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Palacio das Côrtes, em 26 de Junho de 1857. = Joaquim Filippe de Soure, Presidente = Joaquim Gonçalves Mamede, Deputado Secretario = Antonio Pequito Seixas de Andrade, Deputado Secretario.
O Sr. Presidente — Está presente o Sr. Ministro da Fazenda; póde entrar em discussão o parecer n.º 64.
O Sr. Marque: de Ficalho entende que é um voto de confiança que se vai dar ao Governo, e por sua parte está disposto a dar-lh'o; mas tambem entende que não deve perder a occasião de lembrar ao Sr. Ministro da Fazenda, que faça um estudo particular sobre as alfandegas da raia secca. Só sabe o estado em que se acham estas alfandegas quem tem estado na raia de Hespanha; e como orador tem bastante conhecimento dos districtos de Mertola, e do de Serpa, sobre elles dirá alguma cousa..Talvez um bom general com uma divisão de cinco mil homens, não fosse capaz de os guardar bem, e são guardados por tres guardas de alfandega, que teem de ordenado cada um 240 réis por dia: e o contrabando que se faz nesses districtos e um contrabando riquissimo, especialmente o azouge. Este contrabando que vai contos de réis, e que se póde trazer n'um pequeno alforge, tem para o vedar um pobre homem, que ganha doze vinténs! e que passa a vida mais desgraçada possivel, Habita no meio de uma serra, exposto a todas as inclemencias do tempo, sem abrigo, sem companhia, e obrigado muitas vezes a luctar com homens armados para haver de impedir o contrabando; é isso possivel? O orador julga que não. Deseja que se faça um estudo rigoroso sobre este ramo, que se chegue a um accôrdo com o reino visinho em relação a este ponto, que todos reputam importante.
Como esta é a occasião propria de lembrar isto ao Sr. Ministro da Fazenda, tomou a palavra e deu estas succintas informações, para que S. Ex.ª tome estas lembranças em consideração, porque S. Ex.ª é muitissimo competente para podér conhecer o alcance que ellas teem.
O orador observa, que se não se engana, uma dessas alfandegas da raia secca, rendeu no mez de Junho do anno passado 17 ou 18 tostões, o que o Sr. Ministro poderá mui facilmente verificar; o que mostra mais a necessidade de procurar vir a um accôrdo com o reino visinho.
Em vista disto parece-lhe que se deve tractar quanto antes deste assumpto, e não ir adial-o.
Como já disse, está disposto a dar este voto de confiança ao Governo, esperando que elle tomará tambem em considerarão as razões que acaba de expender.
O Sr. Ferrão — Como estou de pé, aproveito a occasião de mandar para a mesa um parecer da commissão de fazenda, sobre o projecto n.º 81, remettido da outra Camara; e que é um daquelles, de que o Sr. Ministro da Marinha pediu aqui a urgencia.
Agora em quanto ao projecto n.º 64, em discussão, tenho a ponderar algumas razões, pelas quaes concluo que a Camara não deve conceder, ao menos por em quanto, a auctorisação de que se tracta. Parecerá, decerto, singular que achando-me eu assignado neste parecer da commissão tome a palavra agora em sentido contrario; mas a Camara ha de fazer-me a justiça, de que não ha contradição nem incoherencia neste meu procedimento.
Este parecer foi dado nos ultimos dias da sessão de 1857, e discute-se na presente sessão de 1858; o seu pensamento, tanto como o manifestam as suas palavras, foi que o Governo usasse desta auctorisação no intervallo que devia decorrer de uma a outra sessão, e que agora desse conta ás Côrtes do uso que tinha feito da auctorisação, que se lhe concedia: é o que diz o artigo 2.° Ora, parece-me, que seria sophismar completamente as palavras do projecto de lei que veiu da outra Camara, dando-se com substituição de épocas, ás mesmas palavras uma interpretação diversa.
Além de que, esta Camara não sabe se a dos Srs. Deputados está ou não disposta a dar em 1858 o mesmo voto de confiança, que déra em 1857, e em verdade podem as circunstancias não ser já as mesmas, podem ellas ter mudado ou variado por mil modos e causas, e não é a nós por certo, que compete o decidir esta questão, que prende essencialmente com as intenções actuaes da Camara dos Srs. Deputados, d'onde nos veiu remettido este projecto.
Estas razões creio que são concludentes, e, quanto a mim, forçam-me a não podér proseguir na discussão.
Mas, além disso, uma outra consideração tenho afazer á Camara, que me leva á mesma conclusão.
