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48 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Sr. presidente, que tristeza!

Ninguem! Ninguem n'este campo deserto de contendo rés da palavra! Nem a sentinella vigilante do illustre par tido progressista está aqui!

Apenas, sr. presidente, tres ou quatro sentinellas perdidas, sendo eu a mais humilde, para luctar com a cohorte disciplinada, á frente da qual está o sr. presidente do conselho!

(Entrou na sala o sr. ministro da guerra.)

A ausencia do unico partido constituido que ha no paiz póde ter sido um erro e creio mesmo que o foi.

O que ninguem póde negar é que essa ausencia tem uma alta significação politica.

Chegou a occasião, sr. presidente, de eu explicar com franqueza de soldado a minha ausencia d'esta camara na sessão legislativa passada.

Infelizmente, não pertenço a partido nenhum, estou só e sou chefe de mim mesmo.

Sr. presidente, eu comprehendia a abstenção, mas a abstenção como a de 1846 com todas as suas consequencias. Essa abstenção, como v. exa. e a camara sabem, foi tão medonha que até a corôa da senhora D. Maria II es teve periclitante; nem mesmo a espada gloriosa do marechal Saldanha a poude suster na cabeça, sendo preciso que tres nações poderosas a sustivessem.

Comprehendia-se a abstenção, como todos os homens politicos a entendem, com as suas fataes consequencias.

Eu não tenho senão que lamentar o facto.

Sr. presidente, eu tive uma larga conferencia com meu chorado amigo e muito illustre parlamentar conde do Casal Ribeiro - digo-o sem offensa dos outros dignos pares, - e a final concordou commigo em que esses eram o verdadeiros principios.

Mas o que podemos nós fazer, dizia elle, numa epocha de egoismos, em que ninguem trata dos interesses sagrados do estado, mas dos seus proprios! Elle, que já estava velho, não queria sanccionar com a sua presença actos que reprovava; por isso não vinha á camara e disse-me que fizesse o mesmo. Comprometti-me a isso na ultima sessão legislativa.

Infelizmente, Casal Ribeiro morreu, o que todos nós lamentamos e a tribuna portugueza está de luto.

A proposito d'este facto, lembro-me até do que uma vez eu disse, permitta-me v. exa. que narre agora, que, diante da situação da camara, o governo podia vencer pelo numero, mas havia de cair fatalmente perante a discussão parlamentar.

Ha, porém, sr. presidente, alguem que sobreleva aos srs. ministros e a todos nós.

Acolá, por cima d'aquella porta, está a effigie de marmore do Rei soldado, que outorgou a carta constitucional que os srs. ministros actuaes rasgaram e calcaram aos pés.

Tenho presente, mas não leio á camara, para a não enfadar, e porque não desejo que os srs. ministros se sumam espavoridos pelo chão abaixo, o manifesto de D. Pedro IV, a bordo da fragata D. Maria II, com data de 2 de fevereiro de 1832, e a sua proclamação, de 5 de março do mesmo anno, em que elle dizia: "Só as côrtes geraes têem o direito de fazer leis".

(Interrupção do sr. conde de Lagoaça, lembrando que o orador já por vezes se referira a esse manifesto n'aquella casa.)

Sei isso perfeitamente, mas quero relembral-o, porque estes grandes principios devem sempre ser sustentados no parlamento.

Na sua proclamação, D. Pedro IV dizia á sua querida filha, educada nos sãos principios constitucionaes, que ella e seus subditos deviam sempre respeitar o pacto fundamental da nação.

Q que tem, porém, acontecido?

É o que escuso de relembrar á camara e ao paiz, porque sabem-o melhor do que eu.

Mais abaixo, n'aquelle plano inferior estão, sr. presidente, dois bustos que eram os apostolos da liberdade: o duque de Palmella e o marechal Saldanha.

A camara, por iniciativa minha, approvou em tempos um projecto para se lhes erigir um monumento: projecto que comprehendia tambem o duque de Palmella, porque se o marechal Saldanha representava a espada, o duque de Palmella representava a penna, e foram elles os que mais concorreram para implantar o regimen liberal em Portugal.

Pois apesar da camara ter votado por unanimidade este projecto, depois de um eloquente discurso do seu presidente, que era então o sr. João Chrysostomo, o governo poz-lhe o veto e até hoje ainda não se pagou essa divida sagrada e nacional! Se se tratasse de algum syndicateiro, talvez elle já tivesse sido levantado.

A camara desculpa-me de certo o calor com que fallo; estou tão impressionado que, apesar de fazer um esforço sobre mim, muitas vezes a discussão me leva a uma linguagem tal.

N'outras circumstancias, em qualquer outra occasião, seria muito mais moderado.

Sr. presidente, não são só esses bustos a que acabei de me referir; está ali um outro, o de Fontes Pereira de Mello, de quem o digno par o sr. conde de Lagoaça fez ha pouco o elogio, a que me associo.

Fez hontem dez annos que elle falleceu!

Pois, sr. presidente, ninguem lamenta mais essa perda do que eu, mas sabe v. exa. o que aconteceu: os factos assim o têem demonstrado.

Com a morte de Fontes morreu o partido regenerador, e aqui tem v. exa. a rasão por que não estou n'esse partido. Já não é a regeneração, é a degeneração!

Eu tive por chefes o marechal Saldanha, Joaquim Antonio de Aguiar, que se resuscitasse tornaria a morrer de vergonha, depois Fontes Pereira de Mello, succedendo-lhe o digno par e meu amigo o sr. Antonio de Serpa que está na disponibilidade, o que muito sinto.

Mas antes de proseguir, desejo fazer uma declaração previa, porque gosto de prestar homenagem mesmo á minha consciencia.

Sr. presidente, na minha argumentação não viso senão os ministros.

S. exas. são muito boas pessoas; como particulares são-o de certo, mas hão de permittir que lhes diga que, como representantes do poder executivo, os desadoro.

Tenho sympathia por quasi todos os srs. ministros, por exemplo, pelo sr. ministro do reino; aprecio o seu caracter; s. exa. tem erros e tem perfeições, como todos nós temos; eu já aqui o referi, e tenho agora muito prazer em o declarar novamente, visto s. exa. estar presente: tem s. exa. uma qualidade muito do meu gosto: não é breareu.

S. exa. tem, porém, gravissimas responsabilidades politicas: estas são as imperfeições da realidade, como dizia o grande tribuno Emilio Castellar.

Não quero cansar a attenção da camara, hei de me alongar um pouco, ainda que tenho de resumir muito as considerações que hei de apresentar á consideração da camara, porque se fosse demonstrar todos os erros dos srs. ministros, as suas illegalidades, os seus crimes politicos até, estaria aqui a fallar muitas sessões, e seria ainda pouco.

O meu discurso, se assim se póde qualificar, tem de obedecer a uma synthese. Depois de fazer neste campo esta declaração ninguem tem o direito de estranhar que eu me alargue em considerações que poderão não agradar aos srs. ministros, mas representam o protesto da minha consciencia contra a marcha administrativa e funesta do actual gabinete, marcha que nos levará fatalmente á ruina completa.

Eu vou, sr. presidente) entrar na discussão, reconhe