O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 43

N.º 5

SESSÃO DE 23 DE JANEIRO DE 1897

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os dignos pares

Jeronymo da Cunha Pimentel
Visconde de Athouguia

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Expediente. - Tem segunda leitura, é admittida e enviada ás commissões de administração publica e obras publicas uma proposta apresentada na sessão antecedente pelo digno par Thomaz Ribeiro. - Os dignos pares Antonio de Serpa e conde da Azarujinha mandam para a mesa pareceres da commissão de fazenda. Vão a imprimir. - O digno par sr. bispo conde de Coimbra manda para a mesa um projecto de lei. Ficou para segunda leitura. - O digno par Sequeira Pinto participa que o digno par Sá Brandão não comparece á sessão de hoje por motivo justificado. - O digno par conde de Lagoaça dirige perguntas aos srs. ministros da marinha e reino, e conclue mandando para a mesa um requerimento. E mandado expedir. - O sr. presidente explica que designará dia para se realisar a interpellação do digno par conde de Lagoaça ao sr. ministro da marinha, quando este membro do governo se declare habilitado a isso. - O sr. ministro do reino responde ao digno par conde de Lagoaça.

Ordem do dia. - Discussão da resposta ao discurso da corôa. - O digno par D. Luiz da Camara Leme apresenta e justifica uma moção. É interrompido nas suas considerações pelo sr. ministro da marinha e pelo sr. presidente, que lhe explicam não existir no ministerio da marinha consulta da procuradoria geral da corôa com a data por s. exa. indicada. O mesmo digno par continua o seu discurso, e conclue apresentando um additamento. Consultada a camara, só é admittido o additamento, que fica em discussão conjunctamente com o projecto. - Discursa, em resposta ao digno par, o sr. ministro da marinha. - Aprasa-se a sessão seguinte, bem como a respectiva ordem do dia.

Pelas duas horas e trinta e cinco minutos da tarde, verificando-se a presença de 20 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida e approvada a acta da sessão antecedente.

(Estavam presentes ao começo da sessão os srs. presidente do conselho, e ministros dos negocios estrangeiros, marinha, obras publicas, reino e justiça, e entrou durante ella o sr. ministro da guerra.)

Mencionou-se o seguinte expediente:

Officio do sr. ministro da guerra, remettendo noventa exemplares das contas do ministerio da guerra, relativas á gerencia de 1893-1894 e ao exercicio de 1892-1893.

Mandaram-se distribuir.

Officio do sr. presidente da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição de lei que tem por fim estabelecer uma nova organisação administrativa para os districtos dos Açores, extensiva tambem ás camaras municipaes do Funchal, na parte relativa a despezas obrigatorias, e igualmente um exemplar do parecer da commissão de administração publica, seguido do decreto dictatorial.

Para a commissão de administração publica.

Teve segunda leitura a seguinte proposta apresentada na sessão antecedente pelo digno par Thomaz Ribeiro.

Proposta

Renovo a iniciativa da proposta de lei sobre emigração, apresentada na sessão de 1 de junho de 1891. = Thomaz Ribeiro.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que admittem á discussão o projecto sobre emigração apresentado pelo digno par sr. Thomaz Ribeiro, em julho de 1891, e cuja iniciativa foi por s. exa. renovada na ultima sessão, tenham a bondade de se levantar.

Foi admittida e enviada á commissão de administração publica, ouvida á de obras publicas.

O sr. Antonio de Serpa: - Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda sobre um projecto de lei que tem por fim dispensar a junta de parochia da freguesia de Lomar, concelho de Braga, do pagamento da contribuição de registo pelo legado que lhe deixou um benemerito cidadão.

Leu-se na mesa, e foi a imprimir.

O sr. Conde da Azarujinha: - Tenho a honra de mandar para a mesa um parecer da commissão de fazenda, referente a um projecto que tem por fim conceder ás irmãs missionarias de Maria o edificio e igreja do convento de Nossa Senhora da Piedade, da cidade de Braga.

Leu-se na mesa, e foi a imprimir.

O sr. Bispo Conde de Coimbra: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa um projecto de lei que passo a ler.

(Leu.).

Nada digo agora sobre este assumpto, porque não quero tomar tempo á camara.

Quando, porém, o projecto que acabo de ler for aqui discutido, eu farei então as ponderações que julgar necessarias para conciliar com as necessidades da igreja os nossos direitos e melindres patrioticos que eu sou o primeiro a zelar e defender, porque a minha qualidade de bispo catholico não prejudica em cousa nenhuma a de cidadão portuguez e amigo da sua patria.

(S. ex. não reviu.)

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a conceder licença regia para ordenação aos alumnos portuguezes graduados ou doutorados nas faculdades de theologia ou direito canonico das universidades pontificias de Roma, mediante a solicitação e informação favoravel dos respectivos prelados diocesanos.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos dignos pares do reino, 23 de janeiro de 1897. = Manuel, Bispo Conde.

O sr. Presidente: - Como o digno par o sr. bispo conde não pediu a urgencia, fica para segunda leitura o projecto de lei que s. exa. acaba de mandar para a mesa.

O sr. Sequeira Pinto: - Sr. presidente, o digno par sr. Sá Brandão encarregou-me de participar a v. exa. e á camara que não póde comparecer á sessão de hoje por motivo justificado.

O sr. Conde de Lagoaça: - Sr. presidente, fez hontem dez annos que falleceu Fontes Pereira de Mello.

Eu, que em toda a minha vida de creança aprendi a respeitar aquelle nome, não posso deixar passar esta oc-

Página 44

44 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

casião sem proferir algumas palavras de sentimento pela perda de um homem tão notavel.

Não quero de fórma alguma melindrar, nem offender, nenhum dos srs. ministros, mas é profunda a saudade que tenho por esse grande estadista, ligado a toda a minha familia, não só pelos laços politicos, como tambem pelos laços de amisade.

Nem eu, nem qualquer dos meus, recebemos de Fontes Pereira de Mello a mais ligeira sombra de desconsideração.

Aggravaram-me, porém, os actuaes srs. ministros.; quero crer que involuntariamente por parte da sua maioria.

Se fosse vivo esse imminente homem de estado, por certo que elle não consentiria em tal acto sem primeiro indagar se effectivamente o filho do seu grande amigo tinha commettido alguma falta que realmente merecesse castigo tão violento.

Os actuaes srs. ministros não poderam ou não quizeram saber d'isso.

O facto é que fui aggravado por um ministro adventicio, por um ministro que nem tinha a honra de pertencer ao partido que estava no poder.

Esse facto, pois, não se dava se existisse ainda Fontes Pereira de Mello.

Digo com toda a franqueza, e dil-o-ía mesmo que estivesse aqui o sr. Neves Ferreira, que s. exa. foi um dos ministros mais ineptos que se têem sentado n'aquellas cadeiras.

(Indicando as cadeiras do governo.)

O sr. Presidente: - Eu peço ao digno par seja mais moderado nas suas considerações, tanto mais que a pessoa a quem se refere está ausente, não tem voz n'esta casa, e não póde defender-se.

O digno par não deixará, certamente, de retirar ou explicar satisfactoriamente algumas das suas phrases mais asperas.

O Orador: - Os telegrammas para a India custam muito dinheiro; do contrario mandar-lhe-ia dizer pelo telegrapho o que penso a tal respeito.

Eu peço desculpa de qualquer palavra menos correcta, porque estou hoje mal humorado. Retiro as palavras que empreguei, reservando-me para as reproduzir em occasião opportuna.

Não posso deixar de lamentar a morte de Fontes Pereira de Mello, que nunca foi desleal para com os seus amigos e que tão nobre e dignamente soube servir a sua patria. Não censuro o actual ministerio, onde tenho amigos. Estou certo de que não foi voluntariamente que me aggravaram; mas ha descuidos que muitas vezes equivalem a um proposito firme, se bem que eu não me convença da existencia de tal proposito.

Pondo ponto n'estas considerações, attento o desejo que v. exa. me manifestou ha pouco, de entrar cedo na ordem do dia, deixarei por agora de tratar da questão do alcool.

Ao sr. ministro da marinha e meu amigo, peço simplesmente que me diga se algumas providencias adoptou relativamente á peste bubonica na India ingleza.

Todas as summidades medicas estrangeiras deliberaram realisar um congresso no sentido de impedir a invasão da peste bubonica. Isto deve influir no animo do governo, para que não deixe de tomar as providencias que o caso reclama..

Do sr. commissario regio da India não esperem providencias, porque elle só serve, para mandar fuzilar e promover officiaes. Apesar do governo ter dado a este funccionario poderes latitudinarios, é natural que sobre o assumpto a que me refiro o sr. Neves Ferreira nenhumas providencias tenha tomado.

Por consequencia, o governo fica avisado de que se não toma as providencias que o caso requer, estamos em risco de uma invasão da peste bubonica. Sinto não ver presente o sr. ministro da guerra, porque desejava que s. exa. me dissesse se concorda com as promoções feitas pelo sr. Neves Ferreira. S. exa. não está presente, e eu reservarei para outra accasião as considerações que tenho a fazer.

Tambem me abstenho de fazer referencias á nomeação dos commissarios regios. Igualmente reservo as considerações a este respeito para quando eu tratar da questão do alcool.

Ao sr. ministro do reino desejo pedir mais uma vez que promova a lente cathedratico o dr. Alves Moreira. S. exa. já me disse que o poder executivo é o juiz da opportunidade do preenchimento das vagas; mas a camara comprehende que é isto um mau precedente, e dá logar a que os lentes da universidade, sobretudo os que estão no mesmo caso do sr. dr. Alves Moreira, procurem ver se ha remedio áquelle estado de cousas, para que não possa servir de exemplo a qualquer ministro que no futuro se lembre de dizer que elle é o unico juiz da opportunidade da promoção de um lente substituto a cathedratico.