Similhantes auctorisações são sempre uma calamidade, uma quebra de força para o systema representativo; mas nós relaxâmos e temos relaxado muitas vezes no rigor dos principios constitucionaes, concedendo-as: mas quando, e em que circunstancias? Esta relaxação tem uma desculpa nos fins das sessões; tem a sua justificação, se não plena, plausivel, pelos fundamentos da necessidade e utilidade publica: quando a sessão está a terminar, então sim, tem-se visto conceder-se muitas dessas auctorisações; mas agora, com o Parlamento apenas aberto, constituirmos o Governo em podér legislativo, parece-me que não é da dignidade desta Camara, nem conforme ás instituições politicas que nos regem.
Nós aqui estamos promptos a discutir e a votar neste objecto o que fôr conveniente; traga o Governo ao Parlamento, por um modo definido as providencias de que carece, e então veremos quaes as medidas excepcionaes que convem adoptar, fazendo assim com conhecimento de causa uma boa lei.
Portanto, entendo que neste momento é inconvenientissimo para a Camara que se approve esta auctorisação. Além das duas considerações que adduzi, ha ainda uma terceira que me levou, a não conceder agora o que concedia o anno passado.
Sr. Presidente, quando os inimigos das instituições tocam a rebate, ainda que nós devamos considerar como sem importancia, como sem a menor consequencia politica, esse toque, cumpre-nos todavia mais que nunca estar nos nossos postos; é melhor previnir sempre, do que dizer depois não cuidava.
E como estaremos nós nos nossos postos? Pela nossa assiduidade; tomando parte nas medidas legislativas, e não negando ao Governo as de que elle carecer; mas sempre não abdicando as que a Carta Constitucional nos confere; pois assim como o podér moderador não póde ser delegado nesta Camara, tambem nós não podemos, nem devemos delegar no executivo as nossas attribuições.
Por todas estas razões, entendo que devo retirar a minha assignatura deste parecer, e é por isto que explico os meus motivos. Se o assignei n'outra occasião, foi porque era o fim da sessão; e agora o projecto diria uma coisa diversa, e que não é applicavel ás circunstancias presentes, porque nós agora podemos, pausada e opportunamente, discutir as medidas que se nos apresentarem, abstendo-nos tambem assim de dar logo no principio de nossos trabalhos um documento, pelo qual estabeleçamos e firmemos cada vez mais o descredito das instituições constitucionaes, que não convem deixemos continuar neste caminho, reduzindo o Parlamento a uma pura formalidade ou mera chancellaria.
Em conclusão, é meu voto que este projecto deve ser adiado até que o Governo apresente, como lhe compete, as medidas que julgue necessarias sobre o assumpto.
O Sr. Ministro da Fazenda — Visto que o Digno Par o Sr. Conde de Thomar pediu a palavra, como póde ser que seja para fazer algumas reflexões que careçam de explicações da minha parte, talvez fosse mais conveniente que S. Ex.ª me precedesse na ordem da inscripção.
O Sr. Conde de Thomar: discrepa um pouco da opinião do Digno Par que ultimamente fallou, pois não lhe parece que haja inconveniente algum em que a Camara se occupe agora deste negocio; entende mesmo que a Camara é obrigada a tractar delle, porque lhe cumpre dar andamento aos projectos que vem da outra Camara, ou seja approvando-os, ou rejeitando-os.
Mas tudo se póde conciliar uma vez que se adopte uma emenda que julga indispensavel, e que se dê mais desenvolvimento ao que está aqui estabelecido. Sem que se preencham estas duas condições não pensa que possa o projecto satisfazer ao fim que se tem em vista.
Não acha razão ao Digno Par em dizer que se sophismaria a provisão do artigo 2.° e o pensamento da outra Camara, approvando agora esta a doutrina que está consignada nesse mesmo artigo. Poderia dizer-se que havia sophisma se não se mudasse a data a que o projecto, discutido o anno passado na outra Camara, se refere; mas o pensamento póde e deve ser o mesmo, sem que nisso haja sophisma, a mudança comtudo é pequena; em logar de se dizer = o Governo dará conta ás Côrtes na proxima futura sessão legislativa = dir-se-ha = dará conta na sessão do anno de 1859 = e deste modo ficam salvos os escrupulos do Digno Par, com o qual concorda em outras das suas considerações.
Está tambem de accôrdo com o que disse o Sr. Marquez de Ficalho, em quanto aos defeitos das nossas fronteiras, onde são tão tenues os ordenados, que os empregados não podem realmente ter a independencia precisa para desempenhar a sua missão; mesmo quando fossem em numero tal, que podessem contrabalançar a força dos contrabandistas.
