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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

SESSÃO DE 11 DE JANEIRO DE 1858.

PRESIDENCIA DO EX.MO SR. VISCONDE DE LABORIM, VICE-PRESIDENTE.

Secretarios, os Srs.

Conde de Mello

Visconde de Balsemão.

(Entraram depois da sessão os Srs. Ministros, da Fazenda, e Obras Publicas.)

Depois das duas horas da tarde, tendo-se verificado a presença de 26 Dignos Pares, declarou o Ex.mo Sr. Presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da sessão antecedente, contra a qual não houve reclamação.

O Sr. Secretario Conde de Mello deu conta da seguinte correspondencia:

Um officio do Ministerio das Obras Publicas, enviando 75 exemplares dos Boletins (n.ºs 9 e 10) de 1857 do mesmo Ministerio.

— do Ministerio da Fazenda, remettendo 40 exemplares da conta do Thesouro relativa á gerencia de 1856-1857.

- do Ministerio do Reino, acompanhando 60 exemplares das contas do Ministerio dos Negocios do Reino, relativas á gerencia 1855-1856, e ao exercicio de 1844-1845.

ORDEM DO DIA

Parecer n.º 65 sobre o projecto de lei n.º 55.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada (sobre a ordem) — Eu desejava que estivesse presente algum dos Srs. Ministros, não só porque julgo necessaria a sua presença, como porque tenho de fazer algumas perguntas a respeito deste projecto, as quaes não posso apresentar na ausencia de S. Ex.ªs

(Pausa.)

Parecer n.º 63.

A commissão de fazenda examinou o projecto de lei, vindo da Camara dos Srs. Deputados com o n.° 59, o qual tem por fim auctorisar o Governo para subsidiar uma empreza de barcos de vapôr, que navegue regularmente entre o porto de Lisboa e os do Algarve, fundando o competente programma para concurso publico nas bases determinadas no mesmo projecto.

A commissão, reconhecendo que teem sido infructuosas todas as tentativas méramente particulares para estabelecer uma carreira de vapôres entre os ditos portos, e considerando ao mesmo tempo que aquella provincia tem todo o direito a partilhar do impulso geral que a nação está resolvida a dar a todos os meios que facilitem as communicações, tanto maritimas como terrestres, para as quaes todos pagam por igual; é de parecer que o mencionado projecto de lei seja approvado por esta Camara.

Sala da commissão, em o 1.° de Julho de 1857. = Visconde de Castro = Francisco Simões Margiochi = Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão = Barão de Chancelleiros — Thomas de Aquino de Carvalho.

Projecto de lei n.º 59.

Artigo 1.° Fica o Governo auctorisado por espaço de seis annos a dar o subsidio annual de 9:600$000 rs. em prestações mensaes de 800$ rs. á Empreza ou Companhia que se obrigar a fazer a navegação regular por barcos movidos a vapôr entre Lisboa e os differentes portos do Algarve, fazendo escala pelo de Sines, sempre que o tempo o permittir, mediante as clausulas que julgar conveniente estabelecer no programma do respectivo concurso, em harmonia com as seguintes condições:

1.ª Empregar nesta carreira nunca menos de dois barcos movidos a vapôr, de construcção apropriada á navegação das barras em que teem de entrar, sendo pelo Governo determinadas nas condições do programma as toneladas de arqueação e a força que devem ter.

2.ª Sustentar successivamente, pelo menos, duas viagens de ida e volta em dias fixos com o intervallo nunca maior de quinze dias de uma a outra, salvo os casos de força maior.

3.ª Conduzir gratuitamente as malas do correio, a correspondencia official do Governo; e os passageiros e o material de guerra, por um terço menos do preço das tabellas de passagem e carga.

4.ª Que o subsidio será pago em prestações mensaes depois de realisadas as viagens, em vista de documento authentico.

5.ª Que a Empreza será para todos os effeitos considerada como nacional.

6.ª Que os barcos destinados para esta Empreza serão nacionalisados, e isentas de direitos as materias primas destinadas ao concerto de que carecerem durante o praso do contracto.

Palacio das Côrtes, em 23 Junho de 1857. = Joaquim Filippe de Soure, Presidente = Joaquim Gonçalves Mamede, Deputado Secretario = Antonio Pequito Seixas de Andrade, Deputado Secretario.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada Desejava fazer algumas breves reflexões a respeito do caminho de ferro, que posto não esteja na letra do projecto, não deixará comtudo de me ser permittido fazel-as.

Eu desejava saber se a Companhia para o caminho de ferro está ou não organisada? É este um ponto sobre que desejo explicações do Ministerio.

Sr. Presidente, no anno passado tractaram-se aqui dois objectos de summa importancia, que chamaram a attenção das Camaras e do paiz: um delles, a que eu unicamente alludo de passagem, é a concordata com Sua Santidade; o outro é o caminho de ferro: nada mais natural que, quando se abrissem as Camaras, se dissesse ao Parlamento o que tinha occorrido a respeito destes dois importantes objectos; entretanto não sabemos cousa alguma, nem de um nem de outro.

O Sr. Presidente — Permitta-me V. Ex.ª que eu o interrompa.

Este projecto por ora não está em discussão, o que está em discussão 6 se para a sua discussão se ha de esperar pelo Ministro competente. Esta foi a indicação que fez o Sr. Visconde da Luz. As reflexões, aliás muito judiciosas, de V. Ex.ª serão muito bem cabidas, estando presente o respectivo Ministro.

O Sr. Conde de Thomar parece-lhe que não é para desprezar a observação que acaba de fazer o Digno Par, o Sr. Visconde de Fonte Arcada. Tracta-se de um projecto de lei em que se consigna a despeza de 9:600$000 réis, que não se sabe ainda donde ha de saír, nem o Governo o diz. É pois esta uma daquellas materias que não podem ser discutidas sem a presença do Ministerio. Taes explicações poderá dar o Governo que o orador não tenha duvida em votar esta despeza, que vai subsistir por muitos annos; mas se as não der, não está disposto a votar por ella.

O orador accrescentou que ainda hoje passár os olhos pólo orçamento, e viu — despeza permanente, além do que se achava no orçamento do anno passado, se bem se lembra, duzentos sessenta e um contos e tantos mil réis, sem fallar no deficit: ora, com este sudario diante dos olhos, não se póde começar a sessão de 1858, votando despezas, sem um maduro e rigoroso exame, e por isso pede que, tomando-se em consideração as observações do Digno Par, o Sr. Visconde de Fonte Arcada, se communique aos Srs. Ministros, que se acham na outra Camara, a necessidade de que venha aqui algum delles para dar explicações; pois não se tracta alli presentemente de objecto que obrigue a presença dos Srs. Ministros, e póde algum delles vir honrar com a sua presença os membros desta casa.

O Sr. Presidente — Em vista da observação do Sr. Visconde de Fonte Arcada, reforçada pelo Sr. Conde de Thomar, vou mandar aviso aos Srs. Ministros: entretanto parece-me prudente, e de toda a conveniencia, para não perder tempo, que posto este projecto de parte, vamos tractar do que se segue, que é o projecto n.º 64.

O Sr. Ferrão — Reflexões muito ponderosas me obrigam a pedir a V. Ex.ª que adie a discussão deste projecto n.º 64, até que esteja presente o Sr. Ministro; estas reflexões expol-as-hei quando se tractar deste objecto.

O Sr. Presidente — Então passâmos ao n.º 69.

O Sr. Visconde da Luz: — Peço tambem o adiamento deste projecto até que esteja presente o Sr. Ministro das Obras Publicas.

(Entrou o Sr. Ministro da Fazenda.)

