SESSÃO DE 1 DE MAIO DE 1890 41
verno, quando levou á assignatura do chefe do poder executivo esse desgraçado e malfadado decreto.
Não previu estas consequencias, não meditou, não reflectiu, foi leviano.
A base principal da constituição está, por um lado, na eleição, e por outro na divisão dos poderes.
A divisão dos poderes diz a carta que é garantia da liberdade e da segurança dos cidadãos.
Quando desapparece essa divisão, desapparece a garantia.
N'este ponto, o orador, citando varios artigos da carta constitucional, le opiniões de varios escriptores, applicaveis ao caso, depois do que pergunta se acceita a carta como a lei fundamental do paiz, qual o capricho do actual governo em, sem necessidade, postergar essa lei.
Entende que só as leis feitas em côrtes é que devem ser cumpridas.
Poder-se-ha allegar tambem que estas suas reflexões referem-se a um decreto ordinario, e que o decreto de que se trata é extraordinario.
O orador, porém, não encontra differença entre decretos ordinarios e decretos extraordinarios, porque a carta falla de decretos regulamentares e não de outros.
Alem d'isso é evidente absurdo publicar um decreto extraordinario em circumstancias ordinarias.
As medidas extraordinarias são só para as circumstancias extraordinarias. Fóra d'isso é um contrasenso, um absurdo, um capricho. Alem d'isso, quaes eram ou quaes são as circumstancias extraordinarias em que se tem vivido desde janeiro até hoje? Alguem o disse? El-Rei não o disse, nem o governo; ergo, não existem.
Não comprehende que hajam circumstancias extraordinarias senão quando ha invasão do inimigo ou insurreição armada no paiz. Não consta que houvesse invasão, mas se a houve, o governo que o diga, e o orador submetter-se-ha, e louvando, pede até um triumpho para um novo Cesar.
Se não a houve, os srs. ministros delinquiram por capricho. Se s. exas. disserem que praticaram esse acto, porque estavam assoberbados com uma imminente revolução, ou contra as instituições, ou contra a sociedade, então procederam bem. Mas digam alguma cousa; e se não querem dizer, ao menos façam-o por acenos. (Riso.)
Em julho de 1830, o ministerio Polignac perdeu uma eleição, e sabe-se o que depois elle fez; o actual governo não perdeu as eleições, mas fez preventivamente o que fez Poliguac depois da eleição; este, porém, expiou a sua culpa em um castello, e o innocente Rei Carlos X, que então perdeu a corôa, foi para o exilio.
Depois de perdida a eleição, Polignac fez uma lei de imprensa e uma lei eleitoral; mas o actual governo foi mais leviano, e fez uma lei de imprensa, uma lei eleitoral, outra sobre associações, sobre direito de reunião, e sobre competencia dos tribunaes; o seu crime, pois, é mais momentoso do que o de Polignac.
Entre os dois ministerios, porém, ha um ponto de contacto.
O de Polignac dizia que podia fazer leis na ausencia das côrtes, e que emquanto as côrtes não as revogassem, ellas estavam em vigor; o ministerio actual diz exactamente a mesma cousa, mas contra isso reage a opinião sensata de todos os jurisconsultos e de todos os tribunaes.
Póde-se ainda allegar que estes decretos são de dictadura e como taes são obrigatorios; mas decretos de dictadura em um governo constitucional?!
Quem creou essa dictadura? Onde nasceu? D'onde veiu? Quem a legalisou?
As dictaduras têem muita força e imperio, quando são legaes ou legitimas.
O orador reconhece a dictadura que, segundo Tito Livio, fez submetter a plebe insurreccionada contra o privilegio dos nobres; reconhece a dictadura passageira dos generaes que repelliram a primeira invasão dos cartaginezes; reconhece todas essas dictaduras, que foram constituidas legalmente.
Comprehende e reconhece ainda a dictadura revolucionaria; acceita a famosa dictadura da convenção nacional, a do directorio, a do consulado, do imperio que engrandeceu a França; reconhece a dictadura com Cassagnac surgida das barricadas de París, para estabelecer o imperio da lei; reconhece a dictadura de Luiz Bonaparte, para estabelecer a ordem; a que o governo fez para expulsar de França os exercitos estrangeiros, a de mr. Thiers, a de 0'Donnell, a de D. Pedro IV, para decretar e restaurar a carta; e se lhe é licito comparar as cousas grandes ás pequenas, reconhece a dictadura de Passos Manuel, a do duque de Saldanha, para implantar o acto addicional. O que porém não reconhece nem comprehende é esta dictadura dos Polignac em miniatura.
Em seguida o orador, citando uma discussão havida na camara dos pares em 1881, sobre se certos decretos da dictadura de 1846 eram ou não lei, leu o que então se disse, e a opinião que s. exa. n'essa occasião expendeu.
Essas doutrinas que então professava, são as que ainda hoje professa.
Entende que o sr. presidente do conselho é victima de um grande erro, e malsina a memoria de Passos Manuel, de Leonel Tavares, Anselmo Braaracamp e outros patriarchas antigos do partido progressista, quando lhes attribue a opinião de que os decretos dictatoriaes vigoram, emquanto as côrtes não os revogarem.
Quando a dictadura é legal, os seus actos são legaes; quando ella é legitima, ainda que não vigore, os seus actos podem ser legitimes, e devem ser legalisados.
Se é preciso legalisar este acto, é antes de lhe dar execução, porquanto depois, a legalisação é um absurdo e um contrasenso.
Legali-se, pois, esse decreto, e dê-se-lhe depois a devida applicação. O systema do orador e dos outros membros da commissão de verificação de poderes é logico; o dos srs. ministros é illogico.
A camara resolverá entretanto como entender de justiça.
(O discurso do digno par será publicado na integra quando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)
O sr. Cau da Costa: - Sr. presidente, mando para a mesa dois pareceres da primeira commissão de verificação de poderes relativos ás eleições do sr. conselheiro Pinto de Magalhães pelo collegio districtal de Vizeu, e do sr. visconde de Castro Sola pelo collegio districtal de Braga.
Foram a imprimir.
O sr. Costa Lobo: - Sr. presidente, eu escutei, com a attenção que s. exa. merece, o discurso do digno par que acaba de sentar-se.
S. exa. nunca póde deixar de ser ouvido com grande proveito.
O que simplesmente notei foi que s. exa. não tivesse reservado esse discurso, com cujas idéas eu concordo em grande parte, para occasião mais opportuna.
E esta é tambem a observação que eu tomo a liberdade de fazer a respeito do digno par que abriu este debate, o sr. Thomás Ribeiro.
Eu concordo com quasi todas as rasões expendidas por um como pelo outro digno par, e nem podia deixar de ser assim.
Desde que eu tenho a honra de ter assento n'esta camara não se passou uma unica dictadura sem que eu me tivesse levantado n'esta camara, a combatel-a.
O digno par que acabou de fallar apresentou um sem numero de argumentos contra as dictaduras, que eu acceito todos.
Não é necessario recorrer a muitas auctoridades para impugnar aã dictaduras.
(Mostrando a carta constitucional.)