Já se vê que o projecto é nesta parte deficiente, por isso que se não dá auctorisação ao Governo para augmentar os ordenados dos empregados das alfandegas dos portos sêccos; e parece-lhe que conservando-se os mesmos ordenados deixa de se fazer uma das mais essenciaes reformas. O orador pergunta ao Sr. Ministro, se S. Ex.ª se julga auctorisado a fazer esses augmentos, passando o projecto como está redigido? Estabelecer e augmentar ordenados é uma attribuição das Côrtes, e se estas não derem expressa auctorisação ao Governo para o fazer, o Governo não os póde augmentar, embora tenha o voto de confiança para reformar a organisação destas repartições.
É este um dos pontos sobre que elle Sr. Conde deseja ouvir explicações do nobre Ministro, porque, do mesmo modo que o Digno Par o Sr. Marquez de Ficalho, não pertende negar este voto de confiança, tanto por entender que estas reformas são necessarias, como porque não vê inconveniente algum, antes vantagem em que o nobre Ministro no seu gabinete e pausadamente possa, com as pessoas competentes que conhecem bem este serviço, fazer essas reformas; como porque convencido do que o actual Ministro da Fazenda ha de desempenhar perfeitamente a obrigação que contrahe passando esta Lei (apoiados).
A parte que falta neste projecto é a auctorisação para tornar mais facil e summario o processo das tomadias (O Sr. Visconde de Castro — apoiado). Tem razão a commissão em considerar este ponto como uma das partes mais importantes nesta refórma; mas ao orador parece que ainda não basta isto, é necessario que se tracte tambem da parte penal, e essa parte não lhe parece devidamente regulada na legislação existente; e por tanto este um outro ponto a respeito do qual desejava tambem que o Sr. Ministro tivesse a bondade de se explicar, dizendo se julga que, com esta auctorisação assim concebida, póde alterar a parte penal.
O Sr. Presidente — Mande o Digno Par para a mesa a sua moção.
O Sr. Conde de Thomar — Isto foi por em quanto mera lembrança, ou observações para mostrar a razão por que discordava da idéa do adiamento.
O Sr. Ministro da Fazenda está inteiramente de accôrdo com o Digno Par o Sr. Marquez de Ficalho sobre a necessidade que ha de attender muito sériamente, ao estado do serviço das Alfandegas nos portos sêccos: as ponderações que S. Ex.ª fez são exactissimas. S. Ex.ª pôz o dedo na ferida, conheceu como homem pratico, e bastante esclarecido, onde estava o mal. O serviço na raia secca não se póde fazer com o pessoal que existe, e com os tenuissimos ordenados que teem: é uma costa immensa que está unicamente a cargo de alguns centenares de guardas, e nem mesmo centenares porque não chegam a duzentos (apoiados). Isto não póde ficar assim; é impossivel. Por consequencia póde o Digno Par ter a certeza de que o Governo, se o Corpo legislativo o honrar com esta auctorisação, um dos objectos a que attenderá mui sériamente é a este, pois tem a convicção de que, se não prover de remedio aos inconvenientes apontados pelo Digno Par, não tem satisfeito o fim para que pediu esta auctorisação.
Em relação agora ao Digno Par o Sr. Ferrão, disse que esta auctorisação não foi pedida em legislatura diversa desta, mas na sessão passada, e não chegou então a ser aqui discutida, porque afiliando muito trabalho no fim da sessão, não foi possivel tractar deste objecto; e mesmo porque se deu o caso de ter adoecido elle Sr. Ministro nos ultimos dias da sessão, e não podér por isso vir aqui solicitar, como desejava, o andamento deste negocio.
O Sr. Ministro não póde convir de modo algum com o Digno Par nas considerações que S. ex.ª fez, em relação aos riscos que lhe parece estarem hoje ameaçando o systema representativo! Affigura-se-lhe (talvez seja illusão, mas deseja viver nessa illusão); affigura-se-lhe, que nunca o systema representativo esteve tão radicado neste paiz como agora (apoiados). Acha que nunca houve menos motivo para duvidar da sua manutenção, pedindo á Camara que o dispense de entrar n'algumas demonstrações a esse respeito, porque ella adivinha a razão principal a que se dirige; e a Camara dos Dignos Pares faz justiça a si mesma e ao paiz, para conhecer que qualquer tentativa que por ventura houvesse para destruir as instituições vigentes, essa tentativa havia de ser coberta logo com o desprezo, não encontrando apoio algum (apoiados). O argumento, portanto, não lhe parece sufficiente para repellir qualquer pedido de concessão de auctorisação ao Governo para um dado fim, quando o Corpo legislativo entender que a auctorisação é necessaria, e que o Ministro que a pede merece que lh'a concedam.