Eu entendo mesmo que seria conveniente guardar a discussão delle para mais tarde, pois havendo circumstancias que teem contrariado a conclusão do negocio, a que o mesmo projecto se refere, parece-me inopportuno ir lançar este tributo de 5 por cento, quando ainda não sabemos se teremos o caminho de ferro. Entretanto limito-me a pedir simplesmente o adiamento até que esteja presente o Sr. Ministro das Obras Publicas.

O Sr. Ministro da Fazenda — O Sr. Ministro das Obras Publicas está na outra casa do Parlamento assistindo a uma discussão que exige a sua presença, por isso não póde vir a esta Camara; e como para ordem do dia estão dados alguns projectos, a respeito dos quaes talvez a minha presença seja necessaria, pedia que, no caso da Camara convir, se começasse por esses projectos, porque terei tambem de me retirar para aquella casa logo que nesta possa ser dispensado.

O Sr. Aguiar — Sr. Presidente, todos os projectos que estão dados para ordem do dia dependeu de explicações do Governo, sem o que não podem votar-se (apoiados).

O Sr. Visconde de Fonte Arcada — Eu precisava fazer algumas reflexões antes de tractar do objecto em discussão, foi muito succintamente que o fiz, e V. Ex.ª verá que não estou fóra da ordem ou da questão, adduzindo algumas razões para depois tirar uma conclusão (apoiados).

Nós não sabemos se a companhia para a construcção do caminhe de ferro está formada, não o estando, se ha esperanças de que se forme, porque o Governo nada nos diz a este respeito; o Governo, pelo primeiro artigo do contracto, ficou auctorisado a espaçar o praso, pelo qual se devia formar a companhia, e é elle que nos póde informar do estado em que se acha este negocio, e é o que eu desejava saber. Realmente não sabemos se a companhia existe, se está em andamento a sua formação; ignoramos por consequencia se havemos de ter caminho de ferro, e quando; é isto que devemos saber antes de tractar do projecto em discussão.

O Sr. Presidente — Eu não disse que S. Ex.ª estava fóra da questão, pedi me permittisse licença para lhe observar que estava fóra da ordem, pois ha uma indicação para o projecto se não discutir, sem estar presente o Sr. Ministro das Obras Publicas. Todas as razões, aliás mui judiciosas que V. Ex.ª expendeu, parece-me que só teem logar depois de satisfeito o requerimento do Sr. Visconde da Luz, a que a Camara pareceu annuir.

O Sr. Ministro da Fazenda — Eu quero unicamente dizer ao Digno Par, sobre agrave questão a que S. Ex.ª alludiu — o estado em que se acham as negociações com a corte de Roma para a ratificação da concordata que o Ministerio está prompto a dar á Camara dos Dignos Pares as explicações que ella desejar sobre este grave assumpto, mas não em sessão publica.

Em relação á organisação da Companhia, direi que effectivamente ella não está formada, parecendo-me inutil accrescentar mais cousa alguma a este respeito, visto que o Digno Par é bastante esclarecido para conhecer as circumstancias que obstaram até agora a essa organisação: sómente lembrarei á Camara que o empreiteiro, ou o concessionario, ainda está dentro do tempo que lhe foi concedido para organisa-la.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada — Mais duas palavras. Eu não censurei que a Companhia não estivesse já organisada, o que censuro é o não se dizer o estado em que se achava este negocio. Nada mais natural, quando uma questão desta importancia chamou a attenção das Camaras e de toda a nação, do que dizer-se alguma cousa áquelle respeito. É verdade que nós temos o direito de pedir explicações ao Governo, mas parecia-me que era melhor, e mais conforme ás praxes do Governo representativo, em uma questão de tão alta importancia, dizer-se o estado em que se achava. Se está dentro do prazo, ainda não ha que censurar; mas não obstante isso, poderia o Governo ter dito se havia ou não probabilidade de se formar a Companhia, e mostrar qual era o andamento deste negocio.

Era unicamente isto o que eu queria dizer.

O Sr. Marquez de Fialho — Eu vejo que o adiamento proposto é só até á chegada do Sr. Ministro das Obras Publicas, mas creio que é necessario que elle seja muito mais longo.

(Entrou o Sr. Ministro das Obras Publicas.)

Nós tractamos aqui de lançar um imposto para um objecto que não existe, porque o contracto ainda não está feito; para que havemos de constituir com tanta facilidade o Pagamento deste imposto sem haver necessidade? Parece-me pouco prudente da nossa parte. Portanto, como ainda não nos temos occupado do contracto em si mesmo, parecia-me mais razoavel que o adiamento fosse sine die, e quando os Srs. Ministros julgassem conveniente tractar deste objecto, que viessem pedir á Camara que o desse para ordem do dia.

O Sr. Ministro das Obras Publicas — Eu quasi que podia desistir da palavra, depois das observações que acabo de ouvir. Effectivamente parece que esta sofreguidão que damos a entender, querendo applicar já este rendimento, póde realmente prejudicar a formação de uma Companhia, que todos sabem deve ter-se achado em circumstancias um pouco difficeis (apoiados), em consequencia do estado do mercado da Europa. Tudo o que eu dissesse a este respeito era pura ociosidade, pois todos sabem as circumstancias não só das differentes praças da Europa, mas até da America. O direito de estabelecer este imposto está no contracto, e é uma das condições favoraveis que o Governo inseriu; agora a applicação delle fica reservada ao Governo para occasião opportuna. Portanto, o adiamento do Sr. Marquez de Ficalho não tem inconveniente nenhum, pelo contrario tem todas as vantagens para ser adoptado.

Agora, tendo o Sr. Ministro da Fazenda explicado já que o prazo legal para a formação da Companhia ainda não está acabado, resta-me dizer, além disso, que o concessionario tem engenheiros que estão trabalhando por sua conta no estudo dos pontos mais difficeis: é portanto, como se vê, esta uma empreza que tem feito tanto quanto as circumstancias externas tem permittido. O deposito está verificado, e segundo as noticias favoraveis que começam a chegar, temos a mais bem fundada esperança de a Companhia será em breve organisada.

(Approvado o adiamento.)

PARECER N.º 64.

Foi presente á commissão de Fazenda o projecto de lei, vindo da Camara dos Srs. Deputados com o n.º 63, pelo qual é o Governo auctorisado a melhorar o serviço da fiscalisação dais Alfandegas dos portos sêccos e molhados do continente do reino e ilhas adjacentes, dando conta ás Côrtes, na proxima sessão legislativa, do uso que fizer da mesma auctorisação. E considerando que o serviço da fiscalisação se faz de uma maneira que está mui distante de corresponder aos seus fins; considerando que o commercio licito lucta com imensas difficuldades pela falta de base segura para as suas especulações, em consequencia da facilidade que encontra o contrabandista na inefficacia dos meios de repressão; considerando finalmente que do possivel melhoramento deste ramo deve provir consideravel augmento de receita, sobre tudo se as medidas que se tomarem abrangerem não só os moios de interceptar o contrabando, mas os de fazer julgar as tomadas por um processo facil e summario: a commissão é de parecer que o mencionado projecto de lei deve ser approvado para ser submettido á Real Sancção.

Sala da commissão de fazenda, 1.º de Julho de 1857. = Visconde de Castro = Francisco Simões Margiochi = Thomás de Aquino de Carvalho = Barão de Chancelleiros = Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão.

PROJECTO DE LEI N.º 63.

Artigo 1.° É o Governo auctorisado a melhorar o serviço da fiscalisação das Alfandegas dos portos sêccos e molhados do continente do reino e ilhas.

Art. 2.° O Governo dará conta ás Côrtes, na proxima futura sessão legislativa, do uso que houver feito da presente auctorisação.

