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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

EXTRACTO DA SESSÃO DE 7 DE JANEIRO DE 1859.

PRESIDENCIA DO EX.MO SR. VISCONDE DE LABORIM,

VICE-PRESIDENTE.

Conde de Mello Secretarios, os Srs. Visconde de Balsemão.

(Assistem os Srs. Ministros da Fazenda e Obras Publicas.)

Pelas duas horas e meia da tarde, tendo-se verificado, a presença de 34 Dignos Pares, declarou o Ex.mo Sr. Presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, contra a qual não houve reclamação.

Não houve correspondencia. O Sr. Visconde d'Athoguia mandou para a mesa dez requerimentos de Officiaes, pedindo a approvação do projecto de lei n.° 83, vindo da outra Camara, e fez algumas considerações geraes sobre o assumpto.

O Sr. Ministro da Fazenda — Eu declaro, por parte do Sr. Presidente do Conselho, que por motivo de serviço publico S. Ex.ª não póde comparecer ao principio da sessão; mas que virá um pouco mais tarde.

ORDEM DO DIA.

Continua a discussão do projecto de resposta ao discurso da Corôa, e do projecto de lei, relevando o Governo da responsabilidade em que incorreu pela entrega da barca Charles et Georges.

O Sr. Conde da Taipa.....

O Sr. Marquez de Vallada — Sr. Presidente, os Ministros da Corôa responsaveis para com o paiz aguardam perante este Senado o julgamento dos seus actos. Um acontecimento grave preocupara fortemente o espirito publico desta nação, porque a patria fóra aggravada na sua honra, porque este povo fura affrontado nos seus brios. A barca Charles et Georges foi o pomo da discordia, que o genio do mal sempre inquieto viera lançar entre duas nações generosas. A Camara conhece e o paiz avalia qual foi a conducta do Governo nesta pendencia. Os illustres oradores que me precederam honraram esta tribuna e desaggravaram nobremente a nação nos brilhantes discursos que todos nós lhes ouvimos com prazer exquisito, e que a Camara recompensou com merecido applauso. Houveram-se elles com tal artificio no empenho, mostraram tal patriotismo no arrasoado, tractarão da materia com tamanha proficiencia que seria por assim dizer estulta vaidade e impertenencia, ou para melhor dizer, mão aviso da minha parte o vir renovar nesta tribuna a discussão de uma materia que está a todos os respeitos amplamente discutida.

Mas, Sr. Presidente, eu faltaria a mim, eu mostraria que o patriotismo estava ausente do meu coração se porventura subindo á tribuna nacional n'uma occasião tão solemne como aquella em que estou fallando, deixasse de unir a minha voz, e os meus votos ás nobres e patheticas queixas que foram ouvidas por todos que nesta casa tem assistido a esta discussão, á qual, para gloria nacional seja dito, tem prezidido antes do que tudo e primeiro do que tudo o patriotismo (apoiados).

Folguemos pois porque a patria ainda produz e cria filhos dignos de larga estima e perdurável memoria.

Lavre-se portanto o solemne protesto, venhamos todos a um accôrdo que não é deshonroso, que não é uma colligação a que qualquer possa oppôr-se, porque e a colligação do patriotismo, porque é feita no altar da patria, porque é feita para o paiz, porque é a razão publica, porque é a justiça, a dignidade e o fogo santo do patriotismo que a inspira, que a determina, e que a sancciona; acccitemol-a pois, e folguem nossos corações, exultem nossos espiritos, pois que se não existem hoje entre nós esses gigantescos vultos que honraram a nossa patria, se Nuno Alvares Pereira, Se Albuquerque terrivel e Castro forte, e outros em quem poder não teve a morte, como disse o poeta eximio, não podem com a sua presença auctorisar as nossas praticas, recordemo-nos e proclamemos com enthusiasmo, que se a morte teve poder para destruir seus corpos, ella não póde anniquillar o seu espirito, porque esse vive em nós, porque as catastrophes gigantescas que a historia commemora não conseguiram riscar dos nossos corações esses sentimentos que fizeram a honra de passadas eras, e que nós todos conservamos depositarios fieis da mais bella partilha que nossos antepassados nos legaram em seus testamentos de gloria. Venerandas cinzas dos heroes da minha patria! Não te perdemos o respeito, recebei a homenagem delle a mais pura que podemos offerecer á vossa memoria na demonstração patriotica que todos applaudem, e a Europa contempla com assombro e enthusiasmo. Inexcrutaveis designios da Providencia; justo Deos que permittiste este acontecimento notavel, não para nos abater em frente da força triumphante, mas para nos exaltar no templo da justiça.

