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CAMARA DOS DIGNOS PARES

SESSÃO N.° 5

EM 28 DE ABRIL DE 1905

Presidencia do Exmo. Sr. Antonio Candido Ribeiro da Costa

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
Francisco José Machado

SUMMARIO.- Leitura e approvação da acta.-Expediente.- Entra na sala, presta juramento, e toma assento, o Exmo. Sr. Conselheiro Veiga Beirão.- O Sr. Presidente do Conselho dá conta da solução da crise ministerial, e faz a apresentação dos novos Ministros.- Referem-se á crise ministerial, o Digno Par E. Hintze Ribeiro, novamente o Sr. Presidente do Conselho, os Dignos Pares Baracho e João Arroyo, ainda o Sr. Presidente do Conselho, e os Dignos Pares José de Azevedo Castello Branco e Teixeira de Sousa. - Os Srs. Ministro do Reino e das Obras Publicas responderam a algumas perguntas d'este ultimo Digno Par. - O Digno Par Jacinto Candido sauda os novos Ministros.- O Digno Par Mattozo Santos manda para a mesa alguns requerimentos, que são expedidos.- Entre o Digno Par João Arroyo e o Sr. Presidente do Conselho trocam-se algumas explicações tendentes a esclarecer uma resposta do Governo.- O Digno Par Baracho allude á crise, e pede o comparecimento de alguns dos membros do Governo para versar com S. ,Ex.as differentes assumptos.- O Sr. Ministro do Reino manda para a mesa uma proposta de accumulação de funcções legislativas. E aprovada.- Encerra-se- a sessão, e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Assistiu á sessão todo o Ministerio.

Pelas 2 horas e 3õ minutos da tarde, verificando-se a presença de 44 Dignos Pares, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida, e seguidamente approvada, a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Officio do Ministerio do Reino, participando que, por Cartas Regias, Sua Majestade houve por bem nomear os Dignos Pares, José Frederico Laranjo e Luiz. Fisher Berquó Poças Falcão, para, pela ordem indicada, presidirem a esta Camara, nos termos da carta de lei de 15 de setembro de 1842.

Para o archivo.

Officio do Sr. Ministro da Marinha, respondendo a um requerimento apresentado pelo Digno Par Sebastião Baracho.

A secretaria.

Officio do Sr. Ministro da Fazenda, remettendo 120 exemplares do Orçamento Geral do Estado para o exercicio de 1905-1906.

Mandaram-se distribuir.

Officio da mesma procedencia, satisfazendo um requerimento apresentado pelo Digno Par Mattozo Santos.

A secretaria.

Officio da mesma procedencia, satisfazendo, em parte, um requerimento do Digno Par Sebastião Baracho.

A secretaria.

Officio da mesma procedencia, satisfazendo um requerimento do Digno Par Teixeira de Sousa.

À secretaria.

Leu-se na mesa a seguinte Carta Regia.

Francisco de Castro Mattoso da Silva Côrte Real, do Meu Conselho, Par do Reino e Juiz do Supremo Tribunal de Justiça. Amigo.

Eu El-Rei vos Envio muito saudar.

Tomando em consideração, o vosso distincto merecimento, experiencia dos negocios publicos e mais circumstancias attendiveis, que concorrem na vossa pessoa: Hei por bem. Tendo em vista o disposto no artigo l.° do decreto de 27 de janeiro de 1887, Nomear-vos para o cargo de Vice-Presidente da Camara dos Dignos Pares do Reino para a presente sessão legislativa.

O que Me pareceu participar-vos para vossa intelligencia e effeitos convenientes.

Escripta no Paço das Necessidades, em 24 de abril de 1905.=EL-REL= Antonio Augusto Pereira de Miranda.

O Sr. Presidente:-Está nos corredores d'esta Camara o Sr. Conselheiro Francisco Antonio da Veiga Beirão que vem prestar juramento e tomar assento. Convida para o introduzirem na sala os Dignos Pares Srs. Eduardo José Coelho e Francisco de Castro Mattoso Côrte. Real.

Introduzido S. Exa. A na sala, prestou juramento e tomou assento.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (José Luciano de Castro): - A Camara sabe que, tendo o Sr. Conselheiro Pereira de Miranda pedido e insistido pela sua exoneração do cargo de Ministro do Reino, dignou-se Sua Majestade El-Rei conceder-lh'a, nomeando para exercer aquelle cargo o Sr. Conselheiro Eduardo José Coelho, que era Ministro das Obras Publicas, e entrando para esta pasta o Digno Par Sr. D. João de Alarcão.

Em poucas palavras explicará á Camara as razões d'esta modificação ministerial.

O Sr. Pereira de Miranda não sahiu do Governo por quaesquer divergencias, em questões de politica ou de administração, que tivesse com os se tis

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collegas; pelo contrario, sempre esteve com elles na maior concordancia de ideias e na maior conformidade de pensamentos.

S. Exa. sahiu do Governo por considerações inteiramente pessoaes, por motivo de incommodo da sua saude, que nos ultimos tempos se tinha aggravado a ponto de S. Exa. julgar-se impossibilitado de prestar aos seus collegas a effectiva cooperação, que em sua consciencia entendia, que lhes devia prestar no Governo. '

Alem d'isso é sabido que o Sr. Conselheiro Pereira de Miranda, só constrangido, e por um acto de dedicação politica e pessoal, em razão do estado de saude d'elle, orador, na occasião em que se constituiu o Governo, annuiu a entrar no Ministerio.

Tendo entrado contra sua vontade, tambem contra sua vontade ali permaneceu, em quanto persistiram as condições excepcionaes que lhe impuseram o seu ingresso nos Conselhos da Coroa. Modificadas essas condições, já pelo aggravamento dos seus padecimentos, já pela melhoria da saude d'elle, orador, o Sr. Pereira de Miranda insistiu novamente na sua sabida do Governo e, por tal maneira, e com tal instancia o fez, que os seus! collegas se viram forcados a concordar com essa sua vontade com bastante pezar, porque S. Exa. deixou as mais gratas recordações da sua convivencia no Ministerio.

O novo Ministro do Reino é o Conselheiro Eduardo José Coelho, que a Camara muito bem conhece.

O Sr. Eduardo José Coelho é um antigo parlamentar, foi presidente da Camara dos Senhores Deputados, Ministro n'outra situação progressista, alto funccionario administrativo, e, nos desempenhos d'essas differentes funcções tem S. Exa. manifestado bastantes provas da sua, aptidão para exercer dignamente o alto logar que lhe foi agora confiado.

Entra pela primeira vez nos Conselhos da Coroa o Sr. D. João de Alarcão, que é tambem muito conhecido da Camara.

O Sr. D. Joio de Alarclo tem sido um funccionario exemplar no exercicio dos differentes cargos publicos que tem occupado, e a Camara aprecia bem as excellencias do caracter de S. Exa. e do valor da sua; intelligencia. Está certo do que não se engana, asseverando a Camara que o novo Ministro ha de desempenhar-se briosamente da missão que lhe foi commettida.

Pelo que acaba do expor, vê-se que não houve alteração importante, porque a modificação limitou-se á entrada de um Ministro e á sahida de outro.

Não ha qualquer modificação, nem no programa ministerial, nem Ba sua situação politica.

Se não foi completo nas suas decla-se rações está á disposição da Camara para as explanar e desenvolver tanto quanto possa.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - É-lhe grato ver presente o Sr. Presidente do Conselho, por motivos muito differentes, e todos elles bem conhecidos.

A estima em que o tem, não é de hoje. Vem de longos annos e, através de todas as vicissitudes e de todas as conjuncturas da vida politica, tem-se mantido inquebrantavel, se bem, que, por vezes, tenham tentado lançar-lhe sombras, injustiças que doem, e malevolencias que ferem.

Não só em virtude d'esta estima pessoal, mas ainda pela propria força das circunstancias, folga com a presença do Sr. Presidente do Conselho. O Sr. José Luciano de Castro tem procurado concentrar a direcção do seu partido e parece insistir n'esse proposito. E um bem? E um mal?

Sem duvida a disciplina e a unidade são condições impreteriveis de todos os partidos, mas, nos agrupamentos politicos, mais do que a vontade de um só, deve imperar o convencimento e a solidariedade de todos; e mais do que, na obediencia, na propria affeição e confiança entre o chefe e os seus partidarios deve assentar a melhor garantia do procedimento e do caminhar do Governo,

Dado o nosso regimen politico, e os nossos costumes parlamentares, a presença- e acção do Presidente do Conselho é absolutamente indispensavel em todos os debates, nas occasiões mais difficeis, nas 'questões mais graves, e que contendam com o bom nome e prosperidade do paiz.

A funcção de Presidente do Conselho, & uma funcção muito especial. Ao lado do chefe do Estado, tem de combinar os problemas mais arduos, e as necessidades mais de momento, que se encontram no caminho de um Governo, mas ainda, no proprio Parlamento, nos Debates que se suscitam e nas questões que se levantam, é sempre o Presidente do Conselho que tem, evidentemente, de dar a nota politica, atrás,- da qual vão- os seus collegas. Comprehende, que, quem está ao leme não o pode desamparar, senão para se fazer; substituir de vez.

M"as, se isto é sempre assim, em condições normaes, muito mais o é agora na ocasião presente, em que se agita uma questão de todo o ponto grave, a questão aos tabacos questão essa em que em e outros teem responsabilidades, ;responsabilidades que se hão-de tornar efectivas, effectividade que. evidentemente, se toma imprescindivel.

Não quer n'este momento antecipar-se ; deseja somente definir a sua altitude, e a dos seus amigos politicos, para que não haja, em assumpto tão importante, futuras illusões.

Todos sabem que o Governo a que teve a honra de presidir, se viu a braços com essa questão, e procurou desempenhar-se do seu dever com a lealdade e com a dedicação que deve ao seu paiz.

Negociou um contrato, em que empregou o melhor da sua vontade, e o melhor dos seus esforços, sacrificando-se, com o desprendimento de tudo o que não fosse o interesse do paiz, e só fechou esse contrato quando se preparava para chegar a uma conclusão concreta. Fechou o contrato, e trouxe-o ás Camaras com todos os documentos precisos.

Então apresentou-se uma nova proposta, que se lhe afigurou mais vantajosa nas suas clausulas e, perante isso, o Governo entendeu que devia procurar a conciliação dos interessados, porque, acima de tudo, estavam, manifestamente, os interesses da nação.

Não póde fazel-o, e preferiu deixar a outros que melhor pudessem levar a cabo tal empresa. Mas, deixou a situação livre, desafrontada, e sem compromissos de especie alguma, e, por consequencia, deixou qualquer acção completamente livre, e despida de difficuldades que enfraquecessem qualquer iniciativa.

Agora, veiu perante o Parlamento um contracto que, no interesse do paiz, devia ser melhor do que se negociou então; as proprias circumstancias o facilitavam ; a melhoria das nossas condições economicas e financeiras davam azo a que pudesse obter um resultado, que correspondesse ás exigencias de todos.

Infelizmente, não é esse ò resultado.

Se apenas tivéssemos o dever de defender as nossas responsabilidades, elle, orador, o faria, e não iria contra o que fosse melhor do que o que pudesse ter feito; mas infelizmente, repete, vê que foram essencialmente modificadas clausulas importantes no contracto de 16 de j nino, e isso o leva, e aos seus amigos politicos a definir a sua attitude, que só pode ser a do ataque mais franco e leal á obra do Governo. Assim cumprimos o nosso dever.

Por outro lado, dirigiu essas negociações o .Sr. Presidente do Conselho, e posto todo o Governo seja solidario com S. Exa., e todos os seus membros estejam promptos a partilhar as responsabilidades do seu chefe, a verdade é que, a quem cabe defender essa obra, é ao Sr. Presidente do Conselho, e assim,. a presença de S. Exa., é absolutamente imprescidivel.

Nem nós poderiamos discetir as responsabilidades sem que, quem negociou.

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o contracto aqui estivesse, isto sem de forma alguma querer faltar á deferencia que elle, orador, e os seus amigos teem por S. Exa., e sem os animar o mais leve intuito de aggravar os seus soffrimentos physicos. (Applau-os geraes).

Pelo que toca á recomposição ministerial, pouco tem que dizer.

Quanto á retirada do Sr. Pereira de Miranda, limitar-se ao que já disse na ultima sessão: que S. Exa. faz falta.

Veiu para Ministro do Reino o Sr. Eduardo José Coelho.

Por certo terá que conversar com S. Exa. mas agora só lhe dirá que deseja que S. Exa. não traga para o Governo os preceitos que lhe ouvira expender, quando na opposição.

Por ultimo, e relativamente ao Sr. D. João de Alarcão, com quem teve a honra de servir na Procuradoria Geral da Coroa, faz votos por que seja util ao paiz a sua gerencia na pasta das Obras Publicas.

(O orador não reviu).

(S. Exa. foi cumprimentado por alguns Dignos Pares).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (José Luciano de Castro): - Por um dever de cortesia parlamentar, e pela deferencia que pessoalmente deve ao Digno Par quê acaba de usar da palavra, levanta-se, não só para agradecer as palavras benévolas que lhe dirigiu, mas, tambem, para affirmar a S. Exa., que durante a discussão da questão dos tabacos -e de qualquer outra que possa debater-se na Camara e em que a sua presença se torne necessaria-, não deixará de comparecer, ali, salvo se imperioso e indeclinavel motivo de saude o obrigar a qualquer falta.

Sabe S. Exa. que, se tem deixado de assistir aos trabalhos parlamentares, é porque a impossibilidade physica determinou essa circumstancia, pois o Digno Par sabe tambem que elle, orador, em toda a sua j u longa carreira politica, jamais fugiu do Parlamento ou se eximiu a tomar parte em quaesquer debates em que deva intervir. Sente-se na Camara muito á sua vontade, principalmente na questão a que S. Exa. alludiu, e deve dizer ao Digno Par que, só por motivo de impossibilidade physica poderá deixar de comparecer n'esta Camara a dar as explicações, que S. Exa. desejar, não porque elle fosse, como S. Exa. pareceu dar a entender, o unico negociador d'esse contrato.

Embora assuma toda a responsabilidade da celebração d'esse contrato, todavia, não quer para si só a gloria, nem a responsabilidade dos negociações de um trabalho tão importante como este, do qual hão de provir grandes, vantagens para o paiz. Pertencem a ; todo o Governo, que é solidario; nunca houve a menor discrepancia, e sobretudo ao sr. Ministro da Fazenda, se deve uma parte importantissima d'essas negociações.

