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N.° 3

SESSÃO PREPARATÓRIA EM 15 DE OUTUBRO DE 1894

Presidência do ex.mo sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios os dignos pares:

Conde de Lagoaça

Cypriano Jardim

SUMMARIO

Sessão preparatória. — Leitura e approvação da acta. — Os srs. Tavares de Pontes, conde do Juncai e Homem de Macedo, pares eleitos, tomam assento na camara.

Ordem do dia: são eleitos secretários os dignos pares conde d’Avila e Ferreira de Mesquita, e vice-secretarios os dignos pares conde de Lagoaça e Sousa Avides. — O sr. presidente declara estar constituida a mesa.

Sessão ordinaria. — Leitura e approvação da acta da ultima sessão ordinaria. — O digno par Augusto José da Cunha toma assento na camara. — O sr. presidente propõe um voto de sentimento na acta pelos dignos pares fallecidos no interregno parlamentar, o qual voto é approvado, associando-se a elle, por parte do governo, o sr. presidente do conselho de ministros. — É lida a correspondência. — Dirige-se o digno par José Baptista de Andrade ao sr. ministro da marinha a proposito de uma phrase do discurso da coroa. Responde o sr. ministro da marinha, que termina mandando para a mesa uma proposta de accumulação, a qual, depois de lida, é approvada. Usa largamente da palavra sobre a alludida phrase o digno par o sr. Camara Leme, que fecha o seu discurso enviando para a mesa uma moção, que é lida e admittida. — O digno par o sr. Julio de Vilhena manda uns documentos para a mesa. — Responde ao sr. Camara Leme o sr. presidente do conselho de ministros. — O digno par o sr. José Luciano de Castro, depois de apresentar á mesa documentos referentes a eleições de dignos pares, falia ácerca da supra referida phrase, acabando por fazer uma proposta de adiamento da discussão. E lida a proposta e admittida. Dá curtas explicações áquelle digno par o sr. presidente do conselho de ministros, que, bem como os srs. ministros da guerra e dos negocios estrangeiros, apresenta á mesa propostas de accumulação, que são lidas e approvadas. Toma novamente a palavra o sr. José Luciano de Castro sobre o mesmo assumpto. O digno par o sr. Serpa Pimentel manda para a mesa uma moção de ordem, que é lida e admittida. Contesta-a largamente o sr. José Luciano de Castro, ao qual começa a responder o sr. presidente do conselho de ministros. — O sr. presidente designa os membros da deputação que deverá ir ao paço notificar a constituição da mesa, e encerra a sessão.

Ás duas horas e trinta minutos da tarde, achando-se presentes 23 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Leu-se a acta da sessão precedente, que foi approvada sem reclamação.

Estiveram presentes o sr. presidente do conselho de ministros, e os srs. ministros da guerra, da marinha e das obras publicas.

O sr. Presidente: — Convido os dignos pares conde d’Avila e José Maria da Costa a introduzirem na sala, para prestar juramento, o digno par o sr. Tavares de Pontes.

Introduzido na sala prestou juramento e tomou assento.

O sr. Presidente: — Convido os dignos pares os srs. Alves de Sá e conde de Cabral a introduzirem na sala o sr. conde de Juncai, a fim de prestar juramento e tomar assento.

Introduzido na sala prestou juramento e tomou assento.

O sr. Presidente: — Convido os dignos pares os srs. conde de Carnide e Ferreira de Mesquita a introduzirem na sala o digno par o sr. Homem de Macedo, para prestar juramento e tomar assento.

Introduzido na sala prestou juramento e tomou assento.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: — Vamos entrar na ordem do dia.

Vae proceder-se á eleição dos dois secretários.

Convido os dignos pares a formularem as suas listas.

(Pausa.)

O sr. Presidente: — Vae proceder-se á chamada.

Fez-se a chamada.

O sr. Presidente: — Entraram na urna 31 listas.

Convido os dignos pares Sousa Avides e Alves de Sá a servirem de escrutinadores.

Procedeu-se ao escrutínio.

O sr. Presidente: — Ficaram eleitos os srs. conde d’Avila com 31 votos e Ferreira de Mesquita com 26 votos.

Vae proceder-se á eleição dos vice-secretarios.

Convido os dignos pares a formularem a suas listas.

(Pausa.)

O sr. Presidente: — Vae proceder-se á chamada.

Fez-se a chamada.

O sr. Presidente: — Entraram na urna 33 listas.

Convido os dignos pares os srs. visconde de Soares Franco e Homem de Macedo a servirem de escrutinadores.

Procedeu-se ao escrutínio.

O sr. Presidente: — Saíram eleitos os srs. conde de Lagoaça por 32 votos e Sousa Avides por 29.

Convido os dignos pares os srs. conde d’Avila e Ferreira de Mesquita a virem occupar os seus logares de secretários.

A mesa da camara dos dignos pares está constituída para a sessão do corrente anno.

Vae ler-se a acta da ultima sessão ordinaria de 1893.

Lida a acta, foi approvada sem discussão.

O sr. Baptista de Andrade: — Peço a palavra para um negocio urgente.

O sr. Camara Leme: — Peço a palavra para um negocio urgente.

O sr. Conde de Lagoaça: — Peço a palavra.

O sr. Presidente: — Antes de se ler o expediente, convido-os dignos pares os srs. Sá Brandão e Antonio Cândido a introduzirem na sala, para prestar juramento, o digno par o sr. Augusto José da Cunha.

Introduzido na sala, prestou juramento e tomou assento.

O sr. Presidente: — Antes de darmos começo aos nossos trabalhos, cumpre-me participar á camara que no jntervallo das sessões falleceram os dignos pares Pedro Augusto Correia da Silva, José de Mello Gouveia, José de Sande Magalhães Mexia Salema e conde das Alcáçovas, os quaes, no desempenho dos altos cargos que lhe foram confiados, prestaram valiosos e importantes serviços ao paiz, cumprindo honradamente o seu dever.

Creio que interpreto os sentimentos da camara fazendo exarar na acto um voto de profundo sentimento, dando-se d’elle conhecimento aos representantes dos finados.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): É para me associar, em nome do governo, ás palavras sentidas que v. ex.a acaba de proferir, ácerca dos merecimentos dos dignos pares que foram nossos collegas n’esta camara.

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16 DIÁRIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O sr. Presidente: — Parece-me não ser necessário consultar a camara a este respeito; por consequência vae lançar-se na acta um voto de profundo sentimento pela perda dos nossos collegas, dando-se d’elle conhecimento aos representantes dos finados.

Foi approvado por acclamação.

O sr. Presidente: — Agora vae ler-se o expediente.

Correspondencia

Officios communicando os fallecimentos dos dignos pares srs. conde das Alcaçovas, Pedro Correia da Silva, José de Sande Magalhães Mexia Salema e José de Mello Gouveia.

Officio do sr. ministro do reino, remettendo o exemplar do programma para a sessão real da abertura das cortes geraes ordinárias da nação portugueza.

Officio do sr. juiz de direito Lucio Augusto Xavier de Lima, enviando um processo relativo ao digno par Francisco Simões Margiochi, e que tem o numero de entrada 1:256/94.

O sr. Presidente: — O processo a que se refere o officio que acaba de ser lido será enviado á commissão de legislação, quando esta se constituir.

Continua a leitura da correspondência.

Officio do sr. presidente do conselho de ministros, participando que Sua Magestade houve por bem conceder a exoneração de ministros aos srs. Augusto Maria Fuschini e Bernardino Machado.

Officio do sr. ministro da fazenda, remettendo 150 exemplares da conta geral da administração financeira do estado, na gerencia do anno economico de 1890-1891 e respectivos annexos, e igual numero de exemplares do relatorio do tribunal de contas, relativo á gerencia de 1889-1890 e exercício de 1888 — 1889.

Officio do sr. ministro da fazenda, Augusto Maria Fuschini, remettendo os cinco autographos dos decretos das cortes geraes constantes da relação que os acompanha e em virtude dos quaes se passaram as respectivas cartas do lei.

Officio do sr. ministro da guerra, remettendo 90 exemplares das contas do ministério da guerra, relativas á gerencia de 1891-1892 e ao exercido de 1890-1891.

Officio do sr. ministro da marinha, remettendo 170 exemplares das contas da gerencia de 1890-1891 e exercício de 1889 — 1890.