A camara já me ouviu por duas vezes discorrer ácerca d'este mesmo assumpto; o nobre presidente do conselho tambem d'elle está inteirado e de certo transmittiu ao sr. ministro do reino as observações que ha poucos dias apresentei; por consequencia, peco a este sr. ministro que, se na realidade não tem qualquer rasão, que eu desconheça, porque não póde ser aquella que nos deu no anno passado, proceda contra o dr. Alves Moreira. Se effectivamente elle é republicano, se vae para a cadeira abusar da sua alta posição, incutindo no animo dos seus discipulos doutrinas subversivas da ordem publica e das instituições, o sr. ministro tem bastante energia, como já demonstrou por varias vezes, para poder demittil-o e até metter n'um processo mais complicado. Repito o que disse aqui noutro dia, não se veja n'isto. da minha parte, vontade de fazer politica. Se realmente esse individuo abusa e vae para a cadeira pregar doutrinas subversivas da ordem e das instituições, cumpra o sr. ministro do reino o seu dever;, assim fazem os governos de outras nações. O governo da republica em França, quando se trata de defender o seu paiz e as suas instituições, castiga seja quem for que de qualquer fórma os ataque.

Mas se não ha motivo contra aquelle lente, e parece que não ha, porque s. exa. consente que o dr. Alves Moreira continue na regencia da sua cadeira, não percebo então porque não o promove a cathedratico. Dá-se com elle uma verdadeira preterição de direito, porque foi a concurso na vigencia de uma lei que lhe assegurava a promoção a cathodratico, quando houvesse vaga. Que esta promoção se lhe recuse unicamente para ganhar menos 20$000 réis por mez, como vingança não acredito que seja, porque é muito mesquinha para o caracter levantado do sr. ministro do reino.

Sem me alargar em mais considerações, era isto que eu pedia: se não ha qualquer rasão de ordem publica, que eu desconheço, e parece-me que não ha, pelos factos que apparecem ao nosso exame, pedia á s. exa. que promovesse o dr. Alves Moreira á effectividade da cadeira, para que não se de um mau exemplo, que póde ser prejudicial aos outros lentes substitutos. O sr.. ministro, mettendo a mão na sua honrada consciencia, ha de concordar que se não deve proceder assim.

Terminarei mandando para a mesa o seguinte requerimento.

(Leu.)

(S. exa. não reviu.}

Leu-se na mesa e mandou-se expedir o requerimento do digno par o sr. conde de Lagoaça, que é do teor seguinte:

Requerimento

Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, me seja enviada copia do contrato relativo ao ultimo emprestimo dos tabacos, e mais documentos que a elle se refere.

Em 23 de janeiro de 1897. = Conde de Lagoaça.

Página 45

SESSÃO DE 23 DE JANEIRO DE 1897 45

O sr. Presidente: - Quando o digno par annunciou ha dias a sua interpellação sobre o monopolio do alcool, o sr. presidente do conselho, que estava presente, declarou-se habilitado para responder desde logo; porém, o digno par reservou-se, porque lhe faltavam documentos, para realisar essa interpellação quando estivesse presente o sr. ministro da marinha. Por emquanto s. exa. não se declarou habilitado, mas, assim que se declare, designarei, nos termos do regimento, uma sessão em que a mesma interpellação possa effectuar-se.

O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): - O sr. presidente do conselho communicou-lhe effectivamente quaes os desejos do digno par o sr. conde de Lagoaça e as ponderações que por s. exa. tinham sido apresentadas n'uma das anteriores sessões, ácerca do assumpto de que tratou hoje na ultima parte do seu discurso. De resto o digno par não produziu, como não podia produzir, nem argumentos, nem factos diversos d'aquelles que no anno passado já teve occasião de expor e a que respondeu por uma fórma que julgou e julga absolutamente legal.

O poder executivo é quem julga da opportunidade do provimento das vagas que se dão nos quadros dos serviços publicos, e a verdade é que não foi prejudicado o serviço de leccionação d'aquella faculdade.

Poderia respoder desenvolvidamente ás considerações que o digno par apresentou com relação ao sr. conselheiro Neves Ferreira; não o fará, porem, e limitar-se-ha a dizer que tem na conta de injustas e immerecidas as referencias do digno par e que, no conceito do governo, o sr. Neves Ferreira é digno da alta confiança que n'elle se deposita. (Apoiados.)

(O discurso de s. exa. será publicado na integra quando s. exa. remetter as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - São horas de se entrar na ordem do dia.

O sr. Ministro da Marinha (Jacinto Candido): - Eu tinha pedido a palavra para respoder ao digno par o sr. conde de Lagoaça.

O sr. Presidente: - Não ouvi o nobre ministro pedir a palavra, mas s. exa. não terá duvida de responder ao digno par em outra occasião; agora não lhe posso conceder, para esse fim, a palavra, porque chegou a hora de entrarmos na ordem do dia, como já annunciei, acabando de a recusar, por identico motivo, ao sr. conde de Lagoaça.

ORDEM DO DIA

Leu-se e foi declarado em discussão o projecto de resposta ao discurso da corôa, que é do teor seguinte:

Dignos pares do reino e senhores deputados da nação portugueza:

Abrindo a presente sessão das côrtes geraes da nação portugueza, cumpro gostosamente um dever constitucional, confiando em que á desvelada cooperação dos seus representantes em muito servirá á causa publica, á resolução dos assumptos em que mais interessa a prosperidade do paiz.

Com todas as nações estrangeiras temos presentemente cordiaes relações.

A convite, que nos foi dirigido por Sua Magestade o Imperador Rei da Austria Hungria, foi Sua Magestade a Rainha, minha augusta e muito amada esposa, assistir em Vienna ao casamento de seu irmão o Senhor Duque de Orleans; pelo captivante acolhimento que teve, pela affectuosa prova de estima que recebemos, consigno o nosso sincero reconhecimento.

Não menos penhorante convite, que por igual agradeço, nos fez Sua Magestade o Rei de Italia, a mim e á minha familia, para assistirmos ao casamento de seu filho, Sua Alteza Real o Principe de Napoles; por esse motivo se dirigiram a Roma Sua Magestade a Rainha a Senhora D. Maria Pia, minha muito prezada mãe, e meu irmão o Senhor Infante D. Affonso. Do modo o mais amigavel se restabeleceram, por essa occasião, as nossas antigas e affectivas relações com a Italia, o que me dá satisfação declarar-vos.

Um outro facto de ordem internacional occorreu tambem no intervallo parlamentar, que me é grato registrar aqui. Na pendencia que se suscitou, entre os Estados Unidos do Brazil e a Gran-Bretanha, ácerca da ilha da Trindade, coube a Portugal a conciliadora missão de, por bons officios, indicar a uma e outra d'essas nações amigas a solução que ambas acceitaram.

O incidente, que ha pouco sobreveiu a desagradaveis occorrencias que se deram, em Lourenço Marques, com o representante consular do Imperio Germanico, terminou por fórma a satisfazer os melindres d'aquella nação, que prezamos, sem offensa do nosso proprio decoro.

Aos memoraveis feitos que, em 1890, tanto enalteceram a nossa historia militar, outros se acrescentaram no anno que findou, assignalando o prestigio da soberania portugueza nas possessões de alem-mar. Em Timor, a occupação de Batugadé, a tomada dos reinos de Balibó e occu-

A confiança manifestada por Vossa Magestade, ao abrir a presente sessão legislativa, na cooperação dos membros da representação nacional, é devidamente apreciada por esta camara, que espera contribuir, quanto em si cabe, para a resolução dos assumptos em que mais interessa a prosperidade do paiz.

Folga a camara com as cordiaes relações mantidas com as nações estrangeiras, sendo-lhe grato o convite de Sua Magestade o Imperador Rei da Austria Hungria, em virtude do qual Sua Magestade a Rainha a Senhora D. Amelia foi assistir em Vienna ao casamento de seu irmão o Senhor Duque de Orleans, e igualmente o distincto e affectuoso acolhimento ali encontrado. Não menos grato foi a esta camara o convite de Sua Magestade o Rei de Italia a Vossa Magestade e á sua augusta familia para assistirem ao casamento de Sua Alteza Real o Principe de Napoles, por cujo motivo se dirigiram a Roma Sua Magestade a Rainha a Senhora D. Maria Pia e Sua Alteza Q Senhor Infante D. Affonso, restabelecendo-se por esta occasião as nossas boas relações com o estado italiano.

Emquanto ao outro facto de ordem internacional a que Vossa Magestade se refere, á missão conciliadora que coube a Portugal entre os Estados Unidos do Brazil e a Gran-Bretanha, ácerca da ilha da Trindade e á solução que ambas estas nações acceitaram, não póde esta camara deixar de regosijar-se, porque foi uma honrosa prova de confiança de duas nações amigas.

A camara folga de que o incidente das desagradaveis occorrencias que se deram em Lourenço Marques com o representante consular do Imperio Germanico tenha terminado por fórma a satisfazer os melindres d'aquella nação, sem offensa do nosso decoro.

Esta camara não póde deixar de associar-se ás expressões de Vossa Magestade relativas aos feitos que assignalaram o prestigio da soberania portugueza em Timor, em Angola, na Guiné e em Moçambique: feitos que effectivamente exalçam o renome das armas portuguezas e nobili-

Página 46

46 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

tubaba, a submissão dos rebeldes de Hanir, Cova e Fatumean; em Angola, o castigo infligido ao gentio do Bondo, na região do Lui; pelas depredações e attentados que commettêra; na Guiné, a derrota do potentado de Farreah-Damá a occupação militar das margens do Corubel, a vassalagem do territorio do Oio; em Moçambique, a recente campanha contra os Namarraes, tão valorosamente encetada, e cujo exito, estou certo, corresponderá ás acções gloriosas de Marracuene, Magul, Coolella e Chaimite, e ainda o recente e corajoso desembarque em Mocambo, contra a aggressão dos Maraves; - são factos que exalçam o renome das armas portuguezas, e nobilitam a marinha e o exercito pela sua constante e intemerata devoção á causa da patria.

Na India, restabelecida a ordem e assegurada a administração, porfia o meu governo em reprimir os actos de bandidismo, que alguns grupos de malfeitores têem commettido. Aos serviços que prestou meu irmão, o Senhor Infante D. Affonso, já como chefe das forças expedicionarias, debellando a conflagração que pôz em sobresalto aquella provincia, já como Vizo-Rei, exercendo superiores funcções administrativas, presto aqui o devido reconhecimento.

Em todo o paiz, inalteravel se tem mantido a ordem publica.