Art. 3.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

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Palacio das Côrtes, em 26 de Junho de 1857. = Joaquim Filippe de Soure, Presidente = Joaquim Gonçalves Mamede, Deputado Secretario = Antonio Pequito Seixas de Andrade, Deputado Secretario.

O Sr. Presidente — Está presente o Sr. Ministro da Fazenda; póde entrar em discussão o parecer n.º 64.

O Sr. Marque: de Ficalho entende que é um voto de confiança que se vai dar ao Governo, e por sua parte está disposto a dar-lh'o; mas tambem entende que não deve perder a occasião de lembrar ao Sr. Ministro da Fazenda, que faça um estudo particular sobre as alfandegas da raia secca. Só sabe o estado em que se acham estas alfandegas quem tem estado na raia de Hespanha; e como orador tem bastante conhecimento dos districtos de Mertola, e do de Serpa, sobre elles dirá alguma cousa..Talvez um bom general com uma divisão de cinco mil homens, não fosse capaz de os guardar bem, e são guardados por tres guardas de alfandega, que teem de ordenado cada um 240 réis por dia: e o contrabando que se faz nesses districtos e um contrabando riquissimo, especialmente o azouge. Este contrabando que vai contos de réis, e que se póde trazer n'um pequeno alforge, tem para o vedar um pobre homem, que ganha doze vinténs! e que passa a vida mais desgraçada possivel, Habita no meio de uma serra, exposto a todas as inclemencias do tempo, sem abrigo, sem companhia, e obrigado muitas vezes a luctar com homens armados para haver de impedir o contrabando; é isso possivel? O orador julga que não. Deseja que se faça um estudo rigoroso sobre este ramo, que se chegue a um accôrdo com o reino visinho em relação a este ponto, que todos reputam importante.

Como esta é a occasião propria de lembrar isto ao Sr. Ministro da Fazenda, tomou a palavra e deu estas succintas informações, para que S. Ex.ª tome estas lembranças em consideração, porque S. Ex.ª é muitissimo competente para podér conhecer o alcance que ellas teem.

O orador observa, que se não se engana, uma dessas alfandegas da raia secca, rendeu no mez de Junho do anno passado 17 ou 18 tostões, o que o Sr. Ministro poderá mui facilmente verificar; o que mostra mais a necessidade de procurar vir a um accôrdo com o reino visinho.

Em vista disto parece-lhe que se deve tractar quanto antes deste assumpto, e não ir adial-o.

Como já disse, está disposto a dar este voto de confiança ao Governo, esperando que elle tomará tambem em considerarão as razões que acaba de expender.

O Sr. Ferrão — Como estou de pé, aproveito a occasião de mandar para a mesa um parecer da commissão de fazenda, sobre o projecto n.º 81, remettido da outra Camara; e que é um daquelles, de que o Sr. Ministro da Marinha pediu aqui a urgencia.

Agora em quanto ao projecto n.º 64, em discussão, tenho a ponderar algumas razões, pelas quaes concluo que a Camara não deve conceder, ao menos por em quanto, a auctorisação de que se tracta. Parecerá, decerto, singular que achando-me eu assignado neste parecer da commissão tome a palavra agora em sentido contrario; mas a Camara ha de fazer-me a justiça, de que não ha contradição nem incoherencia neste meu procedimento.

Este parecer foi dado nos ultimos dias da sessão de 1857, e discute-se na presente sessão de 1858; o seu pensamento, tanto como o manifestam as suas palavras, foi que o Governo usasse desta auctorisação no intervallo que devia decorrer de uma a outra sessão, e que agora desse conta ás Côrtes do uso que tinha feito da auctorisação, que se lhe concedia: é o que diz o artigo 2.° Ora, parece-me, que seria sophismar completamente as palavras do projecto de lei que veiu da outra Camara, dando-se com substituição de épocas, ás mesmas palavras uma interpretação diversa.

Além de que, esta Camara não sabe se a dos Srs. Deputados está ou não disposta a dar em 1858 o mesmo voto de confiança, que déra em 1857, e em verdade podem as circunstancias não ser já as mesmas, podem ellas ter mudado ou variado por mil modos e causas, e não é a nós por certo, que compete o decidir esta questão, que prende essencialmente com as intenções actuaes da Camara dos Srs. Deputados, d'onde nos veiu remettido este projecto.

Estas razões creio que são concludentes, e, quanto a mim, forçam-me a não podér proseguir na discussão.

Mas, além disso, uma outra consideração tenho afazer á Camara, que me leva á mesma conclusão.

Similhantes auctorisações são sempre uma calamidade, uma quebra de força para o systema representativo; mas nós relaxâmos e temos relaxado muitas vezes no rigor dos principios constitucionaes, concedendo-as: mas quando, e em que circunstancias? Esta relaxação tem uma desculpa nos fins das sessões; tem a sua justificação, se não plena, plausivel, pelos fundamentos da necessidade e utilidade publica: quando a sessão está a terminar, então sim, tem-se visto conceder-se muitas dessas auctorisações; mas agora, com o Parlamento apenas aberto, constituirmos o Governo em podér legislativo, parece-me que não é da dignidade desta Camara, nem conforme ás instituições politicas que nos regem.

Nós aqui estamos promptos a discutir e a votar neste objecto o que fôr conveniente; traga o Governo ao Parlamento, por um modo definido as providencias de que carece, e então veremos quaes as medidas excepcionaes que convem adoptar, fazendo assim com conhecimento de causa uma boa lei.

Portanto, entendo que neste momento é inconvenientissimo para a Camara que se approve esta auctorisação. Além das duas considerações que adduzi, ha ainda uma terceira que me levou, a não conceder agora o que concedia o anno passado.

Sr. Presidente, quando os inimigos das instituições tocam a rebate, ainda que nós devamos considerar como sem importancia, como sem a menor consequencia politica, esse toque, cumpre-nos todavia mais que nunca estar nos nossos postos; é melhor previnir sempre, do que dizer depois não cuidava.

E como estaremos nós nos nossos postos? Pela nossa assiduidade; tomando parte nas medidas legislativas, e não negando ao Governo as de que elle carecer; mas sempre não abdicando as que a Carta Constitucional nos confere; pois assim como o podér moderador não póde ser delegado nesta Camara, tambem nós não podemos, nem devemos delegar no executivo as nossas attribuições.

Por todas estas razões, entendo que devo retirar a minha assignatura deste parecer, e é por isto que explico os meus motivos. Se o assignei n'outra occasião, foi porque era o fim da sessão; e agora o projecto diria uma coisa diversa, e que não é applicavel ás circunstancias presentes, porque nós agora podemos, pausada e opportunamente, discutir as medidas que se nos apresentarem, abstendo-nos tambem assim de dar logo no principio de nossos trabalhos um documento, pelo qual estabeleçamos e firmemos cada vez mais o descredito das instituições constitucionaes, que não convem deixemos continuar neste caminho, reduzindo o Parlamento a uma pura formalidade ou mera chancellaria.

Em conclusão, é meu voto que este projecto deve ser adiado até que o Governo apresente, como lhe compete, as medidas que julgue necessarias sobre o assumpto.

O Sr. Ministro da Fazenda — Visto que o Digno Par o Sr. Conde de Thomar pediu a palavra, como póde ser que seja para fazer algumas reflexões que careçam de explicações da minha parte, talvez fosse mais conveniente que S. Ex.ª me precedesse na ordem da inscripção.

O Sr. Conde de Thomar: discrepa um pouco da opinião do Digno Par que ultimamente fallou, pois não lhe parece que haja inconveniente algum em que a Camara se occupe agora deste negocio; entende mesmo que a Camara é obrigada a tractar delle, porque lhe cumpre dar andamento aos projectos que vem da outra Camara, ou seja approvando-os, ou rejeitando-os.

