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6 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Fui, fazendo um largo rodeio, para minha casa. Bastante tempo depois sai, dirigindo-me para a residencia do meu querido amigo Sr. Teixeira de Sousa. Ao transpor a porta, uma grande e nutrida descarga. Disseram-me uns policias que eram ainda as descargas da municipal. Eram talvez 9 horas da noite. Durante mais de 2 horas, no centro, no coração da cidade, travou-se uma verdadeira batalha, ou antes atirou-se sobre o povo. Na Igreja de S. Domingos, no andar superior, uns poucos de soldados, de espingarda em punho, espreitavam quem passava ao longe, e fogo sobre elle! Não era espantoso que, fora da acção do cominando, esse bando de homens assim fuzilasse a multidão?

Dois soldados, feridos pelas balas da municipal, cairam. á porta do quartel general; feridos vieram outros três, como sentinellas, igualmente derrubados pelas balas. Mandada pelo Sr. general commandante da divisão uma ordem para cessar o fogo, fôra desobedecida. E o Governo, durante mais de 2 horas, não soube de tudo isto? E que fez para esse estado de cousas terminar? Era preciso discriminar as responsabilidades que cabiam ao Governo — ao Sr. Presidente do Conselho, ou ao Sr. general commandante da divisão ou ao Sr. commandante da municipal, ou a todos juntos. Não accuso ninguem, mas o estado conflictuoso entre a população de Lisboa e a policia e a municipal, os incidentes de sangue, ultimamente e tantas vezes occorridos, mostram que havia alguma cousa a reformar, sendo opinião minha que os dois corpos de segurança não se acham á altura da sua missão.

E que providencias tomou o Sr. Presidente do Conselho para apurar a verdade, para castigar os culpados e para afastar de si responsabilidades? Que se fez desde õ de abril até hoje? Se eu fosse Governo, suspenderia logo as autoridades policiaes envolvidas nesses incidentes, para ellas não exercerem qualquer influencia nas averiguações: procederia a um inquerito com pessoas estranhas ás corporações, e não deixaria perder um instante sem procurar dar uma satisção ás reclamações publicas.

Eu, quando foi dos acontecimentos de 4 de maio e de l de dezembro, quis propor um inquerito parlamentar: não o fiz porque os meus amigos o tinham proposto na outra Camara, e havia sido rejeitado.

Agora já foi proposto por Deputados republicanos; houve igual recusa. Para que propô-lo nesta casa do Parlamento, onde os partidos monarchicos e republicanos não teem a mesma representação larga que na Camara dos Deputados? Seria inutil! Não o ponho, mas peço, mas reclamo ao Sr. Presidente do Conselho, que dê costa á Camara do que tem feito para descobrir a verdade, para apurar responsabilidades, que traga ao Parlamento resposta ás accusações que faz a consciencia publica, que se defenda emfim!

Lembro-lhe que morreram 14 filhos do povo, que ha 80 feridos, e que essa enorme desgraça succedeu no começo de um reinado que, por muitas razões, promette ser liberal, e que precisa de se assinalar pelo grande respeito da Coroa por essa multidão enorme, anonyma e poderosa, de classes populares que teem os olhos postos com anciedade, com esperança na criança que é hoje Rei de Portugal e que carece de ser rodeada por quem comprehenda os grandes sentimentos de justiça!

Vou terminar.

Cumpri o meu dever expondo ao Sr. Presidente do Conselho as minhas reclamações.

Falei em meu nome e no aos meus amigos. Mais uma vez peço, reclamo do Sr. Presidente do Conselho, que dê conta ao Parlamento de tudo quanto se refere ao regicidio. Inspire-se em sentimentos de justiça, e nunca em sentimentos de facciosismo ou de vingança. E ao nosso Rei, tão rodeado de sympathias pela sua mocidade dorida, não deixe que no coração lhe entrem as vozes de rancor e de vingança que acaso soam nos seus Paços.

A missão de um Rei não e a vingança — nem mesmo para a morte de seu Pae! A justiça, e, mais que tudo, a generosidade e o perdão é que devem habitar a sua alma.

Quando o cadaver de Luiz XVI, Rei de França, foi transportado do cemiterio humilde onde repousava para a capella expiatoria, erguida onde recebera a morte, um padre recitou uma oração funebre tão cheia de odios e ardente de paixões que a Franca estremeceu de horror.

Luiz XVIII, irmão do Bei morto pela Convenção, ordenou então que, em vez da oração funebre, no anniversario da morte fosse lido o testamento do infeliz Monarcha, documento que revê lagrimas de piedade e de perdão:

«Recommendo a meu filho, se um dia tiver a desgraça de ser Rei, que sã dê todo inteiro á felicidade dos seus concidadãos, que esqueça todo o odio e todo o resentimento, e principalmente o que se refere ás minhas maguas e desgraças».

Doces e commovidas frases! Todos os Reis devem ter deante dos olhos essas palavras escritas á beira de uma sepultura. E os estadistas que queiram fazer-lh'as esquecer afastam dos Reis essa corrente mysteriosa de ternura humana que é a suprema força d'aquelles que na teria querem dirigir homens! (Vozes: — Muito bem, muito bem). (S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Ferreira do Amaral): — Nem os meus recursos oratorios, nem o estado da minha saude, me permittem uma larga dissertação em resposta ao discurso que acaba de pronunciar o meu amigo Sr. Conselheiro José de Alpoim. Farei, pois, diligencia para ser breve, sem comtudo deixar de responder a nenhum dos pontos ventilados por S. Exa. Não deixarei de dar uma resposta que, creio bem, ha de satisfazer, não só S. Exa., mas toda a Camara. Não darei uma resposta que colha pela forma, mas dá-la-hei de maneira que colha pela essencia.

Registo, em primeiro logar, e com a maior satisfação, as declarações feitas pelo meu amigo Sr. José de Alpoim, declarações pelas quaes se affirma que, tanto S. Exa. como o seu partido, terão para com o Governo um comportamento que se define por uma espectativa benevola, ou, como S. Exa. melhor prometteu, por uma espectativa carinhosa, o que é muito mais agradavel, e mais para agradecer.

Aconselhou o Digno Par a que o Governo viva com o Parlamento.

Devo dizer que é essa a intenção do Governo, e mais do que intenção, é esse o seu dever. E não seria um Governo que veio exactamente para viver com o Parlamento, e que deve governar com elle, que procederia de forma contraria aos intuitos para que foi chamado.

Se o Governo actual prescindisse do Parlamento, ficaria absolutamente desacreditado para a opinião e vida publicas. E creio bem que o país, como ninguem, não permittiria que se governasse mais sem Parlamento. (Apoiados).

Nas minhas palavras não vae só uma intenção pessoal; vae uma necessidade derivada dos factos, uma circumstancia que não só ha de obrigar a viver-se com Côrtes abertas, como a tornar-se impossivel que se viva por outra forma.

Digo isto com tanta mais verdade e convicção, quanto é certo poder affirmar que o dia em que deixar de ser Presidente do Conselho será o dia mais feliz da minha vida.

Não estou no poder para ganhar esporas de ouro como Presidente do Conselho. Nem. a minha idade, nem o meu temperamento, nem quaesquer ambições ou vaidades fazem germinar no meu cerebro outra ideia que não seja a de abandonar as cadeiras do poder logo