Depois que se encerrou a ultima sessão das côrtes, não só o meu governo se occupou da execução das leis promulgadas, mas actos importantes de administração se realisaram, de que devo fazer especificada monção pelo mais largo alcance que têem. A cotação das obrigações da companhia real dos caminhos de ferro; o emprestimo, que se effectuou, de cerca de 3.000:000$000 réis para a acquisição de navios de guerra, primeira operação de credito que emprehendemos depois da crise de 1891; a adjudicação e o contrato que se fez com casas constructoras das mais conceituadas no estrangeiro, para a execução do plano d'esses navios e seu armamento; - melhorando, por um lado, as condições do thesouro e do credito publico, prepararam, por outro, a reorganisação das forças navaes, em defeza do nosso dominio e serviço das colonias que possuimos no ultramar.

Apraz-me, tambem, poder dizer-vos que os resultados, obtidos no cumprimento das novas leis de recrutamento e de repressão de emigração clandestina, permittem já affirmar não só que muito superior ao que se tem realmente apurado serão, de ora em diante, os effectivos de guerra, mas tambem que, com o producto das remissões, se constituirá uma. valiosa somma, que muito auxiliará a indispensavel reconstituição do nosso material de guerra.

A mais das providencias que na anterior sessão legislativa ficaram pendentes do vosso exame, outras conta o meu governo apresentar-vos, a que confio prestareis cuidadosa attenção. Taes são, designadamente, as que se referem: a preceitos complementares da reforma da instrucção secundaria e do serviço de repressão da emigração clandestina; á organisação da magistratura judiciaria e ao processo das fallencias; ao serviço das forcas do exercito no ultramar, bem como aos de saude; á classificação das praças de guerra, deixando de ser assim consideradas as desnecessarias para a defeza do paiz; á fixação das regras de admissão e permanencia dos officiaes das diversas armas no serviço do estado maior; ao regimen bancario nas nossas colonias; ao dos privilegios e exclusivos que a ellas tenham applicação, e ao das concessões que para a sua exploração e desenvolvimento, se haja de fazer; ao estabelecimento de mercados nacionaes, ultramarinos; á navegação para as nossas possessões; á construcção dos caminhos de ferro do Ruo, de Benguella, e na ilha de S. Thomé, e ao prolongamento da linha de Loanda a Ambaca até Malange; á revisão das pautas de Angola, de modo a, sem prejuizo da protecção realmente necessaria ás industrias, se alcançar a melhoria das retam a nossa marinha e o nosso exercito pela sua devoção, constante em todos os tempos, á causa da patria.

A camara folga de que esteja restabelecida a ordem e assegurada a administração na India, e presta homenagem aos serviços feitos n'aquella colonia por Sua Alteza o Senhor Infante D. Affonso, como chefe das forças expedicionarias e como Vizo-Rei, exercendo ali superiores funcções administrativas.

No paiz folga a camara que se tenha mantido a ordem publica.

A cotação das obrigações da companhia real dos caminhos de ferro, o emprestimo para a acquisição dos navios de guerra, a adjudicação e o contrato com casas das mais conceituadas de paizes estrangeiros para a execução do plano d'esses navios e do seu armamento, são factos occorridos no intervallo das sessões legislativas, que esta camara folga de que tenham melhorado as condições do thesouro e preparado a reorganisação das forças navaes, necessarias para a defeza e serviço das nossas colonias.

A camara folga de que os resultados do cumprimento das novas leis do recrutamento e da repressão da emigração clandestina permitiam affirmar que de agora em diante os effectivos de guerra serão superiores ao que se tem realmente apurado e que com o producto das remissões se constituirá uma valiosa somma, que auxiliará a reconstituição do nosso material de guerra.

A camara examinará, com a devida attenção, como lhe cumpre, as providencias propostas pelo governo de Vossa Magestade na passada sessão legislativa, ainda não convertidas em leis, e as outras que Vossa Magestade enuncia designadamente que o governo apresentará na presente sessão, ácerca de importantes assumptos no continente e no ultramar.

Página 47

SESSÃO DE 23 DE JANEIRO DE 1897 47

ceitas d'aquella colonia; á declaração commercial que se acha assignada entre o meu governo e o da Dinamarca; á cultura de vastos tractos de terreno que no paiz se acham improductivos e que muito importa valorisar; ao melhoramento das condições de exportação dos nossos vinhos communs; ao regimen de constituição e funccionamento das sociedades commerciaes, especialmente das sociedades anonymas.

A todas estas questões sobreleva, porém, a questão de fazenda, hoje, como sempre, vital no paiz. Mantem-se, por sem duvida, a melhoria alcançada nas condições do nosso regimen economico e financeiro. E disso prova incontrastavel o facto de ter o thesouro, n'estes ultimos annos, podido obtemperar a todos os seus compromissos com os proprios recursos da nação, sem emprestimos externos, sem augmento avultado na divida fluctuante contrahida no estrangeiro. É innegavel, as estatisticas o mostram, que, em absoluto, se têem desenvolvido as industrias e as transacções do commercio; que são mais fáceis as liquidações, attesta-o a consideravel diminuição na exportação do oiro, a par da reducção da taxa geral de desconto no banco emissor. Circumstancias se juntaram, todavia, ao terminar de 1896, que vieram affectar a nossa situação cambial. A baixa cotação no cambio do Brazil, a alta do desconto em Londres e Berlim, accrescendo á escassez de algumas colheitas pelo mau anno agricola que decorrera, á carestia dos trigos nos mercados da America, e á restricção no valor dos productos exportados de Angola, encareceram o premio do oiro, aggravando consequentemente os encargos da praça e do thesouro, e produziram um retrahimento no commercio de importação, que se reflectiu em menor cobrança de receitas aduaneiras. Felizmente, já as cotações cambiaes vão melhorando,* as circumstancias da praça e dos mercados estrangeiros prenunciam que em breve se desaggravará a situação.

Está pendente do vosso exame a remodelação das pautas, em que, porventura, convirá fixar as bases de um regimen convencional, applicavel ao commercio com outras nações; providencias especiaes vos serão propostas, a par do orçamento geral do estado; da vossa reflectida collaboração com o meu governo fio em muito a pertinente resolução dos assumptos que mais se prendem com os interesses do thesouro e do paiz.

Dignos pares do reino e senhores deputados da nação portugueza: é ardua e complexa a missão que vos incumbe; os mais altos problemas da governação publica, as questões de que mais depende o incremento e a prosperidade do paiz vos estão commettidos. Tenho fé em que, ajudados da Divina Providencia, lhes dareis solução adequada ao bem estar da nação.

Está aberta a sessão.

Sobreleva na verdade a todas as outras questões a de fazenda, ou antes a questão economica e financeira, e a camara folgar de que o thesouro tenha podido nos ultimos annos obtemperar aos seus comprommissos com os proprios recursos da nação, e que em absoluto se tenham desenvolvido as industrias e as transacções do commercio.

As circumstancias que, ao terminar o anno de 1896, vieram affectar, peiorando, a nossa situação cambial, quaesquer que tenham sido as causas externas e internas d'este facto, folga a camara de que tendam a desapparecer, que as cotações cambiaes vão melhorando, e estimará que em breve se desaggrave quanto possivel a situação.

A camara examinará a remodelação das pautas, assumpto sempre da maior importancia economica, e discutirá a conveniencia de fixar as bases de um regimen convencional applicavel ao commercio das outras nações.

Tambem examinará, com a devida attenção, as providencias especiaes que forem propostas pelo governo, a par do orçamento geral do estado, tratando de contribuir para a resolução dos assumptos que mais se prendem com os interesses do thesouro, e portanto do paiz.

Senhor! - Esta camara procurará cumprir, como deve, a ardua e complexa missão que lhe incumbe, auxiliando a resolução dos altos problemas da governação publica de que mais depende a prosperidade do paiz.

Apraz á Providencia, cujo auxilio Vossa Magestade invoca, que os nossos trabalhos sejam coroados do melhor exito, no interesse da patria, e em satisfação dos desejos de Vossa Magestade.

Sala das sessões, em 15 de janeiro de 1897. = Luiz F. de Bivar G. da Costa = Augusto Cesar Cau da Costa = A. de Serpa Pimentel.

O sr. camara Leme (sobre a ordem): - Sr. presidente: para satisfazer ás prescripções do regimento, começo por ler a minha moção de ordem, que vou mandar para a mesa, sabendo de antemão que ella será rejeitada pela camara:

"A camara considera que o discurso da corôa deve ser a expressão genuina da verdade, e que nenhum governo liberal tem o direito de illudir o augusto chefe do estado."

Aqui está a moção que eu mando para a mesa. Agora vou justifical-a.

Sr. presidente, a verdade é como a luz que esclarece; é a força que santifica, mas ás vezes a injustiça dos homens faz com que aquelles que queiram dizer a verdade tenham de ir para a cadeia, como, dizem, vae acontecer agora no
reino vizinho a um illustre e energico fidalgo, o sr. marquez de Cabriñana, que fez patente um dos maiores escandalos que tem havido n'aquelle heróico paiz e que infelizmente apparecem por toda a parte.

E sabe v. exa. como elle ha de ir provavelmente para a prisão?

Em carruagem de gala, acompanhado, que assim lhe foi offerecido, por um duque, e por varias carruagens de gala dos mais nobres fidalgos de Madrid!

Eu não sei, sr. presidente, visto os tempos em que estamos, se tambem terei de ir parar á cadeia, mas de certo que não irei em nenhuma carruagem de gala, mas á força em algum trem de praça; porém, creia a camara que eu hei de dizer a verdade custe o que custar.

Página 48

48 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Sr. presidente, que tristeza!

Ninguem! Ninguem n'este campo deserto de contendo rés da palavra! Nem a sentinella vigilante do illustre par tido progressista está aqui!

Apenas, sr. presidente, tres ou quatro sentinellas perdidas, sendo eu a mais humilde, para luctar com a cohorte disciplinada, á frente da qual está o sr. presidente do conselho!

(Entrou na sala o sr. ministro da guerra.)

A ausencia do unico partido constituido que ha no paiz póde ter sido um erro e creio mesmo que o foi.