Officio da mesma procedência, remettendo os autographos do decreto das cortes geraes de 14 de julho de 1893, que auctorisa o governo a abrir concurso, por meio de barcos a vapor, entre Lisboa, Madeira e Açores.

Outro da mesma procedência, remettendo o decreto das cortes geraes, reorganisando a instrucção primaria e secundaria na cidade de Macau.

Outro da mesma procedência, remettendo o autographo do decreto das cortes geraes relativo aos privilégios do banco nacional ultramarino.

Outro da mesma procedência, remettendo o autographo do decreto das cortes geraes, pelo qual foi fixada a força naval para o anno economico de 1893-1894.

Officio do sr. ministro da justiça, remettendo os autographos de cinco decretos das cortes geraes de 1 de julho do anno passado; um que cria um officio de tabellião de notas no concelho da Alfandega da Fé, outro que divide o concelho de Arganil em dois districtos de juiz de paz; outro que divide o concelho de Goes em dois districtos de juiz de paz, outro que divide a comarca de Odemira em quatro districtos de juiz de paz, e outro, finalmente, que divide a comarca de Odemira em seis districtos de juiz de paz.

Officio da mesma procedência, remettendo o autographo do decreto das cortes geraes de 21 de junho do anno passado, que estatue a liberdade condicional dos réus, que auctorisa o governo a promover a organisação de associações protectoras de condemnados e que lhe faculta a suspensão das sentenças condemnatorias proferidas sobre delictos a que correspondam penas correccionaes.

O sr. Conde d’A vila (Primeiro secretario): — Ha ainda sobre a mesa duas copias de reclamações que foram dirigidas ao governo pelos comités dos portadores da divida externa, de Londres e Amsterdam.

O sr. Presidente: — Serão remettidas á commissão de fazenda logo que esta commissão estiver constituida.

Não ha mais correspondência.

Estão inscriptos para um negocio urgente os dignos pares, os srs. José Baptista de Andrade e Camara Leme, e estão também inscriptos os dignos pares o sr. José Luciano de Castro e o sr. conde de Lagoaça.

Tem a palavra o sr. José Baptista de Andrade.

O sr. José Baptista de Andrade: — Sr. presidente, publicaram alguns jornaes que, no discurso da coroa, a corporação da armada havia sido desconsiderada.

Tendo eu a honra de ser o official mais antigo d’esta corporação, julgo do meu dever declarar solemnemente n’este logar, que não posso de forma alguma acreditar em similhante desconsideração, e tenho para isso muitas rasões.

Não fatigarei a camara expondo-as todas, mas direi unicamente que, se houvesse tal desconsideração, estou intimamente convencido de que Sua Magestade El-Rei seria o primeiro a oppor-se a ella.

Como a camara sabe, Sua Magestade tem muitas vezes dado provas da sua dedicação e sympathia pela marinha portugueza.

Direi mais, sr. presidente, que, sendo o actual sr. ministro da marinha um dos mais dignos e distinctos officiaes da armada (Apoiados), de certo s. ex.a não podia consentir em que tal facto se dêsse, pois que s. ex.a seria o primeiro desconsiderado.

N’estas circumstancias eu não posso crer do forma alguma na desconsideração a que os jornaes se têem referido, e só mudaria de pensar, se qualquer declaração, por parte do governo, me convencesse de que estou em erro.

(O digno par não revia.)

O sr. Ministro da Marinha (Neves Ferreira): — Sr. presidente, o pensamento que o digno par acaba de manifestar na apreciação do facto incriminado e relativo a uma desconsideração á armada real, é perfeitamente justo.

De certo que o governo não podia nunca ter intenção de desconsiderar a marinha nacional, e não a podia ter este governo nem outro qualquer.

Alem d’isso, sr. presidente, eu, que me honro de pertencer á marinha portugueza, não podia concordar em que no discurso da coroa, proferido por Sua Magestade El-Rei, que sempre considerou a marinha portugueza pelos seus serviços e dedicação á patria, viessem quaesquer palavras que fossem contrarias á dignidade e brios da corporação de que faço parte.

É isto o que me apraz declarar á camara, visto que a este respeito fui provocado por um dos officiaes de maior

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bravura da nossa marinha, pelo marinheiro mais dedicado, valente e leal que a armada portugueza possue. (Apoiados.)

Como estou com a palavra, permitta me v. ex.a que eu mande para a mesa uma proposta para que alguns dignos pares possam accumular, querendo, as funcções legislativas com as dos cargos que exercem no ministério da marinha.

O sr. Presidente: — Vae ler-se a proposta que o sr. ministro da marinha acaba de mandar para a mesa.

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do primeiro acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo pede á camara dos dignos pares permissão para que possam accumular, querendo, o exercício das suas funcções legislativas com as dos seus empregos ou commissões, os dignos pares: Cardeal patriarcha, bispo de Bethsaida, Antonio de Sousa e Silva Costa Lobo, Francisco Joaquim da Costa e Silva, Francisco Maria da Cunha, João Baptista de Andrade, visconde da Silva Carvalho, visconde de Soares Franco e José Maria da Costa.

Secretaria d’estado dos negocios da marinha. — Neves Ferreira.

Foi approvada.

O sr. José Baptista de Andrade: — É para agradecer ao sr. ministro da marinha as declarações que acaba de fazer.

O sr. O amara Leme: — Sr. presidente, fiel ao meu compromisso, aqui estou no meu posto, frente a frente com um adversário temivel e illustre, que combate com as armas poderosas da eloquência, emquanto eu com as invenciveis da justiça e da rasão.

Vejo ali só ministros, não vejo amigos. Como politicos desadoro-os, como sociaes aprecio-os.

Tudo isto é pura ficção.

Não vejo ali sentado o governo; nas cadeiras ministeriaes, vejo só os aviltadores da carta constitucional, no banco dos réus, e se esta câmara tiver a consciência do seu dever, como creio, o governo ha de ser fatalmente condemnado.

Que cousas assombrosas se não passaram n’este interregno parlamentar!

O governo, em regra, não foi correcto, foi beato e hypocrita.

Pregou a tolerância e perseguiu os humildes; traz na boca a liberdade e o despotismo no coração; prendeu os pequenos e soltou os grandes; proclamou os direitos do povo e usurpou-lhe a soberania; affirmou o respeito á lei e rasgou o codigo fundamental da nação; fez a apologia do suffragio e suspendeu as eleições; exaltou as excellencias do systema representativo e assassinou a liberdade, decretando a mais nefasta de todas as dictaduras.

As leis para elle são como as teias do aranha, que se rasgam á passagem de pedras; um mosquito fica agarrado a ellas como a ostra á rocha, como o governo ao poder.

Victor Hugo dizia d’estes politicos, no tempo do segundo império:

... violateurs de chartes,

Grées qui tiennent les lois comme ils tiendraient les cartes.

E já que fallo do grande poeta francez, fallarei tambem do immortal poeta das nossas glorias, cantado pelo mimoso poeta e distincto escriptor, já fallecido, Luiz Augusto Palmeirim, meu amigo dedicado e de muitos membros d’esta camara.

Dizia elle de Camões:

No peito coberto de aço Lhe batia um coração,

Que nem os cantos do Tasso Sonharam maior paixão

Era o amor da patria. Hoje os homens da moderna geração, que saltam dos bancos da universidade de Coimbra para as cadeiras do poder, em logar de couraças, têem o peito coberto de grã-cruzes; ao amor da patria prevalece outro amor, que eu deixo á consciência da camara qualificar, porque não desejo ferir a sua susceptibilidade.

Portugal chegou ao ultimo abatimento, a sua bandeira, outr’ora tão gloriosa, está de rastos; o seu thesouro exausto, o seu prestigio nullo, a sua dignidade profundamente perdida. Não temos exercito, nem marinha de guerra; no entretanto, nos últimos quinze annos em que os partidos se têem alternado no poder, temos despendido a enorme verba de mais de 112:000 contos de réis, alem das centenas que o sr. ministro da guerra tem esbanjado nos quinze mezes da sua infeliz e dictatorial gerencia.

Assombroso!

Com esse dinheiro gasto em centenas de generaes de mais, e em tanta cousa supérflua, poderiam organisar-se batalhões expedicionários que fossem para a Africa defender a nossa fronteira, tantas vezes ameaçada.

Opportunamente tratarei com desassombro, e á luz da imparcialidade, d’estes importantes assumptos.

As questões internacionaes surgem umas após outras e são tratadas desastrosamente.

