SESSÃO N.° 5 DE 24 DE JANEIRO DE 1896 39
Permitta-me s. exa. que lamento que na resposta ao discurso da corôa não se tivesse feito uma menção, não digo a Mousinho de Albuquerque, mas ao feito glorioso da prisão do Gungunhana.
S. exa. teve, porém, quem o advertisse, não eu, mas uma voz eloquente, um dos primeiros ornamentos do episcopado.
Todos ouviram a brilhante oração pronunciada pelo illustre arcebispo de Evora.
Pois s. exas. não ouviram o sr. arcebispo de Evora no templo de Belem?
S. exa. reverendissima, com a sua voz e com uma elevação de idéas, que nem todos podem ter, senão os privilegiados, fez o elogio d'aquelle benemerito, e em primeiro logar como o feito merece ser apreciado.
Parecia-me, sr. presidente, que não cabia mal que na resposta á falla do throno se fizesse menção do acto praticado por Mousinho de Albuquerque, visto ter sido posterior ao discurso pronunciado por El Rei.
Deus me livre de pensar que ha um proposito firme em fazer escurecer o acto praticado por aquelle bravo militar.
Eu não acredito em tal, porque homens como aquelles que se sentam n'aquellas cadeiras não se prestariam a um acto d'essa ordem.
Mas, sr. presidente, essa idéa tem entrado no animo de muita gente, e eu vejo que se escurece, quanto é possivel o acto praticado por aquelle bravo militar. Porque?
Não sei.
N'aquelle campo ha logar para todos, desde o official mais graduado até ao ultimo soldado. Cada um no seu logar foi um heroe, e entre heroes ha heroes, e eu não preciso nomeal-os porque toda a gente os conhece.
Sr. presidente não mando sobre este ponto moção alguma para a mesa, mas parece-me que o sr. relator da commissão não devia ter duvida em intercalar na resposta ao discurso da corôa uma referencia ao acto que coroou a campanha de Africa.
Toda a gente sabe que a prisão do Gungunhana tinha ficado adiada, e que se julgava indispensavel para affirmar o nosso dominio na costa oriental de Africa.
Todos nós conhecemos os telegrammas do sr. commissario regio, e sabemos qual a impressão de alegria que elles causaram no paiz, mas infelizmente a prisão não se realisou n'aquella occasião.
Estava esse feito reservado para o bravo Mousinho de Albuquerque. Hoje o seu feito é conhecido em todo o mundo.
O facto parece-me que não é tão insignificante que não podesse ser mencionado na resposta ao discurso da corôa.
Sr. presidente, antigamente era costume pedir desculpa á camara de lhe tomar algum tempo; agora, porém, que, para assim dizer, não está ninguem inscripto, para que a camara se não converta numa chancella, creio que estou fazendo um serviço tomando-lhe alguns minutos.
Diz a resposta ao discurso da corôa.
(Leu.)
Sobre estas medidas de caracter politico e administrativo permitta-me v. exa. um desabafo.
Sei que não é occasião opportuna de tratar d'estes assumptos, mas ha um caso que é palpitante e no qual eu indirectamente tenho, por herança, certa responsabilidade moral. Refiro-me ás medidas tomadas por esse tribunal de odiosa excepção que existe em Lisboa na travessa da Parreirinha, tribunal de prevenção e sobretudo de censura á imprensa.
Não venho aqui defender jornaes avançados, nem jornaes monarchicos, o que venho é tratar das decisões e do modo como procede esse tribunal.
Eu não conheço nada mais odioso, não conheço nada mais extraordinario do que foi a creação d'esse tribunal, verdadeira alçada que, diga-se aqui com todas as palavras e com todas as letras, foi creado unica e exclusivamente para combater um partido, mas, se ámanhã quizer combater outro, tem as mesmas armas.
Sr. presidente, eu entendo que todos os partidos mais ou menos avançados, emquanto estiverem dentro da lei, têem direito a existir, e ninguem póde combatel-os por meios illegaes.
Aquelle tribunal não é serio e eu vou dizer a rasão por que.
Ha tres ou quatro dias, foram sequestrados os numeros de dois jornaes O Paiz e a Vanguarda.
O artigo do jornal O Paiz, tinha por titulo ao despotismo do governo".
O sr. juiz Veiga, o presidente d'esse tribunal, chamou o redactor desse artigo e disse-lhe que não podia consentir que se designasse o artigo com a palavra "despotismo". Então o redactor declarou que substituiria a palavra por "cabralismo", ao que, parece, o sr. juiz Veiga accedeu.
Então, sr. presidente, o tribunal da Parreirinha arvora-se em diccionario de synonymos?! Pois isto admitte-se? Pois o governo consente que um delegado seu vá substituir a palavra "absolutismo por "cabralismo", no artigo de um jornal?!
Assim se insulta o nome de um estadista?
Oh! sr. presidente, não ha nada como o tempo para fazer justiça aos homens!
Eu bem sei que tanto na imprensa como no parlamento, quando se quer classificar alguma cousa de violenta, diz-se á cabralina. Mas, sr. presidente, vou dar á camara conhecimento de um artigo publicado por um homem que não só durante a vida, mas ainda depois do fallecimento do marquez de Thomar, se mostrou sempre seu adversario implacavel. D'esse homem fizeram a apologia muitos d'aquelles que se sentam n'esta casa e, por conseguinte, a sua opinião não póde ser suspeita para s. exas.
Quer v. exa. saber o que disse esse jornalista, decano do jornalismo portuguez, implacavel inimigo de Costa Cabral? Refiro-me ao proprietario do Conimbricense.
Mas primeiramente devo ponderar que não ha comparação entre o modo de proceder do actual governo e o procedimento dos governos de 1842, 1844, 1846 e 1847; e não a ha, porque é preciso que ponhamos as cousas no seu verdadeiro pé. N'essas epochas havia dois partidos que se combatiam, não com balas de papel; os generaes e deputados e pares íam ás casernas e arrastavam, para a rua os soldados; era a revolução com a força regular contra o poder constituido. Pergunto eu o que havia de fazer então o governo senão usar de energia, de violencia e oppor a força á força?
Sequestrou-se a Revolução de Setembro. O sr. Antonio de Serpa escrevia n'esse jornal, cujas idéas foram sempre das mais avançadas entre os jornaes avançados.
Sequestrou-se a Revolução de Setembro, mas porque? Foi pelos artigos violentos que publicava? Não. Pois eu poderia citar artigos ali publicados n'essa epocha, em que se atacava, não quero dizer o que, mas está na memoria de todos nós, tudo quanto ha de mais sagrado. Nem a honra da familia escapava. Entretanto o governo não sequestrava esse jornal pelo facto da sua linguagem violenta; era porque havia uma lei de imprensa que determinava que todos os jornaes deviam estar habilitados e aquelle não o estava.
E hoje como é que se procede em plena paz, n'uma epocha em que o governo não tem tido uma unica difficuldade comparavel ás que tiveram então os governos? Hoje tudo accordo, tudo arranjo!
O que é governar hoje, em vista da maneira por que se governava n'esse tempo, com a opposição sempre em lucta armada? Então, cinco ou seis homens, senão de mais valor, pelo menos igual aos de hoje, eram o sufficiente para incommodar o governo nas camaras, e quando não podiam