O que ninguem póde negar é que essa ausencia tem uma alta significação politica.

Chegou a occasião, sr. presidente, de eu explicar com franqueza de soldado a minha ausencia d'esta camara na sessão legislativa passada.

Infelizmente, não pertenço a partido nenhum, estou só e sou chefe de mim mesmo.

Sr. presidente, eu comprehendia a abstenção, mas a abstenção como a de 1846 com todas as suas consequencias. Essa abstenção, como v. exa. e a camara sabem, foi tão medonha que até a corôa da senhora D. Maria II es teve periclitante; nem mesmo a espada gloriosa do marechal Saldanha a poude suster na cabeça, sendo preciso que tres nações poderosas a sustivessem.

Comprehendia-se a abstenção, como todos os homens politicos a entendem, com as suas fataes consequencias.

Eu não tenho senão que lamentar o facto.

Sr. presidente, eu tive uma larga conferencia com meu chorado amigo e muito illustre parlamentar conde do Casal Ribeiro - digo-o sem offensa dos outros dignos pares, - e a final concordou commigo em que esses eram o verdadeiros principios.

Mas o que podemos nós fazer, dizia elle, numa epocha de egoismos, em que ninguem trata dos interesses sagrados do estado, mas dos seus proprios! Elle, que já estava velho, não queria sanccionar com a sua presença actos que reprovava; por isso não vinha á camara e disse-me que fizesse o mesmo. Comprometti-me a isso na ultima sessão legislativa.

Infelizmente, Casal Ribeiro morreu, o que todos nós lamentamos e a tribuna portugueza está de luto.

A proposito d'este facto, lembro-me até do que uma vez eu disse, permitta-me v. exa. que narre agora, que, diante da situação da camara, o governo podia vencer pelo numero, mas havia de cair fatalmente perante a discussão parlamentar.

Ha, porém, sr. presidente, alguem que sobreleva aos srs. ministros e a todos nós.

Acolá, por cima d'aquella porta, está a effigie de marmore do Rei soldado, que outorgou a carta constitucional que os srs. ministros actuaes rasgaram e calcaram aos pés.

Tenho presente, mas não leio á camara, para a não enfadar, e porque não desejo que os srs. ministros se sumam espavoridos pelo chão abaixo, o manifesto de D. Pedro IV, a bordo da fragata D. Maria II, com data de 2 de fevereiro de 1832, e a sua proclamação, de 5 de março do mesmo anno, em que elle dizia: "Só as côrtes geraes têem o direito de fazer leis".

(Interrupção do sr. conde de Lagoaça, lembrando que o orador já por vezes se referira a esse manifesto n'aquella casa.)

Sei isso perfeitamente, mas quero relembral-o, porque estes grandes principios devem sempre ser sustentados no parlamento.

Na sua proclamação, D. Pedro IV dizia á sua querida filha, educada nos sãos principios constitucionaes, que ella e seus subditos deviam sempre respeitar o pacto fundamental da nação.

Q que tem, porém, acontecido?

É o que escuso de relembrar á camara e ao paiz, porque sabem-o melhor do que eu.

Mais abaixo, n'aquelle plano inferior estão, sr. presidente, dois bustos que eram os apostolos da liberdade: o duque de Palmella e o marechal Saldanha.

A camara, por iniciativa minha, approvou em tempos um projecto para se lhes erigir um monumento: projecto que comprehendia tambem o duque de Palmella, porque se o marechal Saldanha representava a espada, o duque de Palmella representava a penna, e foram elles os que mais concorreram para implantar o regimen liberal em Portugal.

Pois apesar da camara ter votado por unanimidade este projecto, depois de um eloquente discurso do seu presidente, que era então o sr. João Chrysostomo, o governo poz-lhe o veto e até hoje ainda não se pagou essa divida sagrada e nacional! Se se tratasse de algum syndicateiro, talvez elle já tivesse sido levantado.

A camara desculpa-me de certo o calor com que fallo; estou tão impressionado que, apesar de fazer um esforço sobre mim, muitas vezes a discussão me leva a uma linguagem tal.

N'outras circumstancias, em qualquer outra occasião, seria muito mais moderado.

Sr. presidente, não são só esses bustos a que acabei de me referir; está ali um outro, o de Fontes Pereira de Mello, de quem o digno par o sr. conde de Lagoaça fez ha pouco o elogio, a que me associo.

Fez hontem dez annos que elle falleceu!

Pois, sr. presidente, ninguem lamenta mais essa perda do que eu, mas sabe v. exa. o que aconteceu: os factos assim o têem demonstrado.

Com a morte de Fontes morreu o partido regenerador, e aqui tem v. exa. a rasão por que não estou n'esse partido. Já não é a regeneração, é a degeneração!

Eu tive por chefes o marechal Saldanha, Joaquim Antonio de Aguiar, que se resuscitasse tornaria a morrer de vergonha, depois Fontes Pereira de Mello, succedendo-lhe o digno par e meu amigo o sr. Antonio de Serpa que está na disponibilidade, o que muito sinto.

Mas antes de proseguir, desejo fazer uma declaração previa, porque gosto de prestar homenagem mesmo á minha consciencia.

Sr. presidente, na minha argumentação não viso senão os ministros.

S. exas. são muito boas pessoas; como particulares são-o de certo, mas hão de permittir que lhes diga que, como representantes do poder executivo, os desadoro.

Tenho sympathia por quasi todos os srs. ministros, por exemplo, pelo sr. ministro do reino; aprecio o seu caracter; s. exa. tem erros e tem perfeições, como todos nós temos; eu já aqui o referi, e tenho agora muito prazer em o declarar novamente, visto s. exa. estar presente: tem s. exa. uma qualidade muito do meu gosto: não é breareu.

S. exa. tem, porém, gravissimas responsabilidades politicas: estas são as imperfeições da realidade, como dizia o grande tribuno Emilio Castellar.

Não quero cansar a attenção da camara, hei de me alongar um pouco, ainda que tenho de resumir muito as considerações que hei de apresentar á consideração da camara, porque se fosse demonstrar todos os erros dos srs. ministros, as suas illegalidades, os seus crimes politicos até, estaria aqui a fallar muitas sessões, e seria ainda pouco.

O meu discurso, se assim se póde qualificar, tem de obedecer a uma synthese. Depois de fazer neste campo esta declaração ninguem tem o direito de estranhar que eu me alargue em considerações que poderão não agradar aos srs. ministros, mas representam o protesto da minha consciencia contra a marcha administrativa e funesta do actual gabinete, marcha que nos levará fatalmente á ruina completa.

Eu vou, sr. presidente) entrar na discussão, reconhe

Página 49

SESSÃO DE 23 DE JANEIRO DE 1897 49

cendo, comtudo, que estou em frente de um athleta da palavra, que impavido, está á frente de uma cohorte disciplinada, que ha de obedecer ás suas indicações.

Antes d'isso, porém, quero ainda dizer a v. exa., sr. presidente, uma cousa que me ia escapando.

É que eu estou aqui pelos factos consummados, e é um facto consummado estar esta camara illegalmente constituida.

Casal Ribeiro disse-me que esta camara era uma assembléa feita á imagem e similhança do governo, com a mascara da hypocrisia constitucional - a phrase é d'elle - e, portanto, já se vê que todos os actos do governo, approvados pela camara, são illegaes.

Antes, porém, que assim seja declarado, é preciso acceitar os factos consummados. Por isso aqui estou.

Eu não vau combater os srs. ministros com explosivos, materia em que não é licito fallar sem perigo de ir para a cadeia, (Deus me livre d'isso!) como não o era a respeito de um personagem chamado Miguel Alcaide, do tempo do governo absoluto. Não preciso d'isso!

Eu precisava lá dos explosivos para combater o governo! (Riso.)

Bastam-me a moral, a rasão e a verdade; são as minhas armas, e os srs. ministros hão de ver-se gregos commigo! (Riso.}

Ah! Se eu tivesse a auctoridade e o verbo de Casal Ribeiro, aquella palavra eloquente, vibrante, vernacula e eminentemente persuasiva, a camara havia de ouvir cousas assombrosas!

Eu não tenho pretensões de estylo, nem flores de rhetorica, fallo a linguagem singela e rude de um antigo militar; os meus adversarios vão tomar a palavra para me combaterem, mas creiam que eu os hei de ferir profundamente!

Mas, emfim, vamos á questão, que a camara já começa a enfadar-se com a minha palavra chã e sincera.

Esta situação, sr. presidente, póde considerar-se sob differentes aspectos: politico, moral, financeiro, etc.

Já vêem v. exas. o que teriam de ouvir, se eu fosse tratal-a sob todos os pontos de vista!

Creio que está impressa no Diario das sessões uma phrase extraordinaria do sr. presidente do conselho.

S. exa. disse aqui ou na outra casa do parlamento "que o governo não dava ordens ao Rei, recebia-as de Sua Magestade e cumpria-as".

O governo não dá ordens ao Rei, nem ninguem lh'as dá. Comprehende-se que se leve a amalilidade com os réis ao ponto de se fazer o que fez um notavel chimico francez, quando um certo monarcha foi assistir, com toda a côrte, a umas experiencias chimicas.

Uma d'ellas, bastante interessante, consistia na combinação do hydrogenio com o oxygenio para produzir agua e luz.

Antes, porém, de começar a preparação o notavel chimico dirigiu-se ao Rei e disse: o oxygenio e o hydrogenio vão ter a honra de se combinar, se Vossa Magestade, a quem todas as sciencias são familiares, assim o permittir! (Riso.)

Comprehende-se perfeitamente que se não de ordens ao Rei, porque elle está superior a todos nós, mas o que se não comprehende é que s. exa. venha ao parlamento dizer heresias constitucionaes, sem que se levante um só representante da nação a protestar contra o facto.

O artigo 105.° da carta constitucional, que eu tenho aqui presente, diz o seguinte:

"Não salva aos ministros a sua responsabilidade a ordem do Rei, vocal ou por escripto.".

Alem do que diz o artigo 71.°:

"Que os poderes são independentes e que o Rei velará pela independencia desses mesmos poderes."

