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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 19

O sr. Conde de Linhares: - Disse que pedira a palavra porque tencionava mandar para a mesa uma emenda ao artigo 1.° do projecto, emenda que julga indispensavel por entender que a fazer-se justiça deve ella ser completa, e na realidade igualar a penalidade d'aquelle que apenas por omissão propria ou de seus tutores, omissão que muitas vezes será involuntaria, deixou de verificar em tempo opportuno se o seu nome estava ou não nos cadernos do recenseamento militar, com a penalidade justamente imposta ao refractario, não é seguramente fazer-se justiça inteira!

E com effeito, o parecer da commissão, assignado por v. exma., sr. presidente, não deixa duvida emquanto á differença que existe na falta commettida pelos primeiros e no delicto dos segundos, pois diz o seguinte (leu).

Observou em seguida o orador que se deprehende claramente do parecer, que não póde continuar por mais tempo similhante estado de cousas, pelo qual cidadãos innocentes de qualquer resistencia ás leis do paiz e apenas culpados por uma falta que póde nem ser propria, seriam castigados exorbitantemente com a perda dos seus direitos civis!

Isto era incrivel e intoleravel, nem teria pedido a palavra para defender este parecer, que certamente ia ser approvado pela camara, se não lhe parecesse que a boa logica exige, mesmo em vista do parecer da commissão, que a penalidade seja diversa para o cidadão que não póde apresentar certidão de recenseado e para o refractario que na realidade commetteu um delicto reconhecido por todos, e que, cousa singular, era mais bem tratado do que o primeiro!

Julga o orador que, para o cidadão não recenseado em tempo util, seria sufficiente e justo castigo pagar uma remissão, mas nunca igual ou correspondente ao tempo a que são obrigados a servir os refractarios, e portanto manda para a mesa uma emenda que elimina no artigo 1.° do projecto as seguintes palavras: "correspondente ao tempo de serviço a que são obrigados os refractarios", ficando estas: "paguem o preço de uma remissão."

Como o digno par conde de Cavalleiros vae atacar o projecto, julga mais conveniente reservar-se para fallar depois de s. exma., se por acaso ainda for necessario dizer alguma cousa, o que não é natural, visto acharem-se inscriptos outros oradores a favor do parecer.

O sr. Presidente: - Queira v. exma. mandar a sua emenda para a mesa, á fim de ser submettida á votação da camara.

Entretanto dou a palavra ao sr. conde de Cavalleiros.

O sr. Conde de Cavalleiros: - Não é um genio meticuloso, nem a minha antiga vehemencia em emittir a minha opinião, nem o arrojo com que eu invadia os fóros alheios que me levam hoje a levantar a voz n'esta casa para, tanto quanto permittem as minhas forças, resistir a este projecto de lei, que julgo prejudicial ao paiz. A minha doença não se coaduna com a vivacidade e agitações da tribuna, nem com as impressões fortes que aqui se recebem; e se eu tivesse menos respeito á minha consciencia e menos amor ao meu paiz, calava-me, votava silencioso, e nada mais faria, para bem da minha saude.

Mas, sr. presidente, se nem por sombras desejo embaraçar o governo na sua marcha administrativa, assim tambem, nem por sombras, quero sanccionar facto algum contrario ás minhas convicções, quer seja com o meu voto, quer seja com o meu silencio.

Sr. presidente, não ha lei boa e util que resista por muito tempo á guerra e aos empenhes com que a combatem aquelles que por ella são feridos. Eu sempre esperei que a lei do recrutamento, que acabava com o iniquo systema de recrutar a cordel, havia de ter grandes difficuldades em vigorar por muito tempo. Permitta-me a camara que lhe recorde o que deu origem a discutir-se esta lei.