Mas tudo se póde conciliar uma vez que se adopte uma emenda que julga indispensavel, e que se dê mais desenvolvimento ao que está aqui estabelecido. Sem que se preencham estas duas condições não pensa que possa o projecto satisfazer ao fim que se tem em vista.

Não acha razão ao Digno Par em dizer que se sophismaria a provisão do artigo 2.° e o pensamento da outra Camara, approvando agora esta a doutrina que está consignada nesse mesmo artigo. Poderia dizer-se que havia sophisma se não se mudasse a data a que o projecto, discutido o anno passado na outra Camara, se refere; mas o pensamento póde e deve ser o mesmo, sem que nisso haja sophisma, a mudança comtudo é pequena; em logar de se dizer = o Governo dará conta ás Côrtes na proxima futura sessão legislativa = dir-se-ha = dará conta na sessão do anno de 1859 = e deste modo ficam salvos os escrupulos do Digno Par, com o qual concorda em outras das suas considerações.

Está tambem de accôrdo com o que disse o Sr. Marquez de Ficalho, em quanto aos defeitos das nossas fronteiras, onde são tão tenues os ordenados, que os empregados não podem realmente ter a independencia precisa para desempenhar a sua missão; mesmo quando fossem em numero tal, que podessem contrabalançar a força dos contrabandistas.

Já se vê que o projecto é nesta parte deficiente, por isso que se não dá auctorisação ao Governo para augmentar os ordenados dos empregados das alfandegas dos portos sêccos; e parece-lhe que conservando-se os mesmos ordenados deixa de se fazer uma das mais essenciaes reformas. O orador pergunta ao Sr. Ministro, se S. Ex.ª se julga auctorisado a fazer esses augmentos, passando o projecto como está redigido? Estabelecer e augmentar ordenados é uma attribuição das Côrtes, e se estas não derem expressa auctorisação ao Governo para o fazer, o Governo não os póde augmentar, embora tenha o voto de confiança para reformar a organisação destas repartições.

É este um dos pontos sobre que elle Sr. Conde deseja ouvir explicações do nobre Ministro, porque, do mesmo modo que o Digno Par o Sr. Marquez de Ficalho, não pertende negar este voto de confiança, tanto por entender que estas reformas são necessarias, como porque não vê inconveniente algum, antes vantagem em que o nobre Ministro no seu gabinete e pausadamente possa, com as pessoas competentes que conhecem bem este serviço, fazer essas reformas; como porque convencido do que o actual Ministro da Fazenda ha de desempenhar perfeitamente a obrigação que contrahe passando esta Lei (apoiados).

A parte que falta neste projecto é a auctorisação para tornar mais facil e summario o processo das tomadias (O Sr. Visconde de Castro — apoiado). Tem razão a commissão em considerar este ponto como uma das partes mais importantes nesta refórma; mas ao orador parece que ainda não basta isto, é necessario que se tracte tambem da parte penal, e essa parte não lhe parece devidamente regulada na legislação existente; e por tanto este um outro ponto a respeito do qual desejava tambem que o Sr. Ministro tivesse a bondade de se explicar, dizendo se julga que, com esta auctorisação assim concebida, póde alterar a parte penal.

O Sr. Presidente — Mande o Digno Par para a mesa a sua moção.

O Sr. Conde de Thomar — Isto foi por em quanto mera lembrança, ou observações para mostrar a razão por que discordava da idéa do adiamento.

O Sr. Ministro da Fazenda está inteiramente de accôrdo com o Digno Par o Sr. Marquez de Ficalho sobre a necessidade que ha de attender muito sériamente, ao estado do serviço das Alfandegas nos portos sêccos: as ponderações que S. Ex.ª fez são exactissimas. S. Ex.ª pôz o dedo na ferida, conheceu como homem pratico, e bastante esclarecido, onde estava o mal. O serviço na raia secca não se póde fazer com o pessoal que existe, e com os tenuissimos ordenados que teem: é uma costa immensa que está unicamente a cargo de alguns centenares de guardas, e nem mesmo centenares porque não chegam a duzentos (apoiados). Isto não póde ficar assim; é impossivel. Por consequencia póde o Digno Par ter a certeza de que o Governo, se o Corpo legislativo o honrar com esta auctorisação, um dos objectos a que attenderá mui sériamente é a este, pois tem a convicção de que, se não prover de remedio aos inconvenientes apontados pelo Digno Par, não tem satisfeito o fim para que pediu esta auctorisação.

Em relação agora ao Digno Par o Sr. Ferrão, disse que esta auctorisação não foi pedida em legislatura diversa desta, mas na sessão passada, e não chegou então a ser aqui discutida, porque afiliando muito trabalho no fim da sessão, não foi possivel tractar deste objecto; e mesmo porque se deu o caso de ter adoecido elle Sr. Ministro nos ultimos dias da sessão, e não podér por isso vir aqui solicitar, como desejava, o andamento deste negocio.

O Sr. Ministro não póde convir de modo algum com o Digno Par nas considerações que S. ex.ª fez, em relação aos riscos que lhe parece estarem hoje ameaçando o systema representativo! Affigura-se-lhe (talvez seja illusão, mas deseja viver nessa illusão); affigura-se-lhe, que nunca o systema representativo esteve tão radicado neste paiz como agora (apoiados). Acha que nunca houve menos motivo para duvidar da sua manutenção, pedindo á Camara que o dispense de entrar n'algumas demonstrações a esse respeito, porque ella adivinha a razão principal a que se dirige; e a Camara dos Dignos Pares faz justiça a si mesma e ao paiz, para conhecer que qualquer tentativa que por ventura houvesse para destruir as instituições vigentes, essa tentativa havia de ser coberta logo com o desprezo, não encontrando apoio algum (apoiados). O argumento, portanto, não lhe parece sufficiente para repellir qualquer pedido de concessão de auctorisação ao Governo para um dado fim, quando o Corpo legislativo entender que a auctorisação é necessaria, e que o Ministro que a pede merece que lh'a concedam.

Observou ainda que grande seria o mal se a doutrina do Digno Par podesse vigorar. Sem querer fazer offensa a nenhum Parlamento portuguez, reflectiu que a sessão de 1834 foi uma daquellas em que os principios do Governo representativo foram sustentados pelo Governo e Parlamento da maneira mais rasgada possivel; e entretanto nessa sessão deram-se aos Ministros immensas auctorisações sobre objectos muito mais graves do que este. É evidente que o Governo havia de dar conta destas auctorisações na sessão immediata; e debaixo deste ponto de vista notou o orador que se teem dado por diversas vezes grandes passos; as instituições aperfeiçoam-se; nem podia deixar de ser assim, pois de contrario estavamos perdidos.

Houve tempo, cuja época lhe não lembra precisamente, em que se julgou que estas auctorisações uma vez dadas ficavam permanentes; hoje não se entende assim, e não é descoberta deste Ministerio, mas de todos. Uma auctorisação qualquer, concedida pelo Corpo legislativo ao Governo, acaba com a abertura do Parlamento na sessão immediata; e, ou se dá conta do uso que se fez da auctorisação, ou se pede nova auctorisação, se da primeira não foi possivel fazer o uso conveniente. Agora mesmo se dá disso uma prova, porque vem pedir nova auctorisação para a refórma do Tribunal de Contas, que por circumstancias que o Parlamento apreciará não lhe foi possivel concluir; mas considerou a auctorisação acabada desde o momento em que as Côrtes se reuniram. Isto mesmo é um correctivo que deve diminuir os receios do Digno Par; e foi o que deu logar á redacção deste artigo 2.º na fórma como está.

Não tem difficuldade em acceitar a emenda que propõe o Digno Par o Sr. Conde de Thomar, por isso que ella salva completamente o principio, e então poderá dizer-se — sessão de 1857, ou sessão de 1858 a 1859 — como parecer mais conveniente.