Parece que estamos sob a influencia nefasta de um implacável jettatore.

Aproveitarei o ensejo para pedir ao governo explicações categóricas ácerca das noticias alarmantes que correm no publico a respeito de Lourenço Marques, que o governo, de que tive a honra de fazer parte, e por minha iniciativa, salvou das garras do arrogante leopardo inglez.

Se isto não é uma trica politico, oxalá que não seja mais uma espoliação.

Os interesses particulares são antepostos aos do estado.

A corrupção lavra fundo por toda a parte e por forma que eu tenho medo de ser corrompido! (Risos.)

Por agora só trato da questão palpitante, a affronta á marinha de guerra portugueza, que foi tão injustamente desconsiderada no discurso da corôa, onde o governo poz na boca do Rei palavras que elle não podia ter no coração, no sentido mais respeitoso e lisonjeiro da palavra.

É preciso quanto antes, como eu disse nas sessões passadas, riscar d’aquelle importante documento uma phrase tão mal cabida.

O governo preoccupou-se mais em substituir a legenda da armada portugueza que com o discurso da corôa.

Era melhor que a adoptasse para si, acrescentando-se mais esta phrase:

« Talant de bien faire à soi-même et à ses amis.»

Veja v. ex.a se o nobre ministro da marinha, por quem eu aliás tenho toda a consideração, se lembrou de consignar n’aquelle importante documento algumas phrases de consideração pelo centenário do Infante D. Henrique, o iniciador das nossas glorias marítimas, ou ácerca dos acontecimentos da Guiné e Timor.

Foi um esquecimento imperdoavel.

Não passa de uma comedia a resposta do sr. Neves Ferreira ao sr. Baptista de Andrade, um honrado e valente marinheiro, pois que essa resposta em nada altera as palavras affrontosas do discurso da corôa, que é preciso riscar d’ali.

Isto não é serio, isto não é grave.

Basta ler o artigo do jornal officioso do governo, attribuido ao sr. ministro dos estrangeiros, para concluir que elle preferiu a humilhação.

Incrível!!!

Eu vou ler á camara esse período. Ê na Tarde de 4 do corrente, e peço aos srs. tachygraphos que o transcrevam no meu discurso, assim como outros excerptos de jornaes estrangeiros:

«A referencia nem foi uma homenagem servil ao Brazil (então que foi?) nem uma pressão exercida sobre o tribu-

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nal que terá de julgar os officiaes submettidos a conselho de guerra. Foi apenas uma confirmação solemne da boa fé e da seriedade com que o governo portuguez procedeu repudiando responsabilidades resultantes do não cumprimento das suas mais expressas determinações. Foi por isso que o governo portuguez demittiu, processou e prendeu os officiaes; é por isso que elle desapprova claramente o seu proceder. O tribunal competente averiguará quaes são e até que ponto alcançam as responsabilidades incorridas por esses officiaes.»

La Justicia (hespanhola):

«A imprudência do governo suscitou protestos tão inesperados, que a opinião está inteiramente ao lado da instituição offendida. Surgem de toda a parte protestos e os resultados hão de ser fataes para o ministério, que tão inconsideradamente amesquinhou os eminentes serviços da marinha. Pode assegurar-se que esta, que é quem sustenta o pavilhão nas cinco partes do mundo, é a unica força viva de Portugal. É também por isso certamente que atacam tão inconvenientemente a corporação militar que encerra em seu seio os homens de idéas mais liberaes e os espiritos mais abertos ás nossas idéas.

«Creiam os nossos irmãos portuguezes que o feito nos indigna como se fossemos nós os aggravados, cousa que bem podem acreditar, attendendo á solidariedade e sympathia que nos une.»

El Liberal dá como rasão do insulto dirigido no discurso da coroa á marinha a mesma que apresentou a Tarde, isto é, que o em regra foi ali mettido como satisfação ao marechal Floriano e censura os commandantes da Mindello e Affonso de Albuquerque.

O Temps chegado hontem insiste em que o em regra foi mettido no discurso da coroa por exigencia do marechal Floriano.

Eis o que o Temps diz:

«O Rei de Portugal intercalou no discurso da coroa a phrase incriminada pelos officiaes de marinha no seu manifesto, porque, tendo havido os incidentes que motivaram a ruptura das relações entre Portugal e o Brazil, este ultimo estado exigiu que Portugal desapprovasse a conducta do commandante da corveta Mindello.

O governo, para ser logico e franco, devia mandar derrubara estatua do duque da Terceira, erigida no mesmo logar onde no dia 23 de julho de 1833 estava a forca que tirou a vida á ultima victima da liberdade. Fazer o mesmo á estatua do Rei soldado com a carta constitucional na mão, que é uma ironia pungente. Destruir a preciosa reliquia que está depositada na igreja da Lapa da heroica e invicta cidade, d’aquelle nobre coração que palpitou tão ardentemente pela liberdade do seu paiz; substituir a bandeira azul e branca de gloriosas tradições, ha pouco arriada em Kionga á intimação do uma nação poderosa, prevalecendo-se do direito da força contra a força do direito. O laço azul e branco pelo encarnado e azul. O hymno da carta pela canção popular do Rei chegou...

Houve, porém, uma cousa que o governo praticou com bom senso: aconselhar ao Rei que dispensasse as felicitações pelo juramento da carta constitucional. Realmente seria uma hypocrisia se porventura uma deputação d’esta camara fosse ao paço com esse fim.

Só se fosse para lhe lembrar o respeito pela sabia lei de Platão:

«Senhor. — Um rei que quer regenerar os costumes pervertidos do seu povo, não precisa de muito tempo nem de grandes esforços para o conseguir. Basta que trilhe a senda que deseja ver seguida pelos seus súbditos, castigando os seus crimes, premiando as suas virtudes.»

O sr. Castilho, que é um dos officiaes mais distinctos da armada, pertencente a uma familia que não praticou senão nobres acções, podia ter procedido menos correctamente, como o governo, no desempenho das suas funções; mas foi, com intuito nobre e generoso, sacrificar talvez a

sua posição social e arriscou a sua vida para salvar a de centenas de insurrectos que se foram abrigar debaixo da bandeira portugueza e que não mereceram a piedade do governo que sacrifica tudo á sua conservação n’aquellas cadeiras.

O governo precisava de uma victima para se salvar e não teve escrúpulos de sacrificar á sua ambição do poder centenas de vidas!!! A abnegação do sr. Castilho, é pois, digna de louvor. Oxalá que se possa justificar plenamente no conselho de guerra a que vae brevemente responder.

Este processo é monstruoso, como eu terei occasião de demonstrar á camara.

Até se sonegaram documentos. De um d’elles existe a prova authentica e consiste no seguinte, que é inqualificável. Eil-a:

«Ao caso contrario, não devemos recusar nos a entregar refugiados ao governo brazileiro para serem julgados nos tribunaes respectivos, como de direito.

Isto é mais que inaudito, é um crime de lesa humanidade.

O tratado de extradicção feito com o Brazil, salva os refugiados politicos, que parece que o governo não teve escrupulo de entregar aos furores do presidente da republica brazileira!!!.....................................

Nem um apoiado; não ao orador, mas ao assumpto. Este silencio póde significar nada ou exprimir muito.

Completaram-se quarenta e oito annos no dia 31 de julho ultimo que o Terreiro do Paço estava brilhantemente allumiado pelo facho fulgurante da liberdade.

Que differença na mesma noite d’esse anno!

A cidade estava ás escuras e deserta.

A magestosa praça parecia um cemiterio, onde surgiam os espectros indignados dos benemeritos de 1820 e 1823. O mais horrido era o do marquez de Sá da Bandeira, com o mappa esfarrapado da sua querida Africa oriental, na mão mirrada do braço esquerdo.

O direito tinha elle deixado no Alto da Bandeira, combatendo a favor do codigo fundamental da nação, calcado aos pés pelo actual governo. Espantoso.

Sr. presidente, a historia é fértil em advertências.

Por muito menos que fizeram os srs. ministros, faz no dia 6 do corrente quasi meio século que periclitou a coroa da Rainha Senhora D. Maria II, de saudosa memória. Foram precisas tres nações para lh’a sustentar na cabeça.

Eu tomei parte, com as armas na mão, n’essa lucta fratricida. Agora só com a palavra e com a penna: tão dormente está o paiz!