Não quer a vangloria de assumir a responsabilidade de um trabalho que partence a outrem: pertence a todos osseus collegas, e, especialmente, ao Sr. Ministro da Fazenda, que, como já disse, teve uma parte importante n'essas negociações. (Apoiados).

Dadas estas explicações, aguarda com impaciencia, com curiosidade até, a demonstração que o Sr. Hintze Ribeiro prometteu fazer á Camara, das vantagens do contrato celebrado em 16 de julho do anno passado sobre o contrato de 4 de abril d'este anno.

Sabe bem quão grandes são os recursos de intelligencia do Digno Par, quanto é vigorosa a sua dialectica mas, apesar do respeito e admiração pelas suas levantadas faculdades de orador parlamentar, chega a duvidar que S. Exa. possa realizar o milagre de demonstrar á Camara essas vantagens.

Aguarda a occasião de S. Exa. demonstrar mais uma vez á Camara quanto são brilhantes as suas faculdades de orador e, até lá, não tem o menor receio, nem a menor duvida de dar ao Parlamento todas as explicações que quiser, apesar do Governo ter acompanhado o seu relatorio com todos os documentos que justificam o seu procedimento, e que bem orientam e esclarecem a questão.

Estão dados todos os esclarecimentos, mas se forem precisos mais alguns, está ás Ordens do Sr. Hintze Ribeiro, e de todos os Dignos Pares. Dadas estas explicações, só tem de dizer que uma ou outra vez terá de solicitar da Camara a sua benevolencia, visto a sua saude ainda não se achar completamente restabelecida; mas crê que tem dado sufficientes provas de que, emquanto as suas forças o permitiam nunca se eximirá aos debates parlamentares, assumindo todas as responsabilidades que lhe competem. Voltará portanto á Camara sempre que possa, e prompto a debater todas as questões para que for requerida a sua presença.- Vozes: - Muito bem).

(S. Exa. foi muito cumprimentado).

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Sebastião Baracho: - Terminou o Sr. Presidente do Conselho por fazer affirmações da sua responsabilidade perante a Camara e o paiz; mas essas affirmações eram completamente ociosas, por- quanto todos sabem que as responsabilidades do chefe do Governo são apenas platónicas, attentas as cir-curastancias de não existir a responsabilidade criminal dos Ministros.

N'uma paiz como o nosso, que navega a tudo o panno no campo do arbitrio e da anarchia, havia ainda um. correctivo para os desmandos da administração- o Parlamento - apezar de tão mal constituido. Mas sendo esse correctivo cerceado até ao ponto de que a doença já é impedimento para se exigirem contas a quem tem obrigação de as dar; e, se a doença já serve de habilitação para Presidente de Conselho, cumpre ao orador protestar mais uma vez por se enveredar pelo caminho que se vae seguindo do absolutismo bastardo, que quer fazer reconhecer como boa doutrina uma tal heresia !

O Sr. Presidente do Conselho, que apparece hoje aqui pela primeira vez, quasi um mez depois de aberto o Parlamento - falta que é devida sem duvida ao seu mau estado de saude, que todos lamentam - não pode evitar uma analyse severa aos seus actos.

O seu estado de saude não se coaduna com as funcções de chefe do Governo, tanto mais que a presente situação é bem definida e clara em virtude dos successivos atropelos e offensas á Constituição do paiz.

N'esta ordem de ideias falou o Sr. Hintze Ribeiro, em termos suaves, mas comprehensiveis para todos. Sustentou a boa doutrina, já bem patenteada por esse Digno Par n'esta Camara, em 1900, quando o Sr. Presidente do Conselho de então, o Sr. José Luciano de Castro, tambem por doença, deixava de comparecer no Parlamento, não se discutindo por isso um bill de indemnidade que estava em ordem do dia.

Sustentou n'esse anno o orador, na Camara electiva, onde tinha assento, a necessidade da presença do Sr. José Luciano de Castro, para se discutir um aviso previo que demandava a presença de S. Exa.

Respeita muito a situação em que se encontra o Sr. José Luciano de Castro, como homem e como doente. Como politico, porem, não pode, elle, orador, por principio algum, amoldar-se a semelhante doutrina. O Sr. Presidente do Conselho, repete, não pode deixar do comparecer aqui, nem pode fazer-se substituir.

A doença de que S. Exa. padece não o pode eximir ao cumprimento dos seus deveres, das suas obrigações, em face da Constituição.

S. Exa. é obrigado, como Presidente do Conselho, a comparecer no Parlamento ; mas não é obrigado a ser chefe do Governo.

O Sr. Luciano de Castro deu conhecimento da crise ministerial; deu noticia da transferencia do Sr. Ministro das Obras Publicas para a pasta do Reino, e da entrada de um novo Ministro, o

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Sr. D. João de Alarcão, para a pasta das Obras Publicas.

Deve dizer, com a sinceridade que o caracteriza, que a entrada do Sr. Alarcão para o Ministerio não virá seguramente, dar alento á barca, ou antes barcaça ministerial. Barco a que falta um timoneiro com mão vigorosa, em má sorte está a sua equipagem. Mal vae, pois, á tripulação e ao navio em que o timoneiro não cumpre o seu dever, seja em que circunstancias fôr.

Não é só elle, orador, d'este parecer. O Sr. Hintze Ribeiro o disse, e o Sr. Presidente do Conselho o reconhece.

Entretanto, faz votos para que, durante o tempo em que o Sr. I). João de Alarcão occupar o seu logar, se desempenhe de maneira a satisfazer as suas aspirações e as necessidades da pasta para que foi nomeado, e tendo principalmente, em vista os interesses do paiz.

Avisa desde já S. Exa. de que, em breves dias, chamará a sua attenção e solicitará a sua presença n'esta casa, para lhe pedir informações não só sobre documentos que requereu pelo seu Ministerio e que lhe não foram enviados, mas ainda sobre assumptos que correm pela sua pasta, entre elles os respeitantes á empresa Hersent e á sua nefasta acção no porto de Lisboa.

Posto isto, vae dirigir-se tambem, em poucas palavras ao novo titular da pasta do Reino que, infelizmente, está cultivando o bifrontismo politico.

Elle, orador, apoiou S. Exa. com a sua palavra quando, na opposição, o Sr. Conselheiro Eduardo Coelho defendia os bons principios e se insurgia contra os desmandos politicos, contra os atropelos da Constituição e contra a anarchia que, porventura, lavrava na administração publica. Desde que S. Exa. está no poder, ainda não lhe ouviu a opinião acêrca de taes assumptos. Basta-lhe, porem, conhecel-a pela pratica, pois que S. Exa. haja dois dias que gere a pasta do Reino e até agora não lhe consta que melhorasse a situação da imprensa sobre quem continua a impender a censura previa, a advertencia policial e a apprehensão pela forma mais retintamente illegal. S. Exa. ainda se não explicou a este respeito, mas a sua tolerancia e consentimento nos actos que se praticam, levam-n'o a affirmar que a liberdade de pensamento continua escravizada de modo que apenas existe nas determinações da Carta Constitucional, cujo anniversario da outorga se verifica ámanhã. É triste reconhecer que esta data solemne passará quasi sem manifestações de culto externo, por parte d'aquelles que mais deviam presar o codigo fundamental da Monarchia - culto .que era preciso e indispensavel tratando-se de uma celebração que significa uma affirmativa da liberdade sobre o despotismo em que estivemos mergulhados. Para d'elle nos resgatarmos, pugnaram os nossos maiores, arriscando a vida e sacrificando haveres, a fim de podermos affointamente fali ar dos actos governativos e aprecial-os como elle, orador, está fazendo n'este momento.

Pede ao novo titular da pasta do Reino que na proximo sessão compareça n'esta Camara para conversarmos acêrca da maneira como S. Exa. põe em pratica as suas doutrinas liberaes, porque deseja saber como explica o seu bifrontismo politico.

O Sr. Presidente do Conselho procurou explicar a crise, que ainda continua, porque deve dizer a S. Exa. e á camara que o Gabinete ficou agora mais fraco do que estava, quando d'elle fazia parte o Sr. Pereira de Miranda. (Dirigindo-se para a bancada ministerial)... Chamo a attenção dos Srs. Ministros.

Allegou o Sr. Presidente do Conselho que o Sr. Pereira de Miranda saiu pelo seu mau estado de saude. Não sabe se a doença era rheuniatismo gotoso, se rheumatismo-politico, se gotoso-politico, ou politico-gotoso! O que é certo, é que, n'este momento, elle, orador, sento unicamente que o Sr. Pereira de Miranda tivesse sido Ministro do Reino e renegado os seus principios liberaes.

Paz justiça ao caracter do Digno Par, folgando por que S. Exa. tivesse comprehendido, embora tarde, que a situação em que se encontrava era insustentavel.

Sr. Presidente: o Sr. Pereira de Miranda, por dedicação partidaria prestou-se a fazer a recovagem politica que nós todos conhecemos entre as Necessidades e os Navegantes. Emquanto duraram estas estrictas funcções, foi-se mantendo. Mas desde que teve de vir a S. Bento (que parece que não é santo da sua devoção) logo ao primeiro embate; que aqui teve, retirou aos seus penates, e está hoje gosando do descanço da vida particular, pelo que muito o felicita. Mas o que é official é que o Sr. Pereira de Miranda saiu do Gabinete por estar doente. Foi isto o que affirmou o Sr. Presidente do Conselho, que, reconhecendo tambem que não tem saude, fica! O Sr. Presidente do Conselho fica, pelo mesmo motivo porque o Sr. Pereira de Miranda saiu!

Não se lhe afigura que tão accentuada anomalia contribua para a seriedade do poder.

Mas, no Sr. José Luciano de Castro ha a considerar o doente, ou o politico? Para reconhecer o politico tem elle, orador, que recordar numerosos antecedentes que já foram" indicados, mas que convem lembrar de novo. Em paiz algum o Presidente do Conselho se mantem no poder, sem lhe ser licito concorrer com assiduidade ás Camaras, onde tem que imprimir caracter ás discussões, onde tem que canalisar - em bons termos - a administração publica, em discursos parlamentares.

Sr. Presidente: citou-se Gladstone, citou se Salisbury em Inglaterra, citou-se o penultimo Presidente do Conselho de Italia, Giolitti. Esqueceram-se porem, de citar um homem da envergadura de Joaquim Antonio de Aguiar, que ainda podia, e bem, frequentar o Parlamento e que, entretanto, reconheceu que não tinha as forças precisas para ser Presidente do Conselho e para exercer a chefia regeneradora, declinando esse mandato em Fontes Pereira de Mello. Não se tinha citado esse varão illustre da nossa historia, a que elle, orador, presta admiração pela forma elevada como elle se evidenciou, extinguindo as ordens religiosas que foram uma verdadeira calamidade no nosso paiz.

Sr. Presidente: até os herdeiros presumptivos que não se julgam com o vigor preciso para poder exercer as suas altas e futuras funcções, declinam direitos, como ainda ha pouco fazia o Conde de Flandres, na Belgica. E quem dava conhecimento ao publico lisbonense e ao paiz d'este acto, que merece todo o louvor?

Era o proprio orgão progressista - O Correio da Noite - que naturalmente se insurge por que a boa doutrina applicada aos presumptivos, tenha igualmente effeito para os chefes de gabinete.

Não podemos, portanto, ter a menor duvida de que os antecedentes, os factos hodiernos, todos se conjugam para se não poder acceitar o cummulativo das funcções de Presidente do Conselho com as de doente.

Mas ha ainda mais: A Carta Constitucional, como já referiu n'uma das ultimas sessões, estabelece claramente que a propria Coroa é responsavel, por intermedio dos seus Ministros, de todos os seus actos.

Como é, pois, que o Sr. Presidente do Conselho pode ter responsabilidade parlamentar attenuada?

O artigo 9.° da Carta priva até dos direitos politicos os doentes.

Pois se o cidadão que é doente não pode votar, como é que pode o doente exercer as funcções de Presidente do Conselho, sobre quem impendem as attribuições mais pesadas e de maior responsabilidade que ha no reino ?!

Cita-se, como attenuante, o facto de o Marechal Saldanha por largo tempo deixar de concorrer ás Côrtes; mas na epoca em que Saldanha deixou de frequentar o Parlamento, era Ministro do Reino

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Rodrigo da Fonseca, que imprimia individualidade politica ministerial, e passavam se estes factos na epoca em que os Presidentes do Conselho não eram absorventes como na actualidade.

Os Ministros tinham tal autonomia, que um houve, no periodo a que se reporta, que realizou um tratado de commercio com a França; sem o levar a Conselho de Ministros.

E depois, o Marechal Saldanha tinha outra influencia no mundo politico; e tão vigoroso estava depois de 1857, em que acabou o seu Ministerio, que treze annos depois, ainda tinha a força e o vigor precisos para montar a cavallo, pôr-se á frente das tropas e fazer a revolução de 19 de maio, de 1870, que não deve ter esquecido ao Sr. José Luciano de Castro.

Já S. Exa. vê, Sr. Presidente, que o simile não é apropriado. O que é apropriado, não só para o Sr. Ministro do Reino, mas ainda para o Sr. Presidente do Conselho e, porventura, para outros, é o bifrontismo politico.

Na opposição pugnam pelos bons principios, para depois esquecer, por completo, quando são Governo, as doutrinas que sustentavam, patenteando as mais completas contradições em prejuizo da causa publica.

Este bifrontismo patente e manifesto, faz lembrar que não estamos na Camara dos Dignos Pares, mas sim que nos encontramos no templo de Jano, em cujos arredores se fazia crer que Numa Pompilio consultava a nympha Egeria... o que a historia demonstra que não succedeu.

Recorria elle a este artificio para se impor á crendice dos seus subditos e poder realizar as reformas que illustraram os seus quarenta annos de dominio e de paz.

Demais, em todas as epocas, mal vae a quem se deixa sugestionar por nymphas Egerias... ou não Egerias.

N'esses bons tempos (700 annos antes de Christo) tanto respeito havia pelas leis e bons costnmes, que Numa Pompilio sapprimiu os 300 céleres, que constituiam a sua guarda de corpo.

Então, como no tempo presente, a melhor guarda reside na boa administração publica.