Observou ainda que grande seria o mal se a doutrina do Digno Par podesse vigorar. Sem querer fazer offensa a nenhum Parlamento portuguez, reflectiu que a sessão de 1834 foi uma daquellas em que os principios do Governo representativo foram sustentados pelo Governo e Parlamento da maneira mais rasgada possivel; e entretanto nessa sessão deram-se aos Ministros immensas auctorisações sobre objectos muito mais graves do que este. É evidente que o Governo havia de dar conta destas auctorisações na sessão immediata; e debaixo deste ponto de vista notou o orador que se teem dado por diversas vezes grandes passos; as instituições aperfeiçoam-se; nem podia deixar de ser assim, pois de contrario estavamos perdidos.
Houve tempo, cuja época lhe não lembra precisamente, em que se julgou que estas auctorisações uma vez dadas ficavam permanentes; hoje não se entende assim, e não é descoberta deste Ministerio, mas de todos. Uma auctorisação qualquer, concedida pelo Corpo legislativo ao Governo, acaba com a abertura do Parlamento na sessão immediata; e, ou se dá conta do uso que se fez da auctorisação, ou se pede nova auctorisação, se da primeira não foi possivel fazer o uso conveniente. Agora mesmo se dá disso uma prova, porque vem pedir nova auctorisação para a refórma do Tribunal de Contas, que por circumstancias que o Parlamento apreciará não lhe foi possivel concluir; mas considerou a auctorisação acabada desde o momento em que as Côrtes se reuniram. Isto mesmo é um correctivo que deve diminuir os receios do Digno Par; e foi o que deu logar á redacção deste artigo 2.º na fórma como está.
Não tem difficuldade em acceitar a emenda que propõe o Digno Par o Sr. Conde de Thomar, por isso que ella salva completamente o principio, e então poderá dizer-se — sessão de 1857, ou sessão de 1858 a 1859 — como parecer mais conveniente.
Terminando com as respostas que lhe pediu o Digno Par o Sr. Conde de Thomar, disse que entendia que esta auctorisação nada vale se não comprehender os dois pontos em que o Digno Par tocou.
Se porém, e sobre isso, esta Camara entra em dúvida, não acha nenhum inconveniente em que o projecto seja redigido de maneira tal, que fique bem claro, e definidas quaes as attribuições que se dão ao Governo.
Observa que, com quanto seja verdade que é o Corpo legislativo quem cria os empregos, e lhes designa os ordenados, tambem é certo que o Governo o póde fazer, como se tem muitas vezes feito, dando depois conta ás Côrtes. E lembra por esta occasião, que o proprio Ministerio de que o nobre Conde de Thomar fez parte com elle orador, procedeu assim. O Sr. Ministro referiu-se ao Decreto de 10 de Novembro de 1849 sobre a organisação do actual Tribunal de Contas, e das diversas repartições do Thesouro Publico, a respeito do que, elle, usando da auctorisação que havia sido dada ao Governo, não só augmentou o numero dos empregados, mas tambem lhes estabeleceu ordenados; e essa auctorisação era como esta.
Resumindo disse, que se o Governo não podér augmentar o pessoal da fiscalisação, se não podér melhorar os vencimentos desse pessoal, e tornar mais simples o processo para o julgamento das tomadias, nada se conseguirá.
O Sr. Ferrão — A primeira das reflexões que ponderei, respondeu o Digno Par Sr. Conde de Thomar, lembrando uma emenda ao projecto de lei, com a qual o nobre Ministro da Fazenda disse concordava. Por este lado estou satisfeito, porque vejo que colhi já algum resultado das ponderações que adduzi. Mas nem o Digno Par, o Sr. Conde de Thomar, nem o nobre Ministro, se fizeram cargo de responder á minha segunda observação.
Sr. Presidente, mandei buscar á Secretaria o projecto original, e delle vejo qual a sua data, que comprova a razão de urgencia ou de necessidade, que então se tomou em consideração.
Digo pois que estas auctorisações concede-as o Parlamento por falta de tempo, que reconhece não ter nos derradeiros momentos para discutir e desenvolver os objectos a que ellas se referem; concede-as porque entende ser conveniente deixar no intervallo da sessão o Ministerio armado de certos meios para governar, sobre objectos, a respeito dos quaes não coube no tempo ao Parlamento o podér providenciar.