Terminando com as respostas que lhe pediu o Digno Par o Sr. Conde de Thomar, disse que entendia que esta auctorisação nada vale se não comprehender os dois pontos em que o Digno Par tocou.

Se porém, e sobre isso, esta Camara entra em dúvida, não acha nenhum inconveniente em que o projecto seja redigido de maneira tal, que fique bem claro, e definidas quaes as attribuições que se dão ao Governo.

Observa que, com quanto seja verdade que é o Corpo legislativo quem cria os empregos, e lhes designa os ordenados, tambem é certo que o Governo o póde fazer, como se tem muitas vezes feito, dando depois conta ás Côrtes. E lembra por esta occasião, que o proprio Ministerio de que o nobre Conde de Thomar fez parte com elle orador, procedeu assim. O Sr. Ministro referiu-se ao Decreto de 10 de Novembro de 1849 sobre a organisação do actual Tribunal de Contas, e das diversas repartições do Thesouro Publico, a respeito do que, elle, usando da auctorisação que havia sido dada ao Governo, não só augmentou o numero dos empregados, mas tambem lhes estabeleceu ordenados; e essa auctorisação era como esta.

Resumindo disse, que se o Governo não podér augmentar o pessoal da fiscalisação, se não podér melhorar os vencimentos desse pessoal, e tornar mais simples o processo para o julgamento das tomadias, nada se conseguirá.

O Sr. Ferrão — A primeira das reflexões que ponderei, respondeu o Digno Par Sr. Conde de Thomar, lembrando uma emenda ao projecto de lei, com a qual o nobre Ministro da Fazenda disse concordava. Por este lado estou satisfeito, porque vejo que colhi já algum resultado das ponderações que adduzi. Mas nem o Digno Par, o Sr. Conde de Thomar, nem o nobre Ministro, se fizeram cargo de responder á minha segunda observação.

Sr. Presidente, mandei buscar á Secretaria o projecto original, e delle vejo qual a sua data, que comprova a razão de urgencia ou de necessidade, que então se tomou em consideração.

Digo pois que estas auctorisações concede-as o Parlamento por falta de tempo, que reconhece não ter nos derradeiros momentos para discutir e desenvolver os objectos a que ellas se referem; concede-as porque entende ser conveniente deixar no intervallo da sessão o Ministerio armado de certos meios para governar, sobre objectos, a respeito dos quaes não coube no tempo ao Parlamento o podér providenciar.

Mas, se esta é incontestavelmente a razão, é então claro que no principio da sessão, e em que ha muito tempo para se descer ao preciso exame e discussão, taes auctorisações não devem dar-se: não é mesmo da dignidade do Parlamento o dal-as; nem é tambem da dignidade nem do interesse do Governo o pedil-as nestas alturas.

O que o Governo deve fazer, pois, é apresentar os seus planos ao Parlamento para o Corpo legislativo os tomar em consideração devidamente (apoiados).

Agora direi ao nobre Ministro da Fazenda, que quem quer os fins, deve querer tambem os meios; e que portanto, como de simples auctorisação, este projecto de lei não carece de ser esclarecido pela commissão de fazenda.

O serviço da fiscalisação não se póde fazer sem o pessoal adequado, esse pessoal não o póde haver sem um maior numero de empregados, e com melhores ordenados; porque com vencimentos mesquinhos não ha fiscalisação possivel (apoiados).

É pois claro, que a auctorisação, nos seus termos geraes, comprehende os meios pecuniarios, assim como a creação de novos logares; e muito principalmente, porque são estas as providencias, que respeitam, sobre fiscalisação, aos meios preventivos, que são mais efficazes sempre que os repressivos.

Mas a repressão tambem é um meio de fiscalisação, e, segundo a minha opinião, os que ha no Código Penal, e outras Leis especiaes, reduzem-se a muito pouco, porque, attenta a natureza e qualidade das penas, comminadas aos contrabandistas, quando com descaminho de direitos devidos á Fazenda, não são os delinquentes, como deviam ser, punidos como réos de furtos industriosos.

Carecia-se pois de castigo corporal ou correccional, que melhor os escarmentasse.

Acontece porém, além disso, que os interessados na fiscalisação, que tem mais a peito que os interesses do thesouro, ou da causa publica, o receber o producto das tomadias, desejam tornar administrativos os respectivos processos, e para esse fim, não só reduzir tudo a penas pecuniarias, mas ampliar sobre o julgamento essa jurisdicção, para fugirem dos tribunaes de justiça.

Assim o mal, e a immoralidade do contrabando, continuará, porque ao contrabandista de profissão pouco lhe importam as tomadias e muletas, quando por um contrabando que lhe é aprehendido, passa sãos e salvos cinco ou seis; e o lucro que estes lhe dão compensa muito o prejuizo que a apprehensão lhe causou.

Desengane-se a Camara, desengane-se o Governo; é preciso, para attenuar o mal, procurar cortar-lhe as raízes. Estancar asna origem é impossivel. Nem a França, nem a Inglaterra, nenhum paiz que eu conheça o tem conseguido, e menos o poderemos nós alcançar, cercados de portos grandes e pequenos, e de uma raia extensa, que nem o exercito de Xerxes poderia guardar.

Receio pois que o Governo, que tem a peito melhorar a fiscalisação, não faça mais que peoral-a, tornando o contrabando uma melhor receita para os fiscalisadores viverem á custa e com a existencia delle.

A muita experiencia, que tenho a este respeito, me faz dizer, que esta é a verdade; e é em presença dos factos, que desejo vêr tractadas estas questões no Parlamento, para se conhecer qual convem mais, se deixar o julgamento ás auctoridades administrativas, se ás judiciaes; se convem ao melhoramento da fiscalisação nas circumstancias presentes, um augmento do pessoal, uma refórma no processo crime commettido tudo ao Governo.

Oh, Sr. Presidente, pois quando o Governo por um Decreto, que foi publicado no Diario do Governo, manifesta que o Ministerio se propõe fazer duas propostas de lei ao Parlamento, uma sobre penalidades em geral, e outra sobre o processo crime, e nas penalidades em geral vem a especialidade de contrabandos e descaminhos, assim como na parte do processo crime vem a especialidade do que é relativo aos mesmos contrabando e descaminho, é que se ha de julgar necessario antecipar ou prejudicar essas propostas de lei, por uma de auctorisação!

Pertende-se assim augmentar a receita do thesouro?

Mas essa vantagem será tão importante que compense os vexames que podem resultar de providencias especiaes? Teem-se pesado bem todos os inconvenientes? Não serão maiores os que podem vir de um consideravel augmento de pessoal e despeza? Veja a Camara, por consequencia, quanto póde ser perigoso conceder estas auctorisações.

O Ministerio com a melhor boa vontade para melhorar o estado das cousas, póde enganar-se. A Camara com a sua illustração, tractando este negocio nas suas commissões, ha de achar-se muito embaraçada. E teem os Srs. Ministros (sejam elles quaes forem) mais tempo? Mais sciencia

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que o Parlamento para examinar este negocio? Terão commissões zelosas, compostas de homens technicos que o desenvolvam com acerto? Desconfio muito que não, ou por falta de tempo, ou por outras causas; consequentemente, Sr. Presidente, o caminho a seguir, visto que estamos no principio da sessão, e é muito duvidoso o bom resultado de similhante auctorisação, e que o Governo nos apresente as suas propostas definidas, e não um voto de confiança illimitado, complexo, sem outras restricções mais que o seu objecto e fim a que se dirige.