E, todavia, encontramo-nos hoje, no periodo decadente que atravessamos, sob a acção de um tribunal inquisitorial, sob a acção do intitulado Juizo do Instrucção Criminal, que não existia nos tempos mais ominosos do absolutismo. Muito temos descido nos ultimos annos - triste é reconhecê-lo.

Elle, orador, demonstrará á Camara, quando usar dos. documentos que tem em sua posse, o que se passa n'aquelle antro - na Bastilha da Calçada da Estrella, e provará quanto tem sido justa a critica severa que tem feito a esse aleijão liberticida.

Vae referir-se a outra ordem de assumptos, aproveitando para isso a presença do Sr. Presidente do Conselho.

É agora mais feliz do que quando convidou o Sr. José Luciano para versar a questão respeitante á perseguição da imprensa. Não poude S. Exa. comparecer em virtude da sua enfermidade. N'esta occasião só perfunctoriamente alludirá a esse assumpto; mas empraza o Sr. José Luciano de Castro a assistir á discussão da resposta ao Discurso da Coroa. Então elle, orador, espera, consoante os seus antecedentes, falar com largueza, e acêrca de negocios que, pela sua importancia, demandam imperiosamente a presença do chefe do Gabinete.

Dito isto, recordará que o templo de Jano conservava as portas abertas quando a guerra lavrava nos dominios de Roma, e n'elle se reunia o Senado para resolver nos momentos mais solemnes da existencia da patria.

É esse mais um ponto de semelhan ca entre a situação d'aquella epoca e a actual.

Em dois mil annos, só por oito vezes estiveram fechadas as portas do templo. Durante os quarenta annos do reinado de Numa Pompilio nunca essas portas se abriram. Prevaleceu a paz mais completa. Aqui, Sr. Presidente, onde os Numas não florescem, deve tambem esta Camara ter sempre as suas portas ás escancaras, porque o Sr. José Luciano de Castro encontra-se em guerra aberta contra todos os principies mais acataveis.

Em primeiro logar hostilisa a Constituição do Estado, não só postorgando-a quotidianamente em questões de ordem geral, mas ainda na parte que propriamente lhe diz respeito, procurando , conciliar o facto de não frequentar com assiduidade o Parlamento com os encargos de Presidente de Conselho, o que é positivamente absurdo, mais uma vez o consigna.

Em guerra aberta se acha egualmente contra a imprensa periodica, infringindo o § 3.° do artigo 145.° da Carta Constitucional, fundamentalmente contrario á censura previa; indo de encontro ao artigo 2.° da lei de 7 do julho de 1898, da iniciativa do partido progressista, que repudia tambem a censura pela forma mais terminante; e calcando o artigo 39.° da mesma lei, que não permitte apprehensão alguma senão quando o jornal circula. Relativamente a esta circumstancia deu-se o estranho caso de a policia prohibir a circulação, antes d'ella se ter effcctuado, o que é inadmissivel, visto que se não pode prohibir o que não existe!

A paternidade d'esta genial subtileza cabe naturalmente ao ignaro censor
que se abriga na Bastilha da calçada da Estrella ou a algum dos seus numerosos admiradores, porque os tem. Boileau é essencialmente expressivo a este respeito.

Todos estes factos representam verdadeiros attentados, contra a Carta Constitucional, contra as liberdades publicas, contra tudo e contra todos.

O Sr. Presidente do Conselho, evidentemente, tem a responsabilidade primordial de todos estes desacatos, atropelos e violencias.

Do mesmo modo lhe são peculiares as gravissimas responsabilidades, derivantes do desastre do Cunene, onde o Sr. José Luciano de Castro praticou a guerra contra o decoro nacional, contra os nossos mais respeitaveis e caros interesses. ,

Desde logo, a seguir ao revez, de viam-se empregar todas as diligencias para que se levantasse o espirito publico, tanto na metropole como nas colonias. Mas, Sr. Presidente, só no fim de muitos esforços e de muito tempo, se realisou uma syndicancia feita por um coronel chamado da Purificação, a que já teve ensejo de se referir n'esta Camara o anno passado, pelos feitos que elle praticara, e coisa alguma ter purificado. Pelo contrario.

Proximamente terá de convidar o Sr. Ministro da Marinha a vir a esta casa para que elle se digne prestar contas ao paiz do que se tem feito para desaffrontar o nome portuguez e para attenuar a situação triste em que se encontram as familias das victimas prostradas em tão penoso acontecimento. E a proposito já respondeu a conselho de guerra o capitão Aguiar? Porque se conserva ainda em Africa o desastrado chefe da expedição ao Cunene? Porque não foi ali syndical-o um offi-cial de confiança, e de auctoridade, da metropole ?

Para investigar acêrca de um facto de tanta responsabilidade como este, estava naturalmente indicado o major Eduardo Costa. Mas nada se fez a serio; e todavia, é simplesmente intuitivo que, depois de se inquirir, em boas condições de justiça, por quem fosse idóneo, se deviam adoptar as providencias necessarias para levantar o prestigio da nação portugueza, e para nos impormos no sertão africano, e chegarem até cá os echos da affirmação do nosso dominio, demonstrativos de que não descuramos os assumptos coloniaes, que tão intimamente se estreitam com os creditos e dignidade do paiz.

Mas, Sr. Presidente, o Sr. José Luciano de Castro declarou a guerra á boa doutrina e aos bons principios.

Elle é o principal culpado, de novo o regista, dos feitos que narrou.

Mas não param aqui os seus atrope-

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los. Em guerra se patenteou ainda S. Exa. contra os salutares preceitos ' policiaes.

A policia, que devia ser escola de compostura e bons costumes, encontra-se estragada, representando, assim, um elemento de desordem, em vez de ser uma garantia da ordem.

Provem isto de circumstancias varias, sendo a principal a dos seus chefes não saberem, ou não quererem imprimir-lhe a devida educação.

Apenas a sabem carregar de armas, para espantar o publico.

Melhor fora que a preparassem por maneira a impôr-se pelo respeito ás massas populares, e a só empregar a forca, quando fosse aggredida, a valer. Assim se pratica nos paizes civilisados.

Tomou muitas vezes a defesa d'ella no inicio de a militarisarem, e até quando a propria maioria da Camara electiva, onde tinha então assento, a atacava.

Hoje, porem, protesta contra a forma como se faz policia, principalmente quando ella, por dever de officio, toma contacto com cidadãos que, por serena republicanos, não deixam de ter direito ás mesmas garantias de que gosam os que o não são.

Lamenta que se pratiquem tão odiosas excepções e que sejam officiaes do exercito os dirigentes de campanhas d'essa ordem, que os deslustram, positivamente.

Limita-se hoje a estas ligeiras referencias. Ha de, porem, tratar mais circumstanciadamente d'esste assumpto n'outra occasião.

Ainda mais. Congratulara-se por que o contrato dos tabacos celebrado na vigencia do Ministerio anterior, tivesse sido posto de parte. Sr. Presidente, quasi se penitenceia n'este momento por ter significado tal opinião, porque se não tinha de louvar o contrato negociado pelo Sr. Hintze Ribeiro, deve, comtudo reconhecer que o contrato de 4 de abril é peor, muito peor do que o celebrado pelo Presidente de Conselho, antecessor do Sr. José Luciano de Castro.

Reserva-se para o combater com toda a energia de que é capaz, mas não pôde, n'esta occasião deixar de se referir á parte em que a dignidade nacional é verdadeiramente esfarrapada, pelo artigo 8.& e concomitantes. Embarga-se-lhe á voz excitando-lhe a maior indignação, lembrar-se que houve alguem susceptivel de assignar um contrato d'este jaez!

Chegámos á interdicção administrativa, porque a judiciaria é para os particulares, prodigos e mal governados., que, reduzidos a esta triste condição, perdem até os direitos politicos. E muito mais para revoltar a interdicção administrativa, que hoje adeja sobre o nosso desgraçado paiz.

Apropriadamente dizia o Temps que o regimen financeiro cosmopolita, que nos esmaga, se devia appiicar a Marroços, como elemento de dominio e sujeição.

Uma aggravante ha? porem, a notar entre ò cidadão e o paiz interdictos. Aquelle tem conselho de familia formada pelos proprios parentes, e que opera no territorio patrio. Portugal é sujeito . á tutela estrangeira, funccionando em França - em Paris.

Nunca suppoz que a tal extremo se chegasse.

A fundamental caracteristica a que deve: obedecer todo o contrato, é que se mantenha intemerata a dignidade nacional.

Agora, quando se accumulavam uns sobre os outros os proponentes para negociar o convenio concernente aos tabacos, quando parecia que tudo se congregava para facilitar a resolução do assumpto, apparece esta vergonha!

Acceital-a-ha o paiz? Não sabe; mas o que é certo é que elle póde e deve reagir contra similhante opprobrio, destruindo uma situação* aviltante que nos asphixia.

Francisco I, o vencido de Pavia, pôde, depois de derrotado, exclamar: Tout est perdu, fors l'honneur! A nós, nem esse desabafo nos é permittido.

Estes e outros desmandos administrativos, estes e outros attentados estavam previstos.

Prophetisou-os, explicitamente, um oraculo. Não foi o oraculo de Thebas, nem o de Epheso, nem o de Corinthio, nem a pitonisa de Delphos; não foi nenhum dos antigos, dos classicos que superabundam na historia grega.. Quem desvendou os arcanos do futuro, a que vem alludindo, tinha assento n'aquella casa. Era um oraculo indigena, por assim dizer, um oraculo caseiro, que por esta forma se expressava, na sessão de 22 de fevereiro de 1902:

".Respeitemos a Constituição, ou então adoptemos definitivamente o governo pessoal do Rei com os seus Ministros., com a coadjuvação exclusiva da policia e do, guarda municipal, arranquemos de vez a mascara do constitucionalismo que trazemos afivelada ao rosto, e acabemos, para sempre com testa hipocrisia de liberdade, com estas simuladas provas de respeito á soberania popular.

Escutem a opinião publica, essa voz inflexivel que tantos vezes sae das consciencias como signal de reprovação aos actos dos que teem nas mãos as rédeas- do governo j ou então colloque-se catia um no seu logar: o Reino farino dos seus maiores, tal como era no regimen absoluto; os Ministros representantes, não das maiorias parlamentares, mas da Coroa, e os governados na situação que merecem.

Mas elle, orador, não admitte essa solução.

Ao contrario, insurge-se contra todos aquelles 'que nos vão esbulhando mansamente das conquistas e das franquias que deram em terra com o absolutismo.

Mas não ficam aqui as considerações do oraculo 5 temos mais :

"Resta-nos uma Constituição reduzida, ao que de todos é conhecido; um Parlamento que não é mais do que um puro simulacro da representação nacional, e cuja principal funcção se cifra em chancellar ou confirmar os actos dictatoriaes.

Os Governos nascem e caem fora da influencia do Parlamento.

É este o estado presente. O que será o futuro ? "

Como remate ouça V. Exa., ouça a Camara, estas palavras que são poucas, mas expressivas:

"Falla alio, e espera que o ouçam aquelles que devem ouvil-o."

Não sabe se alguem ouviu o oraculo. Pelo menos aquelle a quem eram dirigidas estas palavras parece que não as ouviu, e a pessoa que as disse não se ouviu ã" si propria!

Supporá V. Exa. que ellas foram proferidas pelo Sr. Ministro do Reino? Não foram, a despeito de S. Exa. possuir cabedaes do mesma valor.

Foi o Sr. José Luciano de Castro que por esta forma se expressou; foi S. Exa. que saiu á estacada com as suas affirmações e exterioridades de liberalismo theorico, e que depois praticava o mais retinto absolutismo bastardo, como elle, orador, está evidenciando com a narrativa inexoravel dos factos. Lavrou aqui essas afirmações o Sr. Presidente do Conselho, a proposito da lei eleitoral, com a qual S. Exa. trouxe á Camara dos Deputados a maioria que lá está, e tambem as minorias, como melhor lhe approuve.

Que a lei eleitoral nas mãos do poder é um regulador completo, um canalisador do suffragio viciado, está patente e claro. E entretanto, e apezar dos protestos do oraculo de 22 de fevereiro de 1900, o Discurso da Coroa, ô omisso, concerntemente á adopção de medidas que curem tão intenso mal. Ainda e sempre o mesmo bifrontismo politico do Sr. José' Luciano de Castro se põe em relevo.

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O Digno Par Sr. Hintze Ribeiro fez eleições ha menos de um anno e trouxe maioria e minoria, as que S. Exa. quiz. Succede-lhe o Sr. José Luciano, que ha seis mezes era minoria, procede a novas eleições e passa a ter uma maioria esmagadora, e a nomear tambem as minorias á sua vontade e capricho.

Isto pode manter-se e tolerar se? É crivel que em tão curto prazo se inutilizasse d'esta forma um estadista com uma larga clientella como tem o Sr. Hintze Ribeiro, e que elle perdesse tão grande numero de adeptos ?

No anno passado, quando tratava d'esse assumpto com applauso do Digno Par, que é hoje Ministro do Reino,- o Sr. Eduardo José Coelho -, pediu que deixassem entrar na Camara dos Deputados alguns republicanos, que não os expoliassem dos seus mandatos, para que a fiscalização se podesse fazer efficazmente. Evitava-se por esse modo o que está succedendo agora, em que a fiscalização está confiada a pessoas aliás muito distinctas, quanto aos seus dotes pessoaes, mas que politicamente são da mesma communhão rotativa, com pequenas excepções : Synthese - não ha fiscalização que tal nome mereça.

Pois esta lei eleitoral que despertava ao Sr. Presidente do Conselho os protestos que elle, orador, acabou de ler, ainda ha pouco se executou pela forma que a Camara sabe, com a corrupção e as fraudes que se evidenciaram, desde a organisação dos recenseamentos até ás injustiças que se deram n'um ou n'outro julgamento do Tribunal de Verificação de Poderes, cuja substituição ha de pedir mais accentuadamente em occasião opportuna. Depois do que se praticou em seguida ás ultimas eleições, é insustentavel semelhante tribunal. Todos lucrariam com a sua extincção, e mesmo com a regressão ao systema antigo muito haveria a ganhar,- francamente o affirma, conforme está nos seus habitos.

Entende que representaria um verdadeiro serviço ao paiz affastar os juizes das funcções politicas, cujo exercicio, consoante o que se tem praticado no Tribunal de Verificação de Pode rés nos ultimos tempos, muito diminue a magistratura, amais elevada magistratura judiciaria.