Se as revoluções estereis, se as ambições mal soffridas dos revolucionarios produziram tamanhos males no nosso paiz, bem digamos a Providencia porque o patrio amor saíu salvo do mofino naufragio.

Os sentimentos honrados dos homens de Almacave, a coragem e o patriotismo de Ourique de Montes Claros, esse sentimento tão nobremente manifestado em 1640 na restauração do legitimo Throno, e depois em todas as pugnas empenhadas para defeza da liberdade e da independencia nacional, estão hoje tão vivos como nas mais brilhantes épocas da nossa historia.

Attesta esta verdade em geral a consciencia publica, confirma-a a asserção de um Digno Par o Sr. Visconde de Castro, que percorrendo ultimamente as provincias do norte, já depois desta fatal questão ser conhecida no paiz, encontrara desenvolvido um sentimento geral de patriotismo igual ao que se manifestou em 1807 (O Sr. Visconde de Castro — Apoiado).

Tenho dito pois quanto basta sobre o assumpto, e não me occuparei do fundo da questão porque essa no campo do direito foi completa e habilmente tractada pelo Sr. Aguiar, que sinto não vêr agora no seu logar; não me occuparei tambem de a tractar nesse mesmo campo e no da politica, como com verdadeiro enthusiasmo a tractaram, segundo era proprio do seu caracter, os Dignos Pares Visconde de Algés, Conde de Thomar, Visconde Castro, Marquez de Ficalho, Barão de Porto de Moz e Conde de Linhares. Satisfaço-me pois em mostrar que estou animado de iguaes sentimentos, e dizer que espero que todos os meus collegas me farão a justiça de acreditar que eu uno, com toda a sinceridade, a minha voz, e assigno o meu nome nesse protesto, feito em nome do nosso direito offendido, contra a injustiça da França. Neste sentimento acompanho a Camara, acompanho todos os meus concidadãos, acompanha-me o paiz inteiro. (Vozes — Muito bem, muito bem.)

O homem publico tem deveres a cumprir na vida politica a que lhe não é dado faltar. O representante da nação não só tem o direito, mas o dever de avisar o Governo do seu paiz dos males que ameaçam subverter a ordem publica; cumpre-lhe então clamar alerta, á similhança do marinheiro que no alto mar vê surgir a procella, e que, buscando o capitão, o encontra descuidado, dormindo profundo somno. I

O brado da lealdade ainda póde eccoar nestas abobodas, porque a valentia do dever ainda aqui não foi vencida pela audacia do crime; porque a voz do patriotismo ainda repercute para gloria nacional em bastantes corações honrados. Despertemos, pois, o Governo desta terra do lethargo profundo em que jaz. E façamos-lhe conhecer os males que nos póde trazer a imprevidencia para os emendar, em quanto é tempo, ou para, no caso contrario, julgada em pleno paiz, e a todas as luzes patente a sua incapacidade, o obrigarmos a largar uma posição que occupa sem competencia reconhecida, e em prejuízo' do paiz que governa.

Digamos a verdade sem paixão, mas digamo-la com energia: respeitemos os Ministros como individuos, mas censuremo-los fortemente como politicos.

