhassem a sua espada, cingida depois de um juramento de amor á Patria e fidelidade á Constituição, para defenderem os actos de um Rei que não é do país porque este é um Rei constitucional, para sustentarem os caprichos odiosos de Ministros da Coroa que commettem um crime de violencia e traição. Como democrata, a minha fé ergue-me o coração e o cerebro, num impulso de reprovação contra o regicidio, sobre que é preciso fazer-se luz perante o país inteiro: essa mesma fé diz-me que não é uma rebellião, que é um legitimo direito, que é dever e honra, o resistir com violencia contra o supremo acto illegal — a destruição da Constituição do Estado, a extorsão dos direitos e regalias de homens livres, de cidadãos!

Falei já do regicidio. Vou agora afastar os olhos do sumptuoso mausoleu dos Reis e pousá-los no humilde coval onde dormem para sempre os ignorados filhos do povo. Estes tambem são creaturas de Deus, seres humanos, portugueses e christãos: a oruz de ouro ou de prata, que refulge sobre as funebres eças reaes, estende sobre os Reis e Principes a mesma benção de paz e de repouso que a humilde cruz de pau sobre os pobre f e desgraçados. Nos Paços Reaes chora uma Nobre e Boa Senhora, afogada nos seus crepes de viuva e prostrada pela sua dor de mãe: em casas oxide talvez a morte levou a fome, tambem choram mulheres do povo, alanceadas de angustia e de soffrimentos. E justo que se fale dos seus mortos. Passo-me a referir-se aos acontecimentos de Alcantara e de S. Domingos, na tarde de 5 de abril. Em virtude dos tiros da municipal, foram mortos quatorze filhos do povo, e repousam ainda talvez nos catres dos hospitaes alguns dos oitenta feridos nessa tarde de espanto, em que eu vi correr pelo Chiado acima, ao cair da tarde, bandos de pessoas que clamavam numa congestão de assombro e pavor: «lá em baixo ha gente morta ... matou-a a municipal». Ouviam se as descargas de fuzilaria.