Lembra á Camara, Sr. Presidente que elle, orador, teve de tratar varios assumptos todos importantes, porque quiz aproveitar a presença do Sr. José Luciano de Castro, que infelizmente não pode frequentar, por doença, com assiduidade, esta casa do Parlamento segundo o significativo testemunho de S. Exa.

Perante semelhante declaração, mais uma vez affirma que o estado de doente não se colhia por principio algum com a situação do Presidente do Conselho.

Tambem S. Exa. declarou que nunca e furta ás discussões parlamentares. }omo, gosta de fazer justiça a todos, irá que assim era antigamente, e lembra-se bem do proceder de S. Exa. na poça de 1887 a 1890, quando o orador azia parte da Camara electiva.

Nunca S. Exa. faltava quando ali rã chamado. E se não existia já o quotidiano incidente habitual, desabrochava logo que dava entrada na Camara o Sr. José Luciano de Castro, que era, em regra, o primeiro a provocal-o.

Os seus votos, como o de todas as pessoas que se tem referido a este assumpto, são para que o estado morbido de S* Exa. deixe de se patentear, e possa dar conta dos seus actos no Par lamento. Mas se não pode vir aqui orno insistentemente tem asseverado, indispensavel é que entregue as rédeas do Governo a quem seja sadio e valido, porque as questões que teem de ser debatidas, algumas d'ellas pela sua magnitude, exigem que as sessões sejam amiudadas e tornam imprescindivel a presença do chefe do Gabinete.

Para concluir, seja-lhe licito registar que procurou pôr bem em realce o bi frontismo politico dos membros do Gabinete, e a doblez da propria politica ministerial. Attentas estas circumstancias, afigura-se-lhe que não tem na sua presença um ministerio, mas sim uma communidade de "freis Thomaz".

É esta por assim dizer, a moralidade do que fica narrado, ou antes, a immoralidade.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. João Arroyo: - Levantou-se, não .para fazer propriamente um discurso, mas simplesmente algumas considerações.

Antes d'isso, porem, seja-lhe permittido que expresse, em termos serenos, mas energicos, um protesto contra um acto anormal, que, emanado das regiões do poder, já na outra casa do Parlamento se manifestou, e que hoje quasi pretende accentuar-se e transformar-se em habito parlamentar.

No seu eloquente discurso, o Digno Par, o Sr. Dantas Baracho, .versou assumptos da mais alta importancia. S. Exa. referiu-se, com o respeito devido, a direitos individuaes dos cidadãos; alludiu a assumptos que contendem com o nosso dominio colonial; tratou ainda de outros pontos de administração publica; concatenou aggressões dirigidas nas ultimas sessões ao Ministro do Reino, e não é licito, não é correcto, não é bom, que em seguida a isso o Governo não responda uma unica palavra. (Apoiados).

O Digno Par, o Sr. Dantas Baracho, não precisa de que elle, orador, saia. a terreno em defesa dos seus direitos parlamentares.

S. Exa. tem voz, e tem talento. Mas o seu animo não consente que elle, orador, não proteste, antes de começar, contra um procedimento, que é forçoso impedir que possa transformar-se em. habito parlamentar.

Isto dito, exporá as- considerações que o levaram a pedir a palavra.

É possivel que o espere uma ausencia de resposta, mas se ella não vier, elle, orador, procurará responder a si proprio.

Em primeiro logar endereça as suas felicitações, muito cordeaes e sinceras, ao Sr. Presidente do Conselho peia sua presença n'esta casa. S. Exa. sabe bem, porque tem d'isso a prova provada, quanto lhe é cara a sua saude e o restabelecimento integral das suas forças. D'isso deu a S. Exa., como soube e poude, as mais insistentes e bem intencionadas demonstrações.

As suas felicitações, portanto, a S. Exa.

Relativamente aos outros dois Ministros uma saudação singela. Faz votos para que S. Exas. logrem das maximas prosperidades na sua curta e bem apetecida gerencia.

Elle, orador, não se demorará em felicitações aã gabinete, mas quer dizer que lhe pareceu que o Digno Par, e Sr. Dantas Baracho, comquanto fizesse um discurso brilhante, foi um bocadinho mau...

Vae explicar.

Elle, orador, entende que não é de boa caridade incommodar com tão longas considerações um doente, no momento em que elle recebe & visita da saude. (Risos).

Elle, orador, dil-o, com voz talvez commovida, mas sincera: o Governo vae morrer.

Quando um agonisante está naquelle estado, o que manda a boa caridade, é acaricial-o docemente, afagai o com o maximo carinho, aconchegar-lhe as roupas com ternura, amortecer esta luz excessiva e crua, que cae do alio, para que lhe não fim a vista enfraquecida; e, então, depois de lhe sorrir com bondade, ir. pé ante pó para o corredor, e ahi chorar desoladamente á vontade. Este sentimento do orador não é de agora. Nutre-o ha muito tempo.

Já fez saber ha tempos ao Digno Par e seu amigo, o Sr. José Dias Ferreira, que ainda havia de o ver cahir na questão dos tabacos.

Esta sua convicção é de ha mezes, vem do dia em que o Sr. José Luciano formou esta situação.

Dirá em poucas palavras, e em poucas phrases, o que foi essa conversação com o Sr. Presidente do Conselho.

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Foi, se bem se recorda, n'um dia de outubro.

A sua situação de hoje, é a mesma d'esse tempo; pensa n'este momento como já pensava, e então, como bom amigo pessoal do Sr. Presidente do Conselho, elle, orador, dizia a S. Exa. em phrases singelas aquillo que representava o intimo do seu pensar.

Descreverá ar scena em breves palavras.

Corria branda a noite... O Sr. José Luciano era sereno e a viração subtil.

S. Exa. contava lhe, com a maxima alegria e satisfação, o desenvolvimento das suas ideias, honrando-o com uma exposição franca, como de um amigo, sobre o que devia ser a orientação politica e administrativa do Ministerio. Elle, orador, n'essa occasião, voltando-se para o Sr. José Luciano, dizia a S. Exa., a respeito do Governo por elle organizado, e a respeito da marcha governativa que desejava seguir, que era um Governo para tombas trimestraes.

E, na realidade, era exacto.

Em tres mezes fizeram-se as eleições, e dois ou tres mezes depois sabia do Ministerio o Sr. Pereira de Miranda.

Com respeito á questão dos tabacos, disse ao Sr. Presidente do Conselho que havia dois pontos fundamentaes a que qualquer Governo tem de obedecer, se não quizer ver a sua existencia politica inteiramente perdida. O primeiro é fazer um contrato separando o exclusivo da conversão das obrigações, e o segundo é que, quanto ao regimen do exclusivo, o Governo portuguez pode tomar qualquer resolução, menos uma; a adjudicação do exclusivo por uma forma directa.

Elle, orador, é d'aquelles que entendem que o regimen dos tabacos não deve ser exercido pelo exclusivo; mas mesmo dentro do exclusivo, o Sr. Presidente do Conselho deve recordar-se que elle, orador, lhe dissera o seguinte :

Estou convencido de que, se o Governo a que V. Exa. preside fizer conjuntamente as operações do exclusivo e do emprestimo, esse facto será, não só o calvario politico de S. Exa., como tambem o seu calvario pessoal.

A Camara está vendo que não errou.

Desde que a separação das operações estava assegurada, nada, absolutamente nada, salvará em Portugal uma resolução administrativa que assente na conjuncção das mesmas operações.

Repete: Póde a influencia do Sr. José Luciano de Castro, dentro do seu partido, ser completa, absoluta; crê que o é. Póde S. Exa. ter um pulso de estadista, forte e fero; póde chamar em seu auxilio a lição da sua vida politica de cincoenta annos de experiencia, que ninguem a tem mais exercitada; póde fazer um appello á força poderosa da sua vontade, e empregar n'isso todo o seu esforço; pode contar com o apoio do seu partido, que possue evidentemente fundas raizes em todo o paiz ; podem mesmo cercal-o quaesquer insignificantes, que a fortuna estupida tenha guindado até ao ponto de se imaginarem arbitros superiores, da especie dos "mignons" ou "catitinhas" que se supponham sufficientes para o defenderem.

A boa razão, a logica, e o senso commum, hão de vencer e triumphar, e S. Exa., como qualquer outro combatente inglorio, ha de baquear no chão voltando o rosto para o céu estrellado !...

Lastima sinceramente ver este triste fim ao gabinete que está na sua frente.

E como prometteu ser breve, não abusará da paciencia, nem da benevolencia da Camara. Quer deixar o doente entregue ás necessidades do seu estado ; mas não se quer ir embora sem, como se fizesse a applicação de uma tisana balsamica, pedir a S. Exa. a resposta a tres perguntas que elle, orador, suppõe que serão apaziguativas e pacificadoras.

São estas:

Publicado como está o contrato dos tabacos deseja, para elucidação da sua opinião e do Parlamento, em especial, que o Governo se sirva dizer:

1.° Se referentemente ao contrato dos tabacos, ou da operação da conversão, ha qualquer clausula secreta, verbal ou escripta, de referencia interna ou externa;

2.° Deseja saber se a acção das chancellarias estrangeiras se reduziu, durante o correr das negociações, da responsabilidade do actual Gabinete, á troca das notas entre os Governos Portuguez e Francez, de que o Governo já deu couta ao Parlamento. Em summa: deseja saber se, á parte a nota franceza, já conhecida, a acção governativa, na questão dos tabacos, foi liberta e desembaraçada de qualquer acção externa:

3.° No caso affirmativo deseja saber se o Governo terá duvida em communicar ao Parlamento em sessão secreta, ou pela forma que julgar mais conveniente, o que se lhe offerecer sobre o assumpto.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (José Luciano de Castro): - Levanta-se principalmente para dar uma explicação ao Digno Par que acaba de falar, e ao Sr. Dantas Baracho.

Respondeu ao Sr. Hintze Ribeiro, dizendo que o fazia por especial deferencia para com S. Exa. Não respondeu ao Sr. Baracho, como não respondeu ordenadamente a nenhum dos Srs.

Deputados, que na outra casa do Parlamento fizeram referencias á situação politica, reservando-se para, depois de todos terem falado, dar as explicações que julgasse convenientes.

Se elle, orador, ou algum dos seus collegas estivesse a responder a todas as observações dos Dignos Pares que se acham inscriptos, esta discussão seria interminavel, visto que são muitos os Dignos Pares que pediram a palavra.

Foi sempre costume, quando se apresenta um Governo a dar conta de qualquer transformação ministerial, o deixar falar por parte dos grupos parlamentares os oradores que os representam, reservando-se o Governo para depois dar as explicações que entenda aos representantes d'esses differentes grupos.

Era este o seu proposito, não só para não se fatigar, visto o seu estado de saude não lhe permittir entrar em larga discussão, mas ainda para não alongar o debate.

Tendo apresentado á Camara as razões justificativas da crise ministerial, julgava que, sobre este assumpto, se espraiasse o debate.

Mas vê, com surpresa, que a discussão tem versado sobre assumptos politicos e, até, sobre a questão dos tabacos.

Como disse, vê que se discute o contrato dos tabacos, e não a crise ministerial. Julgava-se no direito de se reservar para, em outra occasião mais propria, dar explicações sobre uma questão, que é importante; e por isso não respondeu ao Digno Par o Sr. Baracho.

Não respondeu a S. Exa., não por falta de consideração pessoal, que sempre tributou e tributa a S. Exa., a quem muito considera.

Por igual motivo se escusava de responder ao Sr. Arroyo, se S. Exa. não fizesse perguntas, que reclamam prompta resposta.

Assim, dirá que das palavras do Sr. Arroyo colheu a impressão de que S. Exa. desconhece a situação e as circumstancias que determinaram o Governo a fazer o contrato dos tabacos, já apresentado na Camara electiva.

Quando S. Exa. conhecer os documentos que acompanham o referido contrato; quando souber as circumstancias e a situação em que o Governo se encontrou para .a confecção ou elaboração de tal contrato; as condições em que o Governo se achava para as negociações, S. Exa. decerto se convencerá do que as palavras que proferiu são puras utopias no ponto respeitante á separação das duas operações, a do exclusivo da da conversão das obrigações.

Em face, pois, de documentos, S.

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Exa. verá quão irrealisaveis são as suas aspirações.

O Governo actual fez tudo quanto póde fazer, como fez o Governo anterior, para separar as duas obrigações; não conseguiu o seu desejo, vendo-se obrigado, por interesse do paiz, a reunir, n'uma, as duas operações.

Não quer elle, orador, entrar agora na discussão do contrato dos tabacos; mas pode assegurar á Camara que não tem o menor receio da discussão sobre tão importante assumpto, estando convencido de que, se algum serviço podia prestar ao seu paiz, esse contrato apresentado na outra casa do Parlamento, representa o maior serviço que podia prestar á nação, serviço que, pode affirmar, fará entrar o paiz em novo regimen de vida se o alludido contrato for approvado.

Não receia, como disse, a discussão; mas vê que ella se antecipa.

Virá á Camara sempre que o seu estado de saude o permitta, para dar todas as explicações que forem necessarias.

Não tomou nota das perguntas que acabou de fazer o Sr. Arroyo, mas vae responder, pedindo desculpa de qualquer falta que porventura haja na sua resposta.

Crê que o Digno Par perguntou se havia alguma reserva diplomatica.. .

O Sr. Arroyo: - Perguntou se havia alguma clausula reservada.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (José Luciano de Castro): - Não ha clausula alguma reservada. O que ha, o que se tratou, o que se estipulou, o que se pactuou, está no contrato e no respectivo relatorio que contem todas as explicações necessarias para habilitar o Parlamento a fazer o seu juizo. Leia S. Exa. o relatorio, e os documentos que o acompanham, e depois forme o seu juizo.

O Sr. Arroyo: - Perguntou ainda se, independentemente das notas trocadas entre os Governos Portuguez e Francez, a acção das chancellarias se exerceu por qualquer forma relativamente á questão dos tabacos.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (José Luciano de Castro): - Além das notas trocadas entre os Governos Portuguez e Francez, de que S. Exa. já tem conhecimento, decerto não ha nenhum outro compromisso; a acção do Governo fica inteiramente livre.

Quanto á 3.ª pergunta.

O Sr. João Arroyo: - A terceira pergunta não tem razão de ser, visto a resposta que S. Exa. acaba de dar ás outras...