Eu não sei se isto ainda vigora; como a carta constitucional foi atirada ao cesto dos papeis, velhos pelos srs. ministros, é provavel que esta disposição já tenha sido esquecida.

É estranho, sr. presidente, que o nobre presidente do conselho que foi um dos estudantes mais distinctos do seu curso na universidade de Coimbra, ignore os principios mais elementares do direito constitucional, para vir á camara dizer similhante blasphemia, tornando assim responsavel o Rei perante a representação nacional.

Para quem foi pedido o bill: para o Rei ou para o governo?

O Rei, que deve ser como um espelho crystallino que qualquer bafo menos puro póde embaciar, ficou a descoberto perante o parlamento!

Eu quereria sobre este assumpto fazer mais largas considerações, mas como vejo presente o sr. ministro da marinha lembrarei a s. exa. o pedido que fiz no primeiro dia da sessão d'esta camara, pedido que se referia á questão do Nyassa. Era uma copia da consulta da procuradoria geral da corôa, copia que se podia tirar em duas ou tres horas, quando muito, mas que até hoje ainda não foi remettida a esta camara e que era a prova provada da corrupção politica do governo. É verdade que de todos os esclarecimentos que tenho requerido pelos differentes ministerios, nenhum ainda foi satisfeito, o que é a demonstração de que as minhas affirmações são verdadeiras. No entretanto, se o nobre ministro não assignou essa consulta, a qual mandava proceder á instrucção criminal sobre os negocios da companhia do Nyassa, eu nada direi, por agora, mas reservo me para outra occasião.

O sr. Ministro da Marinha (Jacinto Candido): - Em resposta a s. exa., dirá que ha dias foi recebido no ministerio da marinha um officio da presidencia desta camara, pedindo copia de uma consulta da procuradoria geral da corôa, mas com data da que é citada no officio, não existe tal consulta nem nenhum documento que se refira a esse assumpto.

O sr. Presidente: - Eu desejo informar o digno par que ha dias foi lido na mesa um officio do ministerio da marinha em resposta ao requerimento de v. exa., participando não existir n'aquelle ministerio a consulta a que s. exa. se referia.

O Orador: - Agradeço as explicações de v. exa.

Sr. presidente, tudo são monopolios; e não admira, porque o governo faz monopolio de si mesmo. (Riso.) Sobre esta questão do monopolio do alcool li n'um jornal o seguinte, que não sei se é verdadeiro:

"Julga o sr. ministro que eu não conheço a proveniencia d'esse decreto? Foi feito aqui, na rua dos Capellistas, sabe Deus por quem e entre quem."

Ora, sr. presidente, isto que aqui se le creio que foi dito pelo illustre relator da resposta ao discurso da corôa na outra casa do parlamento.

É uma affirmação importantissima; não sei se é verdadeira; vejo que o jornal a transcreve do discurso do illustre relator.

Os commissarios regios, sr. presidente, têem taes attribuições que, inclusivemente, as têem legislativas. Ora, v. exa. ha de permittir que lhe diga uma cousa: é que conheço pessoalmente o sr. capitão de mar e guerra Guilherme Capello, tenho por elle a maxima consideração, sei que é um official digno e illustrado, mas não me posso convencer de que o digno commissario regio tomasse sobre si a responsabilidade de conceder o monopolio do alcool sem auctorisação do governo.

Esta é que é a verdade. O sr. ministro responderá como entender; mas a mina fica-me o direito de levantar esta questão em occasião mais opportuna.

Sr. presidente, agora passo a analysar o governo pelo aspecto diplomatico, e para isto não preciso senão ler á camara a serie de artigos de jornaes extrangeiros, dos mais auctorisados que se publicam na Europa, como são a independencia belga o Memorial diplomatique, a Nouvelle

Página 50

50 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

revue, L'Italie e outros, em que se faz uma apreciação desgraçadissima dos srs. ministros como diplomatas, bem como um artigo attribuido ao sr. Emilio Castellar, que diz as cousas mais pungentes não só para os srs. ministros, mas, com grande mágua minha, ao Rei de Portugal.

Não os leio, mas rapidamente direi que a Independencia belga chegou a affirmar que, desde Nappleão I, nunca governo algum soffreu humilhação maior que a inflingida a Portugal por motivo da viagem de El-Rei, e os restantes jornaes não são menos crueis com os ministros. E a ultima humilhação em Lourenço Marques? Que vergonha, e com a qual a camara ri e folga na resposta ao discurso da coroa!

Sr. presidente, vamos syntheticamente á questão magna, á questão que sobreleva a todas - a questão de fazenda.

Eu confesso a v. exa. que sou muito pouco competente para tratar d'estas questões; o orçamento custa-me muito a comprehender; vejo tudo cheio de caminhos tortuosos que não me deixam chegar nunca ao fim; não entendo de algarismos; não tratarei por isso desenvolvidamente d'esse assumpto.

A resposta ao discurso da corôa, sr. presidente, na qual se folga a proposito de tudo, é pretexto para conjugar o verbo "folgar" em todos os tempos do presente, e eu desejaria tambem que elle fosse applicado ao futuro, que é o que o paiz deseja.

A respeito d'estas propostas, sobretudo no tocante á questão de fazenda, sr. presidente, eu tenho aqui a apreciação de um illustre escriptor e politico, cujos talentos nós todos admiramos, que já se sentou ali ao pó do sr. ministro do reino e foi paladino do governo, homem muito competente em questões de fazenda, n'essa união de elementos hybridos, que deixaram de si tão triste memoria, que eu não quero recordar á camara. V. exa. sabe qual a apreciação que elle faz do discurso da corôa? Diz: "que é o panegyrico do governo feito por si mesmo, que é um montão de mentiras em linguagem pretenciosa, repuxada a erros de grammatica e não sei que mais!"

Ora, sr. presidente, a mim não me importa que os srs. ministros não saibam grammatica - isso foi, quero crer, um exagero do illustre escriptor - eu o que queria é que s. exas. soubessem mais direito publico constitucional e economia politica; e s. exas. parece que se esqueceram d'elle completamente.

Não o sabem? Pois aprendam-n'o, que é a sua obrigação.

Pois dos apontamentos que eu tirei d'esse documento, e que vou ler á camara a traços geraes, porque Deus me livre de lhe apresentar um discurso a respeito de finanças e algarismos - a camara aborrecer-se-ia- vê-se o seguinte:

"Pouco antes da subida do governo ao poder a divida fluctuante era de 27:311 contos de réis. Em 30 de novembro ultimo subiu a 32:660 contos de réis. Em quarenta e sete mezes cresceu 5:349 contos. A despeza geral, que em 1893 era de 44:000, subiu a 55:000 contos de réis! Só a divida do ministerio das obras publicas a diversos fornecedores orça por 1:000 contos.

"A divida em conta corrente com o banco de Portugal, que em 29 de março de 1893 era de 10:438 contos de réis, em 2 de dezembro de 1896 ficou em 17:618 contos, tendo, portanto, augmentado no curto espaço de quarenta e seis mezes a fabulosa quantia de 7:180 contos."

Estes dados são tirados de documentos officiaes.

Escuso de me alargar em grandes considerações para fazer comprehender á camara a importancia d'este assumpto.

Sr. presidente, n'estas circumstancias, e apesar do que o sr. presidente do conselho nos diz no seu relatorio, parece que o nosso estado financeiro, relativamente, não é nada bom, chega mesmo a ser assustador.

Ha. no orçamento um saldo de 111 contos de réis, em que ninguem acredita, esteja o sr. presidente do conselho certo.

Sabe &. exa. o que faz lembrar este saldo?

Permitta-me a camara que eu. nesta triste discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa e do orçamento, que é uma grande... tristeza para o paiz, intervenha com uma nota alegre.

Havia um estudante em Coimbra que era prodigo na sua administração particular, como o governo o é na administração da fazenda publica. O pae, que não queria que elle fizesse despezas extraordinarias, nem esbanjamentos, como este governo faz, exigiu do filho que lhe mandasse mensalmente uma conta detalhada da receita e despeza.

O filho assim fazia, e no fim d'essa conta tinha sempre uma verba destinada á compra de uma chave, que custava sempre quantia superior de mez para mez, chegando uma occasião a elevar o preço d'ella a 12$000 réis! O pae, admirando-se de tanta chave que o filho comprava, pediu-lhe explicações sobre o caso; e sabem v. exas. qual foi a resposta do filho? "Que essa era a chave com que elle fechava sempre a conta!" (Riso.}

Pois estes 111 contos de réis são a chave do orçamento este anno!

Não me parece isto serio.

Mas, continuemos a folgar na analyse d'este importante documento.

O estado da fazenda publica em Portugal é triste e desolador.

Tenho aqui um artigo publicado no jornal Économiste Français, que não faz chantage, e onde se diz que a administração de Portugal é deploravel e que o paiz vae caminhando para outra bancarota.

E ha mais ainda, sr. presidente, v. exa. e a camara toda vão ouvir.

No banco de Portugal, quando os srs. ministros entraram para o ministerio, havia uma divida de 10:500 contos de réis, pouco mais ou menos, pois hoje já está em 17:000 contos de réis e quasi esgotado esse credito.

A emissão das notas attingiu já, segundo se vê pelo ultimo balancete, a 60:000 contos de réis; o agio do oiro cada vez maior, tanto que as libras já hontem se compravam a l$900 réis; o cambio a descer, supposto que não tanto como o nivel moral e politico do governo, e o sr. presidente do conselho a querer persuadir o paiz que as circumstancias financeiras não são tão graves como se diz!

Mas não é só o Economista que analysa por esta fórma o precario estado financeiro, são tambem outros jornaes affectos ao governo.

Lembra-me a este respeito o que vem no Almanach Hachette.

É muito curioso este almanach. Estão n'elle representadas todas as nações, carregando com um fardo representativo da divida publica de cada uma d'ellas.

Quer v. exa. saber como n'esse almanach Portugal é representado?

É o unico paiz que está de rastos e com um grande peso sobre as costas. Não se póde mexer.

Note. porém, v. exa. que ainda aqui falta outra cousa, e vem a ser o contrapeso de Salamanca.

Segundo o que o sr. conde de Burnay disse na camara dos senhores deputados, nas contas d'aquelle caminho de ferro não figuravam 7:000 contos de réis que n'elle se gastaram.