Agora em quanto á firmeza do systema representativo, responderei que eu concordo com o Sr. Ministro da Fazenda, em que este systema tem lançado grandes raizes entre nós; qualquer tentativa para a sua destruição encontrará felizmente hoje um baluarte contra o qual se quebrarão todas; mas hão de reconhecer os Srs. Ministros preteritos, presentes e futuros, que os Parlamentos e os Ministros teem de longa data feito bastante para enterrar o tal systema. O Governo representativo vive de si: a cova, porém, esta feita ha muito tempo, por nossos erros ou condescendências.

O exemplo de 1834 colhe, me parece, muito pouco. Nessa época, em que tudo estava desorganisado; em que tudo estava por fazer em harmonia com os principios constitucionaes, não admira que as Côrtes déssem muitas auctorisações; mas depois de tantos annos de representação nacional, parece que devemos accordar, e vir aos procedimentos normaes, que não são estes.

Não sei, porém, quando sairemos deste estado irregular, principalmente quando vemos que teem decorrido tantos annos depois da promulgação da Carta Constitucional da Monarchia, e que nem um só Ministro se tem decidido a apresentar nas Camaras uma Lei de responsabilidade de Ministros!

É esta uma razão demais para que sejamos muito cautelosos, muito zelosos em conservar o deposito sagrado que nos está confiado, que não podemos transmittir, nem ceder, porque, repito, a nossa missão é pessoal: vimos aqui para discutir Leis, e discutir Leis é discuti-las directa e singularmente sobre objectos determinados. Estes votos de confiança são em certo modo mais reprehensiveis do que as dictaduras: as dictaduras são da responsabilidade dos Ministros, justificadas ou pretextadas por um principio de necessidade a salvação publica de que depois se pede um bill de indemnidade: essas Leis podem ou não ser depois confirmadas, mas uma auctorisação nestes termos tem outro alcance; o que fizer o Governo, os Decretos que promulgar, teem força de Lei; a despeza que crear está legitimada, não ha outra cousa mais a fazer do que inclui-las no orçamento; é uma consequencia derivada da auctorisação legal.

Para que assim o entenda o Governo, com relação ao projecto em discussão, não carece este de ser emendado, nem declarado; mas no que eu insisto é na indispensabilidade do seu adiamento. Mais tarde talvez, no fechar da sessão, se os Srs. Ministros até então não apresentarem as suas propostas, eu vote por elle. Eu estou prompto a discutir desde já nas commissões quaesquer providencias tendentes ao pretendido melhoramento da fiscalisação das alfandegas; mas neste momento entendo que é inopportuno, attentas as circumstancias em que nos achamos, e as considerações que tenho feito, declinar esse trabalho e exame, reduzindo-nos a conceder logo no principio da sessão uma auctorisação.

O Sr. Visconde de Castro — Sr. Presidente, o Digno Par que acaba de fallar podemos dizer que esgotou a materia, e eu concordo na maior parte do que S. Ex.ª disse. Tenho algumas pequenas duvidas que exporei, mas em geral entendo que apresentou doutrinas muito sãs. Em quanto, porém, a preferir as dictaduras aos votos de confiança, eu peço licença para me apartar de S. Ex.ª Antes desejo vêr os Srs. Ministros pedir votos de confiança, impellidos pela natureza das medidas, do que obrar por seu motu proprio, e depois vêr pedir um bill de indemnidade (apoiados).

Este negocio é mais importante do que á primeira vista parece. Nós cobramos cinco a seis mil contos das nossas alfandegas, e a circumstancia de haver uma boa ou má fiscalisação é muitissimo importante. Não é possivel obter o optimo, e o Digno Par o Sr. Ferrão muito bem o demonstrou. Nós temos uma raia secca muito extensa, e uma orla de mar crivada de portos, e por consequencia difficil é ter uma perfeita fiscalisação; mas tractamos de a melhorar, e é para este melhoramento que nós agora depositávamos na mão do Sr. Ministro a faculdade de tomar as medidas que julgar convenientes, do mesmo modo que a Camara dos Srs. Deputados praticou quando nos mandou aqui este projecto.

Diz o Digno Par o Sr. Ferrão: «havemos de estabelecer aqui um voto de confiança para fazer uma Lei penal?» De certo que não se tracta disso. «Havemos de dar um voto de confiança para fazer as despezas que muito bem lhe aprouver?» Tambem não se tracta disso, tracta-se de alterar as despezas das alfandegas racionalmente, e aonde o interesse da fazenda o pedir, e não é de esperar que este Sr. Ministro, ou outro que occupe o seu logar, abuse desta confiança.

Disse o Sr. Marquez de Ficalho, que um guarda era pago com 240 réis; e eu digo que ha guardas-barreiras no norte, que nem esses 240 réis ganham, porque apenas teem 160 réis! E o que é possivel esperar de um homem, a quem se exige trazer um certo distinctivo militar, para que com tão tenue paga deixe um dia ou outro, impellido de necessidade, de fechar os olhos ao castigo que espera o prevaricador? Como é possivel que elle seja um bom fiscal, um bom guarda-barreira?! Medidas instantes desta ordem não se podem a.diar, é necessario tracta-las, e sériamente, porque se tracta da principal receita do paiz.

Não são as Leis penaes que faltam; eu nesta parte peço licença para me apartar um pouco do

meu nobre amigo e collega o Sr. Conde de Thomar: as Leis penaes sobre contrabando acho eu, e talvez os Dignos Pares convenham comigo, que são sufficientes, e que nada tem de obscuras. O caso todo está na apreciação das circumstancias da tomadia. O caso está todo no processo. Que quer dizer um processo que leva tres, quatro e cinco annos a decidir?

Sr. Presidente, uma das cousas absolutamente necessarias para a boa fiscalisação é que o apprehensor confie que ha de receber promptamente a sua parte da apprehensão; mas se o apprehensor tem a certeza que se hão de passar tres, quatro e cinco annos sem a receber, vai mais depressa ser connivente com o contrabando.

Eu poderia apontar tomadias, se não tivesse escrupulo, de tomar tempo á Camara, que nunca tiveram execução, e que até foram abandonadas pelos proprios apprehensores; mas agora pelo que pertence á competencia do administrativo ou judiciario, eu não tenho ciúmes. Pertenço ao ramo administrativo, mas declaro que respeito muito o judiciario, e o que quero, é que o Governo olhe para isto sériamente, e que faça aquellas reformas que forem necessarias e indispensaveis para uma efficaz fiscalisação.

Se houvessemos de occupar-nos de uma these com a serie de medidas que della derivam, muito bem se podia esperar da nossa discussão, mas quando se tracta de uma infinidade de medidas e combinações que tem de ser estudadas sobre os factos, parece-me haver vantagem em se entregar tão arduo trabalho a uma pessoa a quem para esse trabalho achamos competencia.

Se o Sr. Ministro o fizer com o auxilio dos chefes das repartições fiscaes, e demais empregados que são seus naturaes collaboradores, havemos de ter uma refórma na fiscalisação, mas se não houver um Ministro que a faça, se não houver um Parlamento que lhe de poderes para isso, eu receio que tenhamos muito que esperar por uma Lei destas, quando feita nos Corpos legislativos.

Eu já fui censurado por emittir esta idéa, mas hei de continuar a emitti-la, porque ella é resultado da minha experiencia, e por que ao Parlamento fica sempre salvo o revogar o Decreto do Governo quando elle exorbitasse das faculdades que lhe foram dadas.

Portanto, estando todos de accôrdo que é necessario tomar providencias a este respeito, parece-me que a Camara devia compenetrar-se da importancia desta materia, e resolver que fosse este projecto remettido á commissão de fazenda, para que ella, de accôrdo com o Governo, e com as idéas aqui expendidas, lhe fizesse as alterações que julgasse convenientes, para depois se tractar sériamente deste negocio.

O Sr. Presidenta — Queira o Digno Par mandar a sua indicação para a Mesa.

