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40 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

1886? Quem fez o decreto? Quem o revogou? Circulo vicioso?! Onde?

Pois desde que a lei diz que a camara póde funccionar. póde dar-se o caso apresentado pelo sr. presidente do conselho, dizendo que os pares electivos não podem entrar na camara sem serem verificados os seus poderes? Pois se a carta constitucional diz que a camara não póde funccionar sem os pares electivos!

E de resto, é preciso que se saiba, que alguem disse aos srs. ministros que havia um modo de conciliar tudo, e era verificar os poderes dos pares eleitos, que não estão dependendo da approvação ou rejeição do decreto de que se trata, elles prestassem depois juramento, e a camara funccionasse. Já ahi estava então o elemento electivo, e então o circulo vicioso desapparecia. Porque não acceitaram os srs. ministros essa solução, que era conciliadora? N'esse caso havia outra solução que devia valer mais do que o capricho: era o bom senso.

Feitas estas considerações, que desejará muito ver contestadas com argumentos de igual força, para então confessar o seu erro, e que foram trazidas pelo que na ultima sessão disse o sr. presidente do conselho, o orador vae entrar na questão.

É incontestavel que os membros da camara são pares do reino, e que não podem funccionar sem o elemento electivo; não podem deliberar nem discutir; mas aqui haja uma contradição. Diz-se que a camara não póde funccionar sem o elemento electivo, e entretanto está funcciouando.

Os pares do reino podem exercer funcções legislativas, economicas, financeiras, de alta representação nacional, judiciaes. Em qualquer d'estes casos as suas attribuições não são as mesmas; umas vezes precisam do recurso da camara dos deputados, outras vezes da iniciativa do governo, outras vezes da iniciativa da outra camara; outras vezes ainda, deliberam definitivamente; outras vezes as suas deliberações dependem do concurso da outra camara e da sancção real; mas quando funccionam como tribunal de justiça, quando julgam, as suas funcções são definitivas.

Os seus direitos e obrigações, porém, são muito limitados; não são livres, são escravos da lei. Quando funccionam como juizes, as suas deliberações não dependem da approvação de ninguem, são supremas, mas podem ser erradas e injustas; para o não serem, é preciso que se conformem em tudo e sempre com a disposição estricta da lei. Entre as differentes funcções que á camara dos pares pertence, urna, e talvez a primeira, é a verificação dos poderes. Quando ella exerce essa funcção, é um tribunal, porque applica a lei a factos, porque substituo o supremo tribunal de justiça. A verificação de poderes da camara dos deputados em parte é feita pelo tribunal de justiça, ao passo que a camara dos pares é esse tribunal, não tem nem mais nem menos direitos do que os tribunaes de justiça. As suas deliberações podem merecer reparo, mas para que sejam obedecidas e acatadas, e necessario que se amoldem absolutamente ao preceito da lei. Verificando os poderes do par eleito, ao qual se refere o parecer em discussão, a camara dos pares tem na sua frente um processo judicial; examina esse processo, vê se elle está conforme á lei, examina se o eleitor é legitimo, se o eleito é competente, se tem capacidade elegivel para isso; precisa de comparal-o á lei. E, portanto, preciso ver qual a disposição da lei, e para o saber é preciso primeiro do que tudo saber-se qual é essa lei.

Ora, como se póde saber qual a lei applicavel ao caso? E a lei evidentemente de 1886.

A carta constitucional diz a fórma por que as leis são publicadas; diz que a lei que não é promulgada, nem sancionada, não é lei; que a sancção consiste nas palavras sacramentaes do poder moderador, que diz - consinto. A carta constitucional diz que a promulgação de uma lei consiste em mandar que todos os tribunaes a cumpram; que, todo o diploma que não tiver esta formalidade, não é authentico, não é lei, não tem a forca de obrigar, e que os cidadãos têem o direito de resistir.

Será isto ou não verdade?

Porventura, para se deixar de cumprir o preceito da lei de 1886, em harmonia com a carta constitucional, não seria necessario que a carta estivesse suspensa, e deixasse de ser a constituição do paiz?

A carta existe ou não? E lei ou não é lei? Em março ou abril havia carta constitucional n'este paiz? Estava suspensa?

Se estava, o orador submette-se; se não estava, submetta-se o governo.

Allega-se, porém, que não ha lei, mas ha um decreto. Esse decreto, porém, não tem promulgação, nem sancção. Ora, um decreto n'estas condições não é lei, não obriga. Haverá porventura alguem que o conteste?

O decreto é um acto puro e simplesmente do poder executivo; ora, pela carta, o poder executivo não tem a minima intervenção nas leis; póde usar da sua iniciativa para fazer propostas, mas nem sequer póde fazer projectos. Fazendo essas propostas, o poder executivo póde intervir na sua discussão, mas não na deliberação, nem na promulgação, nem na sancção.

Esse decreto tem portanto tanta authenticidade para obrigar os cidadãos a cumpril-o, como se fosse feito pela camara municipal de Freixo de Espada á Cinta, ou pela junta de parochia da mais insignificante aldeia de qualquer terra do paiz.

Esse decreto é apenas um acto abusivo, é uma usurpação, é um acto criminoso, incriminado no codigo penal a penas asperrimas, é uru acto que a legislação franceza qualifica de traição.

O acto official que a camara dos pares é convidada a praticar é filho de um crime; e um crime jamais póde constituir direito.

O orador não nega que esse direito póde ser lei, mas para isso é necessario que tenha a sancção constitucional das côrtes e a sancção do Rei.

Mas o que é que se pede?

Pede-se por acaso que os dignos pares eleitos sejam excluidos da camara? Ninguem o pede, nem podia pedil-o; isso seria um absurdo, e uma pretensão tão exagerada, que tocava as metas da loucura. O que se pede é que esse decreto seja primeiramente sanccionado pelo parlamento e pele Rei, e que depois sejam então verificados os poderes da pare? eleitos, em virtude d'esse decreto. Será isto exigencia? De certo que não, e o que é preciso e ser-se lógico e constitucional.

Supponha-se, por exemplo, que são verificados os poderes dos pares eleitos; que elles dão entrada na camara, e começam a funccionar, e que depois o decreto não é approvado.

O que acontece?

Saem esses pares já admittidos, ou não?

Se não saem, são pares illegitimos; se saem, eram pares provisorios, eram inconstitucionaes.

Ora, a carta não admitte isso.

Se não saem, são pares illegitimos, illegaes, são intrusos.

O dilemma procede pois, e n'elle não ha becco sem saida, nem circulo vicioso, ha logica e conclusão.

Ha porém mais, e muito peior.

Supponha-se, o que aliás não é provavel, que a camara dos senhores deputados decreta a accusação dos srs. ministros pelas faltas praticadas; não é provavel, mas é possivel, e constitucionalmente é admissivel: ora, tendo-se admittido na camara, segundo o decreto, os pares electivos, não ficavam estes sendo juizes suspeitos?

Deviam elles absolver-se a si proprios?

Vê-se, pois, que grande foi a precipitação do actual go-