O povo portuguez tinha horror, á farda, e tinha-o com rasão. Prendiam-se os homens a cordel em todas as idades, agarravam-se os mais miseraveis e infelizes, e depois de serem soldados, á menor falta pegavam d'elles e chibatavam nos, como os senhores de roca fazem no Brazil aos escravos, arrancavam-lhes a pelle, desvirtuavam-nos, e queriam que fossem valorosos na guerra, e pozessem dragonas depois de infamados!

Honro-me de ter provocado repetidas interpellações, para acabar com o barbaro castigo das varadas. Então (não sei se v. exma. se lembra), andando eu n'este empenho, e sendo o marechal Saldanha membro e presidente do ministerio, veiu s. exma. á camara para responder a uma interpellação minha sobre este objecto, e deu-me a sua palavra de honra que havia de acabar no exercito com um castigo tão infamante e tão desnecessario. Para mostrar a desnecessidade d'elle, basta dizer, que quando o soldado commettia um crime leve, era chibatado; mas quando o crime era grave, então respondia a conselho do guerra, do que resultava preferirem os soldados commetter um delicto grande, para responderem a conselho de guerra e não serem chibatados, o que lhes aconteceria se praticassem crime leve. Estão aqui militares que podem dar testemunho d'este facto.

O que succedeu como resultado de tudo isto, foi o vir á camara e discutir-se a proposta de lei de 27 de julho de 1855. Dois mezes levou a discutir essa proposta, foi debatido artigo por artigo, pensamento por pensamento, houve differentes alvitres, apresentaram-se varios systemas, e tudo teve resposta.

Por essa occasião, rendo justiça, como sempre, a um dos meus amigos mais antigos e mais respeitaveis, o sr. Moraes Carvalho. S. exma. levantou-se, quer dizer, levantou a sua voz contra um dos artigos d'esse projecto, era o artigo 34.° do projecto de lei, o qual tornava responsavel pelos refractarios aquelles que lhes dessem abrigo e esconderijo, ou qualquer protecção; então ouvi-lhe dizer, não sei se s. exma. se recorda d'isto...

O sr. Moraes Carvalho: - Perfeitamente.

O Orador: - Eu cito e apresento os seus argumentos em casos taes, porque os argumentos dos homens de boa fé e de toda a honra assim como de tanta intelligencia e saber como tem s. exma., devem-se conservar em memoria, para nos servir de auxiliar nas nossas argumentações. Disse então s. exma. "que não podia approvar que se fizesse apagar no coração dos portuguezes o mais bello dos sentimentos, a caridade, que os refractarios de certo não andariam a monte nem dormiriam ao tempo sem achar uma alma compassiva que os recolhesse, e que não havia vantagem alguma em encontrar tres ou quatro culpados, por beneficencia, por cada culpado refractario que se procurava".

Já se vê que s. exma., que assim pensava neste artigo, não deixaria passar outro (o 54.°) sem replica, se o julgasse igualmente mau. N'esse tempo estavam na camara dos deputados muitos dignos pares que hoje aqui estão, e o meu nobre amigo era um d'elles, e todos aceitaram este artigo, e então eu peço ao meu nobre, sincero e bondoso amigo o sr. Chancelleiros, que acredite que a sua opinião, tudo isso que diz ser filho do direito e da humanidade, não havia de escapar da intelligencia, da cabeça, da rasão e do coração de todos os mais que lá estavam; não escapou de certo, como não escapou agora de v. exma. Direi ao meu nobre amigo, que leia as sessões d'esses dois mezes, e verá que effectivamente não escapou; houve um espirito mais meticuloso que se levantou contra o artigo, foi o sr. Henriques Secco e outros, mas foram logo contrariados por varios deputados, um d'elles o sr. Antonio Rodrigues Sampaio, hoje ministro do reino.

Eu vou mostrar, até como que para servir de resposta ao sr. visconde de Chancelleiros, o que disse o sr. Sampaio. O sr. Sampaio levantou-se e disse isto que vou referir a v. exma. e á camara.

"Sr. presidente, este artigo (o 54.°) é justo, moral e necessario (apoiados)."