O Sr. Aguiar disse que punha de parte a questão de confiança que póde ou não merecer o Governo, para se conceder ou negar este voto; e tambem a consideração que a elle orador póde merecer o Governo para lh'a conceder; mas não assim o que todos, de um e outro lado da Camara, teem reconhecido, e é, que a auctorisação que se lhe concede é de uma grande magnitude, de um grande alcance, pelos objectos que comprehende, porque elle Digno Par, intende que, investido o Governo do podér de fazer a refórma do serviço das alfandegas, ficando não só auctorisado para estabelecer as regras deste serviço, mas tambem para fixar o numero dos empregados, as penas que se devem estabelecer, e a fórma do processo que deve seguir-se, fica investido de uma auctorisação importantissima, o que julga não se deve fazer.

Demais a mais ouviu dizer, e aproveita-se desse argumento para mostrar a magnitude deste objecto, que se tracta do ramo mais importante da receita publica. Pois tracta-se de um ramo de tanta importancia, e ha de considerar-se como de pouca transcendencia, para se podér dar ao Governo uma auctorisação para legislar? E se o Governo reformar para peior, o que muitas vezes acontece, esse ramo de serviço publico? E se elle assim peiorar esse ramo da nossa receita? Mas diz-se: o Governo ha de fazer o Decreto e traze-lo as Côrtes; que dúvida! Mas isso remedeia o mal? Quando é que elle ha de vir traze-lo ás Côrtes? Depois de posto em execução: só então é que as Côrtes podem fazer-lhe as alterações que intenderem dever fazer-lhe: mas, como se póde emendar assim uma refórma mal feita? Quando tal se fizesse, era isso bom?

O orador tambem quer como o Sr. Visconde de Castro, que o Ministerio pense, porque o negocio é para pensar; mas o Governo já devia ter pensado; e em vez de pensar para fazer esse projecto e vir ás Côrtes pedir esta auctorisação, por que não havia de trazer uma proposta para ser discutida e depois convertida em Lei? Aqui já se disse, e disse-se bem, que uma auctorisação destas, ou qualquer outra investindo o Governo do podér legislativo, póde justificar-se pela extrema necessidade, póde justificar-se quando a medida é urgente e o Parlamento não tem o tempo preciso para se occupar della; e por isso acontece, que uma grande parte destas auctorisações tem sido sempre concedidas no fim das sessões, quando não ha tempo para se podér tractar do objecto sobre que versa a auctorisação; mas, porventura, é este o caso? Sabe-se já quaes serão os projectos que o Governo apresentará aos corpos legislativos, e que não haverá tempo de os discutir? O orador ignora-o.

Observou que o seu amigo o Digno Par o Sr. Ferrão, disse muito bem, quando apresentou os seus receios sobre o descredito do systema representativo, porque realmente ha descredito em conceder estas auctorisações. Concedem-se ellas porque os corpos legislativos são incapazes de legislar no objecto sobre que ellas versam? Se e por esse motivo, os corpos legislativos são escusados; mas não é por esse que se concedem auctorisações, e pelo negocio ser urgente, e por não haver tempo na sessão respectiva para se tractar delle; caso que se não dá agora, e por isso não crê que se possa, sem grande inconveniente, conceder esta auctorisação.

Se o Governo viesse apresentar algumas bases sobre qualquer desses objectos em que se ha de verificar a refórma, o Digno Par conviria; mas investi-lo de um podér absoluto para obrar como quizer, como intender! Isso não: embora se diga que o Governo só ha de fazer o que é rasoavel; porque isso não serve para justificar similhante auctorisação, ou então impõe em principio a abdicação das attribuições dos corpos legislativos no Governo.

Sente o orador que se vão buscar argumentos ao que n'outras épocas se praticou: taes argumentos são sempre fracos. Não quer entrar na questão se se tem feito bem ou mal em conceder essas auctorisações, elle mesmo terá feito mal em ter votado por algumas, em logar de ter votado contra todas, mas dado isso, o que se segue é que faria peior se votasse por mais esta. O nobre Ministro poderia fallar em muitas auctorisações, votadas em tempos muito mais modernos, segundo as posições de cada um dos Dignos Pares, mas o que S. Ex.ª não podia fazer, era ir buscar as auctorisações concedidas em 1834, em que tudo estava desorganisado, em que o Governo foi forçado a exercer uma dictadura para legislar sobre todos os objectos de que se carecia. O exemplo e pois mal cabido, e afigura-se a elle orador que as rasões que tem expendido são convincentes, porque ainda ninguem demonstrou que o tempo é tão limitado que não se possa discutir este objecto, e mesmo está persuadido que o Governo tem-n'o estudado bem, e que estará prompto em poucos dias para apresentar uma refórma das alfandegas, ou pelo menos as bases, com o que se procederá com mais segurança.

O Sr. Ministro da Fazenda — O Digno Par que neste momento acaba de fallar não combateu, rigorosamente fallando, o projecto que está em discussão, nem se occupou mesmo da moção que tinha sido mandada para a Mesa, e a respeito da qual já elle Sr. Ministro tinha emittido a sua opinião para que o projecto voltasse á commissão, e alli fosse redigido mais clara e convenientemente, para evitar todas e quaesquer obscuridades nos limites desta auctorisação. O Digno Par combateu em these os votos de confiança; estava no seu direito e debaixo desse ponto de vista o orador está de accôrdo com S. Ex.ª; é o primeiro inimigo dos votos de confiança, sobretudo quando forem dados a Ministerio de que elle faça parte, porque sabe que é o maior compromettimento em que póde ser collocado um Ministro, principalmente quando é elle proprio que os pede.

O Sr. Aguiar — Se me permitte direi, que me parece que V. Ex.ª não me entendeu bem, porque eu combati não só na these, mas tambem na hypothese presente, se bem que já estou arrependido; porque parece que V. Ex.ª foi obrigado a pedir este voto de confiança, parecendo tambem que quer ainda que lhe fiquemos agradecidos pelo sacrificio.

O Sr. Ministro da Fazenda não quer que alguem lhe fique obrigado, exprimiu a sua intima convicção e appella para todos os homens que tem estado já á frente dos negocios publicos, que digam se não tem sido sempre com a maior repugnancia que elles recorreram a medidas dictatoriaes, ou a pedidos de auctorisações e votos de confiança (O Sr. Aguiar — A necessidade é que póde justificar). Quem é o Juiz dessa necessidade senão o Ministro? É evidente que o Ministro que vem pedir um voto de confiança, é porque julga que precisa delle; foi debaixo deste ponto de vista que apresentou o argumento, porque pelo menos "de si sabe que lhe acontece isso, e está persuadido de que não ha aqui quem não repute situação bastante penosa para um Ministro o verse obrigado por qualquer fórma a saír do estado ordinario. Não póde tambem deixar de estar persuadido que o Digno Par que foi Ministro n'uma dictadura, cuja necessidade elle orador é o primeiro a reconhecer, e cujos serviços é tambem o primeiro a confessar que foram immensos; está persuadido, repete, que por muitas vezes havia de sentir tremer-lhe a mão para assignar alguns dos Decretos de então... (O Sr. Aguiar — Nunca me tremeu.) Nesse caso o Digno Par e muito feliz. (O Sr. Aguiar — Tinha a consciencia...) Tambem eu tenho igual consciencia, e em casos identicos tambem tenho coragem para arrostar as difficuldades da situação, mas isso não tira que ache sempre desagradavel o homem publico ter de vêr-se collocado em taes circumstancias.