Tudo isto é profundamente triste e só prova a nossa decadência. A nação está inerte e sem crenças, não acredita em ninguém, mas póde acordar do lethargo que a prostra, n’um sopro candente, e, com a sua faria impetuosa, arrastar todo o entulho que obstrue o edificio social, privado de ar puro e de luz vivificadora.

Oxalá que não seja a realisação da prophecia terrível de Kropotkine.

Mando para a mesa a minha moção de ordem, e desde já peço a v. ex.a votação nominal sobre ella.

Leu-se na mesa a seguinte:

Moção

A camara dos dignos pares do reino, apreciando os relevantes e assignalados serviços do exercito e não menos os da marinha de guerra, á causa da ordem, da liberdade, das instituições e da integridade da patria, affirma mais uma vez a ambos estes elementos da força publica, a sua completa e absoluta confiança; e, reconhecendo-lhes no desempenho da nobre e elevada missão com que têem sabido manter em todos os tempos, constante e inalteravelmente, as suas gloriosas tradições, continua na ordem do dia.

Sala das sessões, em 13 de outubro de 1894. = O par do reino, D. Luiz da Camara Leme,

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SESSÃO N.º 5 DE 13 DE OUTUBRO DE 1894 19

O sr. Presidente: — Os dignos pares que admittem à discussão esta proposta;, tenham a bondade de se levantar.

Foi admittida.

O sr. Julio de Vilhena manda para a mesa, os documentos attinentes á eleição para digno par do sr. Jorge O'Neill.

Foram à respectiva commissão.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): — Sr. presidente, são antes os termos precisos ida moção do digno, par, sr, Camara Leme, que me levam a pedir, a: palavra do que propriamente as, largas apreciações que s. ex.a entendeu que devia, fazer: este momento...

Eu ouvi s. ex.a pedir a palavra: para um assumpto urgente, o habituado como estou ás praxes d’esta camara, imaginei que s. ex.ma restringir as suas observações a um ponto preciso e definido, e provocar quaesquer explicações por parte do governo..

Vi, porém, pelo contrario, que s. ex.a se alongava , em apreciações larguíssimas sobre todos os assumptos de que, só no decorrer d’esta sessão, será possivel tratar, desde as questões internas ás externas, desde a dictadura ao exercito, n’um complexo, n’um conjuncto tal que de certo não seria no pequeno espaço d’esta sessão que nós poderiamos tratar d’ellas, nem s. ex.a para accusar, nem eu para me defender; e conclui então que o que s. ex.a desejava, na. sessão de hoje era simplesmente formular o programma dos discursos que no decurso da sessão s. ex.a ha de fazer; e então reservava-me muito naturalmente para responder a esses discursos, á medida que elles fossem feitos.

Eu entendia que s. ex.a, como velho parlamentar que é, apoz quinze mezes de separação da camara, tivesse uma natural loquacidade que o levasse a expansões múltiplas sobre todos; os assumptos de administração, sobre todos os negocios públicos; mas a mim cumpre o dever de encarar serenamente as ponderações que se fazem ao governo, para serenamente responder também.

Responder a um programma, não, e a umas expansões ainda menos, porque s. ex.a póde tel-as, permitte-lh’o a sua idade, a sua. auctoridade e o seu logar n’esta camara; mas a mim, não, pois que forçosamente tenho que me circumscrever dentro d’aquillo a que mo obriga a minha posição e o meu dever.

É por isso que não posso ir tão longe nos ímpetos da eloquência, que aliás não tenho como s, ex.a; e não teria mesmo justificação aos olhos da camara, se eu fosse até ao ponto de arguir s. ex.a de beaterios que eu creio estão longe do seu espirito, ou de hypocrisias que se não coadunam com o seu elevado caracter.

Nós podemos ser accusados de tudo, mas somos francos em declarar que assumimos as responsabilidades que nos competem, c é por isso que não confundo mosquitos com ostras, nem teias de aranha com rochedos; tomo as. cousas como ellas são, e aquillo que me disserem, responderei como podér.

Pelos termos da moção do digno par eu vi que ella tinha um pensamento definido, que era exaltar a marinha a par do exercito. Estamos de accordo n’esse pensamento; concordo por inteiro e completo; e se era ao discurso da corôa que s. ex.a se referia, n’elle encontra, posto na bôca do augusto chefe do estado, que não menos do que o exercito é a marinha merecedora de iguaes desvelos, pela consideração que se deve a uma corporação que não só tem tradições das mais brilhantes, mas que se tem esforçado muitas vezes com poucos recursos, com grandes agruras e extremas difficuldades, por levantar bem alto a bandeira das nossas quinas, e sustentar quanto possivel o prestigio do nosso nome.

Eu comprehendo a pergunta que fez o digno par sr. Baptista. de Andrade. Era lá fóra o commandante geral da armada; era pela sua vida, publica toda de serviços e de sacrifícios, aquelle que tinha mais auctoridade para interrogar o governo n’um ponto, em que podesse haver duvidas e suspeitas, com a hombridade que é propria do seu caracter S. ex.a desejava illustrar-se singelamente ácerca do assumpto, e singelamente lhe respondeu o sr. ministro da marinha.

Pareceu-me que a questão n’esta parte estava esclarecida; tudo o mais era para a resposta ao discurso da corôa, tudo o mais tinha cabimento n’outro logar.

Se havia, alguma suspeita no espirito de algum membro d’esta. camara que fosse o reflexo de duvidas, comprehendia-se que logo no primeiro dia se esclarecessem essas duvidas; mas desde o momento que á pergunta chã, franca e honrada do digno par, o sr. Baptista de Andrade, feita com a auctoridade que lhe é propria, respondeu o governo não menos singelamente pela bôca de um dos seus membros, que é ao mesmo tempo official da armada portugueza, parece-me que nem mais duvidas, nem mais suspeitas póde haver.

Quanto ao pensamento da moção do digno par, eu concordo por inteiro, c não posso deixar de dizer que a armada portugueza tem prestado em occasiões difficeis, nas crises mais agudas, nas conjuncturas mais apertadas, grandes serviços com risco das proprias vidas, livrando muitas vezes o paiz dos embaraços e difficuldades em que se tem encontrado, como aconteceu na Guiné e em Timor, como sempre; nem é preciso citar Guiné e Timor. Quando se falia da corporação da armada em geral, nos seus feitos mais brilhantes, não póde haver senão uma voz, e essa voz está no coração de todos os portuguezes.

Repito, quanto ao pensamento da moção do digno par, eu estou perfeitamente de accordo, mas desejava que s. ex.a, quando quizesse discutir, discutisse no terreno proprio, c então formulasse as suas perguntas para o governo lhe responder; mas desde já fique s. ex.a sabendo que da parte do governo não podia haver o menor proposito de desconsiderar a corporação da armada, que é tão digna, como o exercito, de todos os nossos louvores.

(S. ex.a não reviu.)

O sr. Presidente: — Tem a palavra o digno par, o sr. José Luciano de Castro.

O sr. José Luciano de Castro: — Sr. presidente, pedi a palavra - a v. ex.a simplesmente na intenção de mandar para a mesa, antes da ordem do dia, os documentos que me foram enviados pelo sr. conde de Castello de Paiva relativos á sua eleição de par do reino, e pedir a v. ex.a que os mandasse á respectiva commissão.

Igualmente tenho a mandar para a mesa o diploma do digno par eleito, o sr. visconde de Melicio, e igualmente peço a v. ex.a o obséquio de lhe dar o destino conveniente.

Mas v. ex.a comprehende bem que, estando eu inscripto, e tendo-se levantado n’esta camara e n’esta sessão uma questão tão grave como aquella que foi tratada pelo meu illustre amigo o digno par, o sr. Camara Leme, e iniciar da pelo digno par o sr. Baptista de Andrade, v. ex.a comprehende bem que eu desejaria pedir algumas explicações mais ao governo, e fazer algumas observações sôbre a resposta, do sr. ministro da. marinha ao sr. Baptista de Andrade.

Mas antes d’isso, sr. presidente, permitta-me v. ex.a que eu. faça um reparo que submetto á consideração da camara e, é, que apenas o sr. Baptista de Andrade formulou a sua pergunta em termos rápidos e concisos, á qual o sr. ministro da marinha deu a sua resposta também em termos concisos e resumidos, terminando com um rasgado elogio aos merecimentos e serviços do digno par o sr. Baptista de Andrade, o illustre ministro da marinha, permitta-se-me que o diga, sem a consideração para com o digno par, nem para com esta camara, ou para com os dignos pares que tinham de fallar sobre este assumpto, ausentou-se immediatamente, deixando aos seus collegas o trabalho de

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20 DIÁRIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

responder a quem quizesse dirigir quaesquer perguntas ou fazer quaesquer observações ás palavras de s. ex.a Eu não sei como esta questão pode ser tratada na ausência de a. ex.a (Apoiados.)