O Orador: - Não houve nenhuma outra nota alem das que S. Exa. conhece do Governo Francez em resposta ao Governo Portuguez. Nenhum outro compromisso, nem nenhuma reserva diplomatica. É isto o que tem a dizer ao Digno Par, ê pede desculpa a S. Exa. de lhe ter feito repetir as suas perguntas porque não tinha tomado nota, na occasião em que S. Exa. as fez.

Se S. Exa. precisar de quaesquer outras explicações elle, orador, está prompto a dar-lh'as. E, visto que está com a palavra, permitta-lhe a Camara explicar ao Sr. Dantas Baracho que não é exacto ter dito que não vinha á Camara:- disse apenas que pedia a benevolencia da Camara, em virtude do seu estado de saude não ser ainda completamente satisfatorio, para prevenir a hypothese de não poder vir algumas vezes á Camara.

Isto pode acontecer a qualquer Digno Par, e mais particularmente lhe pode acontecer a elle, orador, porque não está ainda completamente restabelecido. Elle, orador, está ás ordens do Digno Par, mas deve lembrar a S. Exa. que é um Presidente do Conselho sem pasta e, pela nossa constituição, podia delegar em qualquer funccionario superior, ou qualquer seu collega, o trabalho, a obrigação de dar qualquer explicação á Camara. Não tem a gerencia de nenhuma pasta, portanto podia declinar em qualquer dos seus collegas õ dever de responder. Comprehende bem a sua responsabilidade, e sempre que se tratar de qualquer questão importante, em que o Digno Par deseje a sua presença, pode S. Exa. estar certo de que elle, orador, estará presente para dar todas as explicações, e para responder a todas as objecções.

Quanto á questão de imprensa a que S. Exa. se referiu, estimará muito que S. Exa., em qualquer dia proximo, possa .realizar a sua interpellação ao Sr. Ministro do Reino e a elle, orador. Creia S. Exa. que elle, orador, terá muito prazer em explicar a S. Exa., em face da lei, que o procedimento que o Governo tem adoptado agora, em relação á imprensa, é perfeitamente regular e legal.

Já S. Exa. vê que não tem duvida nenhuma em entrar n'essa discussão.

Nunca esperou ser accusado n'esta Camara de perseguidor da imprensa; porque, se ha qualquer homem publico, contra o qual se tenha feito uma campanha de diffamação e calumnia, mais pessoal que politica, é elle, orador; e, havendo na nossa legislação leis que obrigam a proceder contra as injurias aos funccionarios publicos, nunca consentiu até hoje que se fizesse qualquer querella, ou qualquer procedimento policial contra a imprensa que o tem diffamado. Não tem consentido que a imprensa, que o tem calumniado, seja perseguida; e, portanto, não esperava nunca ser accusado de proceder contra a imprensa.

É filho d'ella, tem grande respeito pela imprensa que sabe occupar o seu logar; e a verdade é que os actos da sua vida publica provam bem que elle, orador, não tem deixado prevalecer no seu espirito qualquer animadversão contra aquelles que o teem diffamado. De tudo esperava ser accusado, mas de perseguidor da imprensa é que não.

A Camara terá occasião de apreciar se o Governo tem ou não cumprido os seus deveres, se tem ou não transgredido os preceitos legaes. Isso ha de liquidar-se; assim o deseja porque não lhe é agradavel que, a esse respeito, fique a menor suspeita.

Acerca da liberdade de imprensa, deve dizer que o Governo não tem praticado um unico acto, não tem dado uma unica ordem que não seja rigorosamente baseada nos termos da lei.

Por ultimo, agradece as palavras benevolas que os Dignos Pares lhe teem dirigido relativamente á sua doença.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. José de Azevedo Castello Branco: - Folga que se tenha desvanecido o equivoco que se ia desenhando entre o nobre Presidente do Conselho, e o Digno Par o Sr. João Arroyo, e folga tanto mais quanto esse equivoco teria como consequencia, não só a offensa do Digno Par, mas a necessidade, não dirá de um correctivo, mas de um protesto d'este lado da Camara, quaesquer que sejam as divergencias de ideias que nos separam. Ainda bem que o Sr. Presidente do Conselho desfez o equivoco com uma declaração sincera e leal, que não duvida ser propria do caracter de S. Exa. Como essa nuvem está desfeita, não mais se reporta a ella.

Está profundamente arrependido de haver pedido a palavra, porquanto, tendo-a pedido para annunciar um aviso previo ao Sr. Ministro do Reino, vê-se todavia, por um conjuncto de circumscias, a que não é estranha a influencia do meio, na necessidade de fallar da recomposição ministerial sem que, comtudo, para isso sinta, nem indignação nem fervor; indignação para se queixar de quaesquer actos do Governo, fervor para fazer discursos de opposição.

Tem pratica, sufficientemente larga, do regimen parlamentar para ver que, entre nós, o systema constitucional disparou na applicação, periodica ou constante, de formulas que resumem a maior parte dos actos da nossa vida constitucional.

Essas formulas representam expressões concretas de habitos adquiridos,

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vazias de sentido; só valem pela sua applicação apropriada e apropositada em cada momento da sua applicação.

São formulas, perfeitas talvez, polidas, como teem sido pelo tempo, e acepilhadas pelo uso dos partidos, mas inertes e sem correspondencia nas necessidades sociaes.

São como edificios onde um architecto puzesse, desde o dorico severo, até ao corinthio enflorado, todos os rigores da arte, mas a que faltasse aquella força incoercivel e divina da inspiração, que nos eleva á comprehensão da suprema belleza.

Ora, no nosso formulario constitucional, é de rigor que sempre que um Ministerio se apresenta, novo ou recomposto, seja recebido com muita cortezia, sim, mas com impertinentes perguntas, adrede feitas para alarmar a sua inexperiencia.

Ora é contra isto que elle, orador se insurge; porque n'um paiz onde a imprevidencia floresce - embora não ouse dizer que seja constitucional a imprevisão-como pode espantar-se qualquer individuo de que um juiz, muita vez um magistrado integro, um funccionario correcto e constante no seu logar, porque precisa viver do seu trabalho, n'um paiz onde a fortuna não abunda, mas que ao mesmo tempo é um politico militante, se por acaso da sorte ou consideração politica é chamado aos conselhos da Coroa, não tenha tido tempo para pensar em todos os problemas coloniaes, dirá mais de estudar um pouco a geographia das colonias? Pode alguem estranhar que não conheça bem as leis, os regulamentos que regem os serviços variados da nossa viação? Francamente é exigir demais a um homem, que apenas tem tempo para ser um bom juiz, que seja ao mesmo tempo um Ministro competente!

Por exemplo: querer que um medico distincto, um professor abalisado, que todos os dias, na sua cadeira profissional, revela os altos quilates dos seus conhecimentos, que tem no publico, e na abundancia da clientela, uma consagração proveitosa e justa do seu merecimento, possa distrahir-se das suas funcções humanitarias e nobres, como são as de curar enfermos e alliviar os incuraveis e pensar a serio nas locubrações das chancellarias internacionaes, ou na necessidade de reformar o notariado publico; é uma exigencia que lhe parece inexplicavel e impertinente. Se a pergunta fosse feita dentro do seu ramo de sciencia, comprehende se; mas, francamente, quando o o Ministerio se apresenta pela primeira vez, fazerem-se-lhe perguntas de algibeira, intencionalmente preparadas para pôr era evidencia a imprevidencia dos novos Ministros, contra isso se insurje, e é por este mesmo motivo que nada desejará saber, mesmo para que se não vá julgar que está fazendo um discurso de opposição.

Porem, quando o Governo é apenas remendado, torna-se necessario que o nobre Presidente do Conselho, seja elle qual for, diga a razão por que sahiram ou sahiu qualquer Ministro, e é isso necessario, não só para tranquilidade do paiz, mas tambem dos seus amigos, que affirme solemnemente que a situação se mantem a mesma, que o programma não soffreu modificação, e que a unidade de acção do Ministerio se não quebrou.

Ora toda a gente sabe, pelo abuso das formulas constitucionaes, o que significa a indignação das opposições, o que significa esta impaciencia de saber tudo, assim como ninguem ignora o que significa a resposta ponderada e solemne das graves occasiões solemnes do nosso regimen.

Não se refere á recomposição ministerial, senão por um dever de cortesia, cortesia necessaria, em primeiro logar para. com o nobre Presidente do Conselho, a quem com muitissima satisfação felicita pelo restabelecimento, quasi completo, da sua saude.

Tem sincero prazer n'esta felicitação, porque isso deve á bondade das suas relações, isso deve á consideração immerecida que S. Exa. tem tido por elle, e pela bondade com que sempre o tem distinguido.

Tem muito prazer em o ver restituido, primeiro que tudo, aos carinhos da familia, mais tranquilisado, sem cuidados, como sabe que os tem tido, e muitos; vel-o restituido aos negocios publicos, que muito teem a lucrar com a sua intervenção. Como Par do Reino, como membro do Parlamento, não sente, porem, aquelle immoderado desejo da sua presença, que affecta alguns dos seus collegas, porque entende que a pre senção do Sr. Presidente do Conselho é sempre conveniente, mas não indispensavel para responder pelos actos dos seus collegas, aliás, d'elles responsaveis, como. Ministros das pastas respectivas.

Isto não quer dizer que S, Exa. aqui não venha, e ande alheado do Parlamento ; mas seria quasi um desprimor para os seus collegas, e uma maçada monotona, privar-nos do pittoresco das respostas de alguns dós seus collegas, um acto de crueldade até, porque os ha eruditos.

Vir responder pelos actos do Governo, dado o principio da solidariedade ministerial, a Camara comprehende que seria absurdo, porque ninguem deve exigir que o Sr. Presidente do Conselho venha a qualquer casa do Parlamento ciar explicações, todas as vezes que é Sr. Eduardo José Coelho tiver de degolar em Bragança, ou em Mirandella, um funccionario que não comungue da mesma hóstia progressista.

Não! Se isso se der, e sempre que se der, teria o Sr. .Eduardo José Coelho de vir, porque elle conhece a geographia eleitoral da sua provincia, muito melhor do que o Sr. Presidente do Conselho, e não é de menor tomo, como regedor. (Riso).

Não quer isto dizer que o Sr. Presidente do Conselho não tenha de vir aqui.

Haverá muitas occasiões em que S. Ex a terá de pontificar no Parlamento, para dizer dos grandes problemas de administração publica, e das responsabilidades que S. Exa. não pode delegar nos seus collegas. Ha, alem d'isso, momentos em que é necessario que S. Exa. d venha, porque situações haverá que exijam a sua presença, ou para corrigir os ardidos e os mal in tencionados, ou ainda para encorajar os timidos.

É por isso que a presença de S. Exa. será por vezes util.

Ha problemas que se apresentam sob aspectos differentes, que sem o calor e apoio dos presidentes do conselho, a iniciativa caprichosa de cada Ministro não conseguiria levar a bom termo.

O Sr. Presidente do Conselho e a Camara comprehendem, sem maior explicação, a necessidade que S. Exa. terá de vir algumas vezes ao Parlamento ; por isso folga immenso de o ver restituido á sua vida regular, tanto mais quanto a situação não tem nada de invejavel, e basta attentar que, apesar das exigencias rethoricas do formulario constitucional, tem havido um especial cuidado, agora que se apresentou ás Côrtes um Ministerio recomposto, em o receber sem aquella saraivada dê violencias oratorias, que estão nos habitos e costumes da casa.

E porque na consciencia de todos existe o convencimento da necessidade de que o Governo viva para governar, e tenha a força precisa para executar o seu programma de administração emquanto merece a confiança da Coroa, do Parlamento, e o applauso do paiz, se é que o paiz applaude alguma vez.

Isto está na consciencia de todos, está no desejo de toda a opposição bem intencionada.

Mas, se este é o nosso desejo, está justificado tambem perante a situação actual o carinho com que ha dois dias, na outra Camara, e hoje aqui, tem sido recebido o Ministerio actual, como está recomposto, e sem indicio de muito reconfortado.

Sente não ver presente o Sr. Pereira de Miranda, porque tem de se referir ao Digno Par, não para lhe ser desagradavel, mas para lhe fazer um

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rasgado elogio. Sente que o Digno Par sahisse do Governo, porque é um homem respeitavel, com virtudes que enquadravam bem ao lado dos seus collegas, mas não estranha que elle sahisse do Governo, pois vê claramente n'essa sahida a mesma razão por que durante tantos annos não tem querido entrar. Ha muitos homens politicos para quem a vida particular dá um pudor, que não é compativel com os desmandos e exaggeros da vida publica, cheia de luctas e insidias. E quando esses homens imaginam que um passado honrado de politico bem intencionado, de soldado leal, é documento bastante para se impor ao respeito alheio, sentem uma dolorosa impressão que os impossibilita de continuarem nas suas funcções, quando vêem postergados e protrahidos os direitos que reputavam ter adquirido ao respeito publico. É esta, crê, a razão por que esse soldado obediente e amigo, dedicado ao Sr. Presidente do Conselho, se oppôz sempre á entrada para o Ministerio, e a primeira vez que teve, politica ou impoliticamente, opportuno ensejo para sahir, sahiu, dando ainda em obediencia ao formulario constitucional a razão da sua gotta.

Nós devemos ao paiz tudo, menos a abdicação da nossa propria honra. Pode ser muito grande o seu merecimento, pode o seu caracter, a todos os respeitos, ser digno de consideração para o circulo de amigos, mas esse homem está perdido perante a sua propria consciencia, se continuar no serviço publico em taes condições.

O Sr. Pereira de Miranda sahiu pelas mesmas razões por que durante muito tempo não quiz entrar.

Fez bem ao Governo? Fez mal ao Governo ?

Com tristeza o diz: elle fez falta, porque fazem sempre falta homens de bem, e homens de merecimento, não porque sejam menores as qualidades dos outros Srs. Ministros, mas fez falta, conforme muito bem disse o seu illustre chefe o Sr. Hintze Ribeiro. N'esta occasião permitta-lhe a Camara uma interrupção. Tem todo o acatamento pelo Sr. Hintze Ribeiro, e depois de S. Exa. haver fallado, em seu nome, e era nome dos seus correligionarios, poderia dispensar-se de usar da palavra, mas a Camara sabe bem o que é a psychologia das collectividades, e sabe que ha formigueiros de rethorica, como ha formigueiros nos braços, não podendo circular o sangue.