Bemdigamos no que ha a louvar; censuremos no que ha a estranhar. Quem censura nos Ministros os seus erros politicos, nem por isso deixa de ter na devida conta as suas boas qualidades como cavalheiros; pois quem louvou o valor de Vespasiano não deixou de abominar a sua avareza; quem accusou a incuria politica de Galba não deixou de applaudir a sua militar severidade.

Fallemos com franqueza ao povo e ao Hei: tal é a nossa missão, desempenhemo-l’a com patriotismo.

Lancemos um golpe de vista sobre a Europa, e reconheçamos que se a situação politica della não é por ventura a mesma que em 1848, porque as Monarchias mais se firmaram na sua base, e a revolução mais se desacreditou nos seus empenhos, é evidente, e os precatados assim o reconhecem e proclamam, que o fogo foi abafado, porém não extincto; o sabre foi o remedio heroico para não lavrar o incendio.

Decida, porém, o sabre das questões politicas de um ou outro paiz; o sabre jamais resolverá qualquer problema da intelligencia. A revolução do seculo XIX não se extinguiu, e ella reapparecerá cedo ou tarde, a menos que uma nova sciencia politica, creada nos Estados, senão traduza em uma vasta reforma.

Cumpre aos Governos o encaminhar com tal arte a publica opinião em ordem a poder dominar todos os seus movimentos, fazendo convergir todos os seus esforços para formar um são espirito publico.

Neste empenho assemelha-se o politico ao capitão do navio que, emprehendendo navegação para longiquo porto, soube com lai arte dominar a procella que cada onda o adiantava na derrota, a despeito da contrariedade do vento e da cólera do mar.

Se o piloto politico não procede desta arte no seu mister, se não sonda as correntes contrarias que entre si luctam não só á superficie, mas em certa profundidade, desgraçada sociedade a cujos destinos preside assim abandonada a todas as fluctuações do coração e a todas as incertezas da Intelligencia.

Sondai, direi eu aos politicos, os diversos movimentos da opinião durante as grandes épocas que a historia regista para ensino da humanidade; examinai as diversas luctas do espirito humano em busca da verdade, e aprendei no grande livro da historia do passado a preparar a ventura das nações no futuro.

Vede esses povos aonde a opinião estaciona, aonde o verdadeiro progresso não penetra, e conhecereis que o despotismo domina os seus destinos, e preside a sua marcha: tal era a condição dos povos do Egypto sob o regimen dos Pharaós, tal é a sorte dos chinas sob a administração do seu mandarinato.

Olhai para os govenros democraticos puros, aonde o movimento da opinião e perpetuo, o caracter nullo, e a dignidade não existe: taes foram os governos despóticos da antiguidade; taes foram e são essas republicas, das quaes Rousseau nos apresenta o typo e as revoluções modernas, o exemplo. Ahi ha movimento desregrado, e por isso jamais se chega a um fim, e chega-se por outras vias aos resultados da immobilidade.

O verdadeiro progresso consiste na feliz combinação da opinião que move, e da convicção que funda.

O despotismo dos Reis assemelha-se ao despotismo dos demagogos, pois que a Estatolatria proclamam a uns e outros; a Estatolatria produz a separação da sociedade do Estado, sendo depois a sociedade absorvida pelo Estado.

A Inglaterra, mestra dos Governos livres, tem sabido manter a sua autonomia, logrando escapar aos esforços dos Tudors e dos Stuarts para lha arrancar; assim como soube salvar a sua aristocracia politica das garras dos discipulos de Lock e dos espiritos fortos, cuja acção se enfraqueceu nella passando para o continente.

A Inglaterra conserva-se depositaria discreta do selfgovernement que lhe transmittiu a idade media.

Ella respeita o passado sem se escravisar a elle e sem lhe sacrificar o futuro.

Dissa eu que era necessario crear uma nova sciencia nos Estados: desenvolverei esta preposição.

Sr. Presidente, era um estudo que me deleitava sobremaneira o estudo da mecânica quando um sabio professor, que já não existe e que eu recordo sempre com saudade, me fazia conhecer as