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SESSÃO N.° 5 DE 18 DE JANEIRO DE 1892 3

Leu-se na mesa o memorandum mandado para a mesa pelo sr. marquez de Vallada que e o seguinte:

Sendo urgente esclarecer completamente a questão dos desfalques e irregularidades da companhia real dos caminhos de ferro do norte o leste, não só para salvaguardar os interesses do estado, infelizmente estreitamente ligados com os d'aquella malfadada e pessimamente administrada companhia, com grande detrimento e escandalo publico:

Requeiro que seja enviado ao governo este memorandum, para que ordene ás auctoridades policiaes que procedam a minuciosa e conscienciosa investigação, a fim de se descobrir quaes são os responsaveis pelo desapparecimento de 5:000 contos de réis, approximadamente, dos cofres da mesma companhia, a respeito dos quaes se pediram explicações claras e terminantes ao cavalheiro que leu o relatorio em publica assembléa, o sr. Centeno, e que os não prestou com geral assombro, e tanto mais justificado por isso que o sr. Centeno era e foi o encarregado do respectivo relatorio.

É necessario desvendar este mysterio, que envolve escandalo ingente. Tambem requeiro que a policia seja encarregada de ouvir sobre este e outros pontos o dito sr. Centeno, bem como o sr. conde de Burnay, que accusou em publico um grande crime e falsificação relativamente á maneira por que se escripturaram as quantias da conta dos caminhos de ferro de Torres e Alfarellos com o excesso monstruoso de cerca de mil e tantos contos de réis, devendo portanto sobre todos estes pontos ser ouvida a administração e os cavalheiros mencionados. É urgentissimo este pedido que dirijo ao governo.

Camara dos pares, 18 de janeiro de 1892. = Marquez de Vallada.

O sr. Presidente: - Serão satisfeitos os desejos do digno par, o requerimento de s. exa. vae ser expedido.

Tem a palavra o sr. D. Luiz da Camara Leme.

Peço a attenção da camara.

O sr. camara Leme: - Sr. presidente, eu não seguirei o exemplo do digno par que acabou de fallar, supposto ter sempre muito gosto de o ouvir, pronunciando um grande discurso á camara, prque a occasião não é opportuna para isso; a minha orientação é outra. Serei synthetico quanto poder ser.

Sr. presidente, eu não represento parcialidade nenhuma politica; sou apenas uma sentinella perdida de uma grande causa, que é a da moralidade politica.

Folgo de ver sentados n'aquellas cadeiras antigos amigos meus de reconhecido talento, por quem eu tenho a maior estima e a maior consideração. Eu não vejo ali nem ministros nem amigos, e sómente verei os seus actos e o seu procedimento. Estão ali grandes intelligencias. D'estas não tenho eu medo como d'aquellas de que deu ha pouco tempo a sua opinião o celebre medico francez, mr. Charcot:

"O que me admira é que ainda alguns d'elles andem em liberdade (referindo-se aos homens de extraordinario talento). Um homem com o cerebro bem equilibrado nunca póde ser um homem de talento. Acabo de receber um bello volume inglez: A insanidade e o genio.É a demonstração completa da opinião que lhe exponho."

E o dr. Garnier, celebridade medica da Inglaterra:

"A grande fadiga intellectual origina desordens nos lo- bulos cerebraes. Não é bem a loucura, mas uma excitação nervosa bastante seria e de consequencias terriveis."

Ouvi com toda a attenção o programma do ministerio, pronunciado pelo sr. presidente do conselho, meu antigo amigo e de quem já tive a honra de ser collega. Conheço e admiro as altas faculdades de s. exa. e achei excellente esse programma, mas ha um ponto ao qual senti não ter ouvido referencia alguma no programma do novo governo.

A camara advinha já a que me refiro, é á minha malfadada questão das incompatibilidades politicas.

O governo vae encetar uma vida nova, sem costumes velhos? Seja bem vindo. Tem o meu fraco apoio.

Conjure-se a tempestade que póde vir impetuosa e com o seu sopro cadente queimar a parte que invadiu a sociedade politica portugueza e arrastar na sua marcha furiosa todo o entulho que obstrue todo o edificio social, privado de ar puro e de luz clara.

Não vem para isso? Então ha de desculpar que eu eleve a minha débil voz, pugnando pelos altos principios da moralidade politica.

Eu pergunto ao meu amigo o sr. presidente do conselho quaes são as opiniões de s. exa. ácerca da lei das incompatibilidades politicas, que está pendente d'esta camara.

Como a camara sabe, a iniciativa parlamentar é nulla, e se o governo não tomar sobre os seus hombros esta questão, muito para receiar é que ella não chegue a ter solução; não cessarei comtudo de instar por ella.

A minha voz, apesar de débil e fraca tem n'esta questão a vantagem de acordar echos de muita sympathia e cada vez mais geraes. E tanto assim, sr. presidente, que eu agora já me não contento só com uma lei de incompatibilidades politicas, peço alguma cousa mais; peço lei de res-ponsabilidades ministeriaes. V. exa. e a camara recordam-se de certo do que se passou numa das ultimas sessões da camara dos senhores deputados. Cousas assombrosas, que nunca se ouviram nem viram nos annaes parlamentares; um ministro, um collega do sr. presidente do conselho demissionario, era accusado de abuso de confiança!!! Esse ministro, o sr. Marianno de Carvalho, levantou-se para se defender patheticamente e declarou que effectivamente desviára do thesouro uma quantia consideravel para acudir aos embaraços da companhia dos caminhos de ferro portu-guezes, mas antes d'essa declaração de s. exa., já um jornal francez o Economiste, tinha feito allusão a esse facto.

Eis aqui os fructos monstruosos d'esse casamento hybrido e incestuoso, celebrado entre amigos irreconciliaveis.

Pergunto eu, sr. presidente: nas lei d'este paiz os ministros podem dispor dos dinheiros da nação, a seu bello prazer, aggravando extraordinariamente as suas circumstancias financeiras?

Pois este é que foi o resultado do elixir decantado que havia de salvar o paiz e que custou milhares de contos de reis?!! Este remedio foi fatal porque aggravou o mal do doente a ponto de o deixar á beira da sepultura.

Isto póde continuar assim?

Pois basta que depois de um facto d'esta ordem um ministro venha dali daquellas cadeiras dizer-nos: "a responsabilidade é minha!" Qual responsabilidade? Nenhuma! A responsabilidade consiste em bater com força no peito e n'aquillo que apontava um jornal satyrico que eu aqui li. Esta é que é a verdadeira responsabilidade. Não ha mais nenhuma!

Não quero alongar estas considerações, mas lembro ao sr. presidente do conselho que os governos que se não ocupam de questões desta ordem, refiro-me á lei das in-compatibilidades, cáem de inanição.

Creia o governo que ganhará grande força na opinião pu-blica conseguindo que nem os ministros nem os represen-tantes da nação possam exercer cumulativamente com o seu mandato cargos de directores de companhias de caminhos de ferro ou quaesquer que sejam.

Deixando por agora este assumpto, que tem sido a minha questão capital, vou referir-me a um outro que para mira é igualmente de grande importancia.

Refiro-me á questão do exercito.

Nós não podemos, sr. presidente, continuar a gastar perto de 6:000 contos de réis com um exercito para não termos exercito.

O exercito allemão, que é um exercito modelo, isto é uma simples comparação que eu agora faço, tem perto de