E especialmente ao sr. ministro da marinha que eu tenho de me dirigir; é a resposta de s. ex.a que eu tenho de commentar; são as palavras de s. ex.a que eu tenho de analysar.

Como quer v. ex.a, sr. presidente, que eu o faça, não estando presente o nobre ministro da marinha?

Sr. presidente, eu não quero fazer política; no meu animo não entra o espirito de fazer politica só por amor da arte. A situação do paiz é bastante grave e seria, para me lembrar de questões a fim de impedir a marcha regular dos trabalhos parlamentares, ou crear quaesquer embaraços ao governo.

Não é este o meu intento. Mas confesso que não estou á vontade, tendo de me referir de certa forma ao sr. ministro da marinha na sua ausência.

Sr. presidente, não podendo, portanto, fazer as minhas observações, como desejava, se o illustre ministro não pode voltar hoje á camara, peço a v. ex.a para que este assumpto seja adiado para a próxima sessão, a fim de que s. ex.a esteja presente, pois que é principalmente a s. ex.a que tenho de me dirigir.

Eu não tenho intuito algum politico ou proposito de molestar o governo ou maioria.

Permitta-me, pois, v. ex.a que eu mande para a mesa uma proposta de adiamento, não digo para a próxima sessão, porque é a v. ex.a, sr. presidente, que compete dirigir os trabalhos da camara, mas para quando o sr. ministro possa comparecer.

Desejava também que v. ex.a me conceda a palavra para antes de ser encerrada a sessão para um negocio urgente.

Mando para a mesa a minha proposta.

(O digno par não reviu.)

O sr. Presidente: — Vae ler-se a proposta mandada para a mesa pelo digno par o sr. José Luciano de Castro.

Leu-se na mesa. É do teor seguinte:

Proposta

Proponho o adiamento d’esta discussão até que esteja presente o sr. ministro da marinha. = José Luciano de Castro.

O sr. Presidente: — Os dignos pares que admittem a proposta do digno par, têem a bondade se levantar.

Foi admittida e ficou em discussão.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): — Sr. presidente, o sr. ministro da marinha teve necessidade de se ausentar d’esta casa do parlamento, por motivos que a camara o todos facilmente comprehendem.

A camara sabe que vae partir na próxima segunda feira uma expedição militar para Lourenço Marques e por consequência não póde estranhar que o meu illustre collega da marinha, na vespera d’essa partida, quando tem ordens urgentes a dar, se ausentasse d’esta camara.

Podem s. ex.as crer que foi este o motivo por que s. ex.a se ausentou, tanto mais que s. ex.a respondeu immediatamente á pergunta que lhe dirigiu o sr. José Baptista de Andrade, c responderia a qualquer outro digno par se não tivesse que retirar-se; nem ainda tinha sido apresentada proposta alguma como a do digno par.

Todavia o digno par não encontra as bancadas ministeriaes desertas.

Encontra-me a mim, o presidente do conselho, que me declaro habilitado a responder a quaesquer perguntas do digno par, se s. ex.a quizer proseguir na discussão deste assumpto.

Aproveito a occasião do estar no goso da palavra para mandar para a mesa uma proposta, a fim de que a camara auctorise differentes membros d’ella a accumular, querendo, as suas funcções com as que exercem no ministério da fazenda.

(S. ex.a não reviu.)

Leu-se na mesa a seguinte proposta:

Proposta

Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do primeiro acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo pede á camara permissão para que possam accumular, querendo, o exercício das funcções legislativas com o dos seus empregos ou commissões os dignos pares: Antonio de Serpa Pimentel, presidente do tribunal de contas; Augusto Cesar Barjona de Freitas, vogal do mesmo tribunal; Thomás Antonio Ribeiro Ferreira, vogal do mesmo tribunal; Arthur Hintze Ribeiro, vogal supplente; Manuel Pinheiro Chagas, presidente da junta do credito publico; Alberto Antonio de Moraes Carvalho, vogal da mesma junta; Augusto José da Cuaha, director da casa da moeda e papel sellado; Thomás de Carvalho, presidente da commissão administrativa da loteria nacional; visconde de Asseca, sub-inspector dos tabacos; Augusto Cesar Ferreira de Mesquita, secretario do conselho superior do serviço technico aduaneiro; Antonio de Sousa Pinto de Magalhães, inspector aduaneiro.

Ministério dos negocios da fazenda, em 13 de outubro de 1894. = A. Rodolpho Hintze Ribeiro.

Foi approvada.

O sr. Ministro da Guerra (Pimentel Pinto): — Pedia a palavra para mandar para a mesa uma proposta idêntica á do sr. presidente do conselho, isto é, para que os dignos pares militares que exercem funcções no ministério da guerra, possam accumular essas funcções com as parlamentares.

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do primeiro acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo pede á camara dos dignos pares do reino permissão para que os seus membros abaixo mencionados accumulem, querendo, o exercício das funcções legislativas com o das suas commissões no ministério da guerra: Antonio José de Barros é Sá, juiz relator do tribunal superior de guerra e marinha; Carlos Augusto Palmeirim, coronel de artilheria, tenente governador da praça de Monsanto; conde do Bomfim, coronel do cavallaria, promotor de justiça no tribunal superior de guerra e marinha; conde de S. Januario, general de brigada, commandante do corpo do estado maior; Cypriano Pereira Jardim, tenente coronel de artilheria, membro do jury de exame dos candidatos a major; Francisco Maria da Cunha, general de brigada, commandante geral de artilheria; marquez de Fontes Pereira de Mello, capitão de engenheria, membro da commissão de fortificações.

Secretaria d’estado dos negocios da guerra, 9 de outubro de 1891. = Luiz Augusto Pimentel Pinto.

Foi approvada.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Carlos Lobo d’Avila): — Mando para a mesa uma proposta, para que o digno pare que exerce funcções no ministério dos negocios estrangeiros, possa accumular essas funcções com as de membro d’esta camara.

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, pede o go-

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SESSÃO N.º 5 DE 13 DE OUTUBRO DE 1894 21

verno á camara dos dignos pares do reino permissão para que o membro da mesma camara Eduardo Montufar Barreiros, secretario geral do ministério dos negocios estrangeiros accumule, querendo, o exercício do seu emprego com as funcções legislativas.

Secretaria d’estado dos negocios estrangeiros, em 13 de outubro de 1894. = Carlos Lobo d`Avila.

Foi approvada.

O sr. José Luciano de Castro: — Sr. presidente, eu não posso conformar-me com as explicações que me deu o sr. presidente do conselho, porque, na verdade, desde que declarei que tinha especialmente de me dirigir ao sr. ministro da marinha, e de me referir ás palavras que s. ex.a aqui proferiu; que tinha de exigir-lhe explicações pela attitude que s. ex.a tem tomado com referencia á nossa marinha, não posso nem devo prescindir da presença do illustre ministro.

V. ex.a comprehende bem que eu não hei de estar a discutir as palavras do illustre ministro na sua ausência, embora estejam presentes os seus collegas para o representarem, tratando-se de uma questão tão delicada a que s. ex.a deve assistir, não só como membro do governo, mas especialmente como membro da marinha.

Como posso eu, na sua ausência, apreciar desembaraçadamente as palavras do nobre ministro?

Entendo que nem o devo fazer.

Posso, sr. presidente, apreciar as palavras que proferiu o sr. Hintze Ribeiro, respondendo ao sr. Camara Leme, e as explicações que s. ex.a deu sobre o assumpto que se debate; posso ainda apreciar os elogios que s. ex.a fez á marinha, que estão em completa opposição com o que apresentou o sr. ministro da marinha.

O que eu não posso nem devo apreciar são as palavras que o sr. ministro da marinha proferiu, quando veiu dizer n’esta camara que nem elle nem o governo tiveram intenção de offender a marinha.

A apreciação d’estas palavras torna-se necessário fazei a na presença do sr. ministro.

Não, sr. presidente, esta questão não póde passar com uma simples troca de explicações entre o sr. Baptista de Andrade e o sr. ministro da marinha.