Quer dizer: o caminho de ferro de Salamanca, conforme o que disse o sr. conde de Burnay, não custou unicamente 4:000 ou 5:000 contos de réis, e sim 11:000 contos. E ainda o sr. ministro se não dignou de o explicar ao paiz, o que creio fará satisfatoriamente.

Não sou eu que o digo, é o sr. Burnay, homem que todos têem como um dos primeiros financeiros, e muita co-

Página 51

SESSÃO DE 23 DE JANEIRO DE 1897 51

nhecedor d'este negocio do caminho de ferro de Sala manca.

Hei de dizer tudo, sem rebuço. Hei de dizer a verdade embora corra o risco de ir ámanhã d'aqui para o castello de S. Jorge!

Sr. presidente, o discurso da corôa disse-nos uma verdade, ninguem o contestará, mas este, para não empregar a palavra propria, é uma phantasia, uma...

E a proposito, revejo na minha memoria um tempo em que n'um celebre theatrinho particular, por onde passaram nomes illustres nas letras, nas artes e na politica, se representavam as encantadoras obras de Garrett, que ainda não teve logar nos Jeronymos porque já não serve para especulações politicas!

N'esse theatro, agora me recordo, era ponto o sr. Antonio de Serpa Pimentel; e uma das comedias em que me foi dado representar o principal papel, tinha por titulo Fallar verdade a mentir, do divino poeta.

O protagonista da peça dizia muitas vezes a verdade mentindo - o avesso do governo actual que nem mentindo consegue dizer a verdade ao paiz. (Riso.)

Sr. presidente, quando nós comparamos os homens da epocha actual com os que n'outro tempo tanto illustraram Portugal pelos seus actos heroicos, não podemos deixar de sentir uma grande tristeza.

D. João de Castro, por exemplo, empenhava as barbas para salvar o paiz; este governo, porém, empenha o paiz para salvar as barbas. (Grande hilaridade.)

O governo tem a confiança da corôa, tem por si a força publica, e no parlamento conta com uma maioria compacta.

Não tem, pois, medo de cair.

E já que o sr. conde de Lagoaça fallou ha pouco em Fontes Pereira de Mello, quero a este respeito lembrar a v. exa. uma apreciação que Fontes fez em relação a um ministerio progressista.

Eu sou velho no parlamento; sou quasi a historia viva de todos os ultimos episodios parlamentares.

Fui por vezes deputado; não, porém, d'aquelles que costumam sair da copa dos chapéus dos srs. ministros.

O duque de Loulé tinha feito tres recomposições.

O sr. Fontes levantou-se uma vez e pronunciou a seguinte phrase: "aos ministros não ha nada que os faça abalar, estão agarrados como a ostra á rocha". Que diria hoje o illustre estadista, se fosse vivo, com a mão na consciencia, vendo que este ministerio não tem feito tres recomposições, mais seis, sete, oito... A ostra ministerial, como lhe chamava uma celebre poetisa n'um folhetim, não está na rocha, está hoje afincada no edificio social, mas em grandes pedras, e ninguem a arranca senão com o esforço que eu não quero classificar aqui, d'esse edificio, obstruido de entulho, será ar puro, nem luz vivificadora.

Não ha meio do governo cair, não ha desintelligencias, nem desaccordos, o governo é eterno. Um só meio haveria, sr. presidente, se o governo em logar de ser composto por estes cavalheiros, fosse constituido por senhoras.

Hoje é uma questão que se debate na America, a emancipação da mulher. Diz-se até que muitas vezes são ellas que governam; e a proposito lembrarei um facto historico do tempo de Luiz XIV.

Madame Maintenon, que exercia uma grande influencia no espirito do rei, estava sempre a fiar durante os concelhos de ministros. O duque de Noailles perguntou-lhe uma vez que significava estar ella sempre a fiar emquanto durava o conselho? Ao que ella lhe respondeu: "Fio um fio tenue e invisivel com que os governo a todos os senhores". (Riso.)

Hoje na America as mulheres exercem, e muito bem, a profissão de medicos, jornalistas e advogados, etc.

Já Aristophanes dizia, numa comedia espirituosissima que tratava da emancipação das mulheres, que estas tinham mais competencia para a governação publica que os homens.

Já v. exa. vê a grande vantagem do ministerio ser constituido pelo bello sexo.

V. exa. vê o exemplo de rainhas constitucionaes, como a de Hespanha, de Hollanda e a de Inglaterra.

A minha de Hespanha tem realmente feito um governo que causa a admiração de toda a gente; a minha de Inglaterra nunca sáe das formulas constitucionaes.

E v. exa. sabe como tem exercido escrupulosamente estas funcções a minha de Portugal, na ausencia do chefe do estado.

Sabe v. exa. a vantagem que havia em que o ministerio fosse composto de senhoras em logar de cavalheiros? É que o sexo gentil tem um sentimento que falta ao governo, o sentimento do pudor; (Riso.) se o governo o tivesse, já ha muito tempo não estava n'aquellas cadeiras. Que felicidade para o paiz. (Riso.)

Mas não é só esse o defeito do governo; tem outro ainda maior, o da ingratidão.

Os srs. ministros, como individuos particulares, são muito estimaveis, repito; todavia, alem dos seus meritos e talentos, não deixo de reconhecer que s. exas. devem a alta posição, que occupam, ao systema constitucional, que escarneceram e aviltaram. Ingratos! E a ingratidão é o peior defeito do coração, humano.

Creio que não terão a ousadia de vir dizer á camara, em face do paiz, que têem respeitado as formulas constitucionaes, que não têem rasgado o pacto fundamental da nação, que os elevou, que os engrandeceu!

Sr. presidente, estou cançado e a camara muito mais o está de me ouvir. Não me falta que dizer. Fica para outra occasião.

Sobre a questão de moralidade politica temos muito que conversar; mas, como a camara vê, não posso tratar de tudo com o desenvolvimento que desejava dar-lhe.

Veja v. exa. em que triste posição eu me encontro; estou a fallar n'uma assembléa, onde não agrado a ninguem.

Já Terencio dizia: "Obsequium amicos, veritas odium parit." A lisonja faz amigos, a verdade gera o odio.

Lisonjeio-me que não mereço esse ruim sentimento a nenhum dos dignos pares, mas estou convencido de que votam contra um additamento, que vou mandar para a mesa, ao tal paragrapho em que se diz que sobreleva a todas as questões a fazenda ....

Sr. presidente, nem um apoiado! Nem um, nem um só! Não admira, sr. presidente, pelo que respeita á fórma do discurso; mas quanto á essencia d'elle merecia-os. Eu esperava-os.

Quando eu dizia ao governo que administrasse com economia, era justo.

Como agora já está presente o sr. ministro da guerra, tenho occasião de felicitar s. exa., por vel-o nos conselhos da corôoa; mas ao mesmo tempo tenho pena da entrada de s. exa. para o ministerio, porque s. exa. assumiu gravissimas responsabilidades, a que eu me hei de referir quando entrar aqui em discussão o orçamento do ministerio da guerra. Isso ha de ser o bom e o bonito! (Riso.)

Em tres annos foram reformados 226 officiaes. Só generaes 102.

Estas reformas augmentaram a despeza em mais de 200 e tantos contos de réis, approximadamente 1 conto de róis por cada individuo reformado. Assombroso!

Só no mez passado, sr. presidente, foram reformados 8 generaes em consequencia da celebre lei do limite da idade, lei que não existe em nação alguma senão em França, mesmo ahi, sr. presidente, sabe v. exa. porque? É porque quando em França se estabeleceu a republica, quasi todos os generaes eram mais ou menos affectos ao regimen monarchico, e o governo republicano via-se na ne-

Página 52

52 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

cessidade de os afastar da effectividade do serviço e de fazel-os substituir por individuos da sua confiança.

Em relação a este assumpto hei de eu ter occasião de ler á camara uns artigos, supponho que escriptos, e muito bem, pelo actual sr. ministro da guerra.

E agora direi tambem que nós temos um exercito sem soldados.

Sinto que o sr. ministro da guerra me não mandasse uma nota que eu pedi sobre o effectivo das praças de pret; mas s. exa. naturalmente não a mandou, porque não lhe foi possivel. Faço-lhe essa justiça.

Voltando ás reformas, dizia eu que ha poucos dias foram reformados oito generaes, entre elles o sr. Vasco Guedes, que tinha a confiança do governo, militar muito considerado pela sua energia e capacidade de commando, alem de ser, como é, um distincto cavalheiro com cuja amisade me honro. S. exa., cumprindo rigorosamente o seu dever, e ainda em tão boas condições e tão querido de todos foi reformado! Foi reformado tambem o sr. João Joaquim de Mattos, engenheiro muito distincto e que sem embargo d'isso continúa prestando optimos serviços no conselho superior de obras publicas.

Mas ha mais, sr. presidente.

O general Silverio da Silva Pereira, de engenheria, que é da familia de Mousinho de Albuquerque, vae em viagem para Lourenço Marques, em desempenho de uma commissão activa e importante e foi reformado, embora o governo achasse n'este illustre official capacidade physica bastante para bem desempenhar essa commissão, e quando lá chegar terá como premio da sua dedicação e dos seus serviços, a sua reforma publicada em Ordem do exercito!

Pois não merecia soffrer esse desgosto!

Isto é um esbanjamento e um desconsideração.

O sr. ministro da guerra quando tiver alguma necessidade de serviço importante, ha de ir buscar as capacidades onde ellas estiverem.

Eu pergunto a s. exa. que me diga, com a mão na consciencia, se ámanhã precisasse de um general para defender a independencia do paiz, se fosse vivo, por exemplo, o marechal Saldanha, quem é que s. exa. iria buscar para commandar o exercito? Evidentemente o distincto caudilho da liberdade, embora tivesse de ir de carruagem, como o foi Moltke na batalha de Sédan!

Muitos outros esbanjamentos eu podia apresentar, o que farei em occasião mais opportuna.

Sr. presidente, eu vou terminar, pedindo á camara que me desculpe o tomar-lhe por tanto tempo a sua attenção.