E sentiu esse formigueiro, não de fazer discurso, mas de dizer algumas palavras, e fazer os seus cumprimentos aos novos Ministros, e pede a S. Exa. o releve, e. que tome esta declaração como uma prova mais de muito acatamento pela sua auctoridade como chefe de partido.

Vae concluir em breve; mas não pode deixar de se dirigir ao Sr. D. João de Alarcão, seu velho amigo e cama rada da Universidade, e não se é impunemente companheiro nas escolas, e amigo de muitos annos!

Endereça os seus cumprimentos ao Digno Par, por o ver nos conselhos da Coroa, e espera que a sua pratica dos negocios, e o seu desejo de acertar, o encaminhem por forma a merecer elogios de amigos e adversarios.

Sobre tudo uma cousa ha que o enche de infinito prazer: é ver o Sr. Eduardo José Coelho na pasta do Reino.

Aqui, como em outros factos, se vê o dedo de Deus.

Vendo o Sr. Eduardo José Coelho nos conselhos da Coroa, lembra-se que a Providencia, que ás vezes parece tão esquecida das cousas humanas, se compraz em demonstrar que continua fazendo escripta direita por linhas tortas, pondo nos conselhos da Coroa como Ministro do Reino, incumbido de zelar pela manutenção dos principios liberaes, o seu nobre amigo e compatriota o Sr. Eduardo Coelho.

Todos os que o conhecem sabem que é um magistrado digno, e que foi, como Presidente da Camara dos Deputados, um homem cheio de correcção impeccavel; mas em differentes conjuncturas, o Sr. Eduardo Coelho é o mais mordaz, o mais incontinente, e o mais explosivo dos pares que se sentavam na esquerda da Camara.

Pois durante annos elle affrontou a Divina Providencia, quer quando apostrophou injustamente os altos poderes do Estado, pelas dictaduras que lhe pareciam attentatorias dos principios liberaes, quer quando verberava com indignação, que não era postiça, mas sincera, porque está no seu caracter, e no seu feitio politico, quando verberava o Sr. Hintze Ribeiro, aliás, tão liberal, tão correcto, e tão accommodaticio na execução das leis administrativas e, designadamente, no que respeitava á imprensa.

Pois toda a gente se recorda, e quando porventura estes factos sejam esquecidos, é a imprensa de hoje que recorda as suas vehementes orações de outr'ora, a sua palavra mordaz, o seu espirito independente, muitas vezes indisciplinado, como aliás convem a um verdadeiro transmontano e a um infatigavel amador da caça, que é o melhor de todos os sports. Todos lembram que esse espirito fragueiro e pertinaz não tem mão em si, quando se lhe afigura que a Coroa consente ou permitte qualquer cousa que julga menos consentaneo com as necessidades publicas, ou com os principios do nosso codigo fundamental.

Então a sua voz inflammada resoava aqui em imprecações, que em ondas successivas se alastravam até aos paços dos nossos réis.

Pois elle ali está, elle que tambem pedia, ás vezes, que o ouvisse quem tem de ouvir. Pois elle ali está, o seu querido amigo Sr. Eduardo José Coelho!

Está ali para justificar a grandeza de Deus, para attestar a justiça divina.

Pois elle ali está para ser ámanhã um cortezão submisso e conveniente; para ser, sobretudo, o Ministro cumpridor liberal das leis, com aquella suavidade que é de uso terem os membros mais auctorizados do partido progressista, em materia de liberdade.

Este será o seu purgatorio, e não ousa dizer, o seu inferno, porquanto acha que nem todos os peccados que tem commettido o Sr. Eduardo José Coelho são peccados mortaes. Será o seu purgatorio, e terá muito prazer em que essa expiação seja aligeirada, mas não tanto que não permitta ao Sr. Eduardo José Coelho lembrar-se sempre dos calores que apanhou no purgatorio. (Risos).

Crê ter justificado de sobra a razão por que se arrepende de ter pedido a palavra, e só tem a pedir á Camara que o desculpe de lhe haver occupado tanto tempo com a exposição dos seus cumprimentos dirigidos aos novos Ministros.

Ao Sr. Eduardo José Coelho diz que em um dos dias próximos terá muito prazer, e este era o objectivo pelo qual tomou a palavra, de dar começo á .sua peregrinação no purgatorio, discutindo não, mas conversando com S. Exa. sobre a questão das carnes, da subsistencia da cidade de Lisboa.

Vae terminar, agradecendo á Caruaru a attenção que lhe dispensou, e pedindo-lhe desculpa de haver fallado mais tempo do que devia, mas - abyssus abyssum invocai! Não traduzirá como um notavel humorista da nossa terra, por consideração aos Dignos Pares que fallaram antes d'elle, orador, mas dirá sempre que os exemplos dos mestres, nos espiritos secundarios fructeiam sempre estes maus resultados.

O Sr. Presidente: - Consulta a Camara sobre se permitte que a sessão continue até que fallem os Dignos Pares inscriptos para antes de se encerrar a sessão.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Pediu a palavra para formular uma simples e singela pergunta, tão simples e tão singela que, pelo que já ouvira, desnecessaria se tornava.

Mas, dada a resposta do Sr. Presidente do Conselho ao Digno Par Sr. Dantas Baracho, e dado o incitamento do Sr. Presidente do Conselho para que

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discutamos, pede licença para pronunciar algumas palavras acêrca d'essa singela pergunta.

Antes d'isso, porem, cumpre o dever de gostosamente dirigir os seus cumprimentos ao Sr. José Luciano de Castro, felicitando-o pelas manifestas melhoras que tem experimentado, melhoras que seguramente dão grande satisfação á sua familia, aos seus amigos e até a elle, orador, que tem grande consideração por S. Exa.

Motivo ha, pois, para nos congratularmos pelas melhoras de tão illustre homem de Estado.

Agora, seja-lhe permittido accentuar que lhe causaram profunda impressão as palavras pronunciadas pelo Sr. Presidente do Conselho, em resposta aos Dignos Pares Srs. Hintze Ribeiro e João Arroyo.

Não vem definir a sua attitude perante o Governo, porque todos conhecem bem o seu temperamento e caracter para saberem que é de decidida e formal opposição e, desde que o eminente homem publico? e chefe do seu partido, o Sr. Hintze Ribeiro, classificou de inconveniente para os interesses do Estado, e de humilhante para a dignidade do país, um acto do actual Governo, não pode elle, orador, dar facilidades a esse Governo, emquanto elle não puzer de parte esse acto condemnado. Se para isso for necessario derrubar a situação governativa, não ha' possibilidades de hesitação.

Ou então, já não ha logica.

Deus o livre de vir n'esta occasião discutir o contrato dos tabacos, mas pesa-lhe que o Sr. Presidente do Conselho, em resposta ao Digno Par Sr. Hintze Ribeiro, viesse dizer que não phantasiava prodigios de habilidade parlamentar, para provar e demonstrar que o contrato de 4 de abril corrente era superior ao de 16 de julho do anno passado e, a breve trecho, S. Exa. fazia affirmações de que havia obtido mais alguns recursos financeiros para acudir ás circumstancias do Thesouro.

Supponhamos que assim era; supponhamos ainda que tendo mudado as condições economicas do paiz, melhorando a situação cambial, e melhorando, portanto, as condições da Fazenda Publica, melhorassem tambem as condições financeiras do contrato.

Era isso motivo para o Sr. Presidente do Conselho dizer que o contrato de 4 de abril era superior ao de 16 de julho?

Não.

Porque ha uma cousa que se não pode avaliar em milhões de francos: é a honra e a dignidade nacional!

Longe d'elle, orador, a ideia de ser desagradavel ao Sr. Presidente do Conselho, mas permitta-se-lhe dizer que lhe custa crer que haja no nosso paiz homens publicos que consintam que ; desde 1926 a administração dos tabacos por conta do Estado fique commettida a uma companhia que delega todos os seus poderes n'um comité estrangeiro.

Delegar a fiscalisação do Estado na administração de uma companhia é a evidente confissão da nossa incapacidade. Mas S. Exa. vae ainda até ao ponto de, estabelecer que todas as relações d'essa companhia com u Governo, em materia de emprestimo, hão de ser centralisadas no comité de Paris.

Podem-se encontrar, por acaso, mais alguns milhões de francos, correspondendo tanto quanto possivel á melhoria da nossa situação financeira, mas nem mais esses francos, nem as melhorias dó preço das negociações, nem tudo iiso e mais compensa o que se perde em dignidade nacional. (Apoiados}.

As respostas dadas pelo Sr. Presidente do' Conselho ao Digno Par o Sr. João Arroyo, francamente, não pódem satisfazer. Parece que essas respostas vêem confirmar aquelle dictado conhecido de que "Deus deu a palavra ao homem para occultar o seu pensamento". Elle, orador, não dirá que o Sr. Presidente do Conselho faltasse á verdade, mas, pela maneira como S. Exa. se sabe exprimir, não disse aquillo que entendeu conveniente occultar.

O Digno Par Sr. João Arroyo perguntava se havia alguma clausula secreta, e o Sr. Presidente do Conselho respondia promptamente á pergunta, como um rapaz de collegio, que não ha clausula secreta no contrato. Tudo quanto ha, que tenha relação com o contrato, está no contrato!

Veja o Sr. Presidente e a Camara o alcance d'esta resposta. Até o Sr. Presidente do Conselho se esquece de que no proprio contrato ha uma clausula separada e secreta por onde consta o preço mas proprias obrigações.

Coma é que o Digno Par Sr. João Arroyo se podia satisfazer com essa resposta?

Ora, se ha uma clausula secreta bem visivel, e o Sr. Presidente do Conselho não teve escrupulo de a esconder na sua resposta, é de crer que haja mais alguma. Vamos agora á segunda resposta.

O Digno Par Sr. João Arroyo perguntava se havia no contrato, ou fora d'elle, compromisso diplomatico ou qualquer acção estrangeira e o Sr. Presidente do Conselho respondeu que, alem das notas trocadas com o Governo Francês, não existia mais correspondencia alguma.

O Digno Par Sr. João Arroyo não entendeu a resposta, pois que não perguntava se existia correspondencia official: desejava saber se tinha existido acção estrangeira, o que é uma cousa inteiramente diversa.

S. Exa. respondeu assim unicamente para se livrar de difficuldades. Não haveria, mas elle, orador, sempre faz a S. Exa. a denuncia de uma conversação que ha sete ou oito dias teve com um Digno Par, um dos mais notaveis oradores do seu paiz e que nunca se esquece de se fazer lembrar n'esta Camara.

Perguntava-lhe, muito interessado, se conhecia alguma cousa acêrca do contrato dos tabacos que se conservava fechado, a sete chaves, desde o dia 4 de abril.

O Digno Par, que suppunha informado, disse: não. Vigie o Largo do Pelourinho. Fora para casa perguntando como é que havia de inquirir do que havia de importante occulto no contrato dos tabacos?

Como é que havia de proceder para desvendar o mysterio? Vigiando o Largo do Pelourinho!

Olhava para o Largo do Pelourinho, via a Camara Municipal, via os edificios particulares, via o Arsenal. . . Sobretudo o Arsenal fazia-lhe uma grande impressão á vista, mas não descobria nada.

Ante-hontem o Sr. Ministro da Fazenda apresentou á Camara dos Senhores Deputados o projecto de contrato com a Companhia dos Tabacos, e elle, orador, começou a desconfiar de que na verdade o Digno Par a quem se refere lhe aconselhava bem, quando lhe dizia que, se desejava saber o que havia de mysterioso no contrato, vigiasse o Largo do Pelourinho,

Tinha lido, não sabe se no discurso da Coroa, mas seguramente no orgão officioso do Governo, que o producto do emprestimo seria applicado á conversão das obrigações de 1891 e 1896, a pagar a divida fluctuante externa e as dividas ao Banco de Portugal. Abre o contrato e, no relatorio com que o Sr. Ministro da Fazenda o precede, diz-se que o producto do emprestimo será applicado á conversão das obrigações de 1891 e 1896 e á consolidação da divida fluctuante externa, mas a respeito da restante, e não é pequena a differença que vae para 14.000:000 libras, declara-se que o Governo poderá utilisar-se do remanescente d'este emprestimo para fazer face a pagamentos no estrangeiro.

Ora que qualidade de pagamentos serão estes a realisar no estrangeiro? Se a divida fluctuante externa fica paga, se o cambio sobre Londres está abeirado de 50. de maneira quasi a fazer desapparecer as despezas resultantes do agio, que pagamentos serão estes que temos a effectuar no estrangeiro e que levam o Governo a guar-

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dar a sete chaves, no que diz respeito á sua applicação, o producto de 100:000 das novas obrigações ?

Não sabe bem o que é isto, mas entende que o Digno Par Sr. João Arroyo tinha muita razão para perguntar se, alem das clausulas constantes do contrato, havia outras de natureza reservada. E a Camara comprehende que o Digno Par não poderia dar-se como satisfeito com a resposta do Sr. Presidente do Conselho.

Não vem discutir a recomposição ministerial. El-Rei, como Chefe do Poder Moderador, nomeia e demitte livremente os seus Ministros.

É essa uma prerogativa que o Augusto Chefe do Estado exerce na sua alta sabedoria e independencia, e cujo exercicio nós devemos acatar reverentes. Por isso não discute a razão do favor da Coroa, que deu uma recomposição ao Governo, mas como membro do Parlamento, tem o direito de conhecer das causas da crise, de conhecer a maneira como foi resolvida, de pedir explicações aos Ministros responsaveis, e de inquirir se a recomposição se realisou pela maneira que mais convenha aos interesses publicos na actual conjunctura politica.

O Sr. Presidente do Conselho convidou-nos a que discutissemos a crise.

De que proveio ella? Porque sahiu dos Conselhos da Coroa o Sr. Pereira de Miranda? Porincapaeidade physica? Oh! senhores, não fallemos n'isso. Então porque foi? Na verdade o Sr. Pereira de Miranda não tivera nenhumas difficuldades parlamentares traduzidas em qualquer manifestação, por parte das maiorias, de pouca confiança em S. Exa. para poder governar.

Reabertas as Côrtes, na Camara dos Senhores Deputados nenhuma discussão se realisou, e aqui, na Camara dos Pares, apenas o Sr. Pereira de Miranda foi chamado a dar contas do seu procedimento em relação á suspensão do Mundo.