A nossa marinha de guerra tem direito a explicações mais claras e a que lhe dêem uma satisfação mais categórica do que aquella que imaginaram seria bastante para saldar a infeliz referencia do discurso da corôa, para que se não julgue lá fóra que no parlamento não havia ninguém que tomasse, em nome da marinha, estreitas contas da imprudência que se commetteu, escrevendo taes palavras.

Enganou-se s. ex.a se imaginava que á pergunta do sr. Baptista de Andrade se respondia só com as explicações vagas que lhe deu o sr. ministro da marinha.

Enganou-se s. ex.a se se embalou n’essa espectativa.

E depois, na resposta ao discurso da corôa ha outros factos extraordinários, especialmente da responsabilidade do sr. ministro da marinha, dos quaes também tenho de exigir-lhe estreitas contas.

Quer o sr. presidente do conselho que eu commetta a incoherencia de acceitar as explicações que s. ex.a deu, de que o sr. ministro da marinha saiu d’esta camara por exigências impreteriveis do serviço publico e falte aos deveres de cortezia e respeito para com o illustre ministro? Eu creio no que disse o sr. presidente do conselho; não duvido da verdade da allegação de s. ex.a; mas isso não é rasão bastante para que apresente as minhas considerações na ausência do sr. ministro da marinha.

Póde ser rasão para se adiar este debate, mas nunca para antecipar as reflexões que necessito de fazer, e que são bastante graves para poder desafogadamente dispensar a presença de s. ex.a.

A camara poderá rejeitar a proposta do adiamento;

eu, porém, declaro que não discuto na ausência do sr. ministro da marinha.

Se, porventura, a camara fechar este debate, eu o levantarei quando julgar conveniente e quando o sr. ministro estiver aqui, pois que não posso, não quero, nem devo discutir na ausência de s. ex.a tendo, como tenho, accusações a fazer-lhe.

Alem d’isto, desejo provocar explicações do governo sobre um outro negocio urgente, peio que já pedi a palavra para antes de se encerrar a sessão.

Não posso, portanto, deixar de insistir na minha proposta de adiamento; no emtanto a camara fará o que entender.

(O digno par não reviu.)

O sr. Presidente: — Tem a palavra sobre a ordem o sr. Antonio de Serpa.

O sr. Antonio de Serpa: — Sr. presidente, nós estamos a discutir, fóra de tempo e antes de tempo, a resposta ao discurso da corôa. (Apoiados.) Por isso, vou mandar para a mesa a seguinte moção.

(Leu.)

O sr. Presidente: — Vae ler-se a moção mandada para a mesa pelo digno par o sr. Serpa Pimentel.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Moção

A camara, satisfeita com as explicações do governo, presta homenagem ao exercito e á marinha, e passa á ordem do dia. = Antonio de Serpa.

O sr. Presidente: — Os dignos pares que admittem á discussão a moção que acaba do ler-se tenham a bondade de se levantar.

Foi admittida.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. conde de Lagoaça.

O sr. Conde de Lagoaça: — Eu pedi a palavra, mas não sobre este assumpto.

O sr. Presidente: — Tem então a palavra o sr: José Luciano.

O sr. José Luciano de Castro: — Sr. presidente, não se trata de discutir a resposta ao discurso da corôa; assa discussão tem o seu logar e cabimento na occasião propria.

O sr. Baptista de Andrade perguntou ao governo se em certa phrase inserida no discurso da corôa tinha havido intenção de offender a marinha. O sr. ministro da marinha respondeu que não tinha havido tal intenção e fez a apologia da armada. Seguiu-se o sr. Camara Leme, que fez, a respeito do mesmo assumpto, um discurso vigoroso, como costumam ser quasi todos os discursos de s. ex.a E, depois d’isso, admittiu v. ex.a que eu entrasse também na discussão. Não foi ella levantada por mim, mas pelo digno par, que não pertence á opposição, o sr. Baptista de Andrade. Se o sr. Serpa entende que esta discussão está deslocada, tem a queixar-se unicamente do sr. Baptista de Andrade e do sr. ministro da marinha. Pois queria s. ex.a que eu assistisse indifferente á pergunta do sr. Baptista de Andrade, á resposta do sr. ministro da marinha, ao discurso do sr. Camara Leme e á replica do sr. presidente do conselho, e não tivesse direito a fazer qualquer observação ou reparo?!

Esta questão não foi provocada por qualquer expediente de politica partidaria. Não foi levantada por mim, mas por um digno par que, na sua posição especial, entendeu que faltaria ao seu dever se não provocasse explicações categóricas por parte do governo. Essas explicações vieram, mas não me satisfizeram, nem nos podem satisfazer.

Preciso que o sr. ministro da marinha me dê explicações mais cabaes. Preciso de s. ex.a para lhe fazer algumas perguntas, e perguntas que exigem prompta resposta de s. ex.a Quem levantou esta questão? Fui eu, porven-

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tura? Deixam fazer a interpellação ao sr. Baptista de Andrade; deixam ao sr. Camara Leme fazer o seu energico e brilhante discurso, e agora que eu entro no debate, porque declaro que me não satisfazem as respostas dadas pelo sr. ministro da marinha e pelo sr. presidente do conselho áquelles dignos pares, agora é que o sr. Antonio de Serpa nos vem dizer que esta discussão está deslocada, que o seu logar é na resposta ao discurso da coroa, e, em consequência d’isso, manda para a mesa a sua moção!

Mas para que levantaram a questão? Unicamente para a abafarem agora?

Se a camara quer adiar a discussão para quando se elaborar a resposta ao discurso da coroa, está no seu direito, mas faz mal, porque, se julga assim abafar a questão, não a abafa.

O que me parece de toda a conveniência é que esta discussão seja adiada, por motivo da ausência do sr. ministro da marinha, para uma das próximas sessões em que s. ex.a se dignará vir á camara. N’esse sentido é que eu mandei para a mesa a minha proposta.

No caso, porém, que seja approvada a moção do sr. Antonio de Serpa, leader da maioria e chefe do partido regenerador, pelo menos chefe honorário, adiando-se a discussão para quando se trate da resposta ao discurso da coroa, eu acceitarei a resolução, mas lavo as mãos d’essa violência. Sim, d’essa violência, porque é uma violência obrigar-me a discutir as palavras do sr. ministro da marinha na ausência de s. ex.a Suppondo, portanto, que a camara approve a moção do sr. Serpa Pimentel, eu peço licença ao sr. presidente para, na ausência do illustre ministro, fazer as minhas observações.

Sr. presidente, disse o sr. presidente do conselho que não fora intenção do governo offender a marinha de guerra. Desejo saber qual foi, n’esse caso, a sua intenção. Necessariamente essas phrases hão de significar alguma cousa. O que é que significam?

Se o governo não teve intuito de molestar a marinha, desejo que me diga qual foi o seu proposito, escrevendo no discurso da coroa aquellas palavras?

Escreveu-as sem intenção, ao acaso, como quem lança no papel as primeiras palavras que occorrem? Não póde ser. Essa explicação não se póde admittir em estadistas de tão alto porte.

Qual foi, pois, a intenção do governo?

Eu já li na imprensa ministerial e na imprensa estrangeira que essas palavras foram escriptas no intuito de alliviar o governo de responsabilidades relativas ao conflicto brazileiro.

Mas, se assim é, para que foram escriptas aquellas phrases no discurso da coroa, que alludem ao procedimento da nossa marinha durante a revolução brazileira? Para alliviar o governo de responsabilidades, diz-se. De quaes responsabilidades?

Das responsabilidades políticas? É tarde. Consta de documentos officiaes que, quando o sr. conde de Paraty chegára ao Rio de Janeiro, desapprovou o procedimento do commandante da esquadrilha portugueza, e que o commandante pedira a demissão ao governo, que lh’a recusou.

Desde o momento em que o commandante da esquadrilha, o sr. Castilho, pediu ao governo portuguez a sua demissão, por se ver em conflicto com o nosso representante n’aquelle paiz, e desde que o governo lh’a recusou, é claro que o gabinete acceitou toda a responsabilidade do procedimento do mesmo commandante durante os graves acontecimentos que se deram no Brazil. Portanto, para o alliviar das responsabilidades políticas, é tarde.

E para as responsabilidades criminaes é muito cedo. Emquanto os tribunaes não pronunciarem o seu julgamento, o governo não póde, nem deve, ter opinião a tal respeito. E muito menos deveria inserir no discurso da coroa essas phrases, para serem proferidas pelo soberano.