Observou que este dialogo lhe fizera perder um pouco o fio das idéas que tinha tenção de apresentar á Camara, e por isso limita-se a dizer ao Digno Par que combate assim absolutamente os votos de confiança, que, se S. Ex.ª queria que se lhe apresentasse dentro de vinte o quatro horas a refórma que se pretende nas alfandegas, com muita magoa tem de confessar que não se considera habilitado para tal fazer. Parece-lhe que depois das considerações que apresentou o Digno Par o Sr. Visconde de Castro, não se póde de maneira nenhuma desconhecer a importancia deste assumpto, e de si diz que sempre entendeu que nesta auctorisação se comprehendia a de podér augmentar o pessoal da fiscalisação, e augmentar igualmente os ordenados, entendendo porém que a par desse augmento de despeza viria um augmento de receita que bem compensaria aquelle: nessa convicção mesmo, e que apresentou o projecto em discussão, parecendo-lhe que ninguem queria que o Thesouro ficasse privado desse augmento de receita, não fallando ainda n'outras circumstancias, que tambem se devem ter em vista, como é a da protecção justa que deve dar-se á nossa industria, para acabar mesmo com a immoralidade que resulta do contrabando, etc... E como visse que o Digno Par ainda desejava fallar, esperou ouvir as suas novas ponderações, para, se julgasse necessario, pedir de novo a palavra.

O Sr. Conde de Thomar discutem-se duas propostas que foram annunciadas mas não mandadas para a Mesa; a primeira é do Sr. Ferrão, pedindo o adiamento do projecto, mas um adiamento indefinido; a segunda a do Sr. Visconde de Castro, para que o projecto volte á commissão, a fim de que esta, de accôrdo com o Governo, possa elaborar um novo projecto que satisfaça melhor.

Quanto á primeira proposta já disse que lhe parecia não haver motivo para ella se approvar, por isso mesmo que não vê fundamento para se negar um voto de confiança ao Governo, e particularmente ao Sr. Ministro da Fazenda, que se ha de desempenhar mui bem deste negocio.

O orador considera o negocio realmente muito importante, mas tambem considera que é um daquelles que se ha de discutir melhor no gabinete do Ministro, com as pessoas mais competentes; e que assim preparado o trabalho, se poderá chegar a um resultado proficuo mais facilmente, do' que entregando-o á discussão do Parlamento sem esse preparo (apoiados). O Parlamento não póde tomar isto como injuria; se tal se podesse considerar, elle orador seria o primeiro a repellir a offensa, mas não é; porque realmente ha negocios que não sendo tractados deste modo nunca se fariam, ou se se fizessem, depois de uma interminavel discussão, o resultado nem por isso seria o mais acertado. Neste caso está a questão do processo que se involve nesta materia. Effectivamente a maior parte dos individuos que se sentam, assim nesta como na outra Camara, quando se tractar uma questão de processo hão de dizer que são incompetentes, e dão seguramente um voto de confiança áquelles collegas em cujos conhecimentos e probidade confiem, mais para seguirem o seu conselho. Isto é o que o orador faz tambem em questões de que não tem conhecimento; e por isso acha que ninguem se deve julgar offendido com o que acaba de dizer.

A theoria dos votos de confiança daria logar a uma discussão infinda. Pôde sustentar-se a doutrina dos votos de confiança, e póde combater-se; e depois do que se tem passado entre nós durante o systema representativo, não sabe para que é trazer esta questão, pois que todos os tem concedido, negado, e pedido. A verdadeira questão é da confiança ou não confiança no Governo; e o Sr. Aguiar collocou-a neste ponto, embora tivesse dito antes que punha isso de parte. Nesta parte não póde o Digno Par deixar de dizer que tem confiança no Sr. Ministro da Fazenda, convencendo-se mesmo de que S. Ex.ª se ha de desempenhar muito bem do voto que lhe foi concedido: que S. Ex.ª ha de fazer, como tem feito com outros votos de confiança que o Parlamento por varias vezes lhe tem dado; ha de fiscalisar os interesses da fazenda publica até pelo que diz respeito ao augmento de despeza que fôr indispensavel fazer no sentido de melhorar o ramo da receita; mas julgou tambem que não podia deixar de tomar a palavra da primeira vez, por lhe parecer que os termos do projecto eram tão genericos, que não podiam ser admittidos convenientemente, porque a respeito de attribuições do Corpo legislativo, principalmente na parte que diz respeito á creação de logares, estabelecimento de ordenados e imposição de penas, é muito escrupuloso. Nunca acceitaria um voto de confiança sem se especialisar a auctorisação. Esta é a sua doutrina, e desejaria que fosse sempre seguida, e pôr isso é que logo perguntou ao Sr. Ministro da Fazenda, se elle entendia que tal e tal auctorisação se comprehendia no projecto (O Sr. Ministro da Fazenda disse que sim, com excepção das penas). Viu, pois, que S. Ex.ª entendia que estava aqui comprehendida a 1.º parte — creação de empregos e fixação de ordenados, embora não visse estabelecida a parte penal, que póde ser necessario alterar; mas o orador não vendo comprehendida uma, tambem não vê explicita a outra, e por isso votando contra a proposta do Sr. Ferrão, visto ter toda a confiança no Sr. Ministro da Fazenda, tem de votar pela proposta do Sr. Visconde de Castro, que lhe parece o mais conveniente, neste caso, para facilitar a discussão, e addicionarem-se as idéas que se tem apresentado, sem opposição por parte do nobre Ministro (O Sr. Ministro da Fazenda — Apoiado). Convindo, pois, S. Ex.ª em que uma das partes que apontou não póde julgar-se aqui incluida, parece-lhe que convirá tambem em que tanto uma como outra se deverão tornar igualmente expressas; e para isso vota pela proposta do Sr. Visconde de Castro, desejando muito que a Camara a approve por lhe parecer o mais acertado neste caso.

O Sr. Presidente — Eu já convidei os Dignos Pares a mandarem para a mesa as suas propostas.

O Sr. Ferrão (sobre a ordem) — Mando para a mesa a minha proposta (leu-a):

«Proponho que o projecto seja adiado até que o Governo apresente as bases de refórma, que julgar conveniente serem adoptadas para o melhoramento da fiscalisação das alfandegas. = Ferrão.»

O Sr. Visconde de Castro — Tambem mando para a mesa a proposta que V. Ex.ª me mandou escrevesse (leu-a):

«Proponho que o projecto n.º 63, a que se refere o parecer n.º 64, volte á commissão para de accôrdo com o Ministro fazer as alterações que forem necessarias para tornar efficaz o pensamento do mesmo projecto. — Visconde de Castro.»

Leram-se na mesa, e depois de admittidas formalmente, apesar de estarem já discutidas uma e outra, foram — a primeira rejeitada, e a segunda approvada.

O Sr. Presidente — A hora está bastante adiantada, portanto não podemos hoje proseguir com os nossos trabalhos. A sessão seguinte será ámanhã, sendo a ordem do dia os pareceres n.°s 63, 68 e 87.

Acha-se distribuido o projecto de resposta ao discurso da Corôa, que fica tambem desde já dado para ordem do dia de sexta-feira proxima. Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e um quarto.

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Relação dos Dignos Pares que estiveram presentes na sessão de 11 de Janeiro de 1858.

Os Srs.: Duque da Terceira; Marquezes: de Ficalho, e de Fronteira; Condes: d'Alva, da Arrochella, de Mello, de Paraty, de Santa Maria, de Sobral, e de Thomar; Viscondes: d'Athoguia, de Balsemão, de Benagazil, de Campanhã, de Castro, de Fonte Arcada, de Laborim, da Luz, de Ovar, de Sá da Bandeira, e de Ourem; Barões: de Pernes, de Porto de Moz, e da Vargem da Ordem; Mello e Saldanha, Sequeira Pinto, Ferrão, Margiochi, Aguiar, Larcher, Silva Costa, Brito do Rio, e Fonseca Magalhães.

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