Vê que o Sr. Presidente está muito contrariado, porque a hora está muito adiantada.

O Sr. Presidente: - É porque estão inscriptos varios Dignos Pares para antes de se encerrar a sessão, e a hora, effectivamente, está muito adiantada.

O Orador: - Vae resumir quanto possivel as considerações que tem a fazer e, com a franqueza e com a verdade que costuma usar, dirá que não foram sinceras as explicações do Governo com respeito ao modo por que foi regulada a crise.

A crise foi resolvida sahindo o Sr. Ministro das Obras Publicas para a pasta do Reino, o entrando para a pasta das Obras Publicas o Sr. D. João de Alarcão.

Nunca se pensou n'outra cousa, mas o Sr. D. João de Alarcão foi o primeiro escolhido para a pasta do Reino.

Dizia-se tambem que o Sr. Presidente do Conselho convidou o Sr. Beirão a assumir a pasta do Reino.

O Sr. Beirão tinha o seu programma politico apresentado no começo da sessão de 1904, e de certo não iria acceitar as responsabilidades de um procedimento, tão contrario ao seu modo de ver.

O Sr. Beirão tinha aquella declaração de que não collaboraria com nenhum governo que recorresse ás dictaduras ou a pedidos de auctorizações, e o Sr. Beirão via todos os dias no Diario do Governo actos de dictadura, embora disfarçada, e via uma lei de receita e despesa em que se pedem auctorizações para reformar tudo.

O Sr. José Luciano de Castro affirmou na Camara dos Deputados que, não permittindo o seu estado de saude, em outubro, assumir a Presidencia do Conselho, instara com o Sr. Pereira de Miranda para que acceitasse esse cargo.

Pois não será isto um attestado de incapacidade a todos os seus collegas?

Pois o Sr. Beirão não tinha capacidade para ser presidente do conselho n'aquella occasião, e havia de acceitar agora a pasta do Reino?

Fallou se tambem depois no Sr. Ministro da Justiça e no Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros para a pasta do Reino.

Esses dois homens constituem a força principal do Governo e a maior esperança do partido progressista.

Não seriam tambem competentes?

É porque qualquer d'elles na pasta do Reino seria Ministro a valer, o que não convinha ao systema.

N'estas circumstancias arranja-se uma vaga no Ministerio, indo o Sr. Eduardo José Coelho para o Reino e o Sr. D. João de Alarcão para a pasta das Obras Publicas, visto que não podia ir para a da Fazenda, por lá estar o Sr. Espregueira com a sua grande responsabilidade n'um dos projectos mais importantes. Para a Justiça não podia ir porque daria o Sr. Alpoim no Reino; para os Estrangeiros tambem não, porque daria o Sr. Villaça n'aquella pasta; para a Guerra não podia ser porque o Sr. Alarcão é paisano de mais para resolver as grandes difficuldades creadas pelas recentes propostas do Sr. Sebastião Telles; para a Marinha seria aprendiz, o que era demasiado. Logo só podia ir para as Obras Publicas, o que determinou a passagem do Sr. Eduardo José Coelho para o Reino.

Entrou, portanto, o Sr. Eduardo José Coelho para a pasta do Reino. Não t

A verdade é que o Sr. Eduardo José Coelho se collocou, pelo seu passado, em circumstancias de não ser o Ministro mais competente para a conjunctura politica actual; para assumir a gerencia d'uma pasta que tem a seu cargo a manutenção da ordem publica. O Sr. Eduardo José Coelho, pelo seu caracter, pelo seu temperamento, sempre, em iodos os tempos, nunca deu tréguas aos seus adversarios.

É difficil a conjectura actual, porque nunca Governo algum atravessou outra igual, mas o que será a politica no paiz quando o Sr. Eduardo José Coelho der expansão ao seu temperamento?

Vae agora fazer a pergunta singela e simples para a qual tinha pedido a palavra.

O Sr. Eduardo José Coelho soube que era Ministro do Reino na sexta-feira de Paixão, e, todavia, manteve-se no Ministerio das Obras Publicas até hontem. Nem sequer a si e aos funccionarios d'aquelle Ministerio elle deu descanso no domingo de Paschoa!

Ha quem diga que o Sr. Ministro das Obras Publicas esteve fazendo um larguissimo testamento. Não sabe se isto é verdade, mas presume que o seja.

Como não gosta de fazer affirmações sem provas, reserva se para quando as tiver, mas o facto impressionou-o bastante e leva-o a fazer uma pergunta. Não é uma questão politica nem complicada ; não pede mesmo inquerito parlamentar.

Quando elle, orador, geria a pasta da Fazenda, o Sr. Eduardo José Coelho disse que elle tinha permittido que um armazem de retem passasse para fora da linha fiscal - d'aquella linha fiscal, que tão atacada foi, e que está rendendo na proporção de 600 contos. por anno a mais do que rendia, e em cuja modificação o Sr. Ministro da Marinha emprega mais actividade, do que em resgatar a bandeira nacional das affrontas que recebeu na região dos Cuanha mas.

O Sr. Eduardo Coelho fez-lhe o maior e mais profundo aggravo, dizendo que era esse um caso para inquerito parlamentar.

Pode dizel-o bem alto : tragam para aqui todos os seus actos, porque de cousa alguma se receia.

Nunca suspeitou de ninguem, e n'esta parte tem uma grandeza de alma muito superior á do Sr. Eduardo José Coelho.

O facto que tem em vista tratar é muito simples.

Em junho de 1889 foi feita pelo Ministerio das Obras Publicas a concessão do caminho de ferro do Valle do Vouga. O Governo não dava nada para o

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caminho de ferro, e, portanto, não ha via nenhum auxilio.

Veiu a lei de 14 de julho de 1899 da responsabilidade do partido progressista, e, como essa lei tinha o intuito de promover o andamento da construcção dos caminhos de ferro, deram se algumas vantagens ás companhias concessionarias, taes como: isenção dos impostos de sêllo e transito, e de importação livre do material necessario para a construcção, e permittiu-se que as camaras municipaes e as juntas ge-raes dessem qualquer auxilio. Depois veiu de novo o concessionario, o Sr. Frederico Pereira Palha, e pediu que se fizesse uma nova concessão nos termos da lei de 1899.

Fez se a concessão pedida, mas os prazos decorreram, e o caminho de ferro não se fez.

Agora pergunta ao austero censor, áquelle que tanto se revolta contra as violencias da lei e contra os favoritismos nos despachos ministeriaes, pergunta se porventura se pode comprehender que o Sr. Eduardo José Coelho, tres dias depois de estar demissionario, fizesse publicar no Diario ao Governo uma portaria em que manda substituir a cedencia do imposto de transito, que é insignificante, por uma garantia de juro de 5 por cento por 20 contos de réis por kilometro ou seja para a linha de 170 kilometros a garantia, de 170 contos de réis por anno?!

Tinha ali a portaria publicada no Diario do Governo de 24 de abril. Estava o Sr. Ministro demissionario ha tres dias, está ali publicada essa portaria, auctorizando o Governo a fazer o contrato provisorio para depois vir ás Côrtes.

Mas então, para auctorizar um contrato provisorio, era necessario uma portaria publicada no Diario do Governo com aquella urgencia, tres dias depois de S. Exa. estar demissionario?

A portaria não obrigava a nada sobre o ponto de vista legal; mas obrigava a fazer o contrato provisorio, porque o seu collega, por solidariedade politica, não podia deixar de o fazer.

Mas o Sr. Eduardo José Coelho não sahiu tão depressa como suppunha. Sahiu ainda depois de ter feito o contrato provisorio.

O contrato provisorio virá ás Côrtes, conforme se diz na portaria, publicada no Diario do Governo mas será legal? Defenderam-se os interesses do paiz? Quando é que S. Exa. viu fazer-se um contrato para garantia de juro sem concurso publico? Então este censor dos actos dos outros procede por esta maneira?

Dirá o Sr. Eduardo José Coelho que o que o determinava ora o cumprimento da lei, e, como não encontrara lei a cumprir, fôra pelo seu raciocinio, caminhara por áquelle processo.

Mas S. Exa. esqueceu-se que ha uma, lei que se chama de contabilidade publica!

Este censor esqueceu-se que a lei, que se chama de contabilidade publica, que é a que rege todos os actos que se prendem com os interesses financeiros do Thesouro, que essa lei de 25 de junho de 1881, diz no seu artigo 37.°, § 1.º

É o seguinte:

"Nenhuma proposta de contrato provisorio, que tenha por fim a construcção de estradas, caminhos de ferro, canaes, docas, edificios publicos, poderá ser apresentada ás Côrtes sem que o mesmo contrato tenha sido feito por concurso publico".

Ora todos os que teem defendido os interesses publicos, quando se trata d'estas questões, sabem quantas vantagens ha no concurso; mas o que sobretudo o Sr. Ministro das Obras Publicas não podia era fazer um contrato sem abrir concurso publico, porque a lei o prohibia de uma maneira formal.

Sobre este caminho de ferro não houve concurso publico.

Não é capaz de ir agora fazer perguntas ao novo Ministro das Obras Publicas sobre o que pensa acêrca de varios assumptos, mas tem de dirigir-lhe uma bem simples e comesinha, e a que S. Exa. responderá facilmente, tanto mais que S. Exa. é um jurisconsulto com qualidade official. A pergunta é a seguinte:

Havendo uma lei de contabilidade publica, que não permitte que os contratos sobre caminhos de ferro vão ás Côrtes, sem que sejam precedidos de concurso publico, o Sr. Ministro das Obras Publica?, sabedor que este contrato não dependeu de concurso, assumirá a responsabilidade d'elle?

O Sr. Ministro das Obras Publicas, sabedor como é de que se não podia proceder como se procedeu, visto a lei ordenar o concurso publico, apresentará o contrato ás Côrtes?

A Camara comprehende bem o prazer que elle, orador, teria de ouvir sobre este assumpto o Sr. Eduardo José Coelho, não porque deseje agora terçar armas com S. Exa., mas porque deseja saber os motivos e a lei em que o Sr. Ministro se baseou para o seu procedimento.

Agora, unicamente duas palavras, visto a hora ir tão adeantada.

Não se estranhe que fale muitas vezes de si proprio; não procede assim por snobismo, mas porque tendo sido novamente atacado deseja mostrar que sobreviveu aos ataques.

Quando elle, orador, tomou conta da pasta da Fazenda, logar que occupou com grande sacrificio e por dedicação ao chefe do seu partido, o Sr. Conselheiro José Luciano de Castro disse n'esta Camara, que o preenchimento do cargo de Ministro da Fazenda tinha sido feito para satisfazer uma aspiração ou uma ambição antiga, mas, sempre muito benévolo para com elle, orador, felicitava-o pela satisfação d'essa ambição, e desejava que a pasta da Fazenda não lhe servisse de Calvario. Não disse mais nada S. Exa., mas disse o sufficiente para o orador perceber a intenção da phrase.

Então, quando o Sr. Luciano de Castro desejava que a pasta da Fazenda lhe não servisse a elle, orador, de Calvario, abeirava-se ou approximava se a questão magna sob o ponto de vista financeiro:-a questão dos tabacos.

Não diz, agora, que a questão dos tabacos dê um Calvario ao Sr. José Luciano, mas faz votos sinceros por que a maneira caprichosa como S. Exa. está dirigindo a sua politica, não dê em resultado a quebra do seu prestigio e o Calvario do seu partido. - (Vozes: - Muito bem).

Por ultimo mandou para a mesa os seguintes requerimentos, que foram mandados expedir:

Requeiro que, pelo Ministerio da Marinha e Ultramar, seja remettida a esta Camara copia do despacho ministerial que recentemente mandou suspender a execução da lei do recrutamento, na parte que se refere a remissão das praças da armada na epoca do alistamento e depois d'elle.

Sala das Sessões da Camara dos Pares, 28 de abril de 1905.= Teixeira de Sousa.

Requeiro que, pelo Ministerio das Obras Publicas, seja remettida a esta Camara, com urgencia, uma nota por onde constem:

1.° Todas as nomeações feitas por áquelle Ministerio do pessoal para quaesquer empregos, vitalicios ou temporarios, ou em commissão, nomes, vencimentos e datas das nomeações, a partir de 15 de janeiro ultimo;

2.° Nota de todos os despachos ou portarias concedendo subsidios para edificios publicos ou como taes considerados, e ainda de despachos ou portarias referentes a trabalhos em edificios publicos, a partir de 20 de outubro de 1904;

3.° Nota de todos os despachos ou portarias mandando estudar ou construir estradas, da respectiva dotação, a partir de 20 de outubro de 1904;

4.° Nota dos adeantamentos recebidos pelo Ministerio das Obras Publicas do Ministerio da Fazenda, desde 20 de outubro de 1904;

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SESSÃO N.° 5 DE 28 DE ABRIL DE 1905 57

õ.° Nota das despesas autorizadas no mesmo Ministerio, comprehendendo as dotações de estradas e edificios publicos, desde 20 de outubro de 1904 a 25 do anno corrente;

6.° Copia de todos os contratos feitos com intervenção do secretario geral do Ministerio das Obras Publicas, a partir de 20 de outubro de 1904.

Sala das Sessões da Camara dos Pares, 26 de abril de 1905. = Teixeira de Sousa.

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, seja remettida a esta Camara, com urgencia, uma nota por onde constem :

1.° Todos os despachos que por novas nomeações foram, pelo Ministerio das Obras Publicas, submettidos ao visto do Tribunal de Contas, desde 20 de outubro de 1904 a 26 de abril corrente, contendo nomes, vencimentos, qualidade do emprego e datas das nomeações ;

2.° Nota de todas as ordens de pagamento que, com excepção das referentes a pessoal, foram submettidas ao visto do Tribunal de Contas durante o mesmo periodo de tempo.

Sala das Sessões da Camara dos Pares, 26 de abril de 1905. = Teixeira de Sousa.

(O Digno Par não reviu.)

O Sr. Presidente: - Como a camara vê, a hora está muito adeantada. Pede, portanto, aos Dignos Pares inscriptos o favor de resumirem o mais possivel as suas considerações.

O Sr. Ministro do Reino (Eduardo José Coelho): - Obedecendo á recommendação de S. Exa. o Sr. Presidente, vae responder á pergunta feita pelo Digno Par Sr. Teixeira de Sousa, dizendo desde já que muito surprehendido ficou com a dissertação que S. Exa. fez a respeito d'elle, orador, ter assignado o contrato provisorio relativo ao caminho de ferro do Valle do Vouga.