Mas, se esta é incontestavelmente a razão, é então claro que no principio da sessão, e em que ha muito tempo para se descer ao preciso exame e discussão, taes auctorisações não devem dar-se: não é mesmo da dignidade do Parlamento o dal-as; nem é tambem da dignidade nem do interesse do Governo o pedil-as nestas alturas.
O que o Governo deve fazer, pois, é apresentar os seus planos ao Parlamento para o Corpo legislativo os tomar em consideração devidamente (apoiados).
Agora direi ao nobre Ministro da Fazenda, que quem quer os fins, deve querer tambem os meios; e que portanto, como de simples auctorisação, este projecto de lei não carece de ser esclarecido pela commissão de fazenda.
O serviço da fiscalisação não se póde fazer sem o pessoal adequado, esse pessoal não o póde haver sem um maior numero de empregados, e com melhores ordenados; porque com vencimentos mesquinhos não ha fiscalisação possivel (apoiados).
É pois claro, que a auctorisação, nos seus termos geraes, comprehende os meios pecuniarios, assim como a creação de novos logares; e muito principalmente, porque são estas as providencias, que respeitam, sobre fiscalisação, aos meios preventivos, que são mais efficazes sempre que os repressivos.
Mas a repressão tambem é um meio de fiscalisação, e, segundo a minha opinião, os que ha no Código Penal, e outras Leis especiaes, reduzem-se a muito pouco, porque, attenta a natureza e qualidade das penas, comminadas aos contrabandistas, quando com descaminho de direitos devidos á Fazenda, não são os delinquentes, como deviam ser, punidos como réos de furtos industriosos.
Carecia-se pois de castigo corporal ou correccional, que melhor os escarmentasse.
Acontece porém, além disso, que os interessados na fiscalisação, que tem mais a peito que os interesses do thesouro, ou da causa publica, o receber o producto das tomadias, desejam tornar administrativos os respectivos processos, e para esse fim, não só reduzir tudo a penas pecuniarias, mas ampliar sobre o julgamento essa jurisdicção, para fugirem dos tribunaes de justiça.
Assim o mal, e a immoralidade do contrabando, continuará, porque ao contrabandista de profissão pouco lhe importam as tomadias e muletas, quando por um contrabando que lhe é aprehendido, passa sãos e salvos cinco ou seis; e o lucro que estes lhe dão compensa muito o prejuizo que a apprehensão lhe causou.
Desengane-se a Camara, desengane-se o Governo; é preciso, para attenuar o mal, procurar cortar-lhe as raízes. Estancar asna origem é impossivel. Nem a França, nem a Inglaterra, nenhum paiz que eu conheça o tem conseguido, e menos o poderemos nós alcançar, cercados de portos grandes e pequenos, e de uma raia extensa, que nem o exercito de Xerxes poderia guardar.
Receio pois que o Governo, que tem a peito melhorar a fiscalisação, não faça mais que peoral-a, tornando o contrabando uma melhor receita para os fiscalisadores viverem á custa e com a existencia delle.
A muita experiencia, que tenho a este respeito, me faz dizer, que esta é a verdade; e é em presença dos factos, que desejo vêr tractadas estas questões no Parlamento, para se conhecer qual convem mais, se deixar o julgamento ás auctoridades administrativas, se ás judiciaes; se convem ao melhoramento da fiscalisação nas circumstancias presentes, um augmento do pessoal, uma refórma no processo crime commettido tudo ao Governo.
Oh, Sr. Presidente, pois quando o Governo por um Decreto, que foi publicado no Diario do Governo, manifesta que o Ministerio se propõe fazer duas propostas de lei ao Parlamento, uma sobre penalidades em geral, e outra sobre o processo crime, e nas penalidades em geral vem a especialidade de contrabandos e descaminhos, assim como na parte do processo crime vem a especialidade do que é relativo aos mesmos contrabando e descaminho, é que se ha de julgar necessario antecipar ou prejudicar essas propostas de lei, por uma de auctorisação!
Pertende-se assim augmentar a receita do thesouro?
Mas essa vantagem será tão importante que compense os vexames que podem resultar de providencias especiaes? Teem-se pesado bem todos os inconvenientes? Não serão maiores os que podem vir de um consideravel augmento de pessoal e despeza? Veja a Camara, por consequencia, quanto póde ser perigoso conceder estas auctorisações.
O Ministerio com a melhor boa vontade para melhorar o estado das cousas, póde enganar-se. A Camara com a sua illustração, tractando este negocio nas suas commissões, ha de achar-se muito embaraçada. E teem os Srs. Ministros (sejam elles quaes forem) mais tempo? Mais sciencia