E a proposito do soberano, permitta-me a camara que eu diga algumas palavras que me parecem necessárias.

É muito para estranhar que o governo pozesse na boca de El-Rei as palavras que vem no discurso da coroa a respeito das manobras e da situação do nosso exercito. Isso é uma censura ás administrações passadas. Como se as administrações transactas tivessem sido umas administrações desleixadas, comparando-as com a brilhante administração do sr. Pimentel Pinto!

Ainda hoje, sr. presidente, se invocou aqui o testemunho de El-Rei, dizendo-se que Sua Magestade era incapaz de proferir quaesquer palavras que podessem offender a nossa marinha de guerra. Sempre, da parte do governo, o mesmo systema de se collocar atrás da corôa, para se livrar da responsabilidade dos seus actos!

Que significa este proposito constante?!

O discurso da coroa é só da responsabilidade ministerial. Assim o considero e assim o deve considerar o parlamento. (Apoiados.) Para que vem, pois, a referencia ao testemunho pessoal de El-Rei, a respeito do brilhantismo das manobras do exercito, manobras sobre que temos muito que fallar?

A que vem a referencia por parte do sr. Baptista de Andrade ao testemunho pessoal de El-Rei?

O Rei está fóra das nossas discussões. (Apoiados.) Deve conservar-se superior ás contendas e luctas partidarias. Não póde ser invocado nem por nós, nem contra nós; nem a favor de uns, nem contra outros. E necessário que, de uma vez para sempre, assentemos em que a pessoa do Rei está fóra dos debates parlamentares, porque se póde invocar-se para lhe dirigir louvores, também poderia haver quem a invocasse para lhe fazer censuras. Portanto, é preciso que, para conveniência da causa publica, e no interesse do systema representativo, uns e outros demos o exemplo, não fallando na pessoa do Rei. Deixemol-o no seu logar, na esphera elevada onde a constituição o collocou. Deixemol-o onde está, onde deve estar. Não invoquemos a sua auctoridade, o seu testemunho ou as suas opiniões, a favor ou contra a marinha de guerra. Discutamos os actos do governo pelo que elles são e pelo que elles valem, mas não chamemos para a discussão a pessoa do Rei.

Perdoe-me o meu illustre amigo, o sr. Baptista de Andrade, estas palavras, que foram provocadas pelo sentimento de estranheza que me causou ver que, um amigo leal do soberano, um veterano das nossas luctas liberaes, um homem que, como eu, preze e respeite o systema representativo, cuja base essencial é a irresponsabilidade da corôa, viesse aqui invocar o testemunho pessoal de El-Rei para mostrar que o governo não podia no discurso do throno fazer referencias desagradáveis á marinha de guerra.

O que eu não posso deixar passar sem correctivo é a resposta do sr. ministro da marinha, quando declarou que El-Rei tinha pela marinha militar a consideração devida, e novamente fez referencia ao seu testemunho e á sua apreciação dos serviços por ella prestados em differentes epochas.

Protesto, sr. presidente, protesto contra essas referencias á corôa. E peço aos srs. ministros que, por interesse de nós todos, circumscrevam a discussão no terreno onde os princípios constitucionaes nos ordenam que a circumscrevâmos. No parlamento não temos senão que discutir os ministros e os seus actos, quaesquer que sejam as opiniões pessoaes do soberano, que todos respeitamos, mas de cuja auctoridade e opinião devemos prescindir, quando se trata de discutir responsabilidades ministeriaes.

Mas pergunto eu, sr. presidente: se o governo não teve intenção de offender a marinha, que fim levou em vista? Aquellas palavras devem ter alguma significação. Qual foi? Pretendeu o governo repudiar responsabilidades políticas do procedimento da marinha de guerra no Brazil, como parece deprehender-se do que dizem alguns jornaes? Foi

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tarde, repito, porque a responsabilidade dos srs. ministros está fatalmente vinculada aos seus actos e aos documentos officiaes publicados no Diário do governo.

Portanto, qual foi a intenção do governo ao escrever aquellas palavras? Foram ellas espontâneas? Ou impostas, em virtude de alguma negociação pendente?

Eu não quero crer que fossem impostas, porque isso seria uma humilhação affrontosa para o brio do paiz. Mas não o sendo, hão de ter alguma significação. Se por acaso algum official deixou de cumprir o seu dever, por esse facto não se deve lançar uma nodoa sobre uma classe inteira, tão digna, tão valente, como ha pouco acabou de dizer o proprio sr. presidente do conselho.

Se o governo só quer discutir esta questão na resposta ao discurso da coroa, faça-o, mas eu deixo aqui formuladas as minhas interrogações, os meus reparos. Que significação têem aquellas palavras? É o que desejo saber.

Eu estimava, torno a dizel-o, poder dirigir estas perguntas ao sr. ministro da marinha. Desejava que s. ex.a me dissesse como é que, vendo os seus collegas desconsiderados, se tem conservado no poder, sem lhes dar uma explicação cabal. E isto o que eu preciso ouvir da bôca do. sr. ministro da marinha, e não ao sr. presidente do conselho, que, apesar da sua muita auctoridade e competência, não tem, n’este assumpto, a mesma auctoridade que o seu collega da marinha, que, alem de ministro, é soldado, e deve por isso prezar, mais do que ninguém, os brios dos seus camaradas.

Ora, o sr. ministro da marinha, que eu quero crer, preza os brios da marinha militar, e que, ao mesmo tempo, deve consagrar todo o apoio e lealdade aos seus collegas no ministério, como é que concilia a sua affeição e os laços de boa camaradagem com as responsabilidades políticas do governo?

Eis o que eu não queria dizer agora, na ausência de s. ex.a Mas é a isso o que o sr. Antonio de Serpa me obriga, com a sua moção, em que declara a camara satisfeita com as declarações e explicações do governo, que nem as fez, nem as deu!

Mas ha mais, sr. presidente. Sabe-se, é publico e notorio, n’esta cidade todos o dizem, e a imprensa o repete, que a officialidade da marinha, revoltada com o procedimento do governo, indignada com aquellas phrases, tão injustas como imprudentes, formulou um protesto profusamente distribuído por todo o paiz.

A imprensa ministerial disse que, tendo o tal protesto sido publicado sem assignatura alguma, ia o governo averiguar quem tinha sido o malfeitor que se lembrára de escrever aquellas phrases eloquentes, em defeza da briosa corporação, e, até, que o sr. ministro do reino chegára a dar ordem aos seus beleguins e a pôr a postos a sua policia, para saber quem fora o desgraçado que tinha produzido aquelle escripto, a fim de o arrastar aos tribunaes, por elle ter sentido na alma os brios de militar, e ousar verberar a desconsideração que o governo fizera á sua classe!

Disse-se isso, affirmou-se, disseram-n’o mesmo os jornaes affeiçoados ao governo. Mas o que succedeu?

Ao passo que se dizia procurar-se saber qual o official indigno que tinha redigido aquelle manifesto, e que se atrevera a pugnar pela honra, brio e gloria da sua classe, foi publico e notorio que, não um, mas muitos officiaes de marinha, quando lhes perguntavam quem fizera o manifesto, respondiam immediatamente: — Fui eu!

Alem d’isso, sr. presidente, os mais lidos jornaes de Lisboa affirmaram que o manifesto estava assignado por 172 officiaes da armada.

Ora, isto é grave, muito grave, e por isso eu pergunto:

O que faz o governo, o que faz o sr. ministro da marinha?

Como é que elle comprehende o amor e o decoro da sua classe, dos seus camaradas, e como conjuga esse amor

e esse decoro com os deveres que lhe impõe a sua posição ministerial?

Isto é grave, repito. Revela que na nossa marinha de guerra ha o nobre brio de classe, que na occasião opportuna sabe correr todos os riscos e sujeitar-se a todas as responsabilidades para desaggravar a sua honra.

Esse manifesto, esse protesto, revela que aquella classe, que ainda ha pouco prestou tão relevantes serviços na Guiné, sacrificando vidas pela patria, ficou profundamente desgostosa com as expressões duvidosas do governo.

