40 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
vencer pelo numero recorriam á força, á revolução. Quanto a mim, a opposição de agora commette um grande erro em se retrahir. Acato a sua resolução, mas se aqui viesse as cousas haviam de caminhar de outra fórma e as medidas da dictadura não passariam e a carta seria respeitada.
Mas, sr. presidente, continuando sobre o assumpto em questão, direi, sequestrava-se o jornal porque não estava devidamente habilitado.
Se o jornal se excedia lá estavam os tribunaes legaes com todas as garantias para a imprensa.
Que quer dizer o juiz da Parreirinha mandar sequestrar um jornal, como tem sido praticado?
Isto é uma violencia inaudita.
Isto não se fazia no tempo de D. Miguel.
Havia a censura, se o artigo não merecia a approvação não se imprimia, mas não se gastava dinheiro com a composição, como agora succedeu, para depois se lançar a mão ao jornal depois de impresso. Isto nem no tempo da alçada.
O apresentarem-se meia duzia de beleguins, seja em que jornal for, e procederem á sua apprehensão, é injusto, é iniquo.
É preciso attender ao principio de igualdade perante a lei, sejamos justos se queremos que nos façam justiça.
Não façamos dictaduras com o parlamento aberto.
Com que direito um delegado do governo, cheio de zêlo, vae sequestrar os jornaes? Com que direito?
Se hoje o faz com relação a jornaes republicanos, depois fal-o aos jornaes progressistas, como serviço do seu governo, se entender que para ser agradavel deve proceder d'aquella fórma.
Contra isto protesto.
Sr. presidente, ha um assumpto que me parece o governo se esqueceu de mencionar no discurso do corôa.
Toda a gente sabe que este documento é feito pelo governo e posto na boca de El-Rei, e é o reflexo do pensamento politico do mesmo governo.
No intervallo das sessões parlamentares passaram-se factos importantissimos que tiveram um grande alcance, e, direi mesmo, que deram até logar a troca de notas diplomaticas e crearam embaraços ao governo.
Porém, tudo isto desappareceu. Refiro-me aos festejos antoninos.
Então o governo subsidia estes festejos, vota-se aqui uma auctorisação para emissão de estampilhas commemorativas, ha um congresso, toda a gente sabe o que se passou n'elle e os debates que n'elle houveram, e o governo passa por cima de tudo isto?!
Quando saíram do thesouro sommas importantes, como as que foram necessarias para acudir ás despezas d'este centenario, parece-me que não era deslocado que no discurso da corôa se inserisse alguma cousa a este respeito e se prestassem contas.
Faz-se um centenario, mandam-se annuncios-estampilhas para toda a parte, fazem-se arranjos com as companhias de caminhos de ferro estrangeiros para trazerem forasteiros a Lisboa (que felizmente não vieram), e, sr. presidente, podia adiantar muito mais ainda sobre este assumpto, mas é prudente, nesta casa, não fazer menção de muitas cousas e de muitos boatos que me parece não eram completamente destituidos de fundamento.
Ha um, sr. presidente, sobre todos, que não posso deixar de trazer a lume, por ter feito uma grande impressão no paiz. Foi a caçada aos membros do clero, a ponto de serem perseguidos nas das de Lisboa pessoas que pareciam padres, porque não usavam barba. Esses caçadores desappareceram como fumo.
Pois se procurassem bem, estou convencido de que achavam a chave do enygma, e que não era a população honesta de Lisboa que assim procedia. Talvez na travessa da Parreirinha podessem dizer alguma cousa sobre os papeis anarchistas da occasião.
Todos sabem que em todos os partidos ha quem represente uns certos papeis mediante uma certa remuneração. Pois procurem bem.
Sr. presidente, eu não quero tomar por mais tempo a attenção da camara, tanto mais que a resposta ao discurso da corôa costuma ser um comprimento ao chefe do estado; mas depois da dictadura exercida em tão larga escala pelo governo, e depois de modificada a carta e a constituição d'esta camara, tudo feito em dictadura, não podia deixar de tomar a palavra n'esta occasião para lavrar o meu protesto.
Tenho dito.
O sr. Presidente: - Vae ler-se a moção mandada para a mesa pelo digno par o sr. conde de Thomar.
Leu-se na mesa, foi admittida á discussão e é do teor seguinte:
Moção
A camara dos pares dirige a Vossa Magestade sinceras felicitações pelo seu feliz regresso ao reino, e presta as suas homenagens ao zêlo e solicitude com que Sua Magestade a Rainha a Senhora D. Amelia desempenhou as funcções da regencia do reino, que assumiu durante a ausencia de Vossa Magestade.
Sala das sessões, 24 de janeiro de 1896. = O par do reino, Conde de Thomar.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Poucas palavras ía proferir em resposta ao digno par; faltaria, porém, a um dever de deferencia, se absolutamente deixasse de referir-se ás considerações que o sr. conde de Thomar julgara opportuno adduzir. Folgava de ter ouvido ao digno par a declaração de que s. exa. se achava ali na Acamara por entender que a constituição lhe garantia esse logar: de facto era ali, dentro d'aquella casa do parlamento, que o digno par exercia as suas funcções. Congratulava-se por esse facto, mas por outro lado, tambem se abstinha de fazer censura a quem quer que fosse que estivesse ausente da camara.
Apoz uma nota alegre, a nota triste; o digno par a breve trecho declarára que retirava o seu apoio ao governo. E porque? Porque o governo deixara de ser car-tista. Se ser cartista era querer o bom funccionamento das instituições politicas compendiadas na constituição do reino, tal havia sido sempre o pensamento do governo. Se se promulgaram medidas dictatoriaes de diversa natureza, a isso se vira compellido, em face das circumstancias extraordinarias e de acontecimentos anormaes que todos sabiam.
Introduzindo reformas importantes, o governo entendeu proceder a bem do paiz e da propria constituição; não podia deixar de o fazer, desde que tivesse a comprehensão dos seus deveres.
Porque o digno par era conservador, não podia acompanhar o governo? Eram acaso tão rasgadamente revolucionarias, ou antes subversivas as providencias tomadas pelo governo? Pelo contrario. Era preciso que o parlamento funccionasse, mas a bem do paiz; era preciso que o respeito pelas leis fosse absoluto e todos os poderes se respeitassem.
Quando chegasse a discussão das medidas especiaes que foram decretadas, esperava ter então o orador ensejo de convencer o digno par de que o governo apenas soube cumprir o seu dever.
O orador não punha duvida em votar a moção do digno par, porque n'ella nada havia alem do que estava escripto no projecto de resposta ao discurso da corôa; era uma felicitação pelo regresso de El-Rei e um testemunho de reconhecimento pelos altissimos serviços da Rainha Regente, cujo criterio firme e seguro, cujas distinctas qualidades não podiam merecer senão palavras de louvor.
A viagem de El-Rei ao estrangeiro, a que o digno par se referira, tinha sido de um largo e indiscutivel alcance;