Deve dizer que procedeu no uso do direito que lhe assistia de assignar um contrato provisorio, que fica sujeito á sancção parlamentar.

Não assignou o contrato estando já demissionario, pois só soube da sua exoneração pelo Diario do Governo.

Tem a dizer desde já que não só na portaria que o Digno Par tem presente, como no Diario do Governo foram exarados os fundamentos do acto governamental, afigurando-se lhe que essa portaria é bem sugestiva para demonstrar a razão do Ministro das Obras Publicas ao tomar o procedimento que ora vê censurado.

O Sr. Teixeira de Sousa: - A portaria é muito suggestiva..

O Orador: - O contrato tem o fim de occorrer ás necessidades de uma região importantissima. Trata-se de um contrato provisorio, que será submettido á discussão parlamentar. Não abriu concurso porque elle não se podia realizar; e, como disse, trata-se de um contrato provisorio e não definitivo.

O Orador: - Esse contrato ha de vir ao Parlamento se o Sr. Ministro das Obras Publicas assim o entender, e então o assumpto será explicado amplamente.

Elle, orador, sente muita satisfação em ter publicado aquella portaria, e ter assignado o contrato provisorio, porque tem a certeza de que assim praticou um acto de interesse publico e de utilidade para o paiz, especialmente para aquella região. (Apoiados.)

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro das Obras Publicas (D. João de Alarcão): - O mais laconicamente possivel, para não cansar a attenção da Camara, dirá ao Digno Par, em accrescentamento ao que acaba de dizer o Sr. Ministro do Reino, que ainda não conhece a questão juridica a que o Digno Par se referiu; não pode por isso sobre ella proferir uma sentença. Está certo porem de que o procedimento do seu antecessor na pasta das Obras Publicas foi correcto, leal e serio. Elle, orador, procurará estudar a questão, e continuar a obra do seu antecessor, depois a Camara tomará conta dos seus actos.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Jacinto Candido: - Permitta-lhe a Camara que elle, orador, dirija as suas felicitações ao Sr. Presidente do Conselho por o ver, não no gozo de inteira saude, mas pelo menos com as melhoras sufficientes para poder desempenhar as suas funcções.

Ao Sr,. Eduardo José Coelho felicita egualmente por o ver nomeado Ministro do Reino, se é que a troca da pasta representa uma promoção politica.

Ao Sr. D. João de Alarcão dirige tambem os seus emboras por o ver guindado ás alturas a que a sua capacidade intellectual e a sua illustração o reeommendavam.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Mattozo Santos: - Não vae tratar da crise nem dos tabacos, mas apenas mandar para a mesa tres requerimentos a fim do Sr. Presidente lhe dar o devido destino.

Visto que está com a palavra, não pode deixar de se congratular por ver n'esta Camara, em melhor estado de saude do que até agora o Sr. Presidente do Conselho, a quem ha muito estima e considera, e a quem deseja o restabelecimento completo da sua saude.

(S. Exa. não reviu).

Foram lidos e mandados expedir os requerimentos, que são do teor seguinte:

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, seja enviada a esta Camara nota dos empregados extraordinarios nomeados para as escrivanias de fazenda, a titulo de interinos ou por qualquer outro titulo, datas das nomeações e vencimentos.

Sala das sessões da Camara dos Pares, 28 de abril de 1905. = F. Mattozo Santos.

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, seja enviada a esta Camara nota especificada das gratificações ou abonos pagos, durante o actual anno economico, pelo fundo geral de quotas, alem das importancias correspondentes aos vencimentos de categoria dos respectivos funccionarios, data dos correspondentes despachos.

Sala das sessões da camara dos Pares, 28 de abril de 1905. = F. Mattozo Santos.

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, seja enviada a esta Camara nota nominal dos escrivães de fazenda, data do despacho da ultima nomeação, localidade em que foram collocados, commissão actual que desempenham, vencimentos que lhes são abonados.

Sala das sessões da Camara dos Pares, 28 de abril de 1905. = F. Mattozo Santos.

O Sr. João Arroyo: - Pediu outra vez a palavra para obter um esclarecimento do Sr. Presidente do Conselho.

Nós estamos com um Ministro em crise. O Sr. Ministro do Reino está em crise porque o Sr. Ministro das Obras Publicas, em vez de dizer que não tem a mais pequena duvida em trazer ao Parlamento o contrato a que se referiu o Sr. Teixeira de Sousa, affirmou que iria á sua secretaria ver se o contrato está nos termos da lei, para depois resolver se o deve apresentar ao Parlamento. Emquanto isto se não fizer o Sr. Ministro do Reino está em crise, e elle, orador, pede ao Sr. Presidente que providencie sobre esta occorrencia. (Risos).

Elle, orador, teve a honra de dirigir ao Sr. Presidente do Conselho duas perguntas.

Não sabe porquê, mas a verdade é que o Governo está atacado de uma surdez epidemica.

O Sr. Presidente do Conselho dignou-se de responder que não á primeira per-

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58 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

gunta, e elle, orador, não pode admittir que um homem de Estado, que occupa um logar proeminente na politica portugueza, venha trazer a esta casa palavras que não sejam a estricta reproducção da verdade.

Em terceiro logar, perguntou se existia, alem das notas trocadas entre os Governos Portuguez e Francez, alguma acção externa, das chancellarias estrangeiras, referente ao assumpto.

S. Exa. disse o seguinte: "que não existia compromisso algum, nem correspondencia diplomatica".

Não deseja discutir, n'este momento, o assumpto com o Sr. Presidente do Conselho, mas, simplesmente, comprehender se S. Exa., pelas palavras que empregou, quiz responder o que respondeu, ou quiz responder que não.

S. Exa., dizendo que não existe compromisso nem correspondencia diplomatica, quiz deixar em reserva mental qualquer acção externa, ou quiz significar que nenhuma acção externa existe alem das notas trocadas?

Não quer discutir com o Sr. Presidente do Conselho - quer comprehender o que S. Exa. disse, Mais nada.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho (José Luciano de Castro): - Crê ter sido bastante claro na resposta que deu ao Sr. João Arrojo. S. Exa. perguntou se havia alguma correspondencia ou qualquer compromisso diplomatico.. .

O Sr. João Arroyo: - Perguntou se, alem das notas trocadas entre os Governos Portuguez e o Francez houve alguma outra acção externa das chancellarias estrangeiras.

O Orador: - Não ha nenhuma. Alem d'essas notas trocadas, não ha nenhuma.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. João Arroyo: - Perfeitamente; era essa declaração que precisava obter, porque não tinha percebido a resposta de S. Exa.

O Sr. Ministro das Obras Publicas (D. João de Alarcão): - Tem que responder ao Digno Par Sr. João Arroyo, que procurou encontrar nas suas palavras um sentido que ellas não tinham.

EU e, orador, começou por declarar que estava inteiramente de accordo com o Sr Ministro do Reino, mas, como se lhe fez uma pergunta s bre um ponto preciso de jurisprudencia, não podia responder sem o estudar. Já S. Exa. via que elle, orador, não estava em discordancia com o Sr. Ministro do Reino. Tinha a certeza, e já o havia dito, de que o procedimento do Sr. Eduardo José Coelho tinha sido correcto e legal.

(S. Exa. não reviu). .

O Sr. Presidente: - Já passou uma hora da hora regimental.

Tem a palavra o Digno Par Sr. Dantas Baracho, a quem pede que seja breve.

O Sr. Sebastião Baracho: - O que pode elle, orador, dizer depois do exordio do Sr. Presidente, a quem de seja ser agradavel?

Em primeiro logar agradece ao Sr. Arroyo a boa vontade com que defendeu os seus direitos, que são os direitos de todos os membros d'esta casa.

Limita-se a consignar que o Sr. Presidente do Conselho, na resposta que formulou ha pouco, foi claro e expresso, dando-lhe plena satisfação.

Elle, orador, na ultima sessão pediu pela Presidencia do Conselho o seguinte:

"1.° Copia do telegramma expedido pela Presidencia do Conselho de Ministros á legação de Paris, acêrca da cota eventual de novos titulos de conversão dos tabacos, e a resposta correspondente ;

2.° Copia de qualquer outra correspondencia concernente á conversão dos mesmos titulos, e assumptos correlativos."

Foi noticiado pela imprensa ministerial que o Sr. Presidente do Conselho se tinha dirigido, elle proprio, ao nosso Ministro, em Paris, pedindo que insistisse junto do Governo francez para a cotação dos titulos.

Ainda não lhe foram enviados os documentos sobre o assumpto, e elle, orador, pede ao Sr. José Luciano de Castro que tenha a amabilidade de lhe enviar esses documentos, porque muito carece d'elles.

Posto isto, dirá que folga de estar isolado porque a sua situação o obriga a manter principies e doutrinas que podem não agradar, mas que elle, orador, continua a defender.

O Sr. Presidente do Conselho sabe que elle, orador, tem por S. Exa. consideração e estima, como todos nós temos pelas suas qualidades, talento e illustração; mas elle, orador, entende que não é compativel com o exercicio do elevado cargo que S. Exa. desempenha, a sua doença,, porque não lhe permitte a comparencia no Parlamento sempre que seja necessaria, tanto mais que S. Exa. é absorvente e tem por isso a responsabilidade integra, de todos os actos do Governo.

Assim, elle, orador, affirma a sua admiração perante o facto de S. Exa. dizer que não perseguiu a imprensa.

Reconhece, em homenagem ao Sr. Presidente do Conselho, que nos actos que lhe são directos e pessoaes tem havido a maxima liberdade de ataque,

porque S. Exa. é do tempo em que se respondia ao ataque com o ataque.

Mas não e d'isto que elle, orador, trata, sendo pois inutil a declaração do Sr. Presidente do Conselho.

Do que trata é do facto de ter havido censura previa, apprehensão de jornaes e advertencia policial, assumptos estes que elle, orador, ha de versar brevemente com o Sr. Ministro do Reino, promettendo desde já á Camara que ha de voltar a apreciai os com a largueza com que costuma referir-se a todos os assumptos importantes, quando a Camara se occupar da resposta ao Discurso da Corôa.

Convida, portanto, o Sr. Presidente do Conselho a acompanhar a discussão d'esse diploma e de outros, que elle, orador, ha de analysar largamente, e que, pela sua importancia, demandam a presença de S. Exa.

Mais uma vez declara que o excesso a que se chegou para com a imprensa só demonstra que as instituições estão tão combalidas que já precisam de balões de oxygenio.

Attentados taes não se praticam em paiz algum do mundo, com excepção do nosso, cujo estado dê abatimento é manifesto e cuja decadencia está patente.

Por ultimo, pede para a primeira sessão a comparencia do Sr. Ministro da Fazenda, porque tem de tratar com S. Exa. varios assumptos, sobretudo do facto de não lhe terem sido fornecidos nenhuns documentos dos que pediu pelo seu Ministerio, sendo o principal assumpto a que deseja referir se o que diz respeito á partilha dos lucros na questão dos tabacos.

Elle, orador, requereu, na sessão de 4 de abril d'este armo: copia do apuramento respeitante á partilha de lucros com a Companhia dos Tabacos - apuramento realisado por uma com-missão a que por ultimo presidia o Sr. Conselheiro Poças Falcão.

É esta a segunda ou terceira vez vez que elle, orador, se dirige ao titular da pasta da Fazenda para obter esses esclarecimentos.

Desejaria tambem que estivesse presente na primeira sessão, de novo o consigna, o Sr. Ministro do Reino para se verificar quanto S. Exa. diverge, na pratica ministerial, das theorias que apresentava na opposição, e que elle, orador, aliás sempre apoiou.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro do Reino (Eduardo José Coelho): - Manda para a mesa a seguinte proposta:

Foi lida, approvada, e é do teor seguinte :

O Governo de Sua Majestade pede á Camara dos Dignos Pares do Reino permissão a fim de que o Digno Par

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SESSÃO N.° 5 DE 28 DE ABRIL DE 1905 59

do Reino Venancio Jacinto Deslandes Correia Caldeira possa exercer, querendo, na presente sessão legislativa as funcções de secretario geral do Governo Civil do districto de Beja, quando assim convenha ao serviço publico.

Secretaria de Estado dos Negocios do Reino, em 28 de abril de 1905.^ Eduardo José

O Sr. Presidente : - A proximo sessão será na quarta feira 3 de maio, e a ordem do dia a mesma que vinha para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 6 horas ô minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 28 de abril de 1905

Exmos. Srs.: Antonio Candido Ribeiro da Costa; Marquezes: de Avila e de Bolama, de Fontes Pereira de Mello, de Penatiel, de Pombal, da Praia e de Monforte, da Praia e de Monforte (Duarte); Arcebispo de Caledónia; Condes: do Bomfim, de Cas-te-llo de Paiva, de Figueiró, da Ribeira Grande, de Sabugosa, de Tarouca de Valença de Villar Secco; Moraes Carvalho, Antonio de Azevedo, Eduardo Villaça, D. Antonio de Lencastre, Santos Viegas, Teixeira de Sousa, Telles de Vasconcellos, Augusto José da Cunha, Eduardo José Coelho, Serpa Pimentel, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Mattozo Santos, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco de Castro Mattoso, Dias Costa, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Ressano Garcia, Almeida Garrett, Baptista de Andrade, Jacinto Candido, D. João de Alarcão, João Arroyo, Gusmão, Jorge de Mello, José
de Azevedo, José Dias Ferreira, Frederico Laranjo, José Luciano de Castro, José de Alpoim, Silveira Vianna, Julio de Vilhena, Rebello da Silva, Pimentel Pinto, Pessoa de Amorim, Poças Falcão, Bandeira Coelho, D. Luiz de Sousa, Manoel Affonso de Espregueira, Pereira Dias, Raphael Gorjão, Marino Franzini, Miguel Dantas, Pedro de Araujo, Pedro Victor, Sebastião Telles, Sebastião Dantas Baracho, Ornellas Bruges, Wenceslau de Lima.

Os Redactores:

J. F. GRILLO.

(De pag. 43, a pag. 49, col. 2.ª e de pag. 53, col. 3."ª a pag. 57, col. l.ª)

JOÃO SARAIVA

(De pag. 49, col. 2.8, a pag, 53, col. 3.ª e de pag. 57, col. l.ª, a pag. 59, col. 1.ª)

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