Mas, pergunto eu, especialmente, o que é que o sr. ministro da marinha intenta fazer n’esta collisão? E o sr. presidente do conselho diz que o sr. ministro da marinha se não pôde conservar aqui, para responder, em consequência de necessidades do serviço publico que o chamavam a dar ordens promptas para o embarque da expedição a Lourenço Marques; mas que elle, presidente do conselho, está habilitado para responder pelo seu collega. Essa indiscutível necessidade do serviço publico póde ser uma rasão para adiar o debate para outra sessão, mas não o é para que os collegas do sr. ministro da marinha tenham de responder por elle. Porque pelos seus brios de militar e de marinheiro ninguém melhor do que elle póde responder, só elle proprio deve responder.

Sr. presidente, sobre esse documento, que se sabe que está divulgado por todo o paiz, o que é que o governo cuida fazer? Não faz nada. E assim confessa então o seu erro?

Muito bem.

Mas o sr. ministro da marinha é que não está justificado. Ou a phrase foi intencional e os officiaes de marinha procederam bem, protestando contra ella, ou os officiaes de marinha procederam mal, e então é ainda o governo que procede mal, não lhes tomando contas d’esse protesto. O dilemma é este.

Eu, sr. presidente, não estou aqui soffrego, impaciente, procurando assaltar as cadeiras do poder, com o unico fim de arrancar as pastas aos srs. ministros. Melhor do que ninguém sabem os proprios srs. ministros que nenhuma impaciência tive e tenho tido n’esse sentido. Durante dez mezes auxiliei o governo na sua marcha, applanando-lhe difficuldades, não lhe levantando attritos, emquanto vi que elle se mantinha nos limites do programma que proclamou. Durante esse largo periodo fiz, não direi sacrifícios, mas tudo quanto podia e devia fazer, não por elles que nada merecem, mas sim por amor á causa publica que é dever de todos nós servir e respeitar.

Sabem s. ex.as com que interesse e abnegação, com que leal e sincera vontade, procurei aplanar-lhes o caminho do poder e afastar d’elle todos os riscos, todos os perigos e até as menores difficuldades. Não empregava essa abnegação e esse interesse por elles nem por ninguém pessoalmente. Fazia-o porque entendia que, nas circumstancias gravíssimas que atravessavamos, e que infelizmente se têem aggravado cada vez mais, era dever de todos nós, abrindo um parentheses nas luctas partidarias, concorrermos, com o accordo e com o esforço dos homens honestos, leaes e sinceros, que os ha em todos os partidos, para a resolução de todas as questões pendentes, quer de ordem interna, quer externa. E esta, a questão externa, se então era grave e nos impunha longas meditações e serias vigílias, antolha-se-nos hoje cheia de calamidades, que eu não ouso nem quero prever, fazendo apenas votos a Deus para que as afaste de nós.

Por tudo isto, disse e repito, não pensem os srs. ministros que eu aproveito ávidamente a occasião para lhes crear acintosamente difficuldades políticas ou para lhes arrancar as pastas que tanto ambicionam e que tanto amam.

Uma VOZ: — Está enganado.

O Orador: — Pelo menos é o que parece!

Creiam s. ex.as que eu estou n’este momento cumprin-

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24 DIÁRIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

do o que julgo uma imperiosa e indeclinável necessidade publica.

Fiz quanto me foi possivel no intento de apoiar a actual situação politica e fil-o lealmente. E dentro das minhas debeis forças, empreguei todos os meios ao meu alcance para desviar do seu caminho quaesquer tropeços, quaesquer embaraços, quaesquer difficuldades.

Como corresponderam, porém, os srs. ministros a esta attitude, não direi generosa, mas desinteressada e leal?

Decretaram a dissolução das côrtes, isto é, affrontaram o paiz e lançaram os partidos n’uma hostillidade manifesta!

Os resultados d’esta obra brilhante vae o paiz vendo quaes são.

Sr. presidente, eu desejava ainda fazer algumas considerações, mas sinceramente direi que desejo apresental-as quando esteja presente o sr. ministro da marinha.

V. ex.a vê que eu, para condescender com a camara e para attender os desejos do sr. Antonio de Serpa, que se limitavam a encerrar já esta discussão e resuscital-a no debate a respeito da resposta ao discurso do throno, é que tomei a palavra, porque a verdade é, e já o disse, nenhuma intenção tinha de entrar na questão estando ausente o sr. ministro da marinha, mas depois do que expendi, parece-me rasoavel que a camara, nem ella póde exigir mais de mira, consinta que eu reserve o resto das minhas considerações para quando esteja presente o titular da pasta a quem este assumpto especialmente incumbe.

Tinha ainda de fazer uma pergunta ao governo sobre um assumpto urgente, mas como faltam poucos minutos para dar a hora...

Vozes: — Já deu a hora.

V. ex.a fará então a fineza de me reservar a palavra para a sessão seguinte.

(S. ex.a não reviu.)

O sr. Presidente: — A hora está a dar e, portanto, fica v. ex.a com a palavra reservada para a próxima sessão.

O Orador: — Peço perdão a v. ex.a, mas eu já tinha annunciado que desejava usar da palavra antes de se encerrar a sessão para tratar de um negocio urgente.

O sr. Presidente: — Mas eu não quiz interromper o seu discurso.

O Orador: — Peço a v. ex.a que consulte a camara sôbre se consente que a sessão seja prorogada até que me seja permittido fazer uma pergunta sobre um negocio que julgo urgente.

O sr. Presidente: — Como a hora está muito adiantada, eu entendia que era talvez melhor v. ex.a ficar com a palavra para a próxima sessão.

Tem a palavra o sr. presidente do conselho.

O sr. José Luciano de Castro: — Queira, pois, v. ex.a reservar-me a palavra para a próxima sessão.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): — Como ainda não deu a hora, parece-me estar no uso legal da palavra.

Sr. presidente, se o digno par se tivesse abstido de formular as perguntas que formulou, eu não me levantaria

agora para lhe responder,: mas s. ex.a taes insinuações veiu fazer, que eu entendo estar no pleníssimo direito de responder ás suas accusações, tanto mais que s. ex.a disse ser este assumpto grave e urgente.

O sr. José Luciano: — Eu lembro a s. ex.a que não conclui o meu discurso; como a hora está adiantada, o sr. presidente reservou-me a palavra para a próxima sessão.

O Orador: — Eu não ouvi o sr. presidente da camara dizer que s. ex.a ficava com a palavra reservada; o meu desejo é que fique bem consignado, que o digno par não quer que eu falle.

Ora, eu estou prompto a responder clara e categoricamente ás ponderações de s. ex.a; o que não desejo é que o paiz fique quarenta e oito horas sob o peso das accusações do digno par.

Vozes: — Deu a hora.

(S. ex.a não reviu.)

O sr. José Luciano de Castro: — Peço a v. ex.a que consulte a camara sobre se permitte que eu falle de um negocio urgente.

O sr. Presidente: — A hora já deu e por isso eu não posso consultar a camara.

A commissão que ha de ir ao paço participar a Sua Magestade El-Rei a constituição da camara será composta dos srs.:

José Baptista de Andrade.

Francisco Simões Margiochi.

Conde do Juncai.

Antonio Augusto de Sousa e Silva.

Arthur Hintze Ribeiro.

José Monteiro Soares de Albergaria.

Conde d’Avila.

Igual participação será feita á camara dos senhores deputados.

A próxima sessão será segunda feira, e a ordem do dia eleição de commissões e a continuação d’este incidente.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes â sessão de 13 de outubro de 1894

Ex.mos srs.: Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa; Duque de Palmella; Marquez de Vallada; Condes, d’Avila, do Bomfim, de Cabral, de Carnide, de Gouveia, do Juncai, de Lagoaça, de Paraty, de Valbom; Visconde de Soares Franco; Sousa e Silva, Baptista de Sousa, Antonio Cândido, Sá Brandão, Homem de Macedo, Serpa Pimentel, Arthur Hintze Ribeiro, Cau da Costa, Ferreira de Mesquita, Ferreira Novaes, Augusto Cunha, Bernardino Machado, Palmeirim, Cypriano Jardim, Montufar Barreiros, Ernesto Hintze Ribeiro, Francisco Maria da Cunha, Margiochi, Barros Gomes, Alves de Sá, Holbeche, Gusmão, Gomes Lages, Baptista de Andrade, Ferraz de Pontes, José Luciano de Castro, José Maria da Costa, Soares de Albergaria, Julio de Vilhema, Camara Leme, Pessoa de Amorim, Sousa Avides, Rodrigo Pequito.

O redactor — F. Alves Pereira.

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