Vou mandar para a mesa o meu additamento ao tal paragrapho da resposta ao discurso da corôa, que é a chave - não a do orçamento do sr. Hintze (Riso.) - do meu discurso, e espero que a maioria d'esta camara o ha de approvar se não quer dar o ultimo empurrão para as bordas do abysmo em que está o paiz.

Eu não posso ler o meu additamento porque já não veja.

O additamento é o seguinte: "... igualmente folgará a camara que, em vista das circumstancias criticas do paiz o governo de Vossa Magestade administre a fazenda publica com a mais severa economia".

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi cumprimentado por quasi toda a camara.)

O sr. Presidente: - Vae ler-se a primeira proposta do digno par, o sr. D. Luiz da Camara Leme.

Leu-se na mesa a proposta do digno par, que e ao teor seguinte:

Moção

A camara considera que o discurso da corôa deve ser a expressão germina da verdade, e que nenhum governo tem o direito de illudir o augusto chefe do estado.

Sala da camara, 23 de janeiro de }897. = O par do reino, Camara Leme,

O sr. Presidente: - Vou consultar a camara sobre se admitte esta proposta a discussão.

Os dignos pares que admittem á discussão a proposta que o digno par, o sr. D. Luiz da camara Leme, mandou para a mesa e que acaba de ser lida, tenham a bondade de se levantar e conservarem-se de pé para se verificar a votação.

Uma voz: - Não se ouviu.

O sr. Camara Leme: - Qual das minhas propostas se vota agora?

O sr. Presidente: - É a primeira proposta que s. exa. mandou para a mesa.

Vae ler-se outra vez.

Leu-se na mesa.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que admittem á discussão a proposta que o digno par, o sr. Camara Leme, mandou para a mesa e que acaba de ser lida, tenham a bondade de se levantar e ficarem de pé para se verificar a votação.

Pausa e depois de se verificar a votação.

O sr. Presidente: - Não está admittida.

O sr. camara Leme: - Não admittiram á discussão a minha proposta?

O sr. Presidente: - Vae ler-se o additamento ao projecto de resposta ao discurso da corôa tambem mandado para mesa pelo digno par, o sr. D. Luiz da Camara Leme.

Leu-se na mesa o additamento, que é do teor seguinte:

Additamento

Additamento ao paragrapho que começa: "sobreleva na verdade":

Igualmente folgará a camara que, em vista das circumstancias criticas do paiz, o governo de Vossa Magestade administre a fazenda publica com a mais severa economia.

Sala da camara, 23 de janeiro de 1897. = O par do reino, Camara Leme.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que admittem á discussão este additamento que acaba de ser lido tenham a bondade de se levantar.

(Pausa).

O sr. Presidente: - Está admittido e fica em discussão com o projecto.

Tem a palavra o sr. ministro da marinha.

O sr. Ministro da Marinha (Jacinto Candido): - Cabe-lhe a honra de responder ao illustre parlamentar, o digno par e sr. Camara Leme, por parte do governo, e isto porque s. exa. foi tambem primeiro que o honrou fazendo-lhe referencias no discurso que acaba de proferir.

O digno par alongou-se em considerações de ordem politica, de ordem financeira, de ordem moral, e por ultimo em considerações respeitantes á administração militar.

Comprehende a camara que, n'esta parte, o discurso de s. exa. foi antes a enunciação de um programma de opposição radical, categorica e formal ao governo, do que realmente a discussão de actos governativos determinados, definidos, a que o digno par se tivesse referido.

A seu tempo, e á medida que cada um d'esses assumptos vier á téla do debate, o digno par apresentará as suas rasões. Do que, porém, s. exa. póde estar certo, é de que o governo, no uso do seu direito e, mais do que isso, no cumprimento do seu dever, não deixará de fazer a defeza de todos os seus actos, e muito especialmente d'aquelles em que o digno par parece querer lançar uma nodoa tanto mais - como dirá? - tanto mais para estranhar, quanto ella é absolutamente repugnante ao passado politico de todos os homens que se sentam nas cadeiras do governo.

Questões de moralidade?! O governo não as teme.

Interrupção do sr. D. Luiz da Camara Leme.

Página 53

SESSÃO DE 23 DE JANEIRO DE 1897 53

Questões de moralidade, o governo não as teme, não as teme elle.

Visto que o digno par sr. Camara Leme o visou individualmente, permitta-lhe s. exa. que elle diga altivamente, como sempre durante toda a sua carreira politica, na sua vida publica e na sua vida particular o tem feito, com a energia e a hombridade que dá a consciencia intemerata de quem nunca faltou ao cumprimento do seu dever, que não permitte, não admitte a ninguem um vislumbre de suspeita.

Questões de moralidade?! Venham ellas para o debate.

O sr. Camara Leme: - Eu peço licença a v. exa. para dizer-lhe que me refiro apenas ao facto. Pedi os documentos e v. exa. não m'os mandou. Sobre esse ponto nada mais disse. Não tenho culpa do que se passou na outra casa do parlamento, nem do que se tem dito a esse respeito.

Estimarei muito que v. exa. se justifique, e estou persuadido de que se justificará. Fique, porém, bem assente que eu apenas me refiro ao facto passado e nada mais.

O Orador: - O digno par, que elle respeitou como deve, tem, apesar da sua idade, todo o calor de um espirito juvenil. Ainda se impressiona e arrasta pela paixão do debate.

Não deve, pois, estranhar que elle, mais novo na vida publica, quando lhe fazem vibrar esta corda, que especialmente lhe é tão delicada, se deixe tambem arrastar um pouco, pela exaltação que n'elle determina tudo quanto possa assimilhar-se a uma simples suspeita, que possa vir pôr em duvida a honestidade inquebrantavel do seu caracter. (Apoiados.)

O sr. Conde de Lagoaça: - N'esta camara ainda ninguem disse nada a v. exa. Na outra é que se disse.

O Orador: - O que desejava era que não se fizessem allusões desta ordem a homens publicos, que têem procurado no decurso de toda a sua carreira, affirmar sempre, por todas as fórmas, em todas as circumstancias, através de todas as crises uma linha inflexivel no cumprimento do dever.

O sr. Conde de Lagoaça: - Ninguem n'esta camara duvida da honestidade de v. exa., nem da de nenhum dos srs. ministros.

Eu, em nome da pequena opposição d'esta casa, declaro que ninguem duvida da honestidode de v. exa.

Esta prelecção, aliás muito bem feita, e com applauso de todos, deveria ter sido feita antes na camara dos senhores deputados, aos infieis, e não aqui.

O Orador: - Ainda mais uma vez folga com a interrupção do digno par. Cumpre-lhe explicar á camara que se na outra casa do parlamento não tomou a palavra, se não declarou lá o que está declarando, a rasão foi porque na camara dos senhores deputados se discutia a resposta ao discurso da corôa, e esta questão veiu accidentalmente levantada por um deputado que era o relator da resposta ao discurso da corôa, de cujas intensões elle estava seguro, bem como todo o governo, e de quem não poderia haver a menor sombra de suspeita.

Não quiz interromper a discussão da resposto ao discurso da corôa para enxertar este incidente, e deixou para a primeira occasião opportuna, para n'esta ou na outra camara varrer para bem longe qualquer insinuação ou sombra de suspeita que se podesse levantar.

Voltando ao assumpto e seguindo a sua ordem de considerações, dirá, no que respeita á administração da fazenda, ter o digno par o direito incontestavel de expor as suas apreciações e a sua critica; o seu collega, o sr. presidente do conselho, responderá por certo a todas as apreciações sobre o estado da fazenda publica.

No que diz respeito ás considerações de ordem politica, permitta-lhe o digno par e a camara que elle se não demore sobre esta questão, que o anno passado constituiu, por assim dizer, a discussão d'esta casa do parlamento, e mal parece hoje que o digno par, distincto ornamento d'esta camara, que acaba de illustrar o debate com a sua palavra, venha insurgir-se contra a illegalidade d'esta assembléa de que o proprio digno par faz parte.

São factos mais que consummados, são factos justificados em vista de providencias legislativas approvadas pelas côrtes, e a elle só lhe cabe o dever de acatar as leis do seu paiz e a organisação dos diversos poderes do estado.

Não queria fallar nas questões militares, mesmo porque, no que diz respeito a ellas, o digno par apenas formulou algumas proposições, sem as precisar em pontos determinados, e, portanto, nada tem que dizer a tal respeito.

Ha, porém, tres pontos a que s. exa. se referiu com mais precisão e que interessam á pasta cuja gerencia lhe está confiada, e a esses tres pontos tratará de responder com o desenvolvimento compativel com o adiantado da hora, porque não quer protelar o debate nem fazer esperar demasiado tempo os illustres oradores que n'elle tenham ainda de tomar parte.

Referiu-se o digno par á questão da companhia do Nyassa, ao monopolio do álcool em Angola e á questão dos commissarios regios.

Julga que foram estes os pontos tratados por s. exa.

A respeito da primeira questão, sabe já o digno par que a requisição feita, a pedido de s. exa., pela mesa d'esta camara, pelo seu ministerio, e o sr. presidente já o declarou a s. exa., acrescentando que d'isso fôra dada já conta á camara, ha dias, que a resposta dada pela repartição competente a essa requisição foi de que no ministerio não existia consulta alguma da procuradoria geral da coroa, com a data apontada por s. exa., sobre aquelle assumpto; mas já que s. exa. trouxe esse assumpto á discussão, diria que a questão da companhia do Nyassa está sujeita aos tribunaes competentes, e que o governo saberá aguardar serenamente a respectiva decisão d'elles, pois o poder judicial é um poder independente.

Sobre a questão do monopolio do alcool em Angola, permitia-lhe a camara um pouco de historia indispensavel.

A provincia de Angola era uma das nossas provincias ultramarinas que tinha antigamente um grande desenvolvimento, accusando as contas da sua gerencia saldos importantes, que eram applicados, quer á propria provincia, quer a outras cujas circumstancias financeiras eram menos prosperas.

Em 1892, na idéa de se dar trabalho aos nossos operarios e de promover o desenvolvimento das nossas industrias, tratou-se de estabelecer um regimen pautal para o ultramar, regimen que é essencialmente proteccionista e do qual se resultou, na verdade, uma grande vantagem para essas industrias, produziu, porem, um enorme decrescimento nos rendimentos das alfandegas ultramarinas. E assim, ao passo que se abriam os mercados á importação da nova industria algodoeira e se alargavam as fabricas existentes e se montavam outras novas, e os algodões nacionaes expulsavam quasi completamente os estrangeiros, ia decrescendo o rendimento financeiro da provincia de Angola. Quer dizer, em vez das circumstancias prosperas a que ha pouco se referiu, entrava-se n'uma crise aguda.

Quando teve a honra de assumir a gerencia da pasta da marinha a crise era tal que quasi mensalmente se sacavam sobre a metropole 50 a 60 contos de réis.

Naturalmente, n'essas circumstancias, o governo procurou o meio de remediar este estado de cousas. Assim o exigiram os interesses publicos.

Dois remedios se lhe apresentavam: a tributação dos algodões na metropole e a do alcool em Angola.

Circumstancias especiaes occorridas em Angola, a occupação da Lunda, determinaram o governo a pôr á frente da administração superior da provincia um alto funccionario que podesse occorrer de prompto a qualquer circumstancia que os casos reclamassem.

Para não enxertar na historia fazendo da contribuição

Página 54

54 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

do alcool a rasão de ser dos commissarios regios, a que o digno par se referiu, reservará esta questão para em occasião mais opportuna a justificar.

Dirá apenas que o sr. Guilherme Capello é um militar illustre, um dos mais distinctos ornamentos da armada real portugueza.

É um official que alem de uma grande experiencia dos negocios ultramarinos, pois que só na provincia de Angola esteve seis annos como governador, alem de uma auctoridade moral e de uma superioridade de caracter que estão acima do toda a suspeita, (Apoiados.) tem sempre mostrado uma dedicação pelos serviços publicos e uma abnegação de todas as suas conveniencias particulares em favor dos interesses do estado, que o tornam digno dos maiores louvores. (Apoiados.)

A sua nomeação foi recebida pelo paiz com geraes applausos.

Aquelle alto magistrado partiu, pois, para desempenhar as funcções de que tinha sido encarregado, levando instrucções sobre diversos assumptos e sobre os problemas que mais deviam merecer a sua attenção, e muito especialmente sobre o estudo da tributação do alcool, que tem sido, e é, um dos problemas de cuja solução mais se têem occupado os que se dedicam ao estudo das questões financeiras.

O digno par sabe que desde 1886 o regimen tributario do alcool na metropole tem sido estudado, reformado, emendado e modificado successivamente, e que ainda se conhece que o regimen existente é imperfeito.

E o que acontece entre nós sobre a tributação do alcool, dá-se tambem em todos os paizes, porque o desejo de todos é salvaguardar os interesses do thesouro, evitando quanto possivel as fraudes por parte do contribuinte.

Portanto, se acontecia isto na metropole, como acontece em toda a parte, era necessario dar instrucções ao delegado do governo, áquelle alto funccionario, que lhe merecia, como merece ainda hoje, a mais inteira e completa confiança, a fim de que elle estudasse o problema só ore a tributação do alcool, tanto mais que não era uma industria antiga, que tivesse historia, mas sim uma industria nascente, que começava a desenvolver-se.

Este problema foi, pois, confiado ao estudo do sr. Capello.

Este funccionario, ao partir para o seu logar, deixou aqui encarregado de colher novos dados outro official, capitão de fragata, o sr. Gomes Coelho, emquanto elle estudava em Angola o mesmo assumpto.

Mais tarde o sr. Cromes Coelho procurou-o e disse-lhe que lhe parecia ter achado uma fórma conciliatoria de todos os interesses na questão do alcool, e leu-lhe uma memoria relativa á fórma de o tributar n'aquella provincia.

Disse-lhe que áquelle assumpto estava entregue ao commissario regio a quem se deveriam fazer quaesquer ponderações em presença das circumstancias affectas ao seu exame directo. Declara, porém, á camara, e isto é a genuina expressão da verdade, que essa leitura foi rapida, e que não solicitou nenhuma explicação por isso que tinha delegado o assumpto n'um funccionario da sua confiança.

Parece-lhe que n'essa memoria se tratava da formação de um gremio fechado dos fabricantes de alcool.

Mais tarde soube que o sr. Capello respondera ao sr. Gomes Coelho que não concordava com o systema por este apresentado é que entendia necessario introduzir-lhe profundas alterações para poder satisfazer a um regimen perfeito de tributação.

Tempos depois o sr. Gomes Coelho partiu para a provincia de Angola, tendo estado em correspondencia por cartas com o sr. Capello; e partiu levando varios cálculos e outros elementos de apreciação do assumpto. Por ultimo o telegrapho communicou a noticia da publicação de um decreto estabelecendo um regimen de monopolio que dava 300 contos de réis de receita para o thesouro e vigoraria por trinta annos.

Recebeu o telegramma e aguardou a vinda do decreto, que apresentou em conselho de ministros para resolver e discutir a questão.

Pelas declarações do governo na outra casa do parlamento, a camara conclue quaes foram as deliberações tomadas.

O governo resolveu que em virtude da legislação em vigor com referencia á tributação do alcool, era imprescindivel a sancção parlamentar; e, portanto, visto que as côrtes estavam reunidas, lhes devia ser submettido esse assumpto, depois de ouvidas as estações competentes ou corpos consultivos, isto é, a commissão das pautas ultramarinas e a junta consultiva do ultramar.

O decreto, tal como está concebido, acha-se absoluta e completamente posto de parte como systema tributario que não póde ser nem, é partilhado pelo governo. Já fez esta declaração na commissão de pautas ultramarinas e na junta consultiva do ultramar, porque, embora esta tentativa do commissario regio tivesse um grande valor por mostrar que na tributação do alcool é possivel obter-se uma importantissima receita para o equilibrio financeiro da provincia, a engrenagem, a estructura do projecto tem alguns defeitos que, sob o ponto de vista economico e financeiro, o tornam inviavel.

Portanto, a questão do monopolio do alcool tem, permitta a camara que lh'o diga, tres aspectos: o aspecto economico financeiro, o aspecto legal e o aspecto historico moral. Sob todos elles expuz á camara.

Sob o ponto de vista legal, mostrou que o governo cumpriu com a lei, mandando suspender o decreto, como de facto está suspenso, por isso que, tratando de assumpto da competencia do parlamento, só este podia resolver sobre elle.

Sob o ponto de vista economico financeiro, os sobresaltos ou duvidas que podesse haver, devem tambem estar desvanecidos no espirito de quem os tivesse, porque o governo já declarou terminantemente que não abraça, que não defende e que põe de parte o decreto tal como foi concebido pelo commissario regio.

Ha, por ultimo, o ponto de vista historico moral. Quanto á historia, já a camara a conhece; quanto á moralidade, o paiz julgará, pela austeridade, pelo alto valor moral do illustre firmante do decreto, se é possivel que alguem ouse lançar sombra de suspeita sobre um homem com immaculada vida publica, e que tem justamente conquistado jus ao respeito e consideração de todo o paiz.

O pensamento que se procurou insinuar de que é decreto foi aqui fabricado e d'aqui mandado é tão deprimente, tão degradante, tão improprio e incompativel com a dignidade, com o decoro, com o caracter, emfim, do commissario regio de Angola, que não merece refutação.

Sempre dirá, comtudo, que podia ter ido d'aqui elaborado tudo quanto se podesse condensar n'aquelle decreto, estando aqui os que no assumpto tivessem os interesses, que áquelle funccionario era incapaz de assignar de cruz, incapaz de pôr o seu nome n'um diploma de caracter economico e financeiro, sem o examinar detidamente sob o ponto de vista do interesse do estado, do interesse publico.

N'esse ponto não tem duvida em assumir todas as responsabilidades que se queira lançar ao illustre commissario regio de Angola.

Outro ponto do discurso do digno par a que tinha de referir-se era sobre as faculdades que convinha darem-se aos commissarios regios nas provincias ultramarinas.

Que e digno par entenda que se devam delimitar as attribuições dos commissarios regios, perfeitamente de accordo; mas não pelas rasões por s. exa. expostas.

Póde ser errada a apreciação de um commissario regio ao elaborar um documento, mas não lhe parece que d'aqui possa presumir-se a necessidade de restricções impostas a esses funccionarios, que precisam muitas vezes providen-

Página 55

SESSÃO DE 23 DE JANEIRO DE 1897 55

ciar de prompto, segundo os interesses diversos e urgentes desta ou d'aquella provincia ultramarina que lhes esteja confiada, e segundo as circumstancias.

Mas este ponto elle o tratará largamente quando n'outra occasião o digno par, ou outro seu collega, o trouxerem a especial debate.

Por agora, e na discussão da resposta ao discurso da corôa, parece-lhe ter dito o sufficiente.

(O orador foi muito cumprimentado.)

(O discurso será publicado na integra quando forem devolvidas pelo orador as provas tachygraphicas.)

O sr. Conde de Thomar: - Peço a palavra.

O sr. Presidente: - Estão inscriptos os dignos pares os srs. conde de Lagoaça e conde de Thomar.

Está dada a hora de se encerrar a sessão.

A proxima sessão é na segunda feira, 25 do corrente, e a ordem do dia é a continuação da discussão da resposta ao discurso da corôa.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 23 de janeiro de 1897

Exmos. srs. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa; Marquezes, de Pombal, da Praia e de Monforte (Duarte); Arcebispo de Évora; Arcebispo bispo do Algarve; Bispo conde de Coimbra; Condes, da Azarujinha, de Bertiandos, de Lagoaça, de Magalhães, de Thomar; Viscondes, de Asseca, de Athouguia, da Silva Carvalho; Moraes Carvalho, Antonio de Azevedo, Serpa Pimentel, Arthur Hintze Ribeiro, Cau da Costa, Ferreira Novaes, Palmeirim, Sequeira Pinto, Ernesto Hintze Ribeiro, Larcher, Jeronymo Pimentel, Gomes Lages, Baptista de Andrade, José Maria dos Santos, Pimentel Pinto, Camara Leme e Thomaz Ribeiro.

O redactor = Urbano de Castro.

Página 56

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×